Direito Penal

As finalidades da pena e suas teorias

AS FINALIDADES DA PENA E SUAS TEORIAS[1]

Rodolfo Ricardo Bastos Aguiar[2]

RESUMO

A pena surgiu com a necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo, pois, um dos principais instrumentos do Direito Penal no sentindo de coibir o cometimento de atos ilícitos e culpáveis. O sistema jurídico, enquanto modelo de regulação social, surgiu no sentido de estabelecer um conjunto de comportamentos tidos como primordiais para manter o convívio social e harmônico. Diante disso, a pena foi vista como o principal meio de manutenção desse convívio em comunidade. Três grandes correntes teóricas surgiram a partir do estudo das finalidades da pena, sendo as absolutas, as relativas e pôr fim a mista. Elas estabelecem meios de aplicação da pena e seus objetivos. Além disso, a pena também está diretamente relacionada a capacidade do juiz no processo de medição, sendo proporcional ao grau de culpabilidade do agente e visando principalmente sua reinserção na comunidade.

Palavras-chave: Bens jurídicos, culpabilidade, finalidades, pena, regulação social, teorias

1 INTRODUÇÃO

Estão intimamente ligadas as concepções entre Estado e pena, assim como esta e a culpabilidade. Quando um passa por mudanças e transformações ao longo da história, os demais também acompanham o mesmo processo, visto que sofrem grandes influências de contextos históricos, culturais, políticos e ideológicos. Da mesma forma, aconteceu com as teorias da pena.

A pena surgiu como uma necessidade de tutela dos bens jurídicos, representados pela manutenção da ordem, que é papel do próprio Estado. Diante disso, as Teorias Absoluta, Preventiva e Mista nasceram como um meio para o Direito Penal determinar a medida da pena, estando pois, em evolução a cada mudança do ordenamento jurídico penal. Tais modificações geram grandes discussões acerca das finalidades que a pena possui frente aos acontecimentos e expectativas da comunidade que ela mesma visa proteger.

Os efeitos que a pena deve produzir sobre o indivíduo e também sobre toda a sociedade nascem de sua própria necessidade reguladora da vida em comunidade, isto porque seria tecnicamente impossível tal vivência sem regras que tenham como objetivo principal coibir e evitar a prática de condutas típicas, ilícitas e culpáveis, eis a principal finalidade da pena.

Neste artigo, será também ressaltado as principais teorias acerca das finalidades de aplicação das penas, como já mencionadas anteriormente, e de que forma influenciam no processo de medição da pena pelo aplicador, bem como as funções que ela pode desempenhar no Estado.

2 O CONCEITO DE PENA NO DIREITO PENAL

Segundo Luiz Regis Prado (2012, p. 627): “a pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal”. Assim, a regulação social de toda a sociedade é feita através de um sistema jurídico que visa estabelecer um conjunto de comportamentos para possibilitar a harmonia entre as comunidades, regulamentado através do Direito Penal e outras legislações.

O sistema jurídico-penal estabelece comportamentos que servirão como modelos a serem seguidos por toda a sociedade, isso para que haja um parâmetro que possa assegurar o controle dos modelos comportamentais, principalmente daqueles que devem ser evitados.

Ao agir em desencontro com tais preceitos comportamentais, o agente estará realizando uma conduta que “rompe” com os princípios do Direito Penal e a ele cabe uma sanção que se aplique no limite de sua culpabilidade. Essa sanção é chamada no sistema jurídico-penal de pena.

Portanto, a pena surgiu como uma forma de regular a vida em sociedade e coibir a prática de atos típicos, ilícitos e culpáveis pelos cidadãos. Sua determinação dá-se pela medida de sua culpabilidade, ou seja, pela culpa que o agente possui diante do ato praticado. Sua medida é feita pelo aplicador da lei, o juiz, que ao interpretá-la buscará estabelecer a sanção cabível ao caso concreto, dentro dos limites definidos em lei.

2.1 Penas restritivas de direitos e penas privativas de liberdades

A pena é destinada àqueles que praticam um delito, o que dá lugar a consequências jurídicas variadas, dessa forma, o Direito Penal moderno estabelece dois principais tipos penas.

O primeiro tipo, são as penas privativas de liberdade. Consistem em uma sanção mais severa pois tira do agente sua capacidade de ir e vir livremente, “ao pé da letra”, ela restringe sua liberdade. É aplicada para crimes mais graves, sendo imposta ao agente através de regimes de reclusão e também detenção.

As penas restritivas de direitos são sanções penais aplicadas em substituição as penas privativas de liberdade. Consiste na restrição ao exercício do direito, que não seja a liberdade. Elas são autônomas e substitutivas e não podem ser cumuladas com as penas privativas de liberdade. O art. 43 do Código Penal estabelece em seus incisos quais são as penas restritivas, tais como prestação pecuniária, perda de bens e valores, pagamento de multas, prestação de serviços à comunidade entre outros.

3 TEORIAS SOBRE AS FINALIDADES DAS PENAS

A construção de teorias acerca dos fins da pena surgiu por volta do século XVIII como uma forma de justificação da punição criminal, bem como, também buscavam idealizar formas de sanções penais que pudessem explicar e justificar a imposição da pena pelo Estado.

As teorias acerca disso são inúmeras, mas são englobadas em três principais grupos.

3.1 Teorias absolutas ou de Justiça – Retributivas

O que mais caracteriza as penas das teorias absolutas consiste na conjectura do Estado que dela faz uso. O Estado Absolutista tinha na figura do rei o detentor do poder legal e da justiça, a pena era de longe vista como um castigo que expiava o mal cometido, que era visto também como um pecado. O surgimento e crescente ascensão da burguesia também se mostrou como fator para a implementação de meios para a proteção do capital.     

Seguindo as palavras de Cezar Roberto Bitencourt:

O Estado, tendo como objetivo político a teoria do contrato social, reduz sua atividade em matéria jurídico-penal à obrigação de evitar a luta entre os indivíduos agrupados pela ideia do consenso social. O indivíduo que contrariava esse contrato social era qualificado como traidor, uma vez que com sua atitude não cumpria o compromisso de conservar a organização social, produto da liberdade natural e originária. (BITENCOURT, 2012, p. 55)

Dessa forma, sua culpa era retribuída por meio de uma pena. A esta, cabia a missão de realizar a justiça. Seu fim era fazer justiça, tudo isso porque a teoria absoluta fundamenta a pena unicamente no delito praticado, ela é literalmente uma retribuição ao comportamento do agente, funciona como uma compensação de sua culpabilidade.

Nas teorias absolutas também, a pena encontra seu fundamento apenas em decorrência do delito, e de acordo com sua gravidade, sua medição dá-se a partir das exigências do ordenamento jurídico e da justiça. Nela, não se vislumbra qualquer outro objeto a não ser o de punir o agente causador do ato ilícito, lhe causando um “mal”, oriundo de sua própria conduta, é a forma dele entender que será punido em virtude do seu descumprimento às normas jurídicas vigentes.

O crime é um comportamento que gera o mal, com isso ele acaba por romper com os princípios morais e de justiça de uma determinada comunidade. Esse comportamento fere os princípios morais da sociedade, assim, a ideia das penas retribucionistas, oriundas das teorias absolutas, é de afirmar o direito e os princípios morais frente aos males causados pelas práticas criminosas.

O fato é que tais teorias não mais puderam se expandir, visto que levam em conta princípios arcaicos como o de Talião, que são vistos hoje em dia como uma afronta à dignidade da pessoa humana, principalmente quando se fala em um Estado Democrático de Direito.

Na concepção moderna, a ideia da retribuição significa que a pena deve ser proporcional ao ato culpável cometido, levando em conta o princípio da justiça distributiva. De acordo com o pensamento de Luiz Regis Prado (2012, p.629): “Logo, essa concepção moderna não corresponde a um sentimento de vingança social, mas antes equivale a um princípio limitativo, segundo o qual o delito perpetrado deve operar como fundamento e limite da pena”.

3.2 Teorias Relativas ou Preventivas

O principal objetivo dessas teorias é no sentido de prevenir novos comportamentos criminosos, dessa forma, a pena não mais seria vista como um mal a ser aplicado ao delinquente, mas sim como um instrumento de ressocialização, que buscasse garantir além da sanção pela ilicitude cometida, mas também sua convivência social, utilizando da prevenção o meio para que novos crimes não sejam cometidos.

Assim, as teorias relativas encontram o fundamento da pena na necessidade de evitar a prática futura de delitos, sendo ela justificada por fins preventivos gerais e especiais.

3.2.1 Prevenção Geral

É vista como uma intimidação, busca justificar-se através de efeitos que visam inibir a realização de condutas delituosas; ela está voltada para toda a sociedade, no intuito de fazer com que não se pratiquem comportamentos criminosos, de maneira que deixarão de praticar atos ilícitos em razão do medo de sofrer uma aplicação de uma sanção penal. Quer evitar a pratica de delitos por qualquer integrante da comunidade.

Essa teoria subdivide-se em Prevenção Geral Negativa e Prevenção Geral Positiva.

A prevenção negativa é que dá base para a “teoria da coação psicológica”, defendida por Anselm V. Fueurbach, que segundo ela, “é através do Direito Penal que se pode dar uma solução ao problema da criminalidade. ” E isto se consegue de certo modo através da ameaça da sanção penal. Sendo assim, a prevenção geral negativa seria um raciocínio intimidativo, no sentido de através da pena coagir os membros do grupo social a não realizarem o comportamento descrito como crime.

Já a prevenção positiva defende uma função da pena como fortalecedora de valores ético-jurídicos, garantindo ao sujeito uma orientação sobre os modelos comportamentais adequados à sobrevivência de uma sociedade pacífica. Visa, dessa forma, infundir na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo a integração social.

3.2.2 Prevenção Especial

A prevenção especial está voltada exclusivamente para a pessoa do delinquente, para evitar que volte a cometer novos crimes no futuro. Elas também se subdividem em teorias da prevenção especial positiva, voltadas para a reeducação do delinquente, servindo para reafirmar neste os valores de convivência social, não apenas de intimida-lo ou de ameaça-lo; e teorias da prevenção especial negativa, onde a pena deve agir na pessoa do delinquente coagindo-o diretamente, retirando esse do convívio social, aplicada assim, pena privativa de liberdade.

A prevenção especial positiva dá base para o fortalecimento das penas alternativas, que cada dia mais vêm ganhando espaço no ordenamento jurídico-penal.

3.3 Teoria Mista ou Unificadora da Pena

Essa teoria visa unificar em uma única concepção as finalidades da pena segundo as teorias anteriormente vistas. Dessa forma, a pena terá não só uma finalidade preventiva, no sentido de intimidação geral e especial, como também funcionará como ameaça ao criminoso que realizou o comportamento reprovado pelo ordenamento jurídico.

A teoria mista também é importante no sentido de fornecer a pena um princípio limitativo, ou seja, o delito praticado deve operar como fundamento e também limite da pena, que sempre deverá ser proporcional à culpabilidade do agente. Tal princípio é fundamental no processo de medição da pena pelo aplicador da lei no caso concreto. A exigência legal é que a medida da pena seja encontrada pelo juiz em função da culpa e também da prevenção.

4 CONCLUSÃO

Sendo assim, após todo o exposto, pode-se perceber a importância do conhecimento acerca das finalidades da pena e principalmente suas teorias. A pena, como principal instrumento do Direito Penal para o controle social, passou por diversas mudanças de concepção ao longo dos anos, o que acabou resultando na distinção dessas três correntes acima explicitadas, onde primeiramente buscou-se apenas punir os que não obedecessem às normas estabelecidas, utilizando da pena apenas como um elemento de punição, sem vislumbrar qualquer outro princípio, típico do Estado Absolutista.

De outro lado, buscou-se já a prevenção da prática delituosa, com penas severas e que intimidassem toda a sociedade para justamente evitar que as pessoas ousassem desafiar o sistema jurídico-penal. Mas com a evolução do pensamento e dos estudos sobre os fins da pena, chegou-se a terceira e mais visível corrente de pensamento, com a Teoria Mista, que buscou unificar em uma única concepção todos os princípios anteriormente estudados e aplicados, a fim de possibilitar uma melhor aplicabilidade da pena, esta, agora voltada para a prevenção da prática de delitos, mas também, e principalmente, para a reinserção e ressocialização dos criminosos, visando garantir uma punibilidade mais humana e que pudesse recuperar a pessoa do delinquente.

E finalmente, todas essas teorias foram eficazes no sentindo de concretizar o modelo de determinação da medida da pena, ao passo que tal determinação deve estar sempre dentro dos limites definidos em lei, onde há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos e na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, sendo por outro lado que a pena não pode jamais ultrapassar o grau de culpabilidade do agente.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com a Lei n. 12.550, de 2011. – São Paulo: Saraiva, 2012.

DIAS, Jorge de Figueiredo. Sobre o “modelo” de determinação da medida da pena. Notáveis do Direito Penal. Editora Consulex: 2006, pag. 215-229

GROKSKREUTZ, Hugo Rogerio. Das teorias da pena no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7815>. Acesso em: 02 de abril 2015.

MARCÃO, Renato. Rediscutindo os fins da pena. Notáveis do Direito Penal. Editora Consulex: 2006, pag. 421-438

NELSONDE MIRANDA COUTINHO, Jacinto. Teoria das janelas quebradas: ainda!. Notáveis do Direito Penal. Editora Consulex: 2006, pag. 203-2011

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral. 11. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.



[1] Artigo apresentado à disciplina de Direito Penal II.

[2] Acadêmico do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA).

Como citar e referenciar este artigo:
AGUIAR, Rodolfo Ricardo Bastos. As finalidades da pena e suas teorias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/as-finalidades-da-pena-e-suas-teorias/ Acesso em: 28 mar. 2024