Direito Penal

A medida de segurança no sistema penal brasileiro

Renata Lima dos Santos[1]

Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Requisitos Necessários para a Aplicação da Medida de Segurança. 4. Espécies de Medida de Segurança. 5. A Execução da Medida de Segurança. 6 Conclusão. Referências.

RESUMO

Analisa-se nesse trabalho toda a sistematização da medida de segurança no ordenamento jurídico brasileiro, sendo uma espécie de sanção, verifica-se a necessidade de analisar as particularidades desse instituto, destacando as diferenças com o sistema da sanção-pena. Apresenta-se uma análise do conceito, natureza e finalidade da medida de segurança, enfatizando-se os requisitos legais necessários para a devida imposição ao inimputável ou semi-imputável, com o atendimento ao princípio da legalidade. Destaca-se as modalidades de medida de segurança disciplina na ordem legal de forma expressa e implicitamente, como o caso da medida substitutiva. Analisa-se a fase de execução da medida de segurança, conforme a Lei de Execução Penal.

Palavras-chaves: sistematização – medida de segurança – ordenamento jurídico brasileiro – sanção penal – princípio da legalidade.

INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico brasileiro apresenta a medida de segurança como espécie de sanção penal ao lado da pena. Sendo a medida de segurança aplicada devido a prática do crime pelo inimputável ou semi-imputável, com fins de prevenção de novos delitos no meio social, aplicando tratamento terapêutico através da medida de internação em hospital de custódia ou da medida de tratamento ambulatorial.

Assim, este trabalho apresenta uma análise em torno do conceito atribuído a medida de segurança, a natureza de tratamento terapêutico e a finalidade preventiva geral e especial através da aplicação de uma das modalidades de medidas de segurança. Enfatizando as semelhanças e diferenças quanto a finalidade entre a medida de segurança e pena, sem desconsiderar a medida de segurança como espécie de sanção penal.

No segundo tópico pretende apresentar os requisitos necessários deduzidos da ordem legal vigente, os quais são inimputabilidade, prática de fato típico e ilícito e a periculosidade criminal. Sendo esses requisitos fundamentais para a imposição da medida em atendimento ao princípio da legalidade, com o fim de evitar a prática de aplicações arbitrárias.

Enquanto, que o terceiro tópico visa dispor sobre as modalidades de medida de segurança previstas no sistema penal, medida de internação em hospital de custódia e tratamento terapêutico. Já o último tópico apresenta a fase de execução das espécies de medida de segurança, com base no regramento disposto na Lei de Execução Penal, enfatizando sobre a divergência em torno da possibilidade de execução provisória da medida de segurança.

2. Conceito:

A medida de segurança surgiu sob a forma de medidas de tratamento, devido a necessidade de uma sanção com caráter preventivo justificado na defesa social, aplicada contra os considerados perigosos sociais ou criminais. A evolução da sistematização da medida de segurança proporcionou a construção de aspectos jurídicos e legais exigidos para a imposição dessas medidas aos inimputáveis e semi-impútaveis, devido a prática do delito.

As medidas de segurança, assim, são consequências jurídicas previstas no ordenamento jurídico, em que o Estado através do jus puniendi e do cumprimento dos requisitos legais exigidos determina a aplicação dessa sanção penal com fins preventivos, fundamentada no tratamento e na assistência do doente mental que se encontra em conflito com a lei penal.

Há discussões na doutrina quanto a classificação da medida de segurança como sanção penal, pois muitos consideram-na como medida de caráter administrativo, conforme adotava os positivistas italianos do final do século XIX, já que a aplicação das medidas de tratamento ocorria de forma administrativa.

Assim como, em razão dos fins de tratamento e assistência adotados pelas medidas de segurança, parte da doutrina defende que não seria cabível classificá-la como sanção penal, pois a sanção na figura da pena possui um caráter retributivo da prática do crime e não curativo como é atribuído pela ordem legal à medida de segurança.

Contudo, há razões que justificam a medida de segurança como sanção penal, já que constitui como instrumento de controle da dogmática do Direito Penal juntamente com a pena, apresentando a prática do crime como justificativa para a imposição de ambas as sanções, segundo afirma Luiz Regis Prado:

As medidas de segurança são consequências jurídicas do delito, de caráter penal, orientadas por razões de prevenção especial. Consubstanciam-se na reação do ordenamento jurídico diante da periculosidade criminal revelada pelo delinquente após a prática de um delito. (PRADO, 2012, p.785).

Tendo em vista, que a medida de segurança exige medida de segurança exige como requisito a demonstração da periculosidade criminal através do delito para a aplicação de uma das suas modalidades. Enquanto, que as medidas de caráter administrativo são aplicadas devido a prática de condutas consideradas anti-sociais, não sendo impostas quando há a prática de crimes (FERRARI, 2001).

Aliás, os fins de prevenção e de tratamento da medida de segurança prioriza a recuperação do doente mental que praticou o delito, isto é, a ressocialização, como fim de evitar novas práticas delituosas; já as medidas de caráter administrativo visam a readaptação dos anti-sociais, conforme destaca Eduardo Reale Ferrari:

Ao nosso ver, não há razão válida para insistir na ideia equivocada de considerar-se a medida de segurança criminal como um instrumento meramente administrativo, mesmo porque as prevenções administrativas não possuem finalidades particulares de tratamento e de readaptação do criminoso-doente, mas dos periculosos sociais. (FERRARI, 2001, p. 78)                  

Além do mais, a medida de segurança possui a jurisdicionalidade como elemento essencial da sanção, pois a aplicação da medida ocorre pela atuação do Poder Judiciário, sendo o responsável pela análise da violação ao bem jurídico protegido e o atendimento aos requisitos legais exigidos para a imposição da sanção em respeito ao princípio da legalidade, como destaca Eduardo Reale Ferrari:

A medida de segurança criminal possui uma natureza monopolizadora do Poder Judiciário, configurando-se a sua aplicação condicionada à necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade da medida terapêutica. Partindo-se da premissa de que o Estado Democrático deve proteger proteger não apenas os indivíduos, mas também o próprio Estado, acreditamos constituir medida de segurança uma providência estatal, condicionada aos limites do exercício jurisdicional. (FERRARI, 2001, p.76).

A medida de segurança e as penas são sanções penais aplicadas pelo Estado através do jus puniendi, devido a prática do delito no meio social, ambas apresentam, assim, o fim de evitar a prática de futuras ações delituosas com fundamento na defesa do meio social.

Apesar das semelhanças como modalidades de sanções penais, não há como negar que cada sanção apresenta características próprias no momento da aplicação ao indivíduo infrator. Por essa razão, ao longo do tempo surgiram duas teorias que trataram das semelhanças e diferenças entre essas duas sanções.

A teoria unitária defendia que a pena e a medida de segurança apresentavam muitas semelhanças, fato esse que legitimava a redução das duas espécies de sanção em um único instrumento de controle social, sustentando a desnecessidade da existência das duas modalidades de sanção penal (FERRARI, 2001).

Assim, disciplinou como semelhanças: a prática de um fato constituído como crime; a defesa social; a finalidade preventiva sem a desconsideração do caráter retributivo; a natureza jurisdicional na aplicação das sanções, como destaca Eduardo Reale Ferrari:

Influenciada, principalmente pela concepção da escola positiva – que vislumbrava na medida de segurança uma providência não aflitiva -, a escola unitária entendia não haver nenhuma diferença substancial entre as duas modalidades de sanção, configurando-se perfeitamente viável sua unificação mediante uma pena de segurança. (FERRARI, 2001, p.68).

A teoria dualista apresentou as diferenças entre a medida de segurança e a pena, não atribuindo natureza de sanção à medida de segurança. Definiu como diferenças, a pena como resposta a prática do crime e a medida de segurança como consequência da periculosidade; a pena com fim retributivo e a medida de segurança com fim de readaptação; a pena com prazo fixado e a medida de segurança com apenas o prazo mínimo fixado, apresentando o prazo máximo de cumprimento indeterminado (FERRARI, 2001).

Essa teoria apresentou-se em três fases: a concepção dualístico-cumulativo, a concepção dualístico-alternativo e a concepção dualístico-vicariato. A primeira fase definiu a medida de segurança e a pena como modalidades de sanção penal, sendo a medida de segurança um complemento à pena, com o fim de sanar a ineficácia da pena, sendo aplicada ao considerado incorrigível; adotada no anteprojeto do Código Penal Suíço de Karl Stooss (FERRARI, 2001).

A concepção dualístico-alternativo defendia a medida de segurança como um substitutivo da pena aplicada aos imputáveis que se tornavam doentes mentais e perigosos sociais. Já a concepção dualístico-vicariato sustentava que o juiz deveria fixar a aplicação da pena ou medida de segurança, sem promover a cumulação ou substituição indeterminada de cumprimento de uma em face da outra (FERRARI, 2001).

Verifica-se, principal diferença entre essas sanções consiste no fato da pena apresentar como fundamento a culpabilidade, elemento do delito para o imputável, já na medida de segurança há a periculosidade criminal demonstrada pelo agente inimputável ou semi-imputável, conforme afirma Luiz Regis Prado:

A medida de segurança fundamenta-se na perigosidade ou periculosidade do agente, que manifesta exatamente na comissão do delito – ‘sintoma revelador’ de sua perigosidade. Serve para firmar a medida de segurança como sendo pós-delitiva, e não pré-delitiva, limitando-a, externamente ao exercício do Direito Penal preventivo, por motivo de segurança jurídica, mas não constitui um elemento da hipótese fática da própria medida. De sua vez, a culpabilidade, como um dos fundamentos da pena, é totalmente alheia à medida de segurança. (PRADO, 2011, p.787).

A medida de segurança adota a finalidade preventiva, esta apresenta-se como geral (negativa e positiva) e especial (negativa e positiva), que visa evitar a prática de novas condutas delituosas pelos indivíduos, as quais causam instabilidades no meio social. A medida de segurança apresenta a finalidade de prevenção especial, pois visa a prevenção da prática de novos crimes, instituindo o tratamento no inimputável, conforme dispõe Cezar Roberto Bitencourt:

A prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas àquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico – penais. (BITENCOURT, ANO, p.81).

A medida de segurança, dessa forma, adota o fim preventivo especial no aspecto positivo, pois pretende obter a ressocialização do inimputável através dos métodos do tratamento terapêutico, fim esse que justifica a existência da medida de segurança, segundo expõe Michele Cia:

Sendo assim, pode-se afirmar que o aspecto principal da prevenção especial positiva é a ressocialização do interno, a cuja efetivação pode e deve contribuir o tratamento terapêutico a ser realizado. Para tanto, ademais, referida terapêutica não deve abranger apenas as abordagens psiquiátrica e psicológica, mas também privilegiar outras importantes intervenções destinadas a colaborar com a inserção social do paciente (CIA, 2011, p. 59).

Contudo, parte da doutrina sustenta que na medida de segurança persiste a finalidade de prevenção especial no aspecto negativo, isto é, a segregação, mesmo que de forma subsidiária, já que impõe a segregação do doente mental que praticou o delito, como forma de neutralizar o comportamento delituoso e assegurar a defesa social (FERRARI, 2001).

Por outro lado, há quem sustenta na doutrina, como Eduardo Reale Ferrari, que a medida de segurança possui também a finalidade preventiva geral no aspecto positivo, no sentindo de restabelecer a estabilidade no meio social e a reafirmação do ordenamento jurídico, prevista na fixação legislativa do prazo mínimo, como explica:

A prática de um ilícito-típico por parte do doente mental origina abalo na comunidade social, constituindo necessária a reafirmação do ordenamento jurídico com o intuito de estabilizar contrafaticamente as normas violadas. A medida de segurança criminal reafirmará o direito, gerando tranquilidade social consistindo o lapso mínimo de duração um parâmetro legislativo ao apaziguamento comunitário. (FERRARI, 2001, p. 63).

Não há, portanto, como negar que a medida de segurança como sanção penal é dotada de finalidade preventiva no aspecto especial positivo e geral positivo, apesar da existência persistente do fim de segregação do inimputável. Mas, devendo preponderar a finalidade de ressocialização (prevenção especial positiva) em relação a reafirmação do ordenamento jurídico através da imposição dessa sanção (prevenção geral negativa).

3 Requisitos Necessários para a Aplicação da Medida de Segurança:

A medida de segurança é aplicada a partir do atendimento aos requisitos legais necessários, determinados nos artigos 97 e 98 do CP, os quais são inimputabilidade ou semi-imputabilidade; a prática de um fato típico e ilícito; e a periculosidade criminal do agente.

O pressuposto da inimputabilidade consiste na ausência ou redução da capacidade do indivíduo de compreender o caráter ilícito da conduta praticada e a capacidade de autodeterminação. Segundo o sistema penal vigente, a inimputabilidade pode decorrer da doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, e dos casos de menoridade (MIRABETE; FABRRRINI, 2014).

A inimputabilidade decorrente de doença mental encontra-se prevista no artigo 26, caput, do CP, que prevê os casos de incapacidade de entender o caráter ilícito do fato e a incapacidade de autodeterminação do indivíduo com doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, isenta da aplicação da pena quando da prática do crime, mas impõe a medida de segurança.

O artigo 26, caput, do CP, adotou, assim, o critério biopsicológico para configurar a inimputabilidade que decorre da doença mental ou desenvolvimento mental incompleto. Esse critério consiste na união dos aspectos biológicos e psicológicos do indivíduo, que permite analisar a ausência da capacidade de compreensão da ilicitude e a autodeterminação, como dispõe Luiz Regis Prado:

Atende tanto às bases biológicas que produzem a inimputabilidade como às suas consequências na vida psicológica ou anímica do agente. Resulta, assim, da combinação dos anteriores: exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e, de outro, a completa incapacidade de entendimento (fórmula do art. 26, CP). É o acolhido, na atualidade, pela maioria das legislações penais. (PRADO, 2012, p. 479).

A doença mental como um dos requisitos da inimputabilidade consiste nas alterações do sistema mental do indivíduo que podem ser naturais, tóxicas ou funcionais, como os estados de alienação de personalidade, paranoias, esquizofrenia, demência senil (MIRABETE; FABBRINI, 2014).

Já o desenvolvimento mental incompleto ocorre quando o indivíduo é incapaz de obter qualquer entendimento das coisas externas e da capacidade de comportamento de acordo com a conduta imposta, como os oligofrênicos, os portadores de imbecilidade, de debilidade mental (MIRABETE; FABBRINI, 2014).

Importante frisar, que o sistema penal no artigo 26, caput, determina que no tempo da conduta delituosa o indivíduo portador da doença mental ou desenvolvimento mental incompleto deve está inteiramente incapaz de compreender o caráter ilícito, conforme destaca Mirabete e Fabbrini:

Não basta, porém, a presença de uma dessas situações (doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) para que fique excluída a inimputabilidade. Há que ser feita a aferição no aspecto intelectivo e volitivo. (MIRABETE; FABBRINI, 2014, p 198).  

Ademais, há os casos de semi-imputabilidade, que segundo o artigo 26, parágrafo único, do CP, consistem nas situações de perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que na prática do crime não exclui plenamente a capacidade de compreender o caráter ilícito da conduta delituosa ou de autodeterminação, apresentando a culpabilidade diminuída, diferenciando-o do inimputável, como dispõe Cezar Roberto Bittencourt:

Ao passo que nas hipóteses de culpabilidade diminuída – em que o Código fala em redução de pena – o agente não possui a ‘plena capacidade’ de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Há efetivamente uma diversidade de intensidade entre as causas de inimputabilidade e as causas de diminuição de culpabilidade (semi-imputabilidade): aquelas eliminam a capacidade de culpabilidade, estas apenas reduzem. (BITENCOURT, 2012, p. 1047).

Devido a essa condição pessoal os semi-imputáveis não estão isentos da imposição da pena, pois o artigo 26, parágrafo único, do CP, impõe a diminuição da pena de um a dois terços. Porém, legitima a aplicação da medida de segurança na modalidade de internação ou tratamento ambulatorial, quando for demostrada a necessidade de tratamento ao semi-imputável, como prevê o artigo 98 do CP.

Outro requisito necessário para a imposição da medida de segurança consiste na prática de um fato típico e ilícito, mas não culpável. Assim exige-se a prática de forma prévia do delito para a aplicação dessa sanção penal, legitimando na ordem jurídica o instituto da medida de segurança pós-delitiva, com fundamento na segurança jurídica, conforme destaca Eduardo Reale Ferrari:

A exigência prévia do delito, portanto, constitui-se como um divisor de águas entre as medidas de segurança criminais e as medidas administrativas. Essas eram anteparos contra perigosos sociais decorrentes de qualquer espécie de atos ilícitos – não criminais, configurando-se as medidas de segurança penais verdadeira salvaguarda contra determinados indivíduos que cometeram delitos, e provavelmente, voltarão a cometer outros. (FERRARI, 2001, p. 137).

O crime consiste, na teoria geral do delito, como um fato jurídico constituído como um fato típico, ilícito e culpável. Mas, para a aplicação da medida de segurança não há o elemento da culpabilidade, devido à ausência da capacidade de compreensão e autodeterminação do comportamento do agente inimputável, sendo assim substituída pelo requisito da periculosidade criminal.

A conduta do inimputável deve está em conformidade com a ação descrita no tipo penal, atendendo a tipicidade no aspecto formal objetivo. Pois, quanto ao aspecto formal subjetivo, que exige o juízo de valor no momento da conduta, esta não pode ser exigida do inimputável, devido à ausência da capacidade de valorar o próprio comportamento, por essa razão Eduardo Reale Ferrari destaca:

O tipo no inimputável, não deve restringir-se a um valor interno, constituindo sinônimo de afronta ao bem jurídico penal, pouco importando a valoração pessoal de quem o praticou, pois esta pode estar diferenciada do conceito valorativo da maioria. (FERRARI, 2001, p. 145). 

Por sua vez, a ilicitude legitima a aplicação da medida de segurança, quando a conduta do inimputável promover uma ofensa à norma penal e ao ordenamento jurídico. A ilicitude nesses casos, assim como a tipicidade, configura-se no aspecto formal objetivo, que prevê a conduta antijurídica como violadora da norma penal, sem a necessidade de auferir a capacidade de compreensão do ilícito, abrangendo assim tanto a conduta do imputável quanto do inimputável (FERRARI, 2001).

No instituto da medida de segurança, um dos requisitos necessários consiste na periculosidade criminal, que desde a expansão das medidas de tratamento com a Escola Positiva no final do século XIX, seja no aspecto social ou criminal, fundamenta a imposição e a duração das medidas de segregação e tratamento.

A periculosidade criminal consiste na probabilidade de reiteração de novas condutas delituosas no meio social inimputável, constituído como um estado subjetivo, analisado mediante a prática do crime que causa instabilidade no convívio social, como explica Eduardo Reale Ferrari:

A perigosidade consiste na mera possibilidade de que um sujeito venha a cometer fatos socialmente danosos à coletividade, colocando em risco a tranquilidade pública. Consistindo num espelho sintomático à personalidade perigosa do autor, fulcra-se num temerário conceito de danosidade social, conduzindo à restrição da liberdade dos indivíduos, não efetivamente periculosos. (FERRARI, 2001, p. 154).

O sistema penal apresenta a periculosidade criminal pós-delito, isto é, a periculosidade constatada após a prática do delito, impedindo a imposição das medidas de segurança sem qualquer fundamento, como nos casos da periculosidade social, que promovia a segregação dos anti-sociais, os vadios, os ébrios habituais, as prostitutas, os doentes mentais, conforme disposto no Código Penal de 1940 antes da Reforma da Parte Geral de 1984.

A periculosidade criminal é constatada por meio da perícia médica, que promove uma análise em torno da vida social, familiar, personalidade, os fatores e circunstancias do fato delituoso, como dispõe Leonardo I. Yarochewsky e Thalita da S. Coelho:

A periculosidade implica juízo naturalístico (não ético, não moral ou não de valor), cálculo de probabilidade, que se desdobra em dois momentos, derivados de sua própria definição: a comprovação da qualidade sintomática de perigo (diagnóstico de periculosidade), por um lado, e a comprovação da relação entre tal qualidade e o futuro criminal do agente (prognose criminal). (YAROCHEWSKY; COELHO, 2013, p. 05).

Apesar da perícia constituir como meio para aferição da periculosidade, há críticas quanto a utilização desse instrumento para a imposição de uma sanção penal, devido a fragilidade e incerteza da constatação da periculosidade criminal, justamente por fundamentar-se num estado subjetivo do indivíduo.

4 Espécies de Medida de Segurança:

O atual Código Penal, após a reforma de 1984 na parte geral desse código, inovou ao disciplinar as medidas de segurança de natureza pessoal aplicadas na pessoa do inimputável ou semi-impútavel, eliminando a possibilidade de medidas de segurança de caráter patrimonial, que eram impostas aos objetos ou estabelecimentos que causassem danos ao meio social.

As medidas de segurança pessoais são detentivas e restritivas, segundo o artigo 96, incisos I e II, do CP, que são meios de tratamento e assistência terapêutica com fins preventivos, apresentando o prazo mínimo fixado de um a três anos e prazo máximo indeterminado condicionado à cessação da periculosidade criminal do agente inimputável.

A medida de segurança detentiva prevista no artigo 96, inciso I, do CP, consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou na falta deste em outro estabelecimento adequado, do inimputável e do semi-imputável, quando for demostrada a necessidade de tratamento.

Essa medida restringe a liberdade do inimputável, segregando-o do meio social, devido a periculosidade criminal demostrada com a prática do delito e com a presunção de predisposição para novas condutas delituosas no futuro, tornando-se assim indesejável, conforme destaca Eduardo Reale Ferrari:

A medida de segurança pessoal que priva a liberdade de ir e vir do delinquente – doente mental caracteriza-se como uma medida aflitiva, que retira o indivíduo da sociedade, internando-o em estabelecimento específico para delinquentes – doentes mentais, configurando-se o internamento o único meio possível para se alcançarem os fins de tratamento, segurança e inocuização. (FERRARI, 2001, p 80-81.)

Essa medida é aplicada, em regra geral, para os casos de crimes apenados com pena de reclusão, no entanto é facultado ao juiz fixar essa medida ao agente inimputável quando o crime for apenado com pena de detenção, devido as razões do caso e o grau de periculosidade do indivíduo, conforme prevê o art. 97, caput, do CP.

A internação é cumprida nos hospitais de custódia e de tratamento psiquiátrico ou em outro estabelecimento adequado, que de acordo com o art. 99 do CP, é direito do internado ser recolhido em estabelecimento com condições hospitalares adequadas. Esses estabelecimentos substituíram os manicômios judiciários, com o advento da Lei nº 10.216/2001 (Lei Antimanicomial).

Contudo, a realidade revela que os manicômios judiciários continuam sendo utilizados para fins de internação, devido à ausência dos estabelecimentos hospitalares adequados para o cumprimento da medida de internação em vários Estados brasileiros, conforme destaca Cezar Roberto Bitencourt:

“Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico” não passa de uma expressão eufemística utilizada pelo legislador da Reforma Penal de 1984 para definir o velho e deficiente manicômio judiciário, que no Rio Grande do Sul é chamado de Instituto Psiquiátrico Forense. Ocorre que, apesar da boa intenção do legislador, nenhum Estado brasileiro investiu na construção dos novos estabelecimentos (…). Ironicamente, por apresentarem ‘características hospitalares’, os manicômios judiciários têm sido considerados ‘estabelecimentos adequados’. (BITENCOURT, 2011, p. 1881-1882).

O estabelecimento hospitalar adequado, segundo o parágrafo único do art. 99 da LEP, fazendo referência ao parágrafo único do art. 88 da mesma lei, consiste num local com salubridade ideal, aeração, insolação adequada e condições térmicas ideais à existência humana, promovendo o respeito e a garantia da dignidade do internado.

No entanto, a realidade manicomial brasileira continua demostrando a violação a essas condições exigidas, como verifica-se nos relatos da I Caravana Nacional de Direitos Humanos, promovida pela Câmara dos Deputados em 2000, que realizou visitas a diversos estabelecimentos analisando a situação que os inimputáveis estavam submetidos durante o cumprimento da medida de internação nos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrica (CIA, 2011).

Em uma das visitas promovidas pela I Caravana Nacional de Direitos Humanos, foi constatado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) de Itamaracá, em Pernambuco, uma situação de extrema superlotação e de péssimas condições em que os inimputáveis estavam submetidos, sem qualquer tratamento ou assistência terapêutica, impedindo a ressocialização do doente mental e violando constantemente a dignidade humana desses indivíduos, conforme destaca Michele Cia:

Os pavilhões onde estão amontoados os internos são prédios inabitáveis, lúgubres e pestilentos. Em muitas celas, os internos convivem com seus próprios dejetos. A maioria é obrigada a dormir no chão. Os banheiros são imundos e em alguns não há sequer água. Quando de nossa visita, fazia um mês que o hospital estava sem qualquer medicação para fornecer aos internos. Tudo aqui não funciona. O HCTP é uma instituição de reclusão sem qualquer segurança que oferece aos internos a perspectiva de pena cruel e degradante. (CIA, 2011, p. 19).     

Há, assim, a impossibilidade do tratamento do inimputável durante o cumprimento da internação, pois a realidade manicomial impõe aos inimputáveis a sujeição a situações de extrema degradação física, psíquica, promovendo o acúmulo de indivíduos considerados indesejáveis ao convívio social, abandonados (FERRARI, 2001).

Tendo em vista, que o art. 14, §2º da LEP, estabelece que caso o estabelecimento do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico não esteja em condições hospitalares adequadas para o tratamento ou assistência da saúde do internado, este deverá ser transferido para outro estabelecimento adequado, desde que mediante autorização da direção do estabelecimento.

Por sua vez, a medida de segurança restritiva consiste no tratamento ambulatorial, segundo o art. 96, inciso II do CP, que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com a reforma na parte geral do Código Penal em 1984, devido as atuais tendências de desinstitucionalização do tratamento do agente inimputável, conforme dispõe o item 91 das Exposições de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal.

O tratamento ambulatorial constitui-se como a medida mais adequada, pois garante o respeito aos direitos e garantias do doente mental e a conformidade com os fins próprios da medida de segurança, como afirma Eduardo Reale Ferrari:

A medida de segurança pessoal restritiva de direito constitui, portanto, instrumento alternativo ao internamento, com resultados terapêuticos mais eficazes, mais baratos, e sem tanta aflição, impondo-se aos delinquentes-doentes mentais menos perigosos, configurando-se medida correspondente a um verdadeiro Estado Democrático de Direito. (FERRARI, 2001, p.88).

Essa medida impõe o comparecimento do inimputável ou semi-imputável nos dias que foram recomendados pelo médico, para o cumprimento do tratamento prescrito. Aplicada de acordo com o grau mínimo de periculosidade criminal do agente durante a prática do crime no meio social, conforme destaca Eduardo Reale Ferrari:

A medida restritiva de segurança aplica-se quando presente um menor grau de periculosidade criminal, visando subtrair do delinquente perigoso a influência de circunstâncias e ocasiões que formentem o crime sem radicalizar-se no internamento. Opta-se pela liberdade do indivíduo, empregando regras e limitações não detentivas, com o fito de alcançar-se a cura e a reintegração social. (FERRARI, 2001, p.85). 

A ordem legal vigente prevê no artigo 97, § 4º do CP, o sistema de regressão no sistema da medida de segurança, isto é, a conversão de tratamento ambulatorial em internação, em qualquer fase, de acordo com as circunstancias demostradas, sendo que nesses casos o prazo mínimo da medida de internação será de um ano, segundo o art. 184, parágrafo único, da LEP.

Porém, o legislador foi omisso quanto a possibilidade de conversão da medida de internação para a de tratamento ambulatorial. Por isso, parte da doutrina defende a possibilidade do sistema de desinternação progressiva, em que o internado será favorecido com saídas do estabelecimento até a concretização da substituição da internação pelo tratamento ambulatorial (MIRABETE; FABBRINI, 2014).

A desinternação progressiva torna-se indispensável para a recuperação e tratamento do internado, propiciando dignidade no cumprimento da medida e no convívio em sociedade, por meio da integração familiar, conforme destaca Eduardo Reale Ferrari:

Permitida a progressão em relação a inimputáveis e semi-imputáveis, possíveis serão as transferências de um regime de tratamento mais rigoroso a um menos rigoroso, resgatando sua autodeterminação e dignidade, auxiliando na efetiva, gradativa e futura convivência sócio-familiar. Embora inexistente em nossa atual legislação penal, o sistema progressivo aplicável aos delinquentes-doentes mentais já constitui uma realidade pragmática nacional, concretizada em vários estados da Federação, apesar da lacuna legal. (FERRARI, 2001, p. 168).

O sistema das medidas de segurança prevê além das medidas detentiva e restritiva, a medida de segurança substitutiva. Essa medida surgiu a partir da reforma de 1984 na parte geral do Código Penal de 1940, com a implantação do sistema vicariante, que substituiu o duplo binário.  Essa medida é aplicada ao semi-imputável, que necessita de especial tratamento, a pena imposta será substituída pela medida de segurança, como prevê o artigo 98, do CP, como afirma Cezar Roberto Bitencourt:

Isso equivale a afirmar que, na hipótese, o juiz deve sempre condenar o semi-imputável a uma pena determinada, a legalmente prevista, decorrendo daí todas as suas consequências (direitos e obrigações). E somente se constatar que, naquele caso concreto, o sujeito necessita mais de tratamento do que de condenação substituirá a pena aplicada por medida de segurança, que é uma sanção penal mais grave. (BITENCOURT, 2012, p.1891).

A substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança, segundo parte da doutrina, exige a fixação da sentença condenatória com a pena previamente determinada para que assim possa ser reduzida ou substituída pela medida de segurança, conforme destaca Cezar Roberto Bittencourt:

Uma interpretação sistemática conduz à conclusão de que a aplicação de “pena privativa de liberdade” é pressuposto indispensável para a admissibilidade de sua substituição por medida de segurança. Caso contrário o art. 98 diria simplesmente que, para o semi-imputável, o juiz poderia aplicar ou pena ou medida de segurança. Mas não diz. (BITTENCOURT, 2012, p. 1892). 

Essa medida substitutiva pode ser medida de internação ou de tratamento ambulatorial, apresentando o prazo mínimo de duração de um a três anos, estando o agente semi-imputável sujeito a perícia médica para a verificação da periculosidade criminal após o prazo mínimo fixado. Essa substituição cabe apenas aos casos de penas privativas de liberdade, excluindo assim as penas restritivas de direitos e as penas pecuniárias (BITENCOURT, 2012).

Há divergência quanto ao prazo máximo dessa medida, pois parte da doutrina sustenta que a medida de segurança imposta não poderá exceder o tempo de duração da pena privativa de liberdade fixado pelo juiz na sentença condenatória, e caso esse prazo terminasse sem que o agente se encontrasse plenamente recuperado, este indivíduo deveria ser submetido ao juízo cível competente, como destaca Rogério Greco:

Querer auxiliar o agente portador de enfermidade mental retirando-o do convívio pernicioso do cárcere é uma conduta extremamente louvável, desde que o condenado não tenha de submeter a uma medida de segurança que ultrapasse o tempo de sua situação, mesmo que utilizássemos o argumento do tratamento curativo, dizendo que a medida de segurança seria o remédio adequado ao seu mal. (GRECO, 2007, p. 684).

Mas, há quem defenda a fixação do prazo de cumprimento indeterminado nessas situações, já que as regras passaram do sistema da medida de segurança passaram a ser aplicadas em relação a medida substitutiva, como é o caso da determinação prevista no art. 98 do CP, o qual faz referência a previsão do prazo de cumprimento indeterminado.

Ademais, essa medida ocorre também nos casos de superveniência de doença mental do condenado, segundo o art. 41 do CP, que para esses casos o condenado será recolhido à hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou na falta deste em outro estabelecimento adequado, mediante requerimento do Ministério Público, da defesa ou autoridade pública, conforme o art. 183 da LEP, com prazo máximo de cumprimento o mesmo fixado na sentença condenatória da pena privativa de liberdade substituída. 

5 A Execução da Medida de Segurança:

A medida de segurança tanto na modalidade detentiva quanto na restritiva, apresenta o procedimento de execução disciplinados nos artigos 171 a 179 da Lei de Execução Penal. Esse procedimento ocorre após o trânsito em julgado da sentença absolutória imprópria proferida pelo juízo, que reconhece a absolvição do agente inimputável, mas impõe a medida de segurança, por essa razão essa sentença é denominada de imprópria.

Após o trânsito em julgado da sentença, a execução é realizada por meio da a expedição da guia de internação ou de sujeição do inimputável ao tratamento ambulatorial, conforme prevê o artigo 171 da LEP. A respeito dessa guia, a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, dispõe:

152. A guia expedida pela autoridade judiciária constitui o documento indispensável para a execução de qualquer uma das medidas. Trata-se da reafirmação da garantia individual da liberdade que deve existir para todas as pessoas independentemente de sua condição, salvo as exceções legais. (BRASIL, Exposição de Motivos nº 213, de 9 de maio de 1983).

O sistema das medidas de segurança não admite a execução provisória durante a fase de conhecimento do processo penal em curso a partir da reforma promovida na parte geral do Código Penal pela Lei nº 7.209/1984, promovendo a revogação tácita da previsão da medida de segurança provisória, determinada no artigo 378 do CPP, como afirma Delmanto:

Foi extinta pela Lei nº7.209/8, que não repetiu o art. 80 do CP. Com essa abolição, ficou também derrogado o art. 378 do CPP. Não nos parece que a omissão da lei possa ser preenchida pela aplicação analógica do parágrafo único do art. 2º da LEP, c/c o art. 108 dela. Pela própria LEP (arts.171 e 172), ninguém pode ser internado sem guia da autoridade judicial, só expedível após condenação definitiva. (DELMANTO, 2007, p. 272).

A guia de internação ou de tratamento ambulatorial constitui-se como garantia para dá início à execução da medida de segurança, que segundo o artigo 173 da LEP, deve apresentar as seguintes informações: a qualificação do agente e o número do registro oficial de identificação; o inteiro teor da denúncia, da sentença e da certidão do trânsito em julgado; a data que fixa o prazo mínimo de cumprimento da medida; e outras peças processuais.

Essa guia de execução deve ser encaminhada para o juízo competente da execução da medida de segurança, assim como direcionada ao Ministério Público para a manifestação e fiscalização sobre esse procedimento. Sendo que, qualquer modificação no procedimento de execução ou sobre o prazo de cumprimento, haverá a retificação da guia.                   

Durante a fase de execução ocorre a verificação da cessação da periculosidade do internado ou do sujeito ao tratamento ambulatorial através da perícia médica. Esse procedimento ocorre ao final do prazo mínimo determinado, que varia de um a três anos, conforme prevê o art. 175 da LEP, mas deve ser repetido de ano em ano caso constatado a permanência do estado de periculosidade criminal do inimputável, como dispõe o art. 97, §2º, do CP.

Contudo, essa perícia médica pode ser realizada de ofício ou a requerimento de qualquer uma das partes, a qualquer momento, desde que expirado o prazo mínimo de cumprimento fixado na sentença, segundo o artigo 175, inciso V da LEP. Assim como durante o prazo mínimo, mediante requerimento fundamentado do Ministério Público, do interessado ou da defesa, não podendo ser de oficio, segundo o art. 176 da LEP (PRADO, 2011).

O exame de verificação da periculosidade deve ser realizado em até um mês antes do término do prazo mínimo fixado, que após concluído será encaminhado ao juízo da execução mediante um relatório minucioso instruído com o laudo psiquiátrico, para auxiliar a decisão de revogação ou permanência do cumprimento da medida de segurança, segundo o art. 175, I e II, da LEP.

Ao verificar a cessação da periculosidade, o juiz determinará a desinternação, nos casos da medida detentiva; ou a liberação nos casos de tratamento ambulatorial, segundo o art. 97, § 3º, do CP. Mas, que tem um caráter provisório devido ao prazo de um ano após a decisão, sendo que durante esse período o desinternado ou liberado ficará sujeito as condições do livramento condicional.

Por essa razão, parte da doutrina afirma que a decisão de desinternação ou de liberação resulta na suspensão do cumprimento da medida de segurança por um prazo de um ano, e que após esse prazo, não havendo a prática de qualquer fato que indique a periculosidade do agente, a medida de segurança será definitivamente revogada, como destaca Cezar Roberto Bitencourt:  

Na verdade, essa revogação não passa de uma simples revogação condicional da medida de segurança, pois, se o desinternado ou liberado, durante um ano, praticar ‘fato indicativo de persistência de sua periculosidade’, será restabelecida a medida de segurança suspensa. Somente se ultrapassar esse período in albis a medida de segurança será definitivamente extinta. (BITENCOURT, 2012, p.1890).

O desinternado ou liberado do tratamento ambulatorial fica sujeito às condições obrigatórias do livramento condicional, como a obtenção de ocupação lícita dentro do prazo razoável se for apto para o trabalho; comunicar periodicamente ao juiz a sua ocupação; não mudar do território da comarca do juízo da execução, sem prévia autorização judicial.

Além do mais, poderá ser submetido as condições facultativas previstas no art. 132, § 2º da LEP, como por exemplo, não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; recolher-se à habitação em hora fixada; não frequentar determinados lugares.

6 CONCLUSÃO

Com base nos argumentos analisados, verifica-se que a medida de segurança constitui-se como consequência jurídica do delito praticado pelo inimputável ou semi-imputável, quando há necessidade de aplicação de tratamento terapêutico. Sendo assim uma espécie de sanção peal, pois juntamente com a sanção pena promove, segundo a dogmática criminal, um controle no meio social diante da prática de um delito, o qual causa instabilidades no convívio em sociedade.

Tendo em vista, que dispõe da natureza de tratamento terapêutico aplicado com o fim de obter a recuperação do inimputável para a devida reintegração no meio social e familiar. Percebe-se, que essa natureza condiz com a própria finalidade preventiva dessa sanção, pois visa no meio social evitar a reincidência futura do inimputável após o cumprimento da medida.

Dessa forma, é aplicada mediante o atendimento dos requisitos legais dispostos de forma implícita na ordem legal, que diante da ausência de um desses requisitos não será legítima a aplicação dessa sanção ao inimputável e semi-imputável. Sendo, portanto, necessário a presença da doença mental que deflagra a inimputabilidade ou semi-imputabilidade; a prática do fato típico e ilícito e o estado de periculosidade criminal.

Assim, a ordem legal dispõe as modalidades de medida de segurança que são aplicadas em conformidade com o delito praticado e o grau de periculosidade criminal do inimputável, determinando a aplicação da medida de internação em hospital de custódia ou da medida de tratamento ambulatorial. Havendo ainda a medida substitutiva quanto a substituição da pena privativa de liberdade pela medida de segurança nos casos de semi-imputável, quando for necessário o tratamento terapêutico.

Portanto, a fase de execução dessas medidas de segurança ocorre com base no sistema aplicado na Lei de Execução Penal, a partir da expedição da guia de recolhimento. Tendo em vista, que essa execução torna-se indeterminada, isto é, sem prazo máximo de cumprimento da medida de segurança, em virtude do termino dessa sanção esta condicionado à cessação da periculosidade criminal.

REFERENCIAS:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 17ª ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal). Institui o Código de Processo Penal. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/cpenal.html. Acesso em: 10 de agosto de 2017.

BRASIIL. Decreto-Lei nº 2.848. de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Institui o Código Penal. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil.html. Acesso em: 02 de julho de 2017.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal). Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br>ccivil_03>leis.html. Acesso em: 20 de setembro de 2017.

FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de Segurança e Direito Penal no Estado Democrático de Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. 9ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

CIA, Michele. Medidas de Segurança no Direito Penal Brasileiro: a desinternação progressiva sob uma perspectiva político-criminal. Editora Unesp: São Paulo, 2011.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 30ªed.rev. e atual. São Paulo: Editora: Atlas, 2014.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 11ª ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

PRADO, Rodrigo Murad. Medida de Segurança no Curso da Execução Penal. In: Portal Jurídico Ciências Criminais, 2017. Disponível em:  http://www.canalcienciascriminais.com.br.html . Acesso em: 22 de setembro de 2017.

RIBEIRO, Patrícia Colombo. A medida de segurança de internação no contexto do Estado Democrático de Direito. In: Revista de Direito Público, v.3, n. 3, p. 39-59, Londrina, 2008. Disponível em: http://www.repositorio.uniceub.br>article.html. Acesso em: 25 de outubro de 2017.

YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac; COELHO, Thalita da Silva. Periculosidade criminal: conceito, tratamento e consequências. In.: Revista Percurso Acadêmico (online). 2013, vol.03, n.5, p. 22-34, Belo Horizonte. Disponível em: http://www.periodicos.pucminas.br>artcle>view.html. Acesso em: 15 de outubro de 2017.



[1] Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão.

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, Renata Lima dos. A medida de segurança no sistema penal brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-medida-de-seguranca-no-sistema-penal-brasileiro/ Acesso em: 28 mar. 2024