Direito Penal

Aplicabilidade da teoria da co-culpabilidade do Estado no direito penal brasileiro

APLICABILIDADE DA TEORIA DA CO-CULPABILIDADE DO ESTADO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO[1]

APPLICABILITY OF THE THEORY OF STATE CULPABILITY IN THE BRAZILIAN PENAL LAW

Daniele Seixas Ferro²

Mauro Magno Quadros Ruas³

RESUMO – O presente trabalho tem como escopo estudar a teoria da co-culpabilidade do Estado no ordenamento jurídico brasileiro, analisando se as desigualdades e falta de oportunidades, são justificativas para uma divisão da culpa pelo cometimento de um delito com o Estado, ante a sua desídia para com esses cidadãos. A pena só pode ser considerada justa quando estritamente necessária e proporcional e ainda quando passa a atender aos mandamentos constitucionais, dentre eles o da isonomia e o da individualização da pena, afastando a ideologia mecanicista de aplicação da Lei. A discussão sobre a aplicabilidade da referida teoria no Brasil ocorre em razão da ausência de dispositivo, expresso, no corpo do código penal. Dessa maneira, há tão somente um caminho a percorrer, qual seja a consideração da atenuante genérica estampada no artigo 66 do código penal, associada aos princípios constitucionais. Ademais, tem o intuito de averiguar quais os dispositivos legais que autorizam a aplicação da supracitada teoria. Ainda, busca-se verificar como a jurisprudência pátria vem se posicionando hodiernamente.

Palavras-chave:Co-culpabilidade. Estado. Dosimetria da Pena.

ABSTRACT – This work is scoped to study the theory of co-culpabilidade of the State in the Brazilian legal system, analyzing if the inequality and lack of opportunities, are justifications for a division of responsibility for Commission of an offence with the State against your inaction for these citizens. The penalty can only be considered fair when strictly necessary and proportionate and when it still meet the commandments, including the constitutional equality and individualization of the penalty, the mechanistic ideology of law enforcement. The discussion about the applicability of that theory in Brazil takes place due to the absence of device, expressed in the body of the criminal code. That way, there’s only one way to go, which is the consideration of extenuating circumstances article 66 stamped generic of the penal code, associated with the constitutional principles. Besides, it has the aim to find out what the legal provisions that authorize the application of supracita.

Keywords: Co-guilt. State. Dosimetry.

INTRODUÇÃO

Hodiernamente ante as desigualdades sociais encontradas, há uma certa dificuldade em apontar qual o juízo de reprovabilidade, ou quais são os limites da resposta penal a uma conduta delituosa praticada por um sujeito marginalizado socialmente; ou ainda quanto da porção da pena deve ser aplicada a estes sujeitos para que esta seja medida de inteira justiça; e quanto, e em que medida se dá a co-responsabilidade do estado para com esses indivíduos.

Sem radicalismos, resta evidente que o Brasil é um país que pune, massivamente, aos pobres, em situação de vulnerabilidade social, e que possivelmente o bem jurídico mais salvaguardado seja o patrimônio.

Assim, verifica-se que tal realidade, aliada às desigualdades e falta de oportunidades, é justificativa para uma divisão da culpa pelo cometimento de um delito para com o Estado, que foi leniente/desidioso.

Não obstante viva a grande maioria da população na realidade supracitada, tem-se que atualmente os critérios utilizados para fixação da pena destes indivíduos são as mesmas para aferição do “quantum” da pena daqueles que estão em melhor condição social.

Dessa maneira, tem-se que a fixação da pena leva em consideração, na grande maioria das vezes, apenas as atenuantes e agravantes, taxativamente previstas em lei, fazendo assim, tão somente, uma subsunção dos fatos à norma, sem levar em consideração as condições em (sobre)vivem o sujeito.

Neste sentido preleciona DA SILVA (2010, p. 10), vejamos:

Quer parecer que, numa sociedade onde os privilégios são distribuídos desigualmente, não se pode esperar que um mesmo padrão moral e comportamental atinja igualmente a todos os cidadãos, já que são enormes as disparidades de suas condições de vida, educação, trabalho e saúde.

Por esta razão, questiona-se se o ordenamento jurídico brasileiro reconhece essa desigualdade material e possibilita um tratamento jurídico/judicial diferenciado à classe de indivíduos menos favorecidos, de formaque, levando em conta certas peculiaridades, permita considerar o status social no momento de aplicação da pena.

Como medida de justiça e, também, para que o direito não se torne (ou permaneça como) instrumento de classe, seletivo e opressivo, necessário encampar uma visão macrossocial do fenômeno delitivo, o qual, interligado a variáveis sociais, culturais e econômicas, decorre, muitas vezes, de fatores estruturais e não meramente individuais.

Outrossim, a pena só pode ser considerada justa quando estritamente necessária e proporcional e quando passa a atender aos mandamentos constitucionais, dentre eles o da isonomia e da individualização da pena, afastando a ideologia mecanicista de aplicação da lei. 

Neste sentido, aporta teoricamente Ferrajoli, com o garantismo penal, que a constituição figura como limite instransponível à atuação punitiva do estado; e ainda “prega um modelo de Direito Penal voltado ao respeito intrasigivel aos direitos fundamentais e à constituição.” (ESTEFAN; GONÇALVES, 2010, p 48).

Ademais, o garantismo parte da pressupostocontratualista, assentando o respeito às garantias asseguradas aos individuo enquanto premissa no tratamento de suas relações com o estado, ressaltando o papel do juiz no fortalecimento de tais direitos, e ainda, que este

“não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem os fatos e por baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela.” (FERRAJOLI, 2006, p 42-43).

“A organização social nunca será viabilizadora de uma perfeita ordem e equilíbrio, desigualando a distribuição das oportunidades” (RODRIGUES 2004 p. 34). Dessa maneira, a desigualdade – externa ao indivíduo – acarretaria aos prejudicados um menor âmbito de autodeterminação. Assim, pode não se mostrar justo, responsabilizar tão somente o indivíduo, devendo o próprio Estado e a sociedade arcar com a sua desídia.

No entanto, a discussão sobre a aplicabilidade da referida teoria no Brasil ocorre em razão da ausência de dispositivo, expresso, no corpo do código penal. Dessa maneira, há tão somente um caminho a percorrer, qual seja a consideração da atenuante genérica estampada no artigo 66 do Código Penal, associada aos princípios constitucionais.

Ocorre que, diante do quadro apresentado, em que discrepâncias sociais assolam países de capitalismo periférico como o Brasil, é clarividente que a ausência de contornos jurídicos não pode afastar, de imediato, a promoção de princípios voltados à concretização da dignidade humana. Por esta razão, embora apresente-se, a prima facie, indevida a sua utilização como mero mecanismo penal substitutivo de políticas sociais de Estado “admite-se sua aplicação como mecanismo compensatório dos déficits sociais experimentados por grande parte da população, sem prejuízo” (DA SILVA, 2010, p. 09).

Desse modo, conforme ensina (RODRIGUES 2012 apud. GRECO, 2009), a teoria da co-culpabilidade seria instrumentalizada no ordenamento jurídico pátrio, influenciando-o a uma direção mais garantista, humana e isonômica.

Nota-se, então, que a jurisprudência e doutrina não são uníssonas quanto à aplicabilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, da teoria retromencionada. Pois há divergências doutrinárias sobre a responsabilização ou não do Estado quando o mesmo não presta os serviços públicos adequados aos indivíduos, assegurando assim as garantias encartadas na Constituição Federal de 1988.

Diversamente do que muitos defendem, o conteúdo da culpabilidade não se baseia somente no (ilusório, impossível de ser provado) livre-arbítrio, pois é inegável que o grau de instrução (também econômico) influencia sobremaneira no nível de percepção do sujeito socialmente referido (potencial conhecimento do ilícito) e na sua movimentação ou não para o ato delituoso (exigibilidade de conduta diversa).

Por todo exposto, o artigo a ser desenvolvido tem como escopo averiguar a plausibilidade da aplicação da teoria da co-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

O presente trabalho objetiva verificar a aplicabilidade da teoria da co-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Analisando a culpabilidade como elemento do crime em seu conceito analítico, verificando a viabilidade constitucional para aplicação da teoria da co-culpabilidade e a plausibilidade da aplicação da atenuante genérica estampada no Artigo 66 do Código Penal em situações de vulnerabilidade social; correlacionando a eficácia da atenuante genérica e o caráter retributivo e ressocializador da pena; e pesquisando qual o posicionamento dos Tribunais pátrios quanto à aplicação da supracitada teoria.

A presente pesquisa justifica-se na medida em que propõe-se a verificar a possibilidade de aplicação da teoria da co-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, considerando que esta ainda se mostra como uma celeuma jurídica.

Neste sentido, esta propõe o debate sobre a aplicação da pena, visando aproximá-la do ideal de justiça, pois trata os “desiguais na medida de suas desigualdades” (ARISTOTELES, 2013).

Outrossim, o presente trabalho é de suma importância, pois investiga se há aporte legal para a aplicação da supracitada teoria, bem como a sua viabilidade na sociedade brasileira atual, considerando o modelo econômico capitalista que indubitavelmente propaga desigualdades. E ainda, se isto é substrato suficiente para dividir a responsabilidade do infrator com o Estado, bem como o posicionamento dos tribunais, diante desta nova proposta.

Seguindo esta linha, tem como escopo verificar se é menos reprovável, a conduta daquele sujeito que não teve as condições necessárias, a todo e qualquer ser humano, qual seja, condições mínimas de dignidade (educação, trabalho, etc.).

Nesta senda, visa demonstrar que quanto menor o espaço social – vale dizer, oportunidades no campo da educação, saúde, trabalho, etc. – concedido ao infrator da lei penal, menos intensa será sua culpabilidade.

Lado outro, tem-se que a matéria é pouco debatida pela doutrina, considerando que a discussão sobre a aplicabilidade da teoria é recente, e ainda carente de substrato teórico, muito embora hajam defensores desta.

Por fim, tem como intuito verificar se há uma mudança do paradigma do direito penal, acentuando o ideário de que o carece, em certos casos, não resolve o problema, posto que o individuo apenas foi substrato de uma sociedade desigual.

O presente trabalho tratará sobre uma revisão de literatura realizada acerca da aplicabilidade da teoria da co-culpabilidade do estado no oedenamento jurídico brasileiro, cuja metodologia abordará aspectos históricos, conceituais e normativos, por meio de investigações anteriores.

Será utilizada a produção jurídica doutrinária pátria que aborde os institutos pertinentes ao tema, inobstante a consulta à legislação existente sempre que for necessário. Desse modo, realizar-se-á leitura e o estudo apurado em livros, artigos e na legislação relativa ao tema, de forma que se interpretem os conceitos esmiuçados pelos doutrinadores, as aplicações constantes nos diplomas legais.

Em relação ao desenvolvimento do presente trabalho, serão elencados na lista bibliográfica livros que conceituem e auxiliem na explicação dos assuntos relativos à temática em debate, e artigos jurídicos encontrados no site do Google Acadêmico, que tenham sido publicados nos últimos cinco anos. Além disso, será constante a consulta à legislação que trate sobre a aplicação atual dos institutos jurídicos pertencentes à área abordada.

O material considerado substancial ao tema será estudado, em sua essência, no que tange, preferencialmente, aos conceitos apresentados pela doutrina ao abordar a teoria da co-culpabildade do Estado no ordenamento jurídico brasileiro. Será, ainda, realizado o estudo acerca das principais ramificações oriundas do presente tema, desde que apresentem nexo de pertinência com as possíveis dúvidas que venham a surgir no decorrer do trabalho.

Os dados bibliográficos serão estudados em sua plenitude, e compilados a partir do eixo central da pesquisa. O registro será feito em fichas documentais, distinguindo-se os mais significativos e ordenando-os de acordo com um pré-sumário.

Desde modo, este trabalho será organizado em três capítulos, a saber: Capitulo I- A evolução do conceito de crime e das teorias da culpabilidade no direito penal até que atingida a sua conceituação atual; Capítulo II- As origens e os fundamentos doutrinários da teoria da co-culpabilidade estatal; Capítulo III- Analise da aplicação da teoria da co-culpabilidade na jurisprudência nacional, enfim apresentando-se as conclusões decorrentes de tais considerações.

A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CRIME E DAS TEORIAS DA CULPABILIDADE NO DIREITO PENAL ATÉ QUE ATINGIDA A SUA CONCEITUAÇÃO ATUAL

Segundo Castro (2013) a culpabilidade é um dos elementos da teoria do delito que mais evolui, sendo multifacetada, pois seu desenvolvimento teórico teve a contribuição de diferentes teorias e concepções, e à medida que a sociedade e o conceito de delito evoluem esta tende a se metamorfosear para acompanhar aos anseios, tornando-se um conceito sempre atual.

A culpabilidade é o conceito mais debatido da Teoria do Delito, sendo este o elemento mais enfrentado. Os debates são considerados uma espécie de coroamento da teoria, e todos os erros que tenhamos cometido nos estratos inferiores aqui terão repercussão. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009, p.517).

Couso Sala (2006) corrobora que a primeira teoria apresentada sobre a culpabilidade foi a Teoria Psicológica da Culpabilidade que introduz a categoria sistemática jurídico-penal da culpabilidade, no sentido que hoje a designamos, contudo, antes da construção do sistema da teoria do delito.

A doutrina reconhece o começo da teoria do delito no sistema Liszt-Beling no qual podem ser identificados pela primeira vez as quatro categorias já tradicionais: ação, tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, esta última encarada agora como categoria autônoma dentro da teoria do delito. A base desse sistema se deve a Liszt, que propugnou por uma separação metodológica e valorativa entre injusto e culpabilidade e define o delito como o ato culpável, contrário ao Direito e sancionado por uma pena. (COUSO SALAS, 2006).

A teoria psicológica da culpabilidade que teve como alicerce a doutrina causal-naturalista desenvolvida por Fran von Liszt e Beling concebia a culpabilidade como a relação/vinculo psicológico existente entre o autor e a ação por ele praticada. (FERRO, 2004)

A culpabilidade seria analisada mediante pressupostos psicológicos que seriam o dolo e a culpa. O erro da concepção tradicional (teoria psicológica da culpabilidade) se fundamenta na falta de consideração dos elementos individuais da culpabilidade, ela considera somente o dolo e a imprudência, mas não a imputabilidade nem tampouco as circunstâncias sob as quais é levado a cabo o ato. Existe, contudo, outro erro ainda mais relevante: a doutrina dominante determina a relação de culpabilidade, dolo e imprudência como a relação de gênero e espécie, quando na realidade trata-se de uma relação distinta. (FRANK, 2004, p.37).

Em decorrência das deficiências da concepção psicológica da culpabilidade surge então a partir dos estudos de Reinhard Frank, considerado o seu idealizador, a denominada teoria psicológico-normativa ou normativa da culpabilidade. (CASTRO, 2014). A teoria supracitada representou um grande avanço no tocante à evolução do conceito de culpabilidade, pois acresceu a ela o conceito de normalidade das circunstâncias nas quais atua o agente, redefinindo o conceito de culpabilidade.

A culpabilidade passa então a ser um juízo de valor fundamentada na reprovabilidade da conduta e não mais com fundamento no vínculo psicológico entre o autor e o ato praticado (CASTRO, 2014).

Logo em seguida surge a teoria Normativa Pura da culpabilidade é que é fruto da obra de Hans welzel, sob a influência dos estudos de Hellmuth Von Weber e Alexander Graf ZuDohna.

A teoria normativa da culpabilidade, representa uma das grandes transformações no sistema moderno do delito, destinada a erradicar a conceituação simplista que se inclina, sob pretexto de raiz psicológica, por reduzir a culpabilidade como mero fenômeno psíquico, entre o autor e seu ato, contrapondo-se a esse esquema subjetivista que descreve a culpabilidade como a conexão entre o agente e o resultado, inscrita no plano da causalidade psicológica, a teoria normativa faz ingressar o valor no âmbito mais profundo da culpabilidade, esta perde então, sua natureza meramente descritiva, convertendo-se em uma valoração, em um juízo de valor que recai sobre a reprovabilidade da conduta realizada. (FERNÁNDEZ, 1995, p.197-198).

Segundo Roxin (1997), o conceito normativo de culpabilidade experimentou, posteriormente, uma modificação através da doutrina finalista da ação, ao localizar sistematicamente esta já no tipo o dolo e a infração objetivo do dever de cuidado nos delitos imprudentes e assim eliminar da culpabilidade os elementos que haviam constituído seu único conteúdo para a concepção psicológica da culpabilidade.

Logo em seguida entram em cena as modernas teorias informadoras do conceito material de culpabilidade.

A primeira dessas teorias foi ateoria do poder agir diferente, reprova-se o sujeito que não se comportou conforme o Direito enquanto o cidadão tipo médio, o teria feito.

Conforme Welzel (2004) ao desenvolver o critério do “poder agir de outro modo” a culpabilidade é a reprovabilidade, consistente na reprovabilidade ao autor por não ter se omitido em relação a uma conduta antijurídica, mesmo podendo agir de outro modo. Culpabilidade para o autor é a reprovabilidade à resolução da vontade.(WELZEL, 2004, p.168).

Destaca-se que esta teoria é aferida pelo critério da experiência do sujeito, assim se permitirá afirmar, isto é, o juiz perguntará se uma pessoa média, nas mesmas circunstâncias experimentadas pelo autor, teria agido como ele ou não. Para tal mister, o juiz não deve se valer do “gênero” homem, senão um “homem na medida”, vinculado a valores juridicamente protegidos, que deve ser imaginado com as características do autor. O autor é pessoalmente reprovado porque se decidiu pelo injusto, embora tenha o poder de ser decidir pelo Direito. (MACHADO, 2010, p.112).

A primeira objeção contra tal concepção é que resultaria em um paradoxo atribuir a alguém a culpabilidade por um dado, sua disposição caracteriológica, da qual não é responsável, nada podendo fazer a respeito do assunto. Os argumentos em prol dessa teoria não servem de base para uma concepção empírico-racional do Direito Penal. (ROXIN, 1997, p.803).

Logo em seguida a teoria da culpabilidade como atitude interna juridicamente desaprovada Segundo esta concepção fundada por Gallas, a culpabilidade é reprovabilidade do fato em atenção à atitude interna juridicamente desaprovada que se manifesta nele.

O fundamento da culpabilidade está na atitude interna desfavorável ao Direito. O culpável é aquele que tem uma deficiência na sua atitude interna perante o Direito, digna de reprovação, que se expressa por meio da prática de uma conduta típica e ilícita.

Conforme tal teoria deve-se emitir juízo de desvalor sobre toda a posição do autor contrária às exigências do Direito, tal qual representou no fato concreto. A atitude interna está integrada pela totalidade das máximas de comportamento que servem de base à resolução delitiva, não tem de ser entendida, portanto, como disposição permanente do autor, hmas como inclinação atual na formação da resolução delitiva.

Tal concepção é criticada por não superar substancialmente o caráter formal da culpabilidade, não indicando por conseguinte, o critério a partir do qual se possa desaprovar juridicamente a atitude interna do sujeito. (BRUNONI, 2008, p.170-171).

Lado outro a teoria da culpabilidade pelo próprio caráter, cada sujeito é responsável por sua personalidade, a qual é manifestada no delito. Não importam as circunstâncias que fizeram da pessoa um autor, desde modo, preceitua esta teoria determinista que cada um é responsável pelas características ou propriedades que lhe induziram ao fato, isto porque deve o agente responder por sua personalidade, em decorrência de que esta manifestou no fato as suas características pessoais contrárias aos valores jurídico-penais. A culpabilidade pelo próprio caráter implica no dever de tolerar a pena. (MACHADO, 2010).

A primeira objeção contra tal concepção é que resultaria em um paradoxo atribuir a alguém a culpabilidade por suas características pessoais, da qual não é responsável, nada podendo fazer a respeito do assunto. Os argumentos em prol dessa teoria não servem de base para uma concepção empírico-racional do Direito Penal. (ROXIN, 1997, p.803)

Em seguida, surge a Teoria da co-responsabilidade social com esta teoria, Muñoz Conde centraliza o conceito de culpabilidade na motivação, a qual expressa a qualidade material do autor de haver podido evitar a infração normativa, argumenta que o conceito de culpabilidade tem correlação com a prevenção geral pois, antes que psicológico, seu fundamento é social. (BRUNONI, 2008).

Culpabilidade portanto, não é um fenômeno individual, mas social, não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se atribui à ação para poder imputar alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. (BRUNONI, 2008)

O fundamento material da culpabilidade deve ser buscado naquelas faculdades que permitem ao ser humano participar com seus semelhantes, em condições de igualdade, numa vida em comum pacífica e justamente organizada, isto é, na função motivadora da norma penal. (BRUNONI, 2008).

A reconstrução do conceito deve reconhecer uma dimensão social, pois não existe uma culpabilidade em si, como um problema exclusivo do indivíduo, mas uma culpabilidade em referência aos demais, a culpabilidade é sempre consequência da convivência humana, por isto se quer compreender a essência da culpabilidade jurídico-penal, é necessário analisar a forma como se organiza a convivência humana. Muñoz Conde, concentra então sua atenção na norma penal como sistema de expectativas.

Nessa perspectiva a culpabilidade pode ser definida formalmente como a declaração de frustração de uma expectativa de conduta determinada na lei penal que recai sobre seu autor e que possibilita a aplicação de uma pena.

A partir dessa definição formal, o autor apresenta o problema do fundamento material da culpabilidade, sua resposta deverá necessariamente guardar relação com o pressuposto sociológico escolhido e com a idéia de que a culpabilidade tem uma dimensão social. (COUSO SALAS, 2006).

Tal teoria tem aproximação, contudo não se confunde com a denominada co-culpabilidade que será melhor explicitada no capítulo pertinente ao tema.

AS ORIGENS E OS FUNDAMENTOS DOUTRINÁRIOS DA TEORIA DA CO-CULPABILIDADE ESTATAL

É uníssono o entendimento de que o fato antijurídico deve ser imputado ao seu autor. Contudo, as opiniões divergem quanto à terminologia adequada para expressar tal idéia, assim como também divergem quanto às condições dessa imputação.

O Código Penal brasileiro não conceitua o que seria culpabilidade, limitando-se a estabelecer em seu artigo 29 que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (BRASIL, 2014).

Contudo, como assenta BECCARIA (2006), “a finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível (…) O seu fim (…) é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.

Ainda, a palavra culpa, em sentido lato, de que deriva culpabilidade, ambas empregadas por vezes, como sinônimas, para designar um dos elementos estruturais do conceito de crime, é de uso muito corrente.Utiliza-se essa palavra a todo instante, na linguagem comum, para imputação a alguém de um fato condenável.

O termo culpa adquire na linguagem usual, um sentido de atribuição censurável, a alguém, de um fato ou acontecimento. Todavia, de frente a culpabilidade jurídico-penal, será fácil perceber que não estamos diante de algo tão simples como parece. (TOLEDO, 2008).

A culpabilidade conheceu diversos modelos de responsabilidade penal objetiva, solidária, impessoal e desigual, enfim, sistemas que não consideravam o ser humano como indivíduo, nem tampouco como pessoa livre e responsável pelos seus atos.

São conhecidos diversos períodos na história da humanidade em que a pena ultrapassava a pessoa do infrator, sendo compartilhada entre o autor do fato e seus parentes, bem como sistemas em que o juízo de imputação se afirmava como consequência quase exclusiva do elemento objetivo da lesão, isto é, na causação física do delito, prescindindo-se de qualquer investigação sobre o seu elemento intencional. (MELLO, 2010, p.92).

Com o passar dos anos e a evolução do direito penal e dos direitos inerentes à pessoa humana, restou-se verificado que nem todos os membros de uma sociedade podem usufruir da liberdade de escolher entre uma ação lícita e outra ilícita. “E nem sempre os códigos escritos compreendem que a vida é muito mais multifacetada que os artigos, as alíneas, os parágrafos.” (TRANJAN, 1994, p. 259).

É conhecendo a vida nas favelas, nos morros, nos bairros pobres que constata-se que a tão proclamada liberdade, resultante da luta dos ideais da Revolução Francesa, não se concretiza em face de carências sociais não consolidadas pelo Estado Social. É o caso do Brasil, que tem grande parte de sua população vivendo numa sociedade ilegal, que sobre(vive) do crime como resultado de um processo que começa na infância e se prolonga até a fase adulta. Sair desse mundo clandestino e sobreviver honestamente é um passo que poucos conseguem durante a vida. Assim o direito penal alcança facilmente essa parcela da sociedade, que vê no sistema seu pior inimigo.

Assim, apartir de uma analise da realidade supracitada é que surge a teoria da co-culpabilidade estatal, que tem como escopo proporcionar ao julgador uma possibilidade de declarar, na sentença, que o sistema penal reconhece a liberdade limitada desta parcela da sociedade e que a responsabilidade pelos atos praticados também devem ser compartilhada com o Estado que foi leniente com aquela.

Dessa forma, há a possibilidade de revelar a consciência de que o acusado, em determinados casos, não era livre para escolher entre o bem e o mal. E há situações em que é quase humanamente impossível alcançar os comandos que a sociedade legal determina a cada um. Zaffaroni e Pierangeli 2007 p. 525 esclarecem que:

Todo sujeito age numa circunstância determinada e com um âmbito de autodeterminação também determinado. Em sua própria personalidade há uma contribuição para esse âmbito de autodeterminação, posto que a sociedade – por melhor organizada que seja – nunca tem a possibilidade de brindar a todos os homens com as mesmas oportunidades.

Acontece que a teoria da co-culpabilidade do Estado encontra óbice à sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro no que tange à existência de dispositivo legal expresso.

Alguns doutrinadores, defensores da supracitada teoria, apontam caminhos que viabilizam a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, “essa aplicação deve ser realizada mediante uma autorização implícita nos dispositivos já encontrados na lei penal brasileira” (ZAFFARONI, 2003, p.580). 

Zaffaroni assenta ainda que o art. 66 do Código Penal consegue abarcar a teoria da coculpabilidade plenamente, vejamos: “art. 66 – A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstancia relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei” (BRASIL, 2014, p.).

Assim verifica-se a possibilidade de utilização do dispositivo em comento para a aplicação da teoria da co-culpabilidade, pois esclarece bem que as circunstancias, mesmo que anteriores ou posteriores ao crime podem gerar uma atenuação da pena, ainda que de forma genérica, pois não há descrição destas circunstancias em lei.

Há ainda, alguns autores que vão alem e apontam a possibilidade de aplicação da teoria da co-culpabilidade baseada art. 59 do Código Penal, por se tratar de um rol que disciplina quanto a aplicação da pena, e que autoriza a utilização desse princípio como um atenuante genérica da pena.

Bem como o artigo 187, §1º do Código de Processo Penal, que trata sobre o interrogatório do acusado. Este dispositivo possui uma menção as oportunidades sociais do acusado, ponto este que bastante importa a teoria da co-culpabilidade, sendo aí também uma porta de entrada para a co-culpabilidade.

Lado outro, considerado como óbice à aplicação da teoria da co-culpabilidade na dosimetria da pena, há o fato de estar agasalhado na Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XLV o princípio da intranscendência que nos informa que “a pena não passará da pessoa do condenado” (BRASIL, 1988) evidenciando um desenvolvimento teórico extremamente importante no tocante à responsabilidade penal.

No mesmo sentido, o Pacto São José da Costa Rica, assinado em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José na Costa Rica e ratificado pelo Brasil em setembro de 1992, preconiza no artigo 5º, I e III, “que toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral e que a pena não pode passar da pessoa do delinquente”.

Assim, houveram questionamentos se a aplicação da teoria não feriria os preceitos assentados na Constituição Pátria e no Tratado Internacional ratificado pelo Brasil. Contudo, ao analisar a questão é possível constatar que a pena não ultrapassa a pessoa do condenado e é estendida a outra pessoa. O que de verdade ocorre é um mecanismo de compensação/justiça social, onde que ao analisar o caso concreto, considerando a realidade em que vive o sujeito e ainda a dessidia do Estatal, o julgador fixa a pena aplicando a atenuante genérica.

Há de ressaltar-se ainda que a teoria já está sendo aplicada em vários países da América Latina. O principal país que adota esta teoria é a Argentina, que possui dois dispositivos que fazem menção a esta teoria, vejamos:

Artículo 40. Enlas penas divisibles por razón de tiempo o de cantidad, lostribunalesfijaránlacondenación de acuerdocon lãs circunstancias atenuantes o agravantes particulares a cada caso y de conformidad a lasreglasdel artículo siguiente. Artículo 41. A losefectosdel artículo anterior, se tendráencuenta: 1º La naturaleza de laacción y de losmediosempleados para ejecutarla y laextensióndeldaño y Del peligro causados; 2º La edad, laeducación, lascostumbres y laconducta precedente delsujeto, lacalidad de los motivos que lodeterminaron a delinquir, especialmente lamiseria o ladificultad de ganarseel sustento próprio necesario y el de lossuyos, a participación que haya tomado enelhecho, lasreincidenciasen que hubiera incurrido y losdemás antecedentes y condiciones personales, así como los vínculos personales, lacalidad de las personas y las circunstancias de tiempo, lugar, modo y ocasión que demuestrensumayor o menor peligrosidad. El juezdeberá tomar conocimientodirecto y de visudelsujeto, de lavíctima y de las circunstancias Del hechoenla medida requerida para cada caso (ARGENTINA, 1984).

Observa-se então, que o direito penal argentino encontra-se numa escala mais avançada que o Brasil, pois além de prever a majoração da pena prevê ainda o aumento, fazendo referência a teoria da co-culpabilidade às avessas.

No México também há dispositivo legal que abarca a teoria, que assenta:

Art. 52. El juezfijarálas penas e de medidas de seguridad que estime justas y procedentes dentro de los limites señalados para cada delito, con base enlagravedaddel ilícito y el grado de culpabilidaddel agente, teniendoencuenta: V – laedad, La educación, lailustración, lascostumbres, las condiciones sociales e econômicas Del sujeto, así como los motivos que loimpulsaron o determinaron a delinquir. Cuandoelprocesadoperteneciere a un grupo étnico indígena, se tomaránencuenta, además, sus usos y costumbres (México, 1931).

Assim como restou demonstrado a teoria da co-culpabilidade já está assentada no ordenamento jurídico de outros países, que passaram a considerar para fixação da pena os usos e costumes, a educação, as condições sociais do sujeito, bem como os motivos que determinaram o indivíduo a delinquir. No entanto o artigo 52 do código penal mexicano tem uma aplicabilidade mais ampla, sendo utilizada também nas medidas de segurança.

No que se refere ao direito penal peruano, o artigo 45 prevê a co-culpabilidade, veja-se:

Artículo 45. Presupuestos para fundamentar y determinar la pena: El Juez, al momento de fundamentar y determinar la pena, deberátenerencuenta:

1. Lascarenciassociales que hubieresufridoel agente;

2. Su cultura y suscostumbres; y

3. Los intereses de lavíctima, de sufamilia o de las personas que de elladependen (PERU, 1991).

Com relação a este dispositivo, o juiz ao aplicar a pena deve se ater as condições sociais do agente, aos costumes e cultura e ainda aos interesses tanto da vítima quanto das pessoas que dela dependem.

Já no direito penal costa riquenho, segundo Grégore Moura (2006, p. 75/76), não há uma previsão legal expressa, no entanto, assim como no Brasil, há um dispositivo que elenca as atenuantes genéricas. Sendo assim, a co-culpabilidadeb pode se encaixar perfeitamente, vejamos o artigo 71 do Código Penal da Costa Rica:

Artículo 71. El Juez, en sentencia motivada, fijaráladuración de la pena que debeimponerse de acuerdoconloslímitesseñalados para cada delito, atendiendo a La gravedaddelhecho y a lapersonalidaddel partícipe. Para apreciarlos se tomará em cuenta:

a) Los aspectos subjetivos y objetivos delhechopunible;

b) La importancia de lalesión o delpeligro;

c) Lascircunstancias de modo, tiempo y lugar;

d) La calidad de los motivos determinantes;

e) Lasdemás condiciones personalesdelsujetoactivo o de lavíctimaenla medida en que hayaninfluidoenlacomisióndel delito; y

f) La conductadel agente posterior al delito. Las características psicológicas,

psiquiátricas y sociales, lomismo que las referentes a educación y antecedentes, serán solicitadas al Instituto de Criminologia elcualpodrá incluir ensu informe cualquier outro aspecto que pueda ser de interes para mejorinformacióndelJuez.

(COSTA RICA, 1970).

Sendo assim, a co-culpabilidade deve ser aplicada mediante essa brecha em que a lei permite, em outras palavras, pelo fato da lei não prever especificamente assim pode ser aplicado.

No direito penal paraguaio a previsão deste princípio encontra-se no artigo 65, que dispõe:

Artículo 65.- Bases de lamedición:

1º La medición de la pena se basaráenlareprochabilidaddel autor y será limitada por ella; se atenderántambiénlosefectos de la pena ensu vida futura ensociedad.

2º Al determinar la pena, el tribunal sopesará todas las circunstancias generales em favor y en contra del autor y particularmente:

1. losmóviles y los fines del autor;

2. laactitud frente al derecho;

3. laintensidad de laenergía criminal utilizada enlarealizacióndelhecho;

4. el grado de ilícito de laviolacióndeldeber de no actuar o, en caso de omisión, de actuar;

5. la forma de larealización, losmediosempleados, laimportanciadeldaño y Del peligro, y lasconsecuenciasreprochablesdelhecho;

6. la vida anterior del autor y sus condiciones personales y económicas; y

7. laconducta posterior a larealizacióndelhecho y, en especial, losesfuerzos para reparar losdaños y reconciliarseconlavíctima. (PARAGUAI, 1997)

Diante disto, pode-se afirmar que são países que possuem legislações que estão em patamares diferentes. Por exemplo, pode-se observar que tem países como a Argentina que tem um grande avanço nessa seara e em contrapartida outros países que estão na mesma situação do Brasil, e possuem um certo “atraso”, no que se refere à legislação penal.

Contudo, esse “atraso” legislativo não pode ser óbice à aplicação da teoria da co-culpabilidade em nosso pais, pois, caso contrário, estaríamos sendo vitimas do positivismo jurídico. Assim o caminho a percorrer é a consideração da atenuante genérica do artigo 66 do código penal e demais dispositivos apontados quando da aplicação da pena, que considerará a realidade social a que o sujeito foi exposto e as oportunidades sociais que lhe foram ofertadas.

POSICIONAMENTO DE ALGUNS TRIBUNAIS SOBRE O USO DA TEORIADA CO-CULPABILIDADE

Como restou delineado no trabalho a teoria da co-culpabilidade do Estado é pouco difundida no Brasil. Muito embora, percebe-se o aumento do uso do instituto nas linhas de defesa de alguns sujeitos ditos “marginalizados”.

Vejamos alguns julgados:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS – FINALIDADE MERCANTIL DA DROGA COMPROVADA – CONDENAÇÃO MANTIDA – PENA-BASE – NATUREZA E QUANTIDADE DAS SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS EM PODER DO ACUSADO – PREPONDERÂNCIA – CO-CULPABILIDADE – ATENUANTE GENÉRICA – IMPROCEDÊNCIA – COMPROVADA A DEDICAÇÃO DO ACUSADO À ATIVIDADE CRIMINOSA – INVIABILIDADE DA MINORANTE – CRIME PRATICADO NAS IMEDIAÇÕES DE ESCOLA – MAJORANTE EVIDENCIADA – REGIME FECHADO MANTIDO – ESPECIAL REPROVAÇÃO SOCIAL. 
– O tipo insculpido art. 28 da Lei de Drogas contém elemento subjetivo específico, consistente na finalidade do exclusivo uso próprio. Assim, para a sua configuração são necessários, pelo menos, indícios firmes de que os entorpecentes apreendidos destinavam-se unicamente ao uso daquele que os adquiriu, guardou, teve em depósito, transportou ou levou consigo. 
– O art. 42 da Lei 11.313/06 preceitua que, na fixação das penas, o Juiz considerará, com preponderância à análise das circunstâncias judiciais, a natureza e quantidade da substância e o produto, a personalidade e a conduta social do agente. 
– Não há como atenuar as sanções aplicadas ao criminoso ao fundamento da coculpabilidade, pois a dessemelhança presente em nossa sociedade não pode servir como circunstância relevante para a prática delitiva. 
– Os requisitos previstos para o reconhecimento da minorante do § 4º, do art. 33 da Lei 11.343/06 são cumulativos, sendo que a ausência de qualquer um deles impede a concessão do benefício. 
– A lei é clara ao incriminar a conduta de traficar entorpecentes nas proximidades de estabelecimento de ensino (art. 40, III, da Lei 11.343/06), pouco importando a efetiva existência de colegiais na região. 
– Quando a quantidade e a qualidade da droga apreendida com o acusado inspira especial reprovação social, deve-se estabelecer o regime fechado para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade imposta em razão do cometimento do crime de tráfico. 
V.V. – Sendo o apelante primário, possuidor de bons antecedentes e não integrando organização criminosa, o requisito de que o agente não se dedique à prática de crimes, para fazer jus à minorante contida no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06, deve ser interpretado de forma restritiva, para não tolher a efetividade do referido dispositivo legal. 
– O regime inicial de cumprimento da pena, mesmo para os crimes de caráter hediondo, deverá ser estabelecido com base no art. 33, §§2º e 3º, do CP, uma vez que, em recentes julgados do STF, com destaque para o HC nº 111.840/ES, foi declarada, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, enaltecendo assim o princípio da individualização da pena (art. 5º, inciso XLVI).  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0693.14.006252-4/001, Relator(a): Des.(a) Cássio Salomé , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 26/03/2015, publicação da súmula em 09/04/2015)

E ainda, posicionamento do STJ no mesmo sentido:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO CABIMENTO.

PENA-BASE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. REDIMENSIONAMENTO DA PENA.

1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de  ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.

2. Carece de fundamento a negativação da conduta social, motivos, circunstâncias e consequências do crime, quando lastreada em afirmações genéricas, vagas e descontextualizadas, ou quando fundadas em fatos já constitutivos do tipo penal incriminado.

3. Não procede a pretendida valoração favorável ao condenado por omissão estatal na adequada persecução criminal do tráfico, pois co-culpabilidade não é admitida na jurisprudência e porque pretensão de aproveitamento da torpeza própria.

4. A impressão pessoal do julgador, por ocasião do interrogatório do acusado, não serve como fundamento para admitir personalidade desviada, tendente ao crime.

5. Feitos criminais sem condenação não podem motivar o trato negativo da vetorial pertinente aos antecedentes do acusado.

6. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem de ofício para reduzir as penas impostas.

(HC 63.251/ES, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 01/07/2014)

Na primeira ementa apresentada, esta é de um julgamento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais a atenuante genérica em razão da alegação da co-culpabilidade do Estado não foi reconhecida sob o argumento de que não há como atenuar as sanções aplicadas ao criminoso ao fundamento da coculpabilidade, pois a dessemelhança presente em nossa sociedade não pode servir como circunstância relevante para a prática delitiva. 

No segundo julgamento, do Superior Tribunal de Justiça, este vem se posicionando no mesmo sentido ao corroborar o ínclito ministro que salientando que não procede a pretendida valoração favorável ao condenado por omissão estatal na adequada persecução criminal, pois co-culpabilidade não é admitida na jurisprudência e porque pretensão de aproveitamento da torpeza própria.

Assim os tribunais vem se posicionando contrariamente à aplicação da teoria da co-culpabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, pois entendem que o reconhecimento da atenuante genérica do art. 66 do Código Penal, bem como pelo que dispõe o art. 59 do Código Penal, que trata da primeira fase da aplicação da pena, pois seria verdadeiro prêmio a ser dado aqueles cidadãos que buscam se apoiar na criminalidade para assim fazerem um meio de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando tudo que foi exposto, resta evidenciado a deficiência legislativa do Brasil que impede a aplicação da supracitada teoria.

Se por um lado a teoria da co-culpabilidade é usada com mecanismo de compensação social, por outro ela é encarada como uma forma de reconhecer/legitimar a impunidade, visto que o sujeito, por saber da sua realidade e da possibilidade de ser beneficiado pelo uso da atenuante genérica na dosimetria da pena poderia vir a cometer crimes sem pudor ou medo da sanção.

Assim, para que a teoria possa vir a ser utilizada e atinja seu objetivo precípuo, mister se faz que medidas sejam tomadas no âmbito legislativo. Pois, o Estado e Sociedade como um todo tem que ser responsabilizados pela dessidia com a parcela da população menos favorecida.

Desse modo, verifica-se a possibilidade de aplicação da teoria retromencionada, desde que esta não seja feita de forma mecânica. Assim, o julgador terá que necessariamente fazer um estudo do caso concreto, com muita cautela, para aferir se o réu em questão, foi ou não vítima de um sistema desigual que não foi capaz de promover o seu desenvolvimento, levando-o a delinquir.

Por isso, a teoria da co-culpabilidade, se torna um instrumento para que essas desigualdades sociais possam ser amenizadas. Contudo, como restou delineado esta encontra grande embate ao se efetivar no ordenamento jurídico, pois os Tribunais estudados não entendem possível a sua aplicação como atenuante genérica da pena. Apesar da lei não proibir essa forma de atenuante da pena.

Contudo, os legisladores e julgadores devem repensar juntos a atual conjuntura da sociedade brasileira, reanalisando o atual patamar em que se encontra, estando mais próximos da realidade e buscando atender aos anseios dessa sociedade que evolui incessantemente, visando contemplar o direito de cada indivíduo e atingir o ideal de justiça.

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[1] Artigo cientifico apresentado no final do Curso de Direito, das Faculdades Integradas do Norte de Minas – Funorte, no ano de 2015. ²Bacharel em Direito Pelas Faculdades Integradas do Norte de Minas – Funorte. ³Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Processual e Direito Penal Militar pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros-MG (FIP-MOC). Professor orientador e Advogado

Como citar e referenciar este artigo:
FERRO, Daniele Seixas; RUAS, Mauro Magno Quadros. Aplicabilidade da teoria da co-culpabilidade do Estado no direito penal brasileiro. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/aplicabilidade-da-teoria-da-co-culpabilidade-do-estado-no-direito-penal-brasileiro/ Acesso em: 25 abr. 2024