Direito Penal

A constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado e o Devido Processo Legal

A CONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O DEVIDO PROCESSO LEGAL[1]

THE CONSTITUTIONALITY OF THE DIFFERENTIATED DISCIPLINARY REGIME AND THE DUE PROCESS OF LAW

Mauro Magno Quadros Ruas²

RESUMO: O presente Artigo Cientifico trata da observância do Instituto do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) no ordenamento jurídico brasileiro, com o propósito de analisar seu conceito, características e aplicabilidade no sistema processual penal, como se deu sua criação até o advento da Lei 10.792 de 2003 que criou o Instituto do RDD e inseriu na Lei de Execução Penal. Analisa-se também, a teoria do Direito Penal do Inimigo como escopo para a criação do Instituto e faz um parâmetro sobre a constitucionalidade do Instituto do RDD frente ao ordenamento pátrio apresentando se coaduna com os princípios constitucionais pátrios como por exemplo o Princípio do Devido Processo Legal, observando também resquícios da Constituição brasileira com a Teoria Garantista de Ferrajoli. No presente trabalho, utilizou-se o método dedutivo, a pesquisa bibliográfica e artigos de internet, como técnicas de pesquisa.

Palavras – chave: Regime Disciplinar Diferenciado. Direito Penal do Inimigo – Princípio do Devido Processo Legal – Constitucionalidade.

ABSTRACT: This article deals with the observance of the Scientific Institute of the Differentiated Disciplinary Regime (RDD) in the Brazilian legal system, with the purpose of analyzing your concept, characteristics and applicability in the criminal procedural system, how was your creation to the advent of 10,792 Law of 2003 that created the Institute of RDD and entered in Criminal law enforcement. Also analyzes the theory of criminal law of the enemy as scope for the creation of the Office and do a parameter on the constitutionality of the Institute of the RDD front of Homeland planning showing is in line with the constitutional principles pátrios such as the Principle of due process of law, observing also remnants of the brazilian Constitution with the Abstract Theory of Ferrajoli. In this study, we used the deductive method, the bibliographical research and articles from the internet, such as search techniques.

Keywords:Differentiated Disciplinary Regime. Criminal law of the enemy – principle of due process of law – Constitutionality.

INTRODUÇÃO

O regime disciplinar diferenciado foi criado para combater a grande onda de criminalidade nas grandes capitais do país, sendo que a maior importância dela é garantir uma segurança maior para os estabelecimentos prisionais do país, outra função é de monitorar os criminosos e defender a ordem pública de integrantes de facções criminosas.

O regime disciplinar diferenciado foi instituído pelo poder executivo, através do projeto nº 5.073/2001, que possibilitou a edição da lei 10.792/2003, que modificou o a Lei de Execução Penal (Lei. nº 7.210/84), instituindo o regime disciplinar diferenciado.

O objetivo deste artigo é para evidenciar a origem, características, métodos, estrutura, e posicionamentos jurisprudenciais a respeito do tema.

Para Nucci

 […] Esse regime serão encaminhados os presos que praticarem fato previsto como crime doloso (note-se bem: fato previsto como crime e não crime, pois se esta fosse a previsão dever-se-ia aguardar o julgamento definitivo do Poder Judiciário, em razão da presunção de inocência, o que inviabilizaria a rapidez e a segurança que o regime exige), considerado falta grave, desde que ocasione a subvenção da ordem ou disciplina interna, sem prejuízo da sanção penal cabível.

ORIGEM DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E SUAS CARACTERISTICAS COM AS TEORIAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO E GARANTISMO PENAL

O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) é um conjunto de regras rígidas que orientam o cumprimento da pena privativa de liberdade (quanto ao réu já condenado) ou a custódia do preso provisório.

Santos (2011), sustenta que:

O ordenamento jurídico brasileiro não ficou afastado da terrível onda legisferante em torno do chamado direito penal do inimigo. Surge em 2003 a lei 10.792 que alterou a Lei de Execuções Penais e introduziu entre nós o chamado Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, que é característica marcante do chamado Direito Penal de terceira velocidade.

O RDD foi implantado incialmente no Estado de São Paulo pela Resolução n° 26, em maio de 2001, da Secretaria de Administração Penitenciária. Logo após, surgiu a Lei Federal n° 10.792/03, implantando em todo o país o Regime Disciplinar Diferenciado, que não é um regime de cumprimento de pena em acréscimo às penas privativas de liberdade e nem uma nova opção de prisão preventiva ou provisória, mas um regime especial, “caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou como medida de caráter cautelar, tanto para ao condenado como para ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei”. (MIRABETE, 2008, p. 149).

Como apresenta Zaffaroni (2002, apud SANTOS, 2011) “o direito penal de autor considera a conduta como um simples sintoma de uma personalidade inimiga ou hostil ao direito. O delinquente é um ser perigoso”.

Afirma Zaffaroni (2002, apud SANTOS, 2011), que o RDD serve para “abrigar o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando”.

Por sua vez, bem entende Santos (2011) que, “pensamos tratar tal situação específica da punição não pelo fato praticado, regra do nosso ordenamento jurídico, mas pela análise do autor como característica marcante do direito penal do inimigo”.

Para Marcão (2010) a disciplina é inspirada em vários fatores, como por exemplo, a ordem, a obediências às regras, às autoridades, aos agentes e nos trabalhos internos dos presos, ou seja, em conformidade com o art. 44 da Lei de Execução Penal (LEP), que dispõe que: “a disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho”.

Cada estado brasileiro tem autonomia para legislar a respeito de direito penitenciário, uma vez que o art. 24, I da CRFB/88 assim autoriza.

Com a tutela constitucional, um dos primeiros estados a adotar o RDD foi São Paulo, com a justificativa que seus presos seriam perigosos e seus atos enquadravam-se no tipo do art.50 da LEP, in verbis:

Art. 50 – Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que:

I – incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina;

II – fugir;

III – possuir, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem;

IV – provocar acidente de trabalho;

V – descumprir, no regime aberto, as condições impostas;

VI – inobservar os deveres previstos nos incisos II e V do Art. 39 desta Lei.

Observa-se que o RDD está previsto no art. 52 e incisos da LEP, conforme se segue:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I-duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II- recolhimento em cela individual;

III- visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV- o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentam alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Com a utilização do Regime Disciplinar Diferenciado, os presos considerados de alta periculosidade ficarão presos isoladamente, sem direito a visitas íntimas.  Muitos doutrinadores e constitucionalistas não viram com bons olhos essa transformação na LEP porque, para boa parte deles, fere o princípio da dignidade da pessoa humana, opinião corroborada pelo Conselho Nacional de Política Criminal.

Em sentido contrário, entende Nucci (2011, p. 419-420):

Em face do princípio constitucional da humanidade, sustentando ser inviável, no Brasil, a existência de penas cruéis, debate-se admissibilidade do regime disciplinar diferenciado. Diante das características do mencionado regime, em especial, do isolamento imposto ao preso durante 22 horas por dia, situação que pode perdurar por até 360 dias, há argumentos no sentido de ser essa prática uma pena cruel. Pensamos, entretanto, que não se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presídios, com mesmo tratamento destinado ao delinquente comum. Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado, de modo que não haveria necessidades de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de Execução Penal.

Para Nucci (2011), o autor de delito deve gozar de tratamento normal, mas aqueles que não convergem com o Estado Democrático de Direito não são merecedores do mesmo tratamento exatamente porque não são pessoas com características semelhantes aos demais delinquentes.

Com efeito, continua Nucci (2011, p. 420):

A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar, no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividades de lazer ou aprendizado. Diante da realidade, oposta ao ideal, criou-se o RDD. Tanto quanto a pena privativa de liberdade, é o denominado mal necessário, mas não se trata de uma pena cruel. Proclamar a inconstitucionalidade desse regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil é, com a devida vênia, uma imensa contradição.

Observa-se que a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, que tem suas raízes fundadas no Direito Penal do Inimigo “pune o delinquente não pelo fato que o mesmo praticou regra do ordenamento jurídico brasileiro, mas pelo perigo que o mesmo pode causar, características da teoria do Direito Penal do Inimigo”, (ALENCAR, 2010).

Sustenta Alencar (2010):

A redação do artigo 52 da Lei de Execuções Penais, depois das modificações, estabelece o isolamento celular do apenado que comete o delito doloso ou falta grave, por até um ano, como possibilidade de repetição por um prazo igual a um sexto do prazo estabelecido inicialmente. Além disso, impõem-se restrições quanto à possibilidade de receber visitas.

A LEP obedece aos parâmetros dos princípios da reserva legal e da anterioridade da norma, ou seja: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, conforme art. 5°, XXXIX, da CRFB/88, e art. 1° do CP que afirma a impossibilidade de aplicação de sanção disciplinar ou falta grave sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. Dessa forma Alencar justifica o RDD.

Em sentido contrário, pondera Iemini (2010):

A busca do imediatismo na punição de certos crimes, cria no legislador uma ânsia em contentar a sociedade que demonstra repúdio público, através dos meios de comunicação, às suas práticas. Desta maneira, leis são editadas para dar a falsa impressão de segurança restaurada, aplacando a ira da população instigada pelos meios midiáticos, o que para o legislador, tem justificado a perda de alguns benefícios e até mesmo o cerceamento de outros.

Como se percebe, Iemini é contrário à prisão em regimes mais duros aos delinquentes que não obedecem às normas estabelecidas pela lei pátria, ou seja, os mesmos que para Jakobs não são cidadãos e sim inimigos.

A aplicação do RDD é polêmica certa entre os doutrinadores. Com efeito, o citado Nucci entende que o regime especial serve:

Para atender às necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos. (NUCCI, 2008, p. 392 – 393).

Muitos políticos entendem que o Direito Penal seria a solução para os problemas de um país que não consegue conter a criminalidade. Talvez o ideal fosse buscar soluções diferentes e fora do penal como educação de qualidade, orientação às secretarias de Defesa Social dos Estados, enfim, a busca de uma real reflexão acerca das causas efetivas geradoras de situações delituosas.

Haber, posicionando-se contra a edição de leis que não reflitam seriamente sobre o fulcro do problema da criminalidade, assevera:

As consequências já são conhecidas: apela-se ao direito penal como forma de resolução do problema da criminalidade, em detrimento do seu enfretamento por meio de políticas públicas que estabeleçam em amplo diagnóstico o problema. Mais uma vez, verifica-se a existência de uma legislação que solapa as garantias fundamentais e provoca relativização das regras de imputação e dos princípios processuais. (HABER, 2010 apud, IEMINI, 2010).

Como se observa, há várias correntes desfavoráveis à teoria do Direito Penal do Inimigo e a aplicação do regime especial criado para conter os presos de alta periculosidade.

Para Moreira, citado por Alencar (2010):

(…) tais dispositivos do Regime Disciplinar Diferenciado são inconstitucionais: “Cotejando-se, portanto, o texto legal e a Constituição Federal, concluímos com absoluta tranquilidade serem tais dispositivos flagrantemente inconstitucionais, pois no Brasil não poderão ser instituídas penas cruéis (art.5.º, XLVII, alínea “e”, CF/88), assegurando-se ao preso (sem qualquer distinção, frise-se) o respeito à integridade física e moral (art. 5.º, XLIX) e garantindo-se, ainda, que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art.5.º, III).

O art. 5°, III e XLIX da CRFB/88 rezam, respectivamente que: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; e “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Dessa forma, percebe-se que o RDD representa um modo de intervenção estatal na punição dos cidadãos considerados perigosos e inimigos que revela-se, no mínimo, polêmico. É importante salientar que “ninguém contesta que o Estado deve intervir, com firmeza, para evitar danos para o patrimônio e vida das pessoas. Mas dentro do Estado de Direito até mesmo o Direito tem limites”. (GOMES apud ALENCAR, 2010).

“Nesse contexto, são inadmissíveis, em um Estado de Direito, normas contrárias às conquistas históricas dos direitos fundamentais. O Direito Penal do Inimigo não encontra guarida no sistema jurídico”. (ALENCAR, 2010).

OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

 A evolução dos direitos e garantias fundamentais passou por grandes transformações até se chegar aos dias de hoje como pilares de um Estado Democrático de Direito.

 No Brasil, a Constituição Federal de 1988 representou um grande marco para a sociedade e para o ordenamento jurídico.

 Os direitos fundamentais são disposições declaratórias, ou seja definem para o Estado o que é mais importante para o ordenamento jurídico e o que deve ser objeto para proteção consignada na Norma Fundamental. (MELO, 2005).

 Ferrajoli (2006, p. 74) apresenta uma série de princípios axiológicos acerca dos direitos fundamentais:

 Denomino garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penal SG, que inclui todos os termos de nossa série, trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latinas: Nulla poena sine crimine, Nullum crimen sine lege, Nulla lex (poenalis) sine necessitate, Nulla necessitas sine injuria, Nulla injuria sine actione, Nulla actio sine culpa, Nulla cula sine judicio, Nulla judicium sine accusatione, Nulla probatio sine defensione.

 O primeiro axioma, – nulla poena sine crimine, significa que somente poderá ser aplicada a pena quando houver o crime que deverá estar tipificado na lei penal.

 O segundo axioma, nullum crimen sine lege, entende que o ordenamento jurídico somente poderá proibir um comportamento que comporte ameaça aos bens jurídicos considerados fundamentais.

 O terceiro axioma que Ferrajoli apresenta é nulla lex (poenalis) sine necessitate; as condutas tipificadas em lei não devem restringir/ignorar o caráter pessoal do agente, seu modo de ser.

 O quarto axioma, nulla necessitas sine injuria; significa que exteriorizados mediante uma ação.

 As outras ideias garantistas apresentadas por Ferrajoli são de caráter acusatório, como: nulla culpa sine judicio, o juiz deve ser imparcial e competente para o caso; nullum judicium sine accusatione, não se deve confundir o órgão de acusação com o órgão julgador; nulla accusatio sine probatione, referindo-se ao ônus da prova que deve ser da acusação e, por fim, nulla probatio sine defensione, devendo ser assegurado ao agente causador da infração penal todos os direitos como ampla defesa e contraditório, bem como todos os recursos a ele inerentes. (GRECO, 2011).

 A CRFB/88 é de aplicabilidade rápida, ou seja, não é necessário a atuação do Poder Legislativo para que possam ser exercidos os direitos e garantias fundamentais expressos na Carta Magna.

 Ferrajoli (2006, p. 271) apresenta o conceito de garantismo:

 Esta legitimidade, como mostrarei nos parágrafos 37 e 57, não é “democrática no sentido que não provém do consenso da maioria. E, sim, “garantista”, e reside nos vínculos impostos pela lei a função punitiva e a tutela dos direitos de todos. “Garantismo, com efeito, significa precisamente a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito a sua verdade. É precisamente a garantia destes direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal e o próprio princípio majoritário.

 O direito a vida deve ser entendido como o mais importante de todos, por razões óbvias, e esse exercício deve ser gozado com dignidade, como está explícito no art. 1°, III da CRFB /88 que reflete o princípio da dignidade da pessoa humana.

 O princípio da igualdade, por sua vez, deriva de uma concepção clássica de justiça e proíbe qualquer tratamento desigual nos mesmos casos e na mesma situação.

 A igualdade refere-se também à isonomia entre homens e mulheres, prevista no art. 5°, inciso I, da CRFB /88, não devendo haver discriminação em relação ao sexo, exceto nos casos em que a Carta Magna cuida de discriminá-los (art. 7°, XVIII e XIX, art. 40, § 1°, 143, §§ 1° e 2° e 201, § 7°) e quando a legislação infraconstitucional utilize a discriminação como forma de atenuar os desníveis porventura existentes.

 Ferrajoli entende que o princípio da legalidade deve ser interpretado de forma crítica racional e o cunha de técnica legislativa tendente à excluir. O jurista italiano entende assim, in verbis, que o princípio da legalidade estrita:

 (…) é proposto como uma técnica legislativa espécie dirigida a excluir, conquanto arbitrárias e, portanto, com caráter “constitutivo” e não “regulamentar” daquilo que é punível: como as normas que, em terríveis ordenamentos passados perseguiam as bruxas, os hereges, os judeus, os subversivos e os inimigos do povo; como que ainda existem em nosso ordenamento, que perseguem os “desocupados” e os “vagabundos”, os “propensos a delinquir”, os “dedicados a tráficos ilícitos”, os “socialmente perigosos” e outros semelhantes. (FERRAJOLI, 2006, p. 31).

 A Carta Maior chama de cláusulas pétreas os comandos que considera imutáveis, dada sua importância. Neste caso, a cláusula pétrea da nossa Constituição não admite qualquer tipo de distinção dos seres no que refira à dignidade da pessoa humana. Isso porque entende que:

 O caminho para a redução do cidadão á nuda vita será percorrido mais rapidamente onde o contexto do Estado de direito precedente for mais débil e vice-versa. Uma mesma lei pode representar uma gravíssima lesão aos direitos humanos fundamentais em um contexto institucional débil (polícias corruptas, poder judiciário com escassa independência, tradição pouco democrática, ampla exclusão social, distribuição muito polarizada da riqueza, racismo, xenofobia, sexismo, homofobia e outros preconceitos muito latentes etc.) e, ao contrário, representar uma lesão de pouca gravidade no contexto oposto. (ZAFFARONI, 2007, p. 153).

 Assim, o juiz e jurista argentino é adepto da ideia de que deve-se haver rigidez constitucional no tocante a modificação de pontos essenciais formadores e que representem fundamentos do Estado Democrático de Direito.

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais precisamente em seu art. 5° enuncia que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”; referindo-se à proibição de qualquer tipo de ameaça ou tortura que possa reprimir física e moralmente o cidadão.

 A declaração criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) foi de fundamental importância para proteção da dignidade da pessoa humana.

 Na lição de Moraes (2011, p. 24):

 A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

 O pacto de San Jose da Costa Rica, denominado de Convenção Americana de Direitos Humanos, criado em 1969, tratou de questões relacionadas ao direito à vida, à liberdade e aos direitos e garantias processuais e penais, além do direito de locomover-se.

 Desse modo, verifica-se uma preocupação internacional com o tema dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, bem como com sua efetividade e real conscientização a respeito de sua importância.

 Conforme as lições de Bobbio (1982, p. 49, apud GRECO, 2011, p. 07):

 As normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Essa norma suprema é a norma fundamental. Cada ordenamento possui uma norma fundamental, que dá unidade a todas as outras normas, isto é, faz das normas espalhadas e de várias proveniências um conjunto unitário que pode ser chamado de ordenamento.

 Em âmbito penal, a preocupação com direitos fundamentais é tão clara que o jurista italiano Luigi Ferrajoli chamou – a de garantismo penal, matéria que será analisada no próximo tópico.

 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

 No Habeas Corpus 44.049-SP, a defesa sustentou, dentre outras coisas, a inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, alegando violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, bem como a proibição de submissão à tortura e ao tratamento desumano e degradante. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, entendeu pela constitucionalidade do RDD relatando que:

“Com efeito, o regime disciplinar diferenciado não fere qualquer princípio ou norma constitucional, não acarretando a sua imposição cumprimento de pena de forma cruel degradante ou desumana. Outrossim, não contraria regras internacionais sobre a dignidade humana, nem mesmo mencionadas na contrariedade apresentada. Por outro lado, e contrariamente ao sustentado, prestigia o princípio da individualização do cumprimento da pena, uma vez que permite tratamento penitenciário desigual a presos desiguais, seja pela prática de faltas disciplinares graves, seja por seu envolvimento com o crime organizado, seja, por fim, pelo alto risco que representam para a ordem e a segurança da sociedade e dos presídios comuns. Anote-se que o regime diferenciado não suprime direitos do preso, limitando-se a restringí-Io ao que se verifica da leitura ao art. 52; I, II, III e IV, da Lei n° 7.210/83e art. 5, II a V, da Lei n° 10.792/2003. Tais restrições (recolhimento a cela individual, limitação do número de visitas e do número de horas de banho de sol), ao que se verifica, não são, evidentemente, caracterizadoras de tratamento desumano ou degradante, restringindo somente a liberdade de locomoção do preso no interior do presídio, com a finalidade de punição pelas faltas graves por ele praticadas (art. 52, caput), ou de acautelamento da administração penitenciária contra a sua potencial periculosidade (art. 52, § 1°e 2°, da LEP)”.

Nesse sentido, no HC 40.300- RJ, decidiu a 5ª turma do Superior Tribunal de Justiça:

O Regime Disciplinar Diferenciado é previsto, portanto, como modalidade de sanção disciplinar (hipótese disciplinada no caput do art. 52, da LEP) e, também, como medida cautelar (hipóteses dos §§ 1º e 2º da LEP), caracterizando-se pelas seguintes restrições: permanência do preso em cela individual, limitação do direito de visita e redução do direito de saída da cela, prevista apenas por 2 (duas) horas. Assim, não há falar em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), à proibição da submissão à tortura, a tratamento desumano e degradante (art. 5º, III, da CF) e ao princípio da humanidade das penas (art. 5º, XLVII, da CF), na medida em que é certo que a inclusão no RDD agrava o cerceamento à liberdade de locomoção, já restrita pelas próprias circunstâncias em que se encontra o custodiado, contudo não representa, per si, a submissão do encarcerado a padecimentos físicos e psíquicos, impostos de modo vexatório, o que somente restaria caracterizado nas hipóteses em que houvesse, por exemplo, o isolamento em celas insalubres, escuras ou sem ventilação. Ademais, o sistema penitenciário, em nome da ordem e da disciplina, bem como da regular execução das penas, há que se valer de medidas disciplinadoras, e o regime em questão atende ao primado da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a severidade da sanção. Outrossim, a inclusão no RDD não traz qualquer mácula à coisa julgada ou ao princípio da segurança jurídica, como quer fazer crer o impetrante, uma vez que, transitada em julgado a sentença condenatória, surge entre o condenado e o Estado, na execução da pena, uma nova relação jurídica e, consoante consignado, o regime instituído pela Lei n.º 10.792/2003 visa propiciar a manutenção da ordem interna dos presídios, não representando, portanto, uma quarta modalidade de regime de cumprimento de pena, em acréscimo àqueles previstos pelo Código Penal (art. 33, CP). Pelo mesmo fundamento, a possibilidade de inclusão do preso provisório no RDD não representa qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista que, nos termos do que estabelece o parágrafo único do art. 44 da Lei de Execução Penal, “estão sujeitos à disciplina o condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos e o preso provisório”. (…) Por fim, considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o ora combatido Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. Alexandre de Moraes, em sua obra “Constituição do Brasil Interpretada”, consigna que “a simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos e liberdades individuais. É mister, ainda, que as restrições sejam proporcionais, isto é, que sejam adequadas e justificadas pelo interesse público e atendam ao critério da razoabilidade. Em outros termos, tendo em vista a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cabe analisar não só a legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, mas também a necessidade de sua utilização, isto é a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos”(in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional , 4ª edição, Editora Atlas S.A., 2004, p. 170). Dessa forma, tenho como legítima a atuação estatal ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003 busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas as quais atuam tanto no interior do sistema prisional – liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – quanto fora, ou seja, em meio à sociedade civil. Mais uma vez utilizando os percucientes ensinamentos do já citado Alexandre de Moraes (obra mencionada, p. 169), vale registrar que “os direitos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito”.

Com todo exposto, é correto afirmar que diante dos julgados há convergência na jurisprudência sobre a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado, sendo este considerado uma forte arma no combate às organizações criminosas que atuam dentro dos presídios, agindo como um meio para alcançar a almejada segurança garantida a todos no art. 5 º da Constituição Federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A instituição do Regime Disciplinar Diferenciado no ordenamento jurídico brasileiro não viola a Constituição, constituindo forma proporcional de resposta penal em casos graves, que, ao contrário de ofender, concretiza a garantia constitucional da individualização da pena, dentro da liberdade de conformação deixada ao legislador ordinário, cuidando-se de hipótese de reserva legal simples, dentro de uma relação de especial sujeição, consistindo em instrumento necessário e adequado frente a certas práticas criminosas, nomeadamente em casos de faltas graves, risco para a segurança, ou ainda quando o sujeito integrar organização criminosa, quadrilha ou bando, podendo tais condutas ou situações ser objeto de atuação sancionatória por parte das autoridades responsáveis pela execução

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Antônia Elúcia. A inaplicabilidade do direito penal do inimigo diante da principiologia constitucional democrática. Revista dos Tribunais – Ano-1999 – maio de 2010 – vol. 895. Disponível em: <http://www.idecrim.com.br/index.php/artigos/76-a-inaplicabilidade-do-direito-penal-do-inimigo-diante-da-principiologia-constitucional-democratica>. Acesso em 01 de mai. 2013.

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[1]Artigo cientifico apresentado na Pós Graduação lato sensu em Direito Público com ênfase em Direito Processual e Direito Militar, realizada em Montes Claros (MG), nos anos de 2012 e 2013, sob a Coordenação das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros (Fip-Moc). ²Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Processual e Direito Penal Militar pelas Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros-MG. Professor orientador e Advogado.

Como citar e referenciar este artigo:
RUAS, Mauro Magno Quadros. A constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado e o Devido Processo Legal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-constitucionalidade-do-regime-disciplinar-diferenciado-e-o-devido-processo-legal/ Acesso em: 28 mar. 2024