Direito Penal

Redução da maioridade penal – Da necessidade da redução da maioridade penal para fins de combate a violência juvenil no Brasil

 

Resumo: O artigo trata de uma questão deveras controvertida e acalorada que é a redução da maioridade penal no Brasil. Uma vez que esta questão ainda não está definitivamente solucionada pelo Direito Pátrio, ocorre que muitos dos ditos ´´adolescentes´´ (menores na faixa dos 16 aos 18 anos, quando também menores abaixo da idades de 16 anos) aproveitam-se da punição branda que a leis lhes alberga para cometer toda sorte de ilícitos possíveis na sociedade. Uma vez que o Direito tem que se adequar às novas realidades sociais, é mais do que necessária à discussão sobre este delicado tema.

Palavras-chave: Redução da maioridade penal, menores de idade, necessidade de revisão da maioridade.

 

Abstract: This academic work is about a polemic question: reduction of law adulthood in Brazil. Once this question isn’t defined by Father Law yet, a lot of, so call, teenagers (minors with age between 16 and 18 years old, or even minors with less than 16 years old) take advantaged of the light penalty, that the law offers, to commit all possible kinds of illicitness is the society. Once, is the duty of law adapt itself to new social realities, it is more than necessary the discussion about this delicated subject.

 

Keywords: Adulthood’s reduction, minors, necessity of review of adulthood

 

1 Introdução

 

É mais do que fato que delinqüência juvenil cresceu a níveis inaceitáveis nos últimos anos. Uma vez que a legislação pertinente ao tratamento dos menores infratores no Brasil é por vezes inócua e ineficaz, fazem-se necessárias mudanças na mesma para que seja dada uma resposta cabível ao que vem acontecendo no meio social brasileiro.

 

Sendo assim a finalidade desse artigo é demonstrar que a redução da maioridade penal para fins de combate a violência juvenil é possível, demonstrando-se para isso as causas sociais e legais que fundamentam essa posição.

 

2 Primeiros textos jurídicos com ênfase na redução da maioridade penal

 

Apresenta-se agora, trechos de textos que colocam argumentos favoráveis à redução da maioridade penal no Brasil.

 

Inicia-se a explanação com argumentos do ilustre Promotor de Justiça da 6ª Vara Cível de Teresina (PI), José Ribamar Costa Assunção, em artigo publicado por este no site jurídico jusnavegandi, no qual apresenta sua opinião favorável a redução da maioridade penal no país:

 

Como é possível acreditar que um rapaz, ou moça, na faixa dos 12 aos 17 anos, vivendo no mundo globalizado de hoje, não tenha consciência do que faz? Por que permitir que o jovem de 16 anos possa exercer o direito de escolher seus governantes e representantes no Parlamento e não possa, ao mesmo tempo, ser dono dos seus atos ao praticar um erro, um ilícito, um crime? Onde está a distinção para ter clareza quanto a poder escolher, optar, por seu representante no Parlamento ou no Governo, e não poder escolher o que é certo e errado, o que constitui ilícito penal, hediondo ou não?[1].

 

Aponta o autor de uma forma clara e sensata, o paradoxo existente entre a compreensão do menor nos dias atuais e a possibilidade de realizar suas escolhas perante o meio social ante a impossibilidade do mesmo assumir seus erros perante o meio social em que se insere. Acertada é a sua posição, pois não há como se defender hoje que o menor não tenha consciência da prática de atos errados por parte de sua pessoa perante a sociedade.

 

Continua o autor, dizendo:

 

Entendo que a maioridade penal aos 16 anos já devia ter vindo. Mas sou favorável à responsabilização penal de qualquer adolescente, fase da vida que a ciência diz começar por volta dos 14 anos. Todavia, não podemos perder de vista que os pré-adolescentes, entre os 11 e 13 anos, já têm inteira consciência do que seja um estupro, um assassinato, um roubo, um furto, um crime hediondo. Esses também devem ser penalizados, de uma maneira mais rígida, com base em um estatuto da criança, porém não este que se encontra em vigor, pois de nada tem servido. Mas a responsabilidade de todos esses não pode deixar de existir. A maioridade terá que vir pelo fato de que o jovem na faixa de 14 a 17 anos tem plena condição de discernir o que é um ato cruel, desumano, criminoso, ele sabe o que faz bem e o que faz mal.[2]

 

Tem razão o digno promotor, pois o menor, principalmente na faixa dos 11 aos 16 anos, é tratado de forma branda pelo ECA. Há que se colocar também que a maioridade penal aos 16 anos (juntamente com a adoção do critério psicológico de avaliação da conduta do menor) é acertada, pois estes ´´adolescentes´´, principalmente os menores infratores, já são pessoas mais que formadas para a vida social, e deveriam responder proporcionalmente aos delitos que cometem.

 

Passa o autor então a explanar sobre o discernimento do menor:

 

JEAN PIAGET (1896-1980), talvez o psicólogo que conheceu, com maior profundidade, o mundo da criança, que ele estudou, como ninguém, experimentalmente, através da observação atenta do desenvolvimento cognitivo delas, tendo sido professor de Psicologia da Criança, na Sorbonne, em Paris, onde lecionou de 1952 a 1963, e autor dos célebres “Estudos de Epistemologia Genética”, obra em 30 volumes, publicada entre 1957 e 1973, já dizia que a criança, dos 7 aos 11 anos, é capaz de se organizar socialmente, normalmente em bandos, sendo também capacitada para participar de grupos maiores, chefiando ou admitindo a chefia, e, além disso, pode compreender regras, sendo fiéis a elas, daí poder estabelecer compromissos.

 

PIAGET também ensina que, a partir dos 11 anos, a criança atinge o ápice do desenvolvimento da inteligência do ser humano, que corresponde ao nível do pensamento hipotético-dedutivo ou lógico-matemático. A partir dos 11 anos, o indivíduo – diz o mestre suíço – está apto para calcular uma probabilidade do mundo exterior e se orienta em proveito de interesses futuros, trazendo já o que chamou de “abertura para todos os possíveis”. Nesse momento, está apto a compreender muito bem a realidade à sua volta, é capaz de discutir e tirar conclusões e de fazer parte de uma organização grupal onde pode estabelecer relações de cooperação e reciprocidade.

 

Portanto, o ser humano, a partir dos 11 anos, é capaz de compreender e interpretar, muito bem, o que se passa à sua volta e também a realidade social, tendo já capacidade para discernir o que é um ato criminoso praticado contra o semelhante.[3]

 

Nessa colocação acima há a prova mais que suficiente para contrapor os defensores da manutenção da maioridade penal que alegam a falta de discernimento do menor infrator para a prática de atos criminosos.

 

Conclui o ilustre Promotor dizendo que:

 

Precisamos enfrentar esse problema com firmeza e coragem, sem demagogias ou hipocrisias, que apenas empurram o problema da violência que atinge o país para debaixo de um tapete já sujo, como se ela fosse apenas uma questão social. É, nesse país inventamos que a criminalidade tem apenas causas sociais – lembra muito bem o Senador Demóstenes Torres, em discurso de 13 de fevereiro passado, no Senado Federal. O parlamentar, que foi atuante membro do Ministério Público goiano, lamenta que muitos só sabem dizer: “Não posso colocar na cadeia quem é pobre”.

 

Digo, porém, parafraseando o parlamentar goiano, que não podemos viver dizendo : “Não posso colocar na cadeia um menor que é vítima da sociedade”. Ora, a sociedade somos todos nós, e o menor de 18 anos é mais um indivíduo que nela se insere. Porém, a frase, desgastada já, é repetida por muitos, até como forma de lavar as mãos para os crimes que não queremos punir, ou porque não nos afetam diretamente, ou porque não queremos refletir sobre o alto potencial lesivo de certas condutas e a hediondez dos atos praticados. Não importa que seja um indivíduo com 14, 15, 16 ou 17 anos o autor do delito. Para punir, em qualquer legislação do mundo, diz muito bem o parlamentar goiano, bastam dois requisitos: o agente ter potencial conhecimento da ilicitude do fato e o dolo, ou seja, basta conhecer e querer.[4]

 

Demonstra o autor de forma acertada a necessidade de se enfrentar o problema da criminalidade dos menores sem a demagogia e hipocrisia por ele colocadas, já que a discussão de soluções para esse pernicioso fato, é um assunto por vezes deixado de lado pela sociedade e pelo Poder Público. Coloca também de forma precisa, os requisitos para a punição do agente causador do dano e compara brevemente, por meio desses requisitos, a legislação brasileira com a legislação de outros países, as quais tem parâmetros de idade abaixo do estabelecido pela lei nacional; sendo estes corretos para a aplicação de uma punição ao agente infrator por entenderem que, estando presentes os dois requisitos colocados pelo autor acima, há que se dar a punição cabível e proporcional ao caso concreto independentemente da idade do agente causador do delito.

 

Apresenta-se agora excertos do artigo publicado no site Consultor Jurídico de uma entrevista realizada pelo mesmo, em 14 de Novembro de 2003, ao magistrado da Vara da Infância e Juventude de Botucatu (SP), Ítalo Morelle, e ao então Presidente do Superior Tribunal do Trabalho, Franscisco Fausto, os quais relatam sua posição favorável ao tema do presente trabalho:

 

 O juiz da Infância e da Juventude em Botucatu (SP), Italo Morelle, é a favor da redução da maioridade penal como forma de combater a criminalidade. Dom Aloísio Lorscheider, arcebispo de Aparecida do Norte (SP), e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Francisco Fausto, têm o mesmo entendimento.

 

Segundo o juiz, “assistimos atos infracionais praticados com violência contra a pessoa e, por vezes, até requintes de crueldade, por jovens com idade de 16 e 17 anos”.

 

“Não podemos permitir que a sociedade permaneça totalmente desprotegida, à sanha de jovens perigosíssimos, que, após os atos mais macabros, em pouco tempo estarão livres para praticarem outros. E a idade em que tais atos ocorrem, com maior violência, situa-se exatamente após os 16 anos de idade. E, não podemos nos iludir, imaginando que tais jovens, conhecedores da lei pela vivência nas ruas, não calculam com precisão a conseqüência de seus atos, sabendo, de antemão, que a resposta estatal será privação de liberdade por no máximo três anos; e, muita vez, por tempo bem menor”, ressaltou Morelle.

 

Fausto defendeu a redução da maioridade penal nesta sexta-feira (14/11) ao ser indagado por jornalistas sobre o assunto. “Os crimes que certos adolescentes estão cometendo são hediondos e devem ser combatidos com mais rigor”, afirmou o ministro.

 

“A violência está tão grande, inclusive no seio da juventude, como demonstra esse crime hediondo que aconteceu em São Paulo, praticado por um jovem de 16 anos, que tudo isso nos leva a crer na necessidade de uma redução dessa maioridade”, acrescentou.

 

De acordo com Fausto, “o crime está se alastrando inclusive em áreas de menoridade legal”. Ressalvando que a questão penal não é sua área de atuação judicial, como magistrado da Justiça do Trabalho, Francisco Fausto, observou que opinava como cidadão comum. Para o presidente do TST, a violência no País está fugindo ao controle.

 

Ele afirmou que “não se deve apanhar uma criança criminosa de 16 anos, jogá-la na Febem e dois anos depois jogá-la na rua para novos crimes”.´´.[5]

 

Acertadas as posições acima, que demonstram a ineficácia de legislação atual no tratamento dos menores infratores e o recrudescimento da criminalidade juvenil advinda desta ineficácia.

 

Explana-se agora, excertos da posição do ilustre doutrinador Fernando Capez em relação ao tema, em seu artigo publicado na Revista Jurídica Consulex, n°245, de 31 de março de 2007. Inicia o tema abordando a seguinte questão que também foi abordada anteriormente neste tópico:

 

 “Mas como afirmar, nos dias de hoje, que um indivíduo de 16 anos não possui plena capacidade de entendimento e volição?

 

Em verdade, existe uma realidade para a qual estamos ´´vendando´´ nossos olhos, ou seja, o Estado vem concedendo “carta branca´´ para que indivíduos de 16, 17 anos, com plena capacidade de entendimento e volição, pratiquem atos atrozes, bárbaros, pela falta de devida punição, garantindo-se, assim, o direito de matar, traficar, de ser bárbaro, atroz.

 

Por outro lado, ainda que se tome em consideração aspectos da realidade educacional e a omissão do Estado em prover orientação adequada para jovens, a redução da maioridade penal é medida justa. Ora, se ponderarmos sobre esses fatores, aquele que praticou um crime com 18, 20 ou 21 anos o fez, também, pela falta de oportunidade de emprego, estudo, etc. Daí por que não cabe tal argumento para afastar a redução da maioridade penal.

 

O que se pretende, na realidade, é o distanciamento dos discursos ideológicos, políticos, etc., a fim de proporcionar retribuição penal na justa dimensão do crime cometido, atendendo, inclusive, ao principio da proporcionalidade insculpido na Constituição Federal, a qual impõe rigor penal para casos de maior gravidade (art. 5°, XLII, XLIII e XLIV).

 

O intuito da redução da maioridade penal é, portanto, o de reparar graves injustiças, mediante a proporcionalidade entre a punição e o crime praticado. Assim, um menor de idade que pratique crime hediondo, como o que ocorreu no Rio de Janeiro (o autor de refere à morte do garoto João Hélio, assassinado cruelmente nesta cidade por um menor dirigindo um automóvel em um assalto, após ter sido arrastado de carro por 6 Km, quando o menor infrator e comparsas fugiam do local do crime), deverá responder pelo delito tal qual um indivíduo maior de 18 anos.

 

É extremamente injusto que, após cometer tão bárbaro crime, seja o menor liberado compulsoriamente aos 21 anos, nos termos do ECA, enquanto indivíduos maiores de 18 anos, co-participantes do delito, terão que ficar segregados em estabelecimento carcerário até 30 anos.

 

E o que é pior: aos 21 anos, quando for liberado esse indivíduo certamente voltará a aterrorizar a população indefesa.´´.[6]

 

Estas são posições mais que acertadas do digno doutor Fernando Capez, pois demonstram a necessidade, como o próprio autor colocou, da reparação de graves injustiças cometidas pelos menores infratores que são brandamente punidos pelo ECA, ao invés de serem punidos proporcionalmente como os delinqüentes maiores de idade ao cometerem os mesmos crimes (quando não piores) que estes.

 

Colocados os posicionamentos acima, há que se concluir que a realidade vivida pelos menores, como apontado acima, é diferente do que era outrora, sendo que, na atualidade, o mesmo tem plena consciência de seus atos perante seus pares sociais. Sendo assim, há razão suficiente nos posicionamentos descritos anteriormente, ressaltando a necessidade da redução da maioridade penal para fins de uma devida punição ao menor infrator, e para que a mesma traga justiça, não só para as vítimas dos mesmos quanto para a sociedade em geral. Há que se colocar que, a redução da maioridade não resolverá desde já o problema da criminalidade juvenil, mas a mesma poderá, de início, servir como intimidação aos menores infratores quanto às conseqüências da prática de atos criminosos por eles, sendo estes um dos objetivos da legislação penal pátria.

 

3 As causas sociais do problema

 

Passa-se então agora a analisar as causas sociais que levam o menor a cometer a inúmera série de atos ilícitos, apresentando trechos de artigos favoráveis à redução da maioridade penal, nos quais se destacam os referidos problemas.

 

Inicia-se a explanação referindo-se a um dos referidos problemas, que, sem sombra de dúvida, é a educação dada ao jovem nos dias atuais. Apresentamos trechos do artigo do já citado Promotor de Justiça, José Ribamar Costa Assunção, o qual discorre sobre este problema:

 

É sabido que a educação é a base de tudo. Jamais poderá ser relegada ao segundo plano. Povos que fizeram isso, estão pagando caro. Mas o que se vê atualmente no Brasil é o reflexo da ausência de um bom sistema educacional e, sobretudo, o afrouxamento dos padrões morais da nossa sociedade. [7]

 

Tem razão o autor no tocante à ausência de um sistema educacional de qualidade no país, sendo este um dos principais responsáveis pela má educação dada aos jovens atualmente. Entretanto ao autor não assiste razão sobre o afrouxamento dos padrões morais, já que estes, com o passar dos tempos, mudaram e, possivelmente mudarão, naturalmente.

 

Continua o autor relatando outro grande problema educação do menor, sendo esta a educação dada pelos pais ao mesmo, que em muitos casos é deficitária nos dias atuais:

 

Os pais, hoje, não sabem educar os filhos e se tornaram reféns da sua própria incompetência na educação oferecida ao jovem, que se modernizou ao máximo, senhor das técnicas da Informática e conhecedor das galáxias, a ponto de se sentir mais dono do mundo.

 

Não sabem educar aqueles que não conhecem quem são os amigos dos seus filhos, quem são as pessoas que são vistas na companhia deles, como não sabem educar aqueles pais que permitem que os filhos cheguem fora de hora em casa e não exigem uma explicação para o adiantado da hora. Não sabe educar aquele que permite que o filho, sem a devida supervisão, determine, de modo inconveniente, seus próprios horários para estudar ou até para a diversão, o lazer; ou aquele que não sabe o que o filho vê na tv.

 

Não sabe educar aquele que não tem voz altiva perante o filho, que teme lhe dizer algo que o contradiga. Esse, pai ou mãe, perdeu toda a capacidade de educar, perdeu a autoridade.[8]

 

Tem razão o digno autor no tocante à perda de autoridade pelos pais em relação aos filhos menores, gerando este fato uma conseqüência séria no que tange a educação do menor, o qual é a falta de limites impostos ao mesmo, fazendo com que o mesmo sinta-se como explanado anteriormente o ´´dono do mundo´´ e com o ´´poder´´ de determinar o que ele deve ou não fazer em sua vida (se o mesmo deve estudar ou não, respeitar as leis, etc.).

 

Explana o autor que um dos principais problemas na educação do jovem atualmente reside na família:

 

Todo o problema começa aqui, na família. BALZAC (1799-1850), no “Cura da Aldeia”, já pregava que a “família será sempre a base da sociedade”. E, entre nós, tornou-se conhecida a clássica definição de que a família é a célula-mãe da sociedade.

 

Mas MIRABEAU (1749-1791), cognominado “o orador do povo”, em um de seus célebres “Discours sur les successions”, já dizia : `Os sentimentos e os costumes, que são base da felicidade pública, formam-se no lar´. Contudo, muitos dos nossos lares hoje estão deturpados pela ausência de um dirigente exemplar ou confiável. Como podemos, então, falar de uma boa educação? Como preparar o jovem para ter sentimentos nobres, uma vida digna e bons costumes? Para ter responsabilidade social, para ter responsabilidade com o próximo ?

 

Se os pais não sabem educar, quem o fará? O Estado? Que Estado? O Estado brasileiro? Esse Estado que não propicia uma educação pública de qualidade? Esse Estado tão perdido como muitas famílias? Esse Estado que tem sido um fracassado em ações sócio-educativas? Esse Estado que contabiliza uma dívida enorme com o povo em matéria de educação pública, pois é inegável a falência do ensino público em nosso país?[9]

 

Ilustra muito bem o autor a situação atual de muitas famílias que são formadas sem um planejamento adequado. Sendo assim, muitos pais e mães por não conseguirem educar seus filhos, seja pela falta de prática no que concerne a educação do menor ou pela falta de interesse em acompanhar o desempenho escolar do mesmo em uma instituição de ensino, acabam por deixar essa função sob total responsabilidade do Estado ou da instituição de ensino a qual o jovem está vinculado. Em vista disso, uma vez que a educação estatal é de baixíssima qualidade, acaba por faltar desta forma uma educação básica de qualidade para o jovem, fazendo com que o mesmo não desenvolva responsabilidades tanto próprias ou quanto ao meio social em que se insere por desenvolver-se conforme seu livre-arbítrio, não tendo assim, limites para suas ações, tendo isso conseqüências calamitosas como as vistas atualmente.

 

Continuando sua explanação sobre educação, o autor pondera muito bem sobre a qual ente do Estado será dado à tarefa da educação ao jovem, e continua a mesma levantando a questão da necessidade de se fazer uma escola pública de qualidade com vistas de melhorar a democracia no Brasil, e com isso, o meio social em que a população vive:

 

Dizia ANÍSIO TEIXEIRA (1900-1971), um dos maiores educadores brasileiros, tanto que se tornou conselheiro da Organização das Nações Unidas junto à UNESCO, para Educação, Ciência e Cultura : “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”. Num livrinho hoje clássico, “Educação não é privilégio”, o combativo educador também advertia : “Numa sociedade como a nossa, tradicionalmente marcada de profundo espírito de classe e de privilégio, somente a escola pública será verdadeiramente democrática e somente ela poderá ter um programa de formação comum, sem os preconceitos contra certas formas de trabalho essenciais à dermocracia” (ob. cit., 3ª edição, Companhia Editora Nacional, São Paulo, pág. 72).

 

Estamos perdidos! Muitas autoridades não sabem o que dizem. O governo federal, o mesmo se diga dos governos estadual e municipal, não despertaram para a necessidade de fazer, com urgência, uma escola pública de boa qualidade. No entanto, pregam que vivemos num país democrático! Que democracia?! A dos ricos, a dos que podem pagar a boa escola privada?! A dos que podem pagar para comer nos melhores restaurantes, ter moradias caras e contratar advogados a peso de ouro até para se livrarem da cadeia?[10]

 

Aponta com razão o autor, o que a falta de um sistema de ensino público de qualidade acarreta, sendo principalmente, o desnível social entre as classes sociais e o próprio funcionamento da democracia no Brasil, que é deficitária, em vista da falta de consciência e educação de parte considerável da população que trocam seus votos por favores pessoais, ao invés de usar a possibilidade de escolher seu representante de forma consciente para que o mesmo trabalhe para o crescimento da nação e da sociedade.

 

Passa então o referido autor a fazer críticas a legislação e ao que, para ele, é um dos maiores culpados pela situação vigente:

 

Dizem que o pobre, e o favelado, rouba e mata porque vê o rico criminoso ficar impune, o político leviano, e não menos criminoso, se locupletando do dinheiro público, e nada acontece contra eles. Não é isso. Esquecem de que os ricos são protegidos por uma legislação imperfeita, socialmente perversa, feita pelos políticos, os legisladores. Mas o povo é quem colocou essa classe de políticos para legislar. Esquecem que o povo é quem escolhe. Os políticos são apenas os representantes dessa sociedade torta.

 

O povo, as pessoas que compõem o estado brasileiro, são os maiores culpados de tudo o que acontece. Quando não denunciamos o errado porque dizemos que dá trabalho, ou não dá lucro; quando vemos o erro do nosso lado e pouco nos lixamos com isso, apenas porque ainda não nos atingiu, somos os maiores culpados disso tudo.[11]

 

Coloca acertadamente o digno promotor as conseqüências do voto inconsciente, sendo elas a eleição de representantes que atendem interesses particulares ao invés dos interesses sociais relevantes (e com isso surgem às legislações imperfeitas) e demonstra a culpa da população pela falta de cobrança de soluções para os problemas sociais.

 

Continua o digno promotor, apontando soluções para o problema social vigente e apontando uma série de problemas sociais que não permitem o desenvolvimento da população brasileira adequadamente:

 

É preciso praticar o que é correto, o que é honesto! Precisamos de políticas públicas em que se valorize a ética, os valores humanos, a seriedade na administração do dinheiro público, a educação e a cultura. O governo, a nível federal, estadual e municipal, precisa ter mais seriedade no trato da coisa pública! Não teríamos tantas greves, sobretudo das classes que menos ganham como os professores e os policiais, se cada governo cumprisse a sua parte em remunerar adequadamente e dar dignidade a esses profissionais; se houvesse treinamentos periódicos e verdadeira revitalização das carreiras do magistério e da polícia, reais garantias para esses profissionais exercerem suas funções. Tampouco teríamos muitos mestres medíocres, mal formados, incapacitados para o nobre ministério, como também um assustador número de policiais corruptos, criminosos de todos os crimes, se os governos tivessem a preocupação de exigir uma boa formação intelectual e moral dessas classes.

 

Um país com tantos mestres medíocres, sem qualificação moral, que nas salas de aula, ao invés de dar o ponto, se limitam a contar piadas; alunos que vão à escola não para aprender e sim para tirar o diploma; escolas privadas que concedem diplomas e certificados graciosos e não são devidamente fiscalizadas pelo governo; um país assim, como este, onde os jovens não respeitam os pais, e nos lares não se prega o respeito aos valores fundamentais da vida, jamais poderá conceder uma boa qualidade de vida ao seu povo. Um país em que, quem não tem um plano de saúde, morre à míngua; um país de muitos demagogos, que não está preocupado com a educação dos jovens, pois a escola pública, via de regra, é uma miséria, não terá um futuro promissor.[12]

 

Com essas colocações o Dr. Ribamar demonstra muito bem as falhas governamentais brasileiras e a hipocrisia que é a educação no país, ou seja, uma educação de fachada (vide a colocação sobre os “diplomas e certificados graciosos´´) que não atende as  necessidades da população e, se atende, o faz de forma precária.

 

Finaliza a explanação sobre a importância da educação colocando as conseqüências da sua falta, principalmente no âmbito familiar:

 

O respeito deve nascer no lar, na família, através da “coação moral” imposta pelos pais. A criança, dos 7 aos 9 anos, já está preparada para receber as regras morais. Mas a “coação moral”, que gera o “respeito unilateral”, segundo diz JEAN PIAGET, deve vir de uma pessoa respeitada e que se imponha pelo respeito, isso porque: “… este respeito é a origem da obrigação moral e do sentimento do dever: toda ordem, partindo de uma pessoa respeitada, é o ponto de partida de uma regra obrigatória” (Jean Piaget, “O Juízo Moral na Criança”, 3ª edição, São Paulo, Summus Editorial, 1994, pág. 154). Mas se os pais não sabem educar, não sabem impor as regras morais, a criança, depois adolescente e adulto, jamais cultivará o respeito, primeiro por eles, depois pelo próximo, e o desrespeito gera a incivilidade, os atos ilícitos, anti-sociais e a própria violência, esta, assustadora, pouco combatida pelo Estado.[13]

 

Assiste razão o autor em seus comentários referidos acima, principalmente pela não exigência de soluções por parte da população quanto aos problemas sociais vigentes e pela falta de educação dada ao menor, tanto no âmbito familiar como no escolar.

 

Há que se apontar também como um problema social as instituições responsáveis por reeducar o menor infrator, as quais falham nesta tarefa pela falta de estrutura necessária, principalmente pela falta de profissionais capacitados para o atendimento dos menores infratores; sejam eles professores (os quais estão desestimulados pelas condições de trabalho em que se encontram) ou agentes (os quais cometem uma série de atos indevidos com os menores, deixando-os assim mais revoltados). Sendo assim o jovem ao entrar numa instituição de reeducação, infelizmente passa por uma série de maus tratos e humilhações acabando desta forma não sendo efetivamente reeducado, tornando-se mais violento pelas agruras passadas no período em que está cumprindo a medida sócio-educativa que lhe foi imposta pelo Poder Judiciário. Quando o mesmo deixa a instituição reeducadora, não é de se estranhar que o menor em pouco tempo volte a cometer a série de ilícitos que cometia anteriormente, visto que, em boa parte dos casos de reincidência infracional os motivos alegados pelos para a realização dos respectivos atos são praticamente os mesmos, quais sejam: falta de dinheiro em suas respectivas famílias ou a necessidade de sustento financeiro para o uso de drogas ilícitas.

 

Coloca-se também como outra causa social do problema à falta de políticas públicas em relação às famílias dos menores infratores, uma vez que as mesmas recebem pouco (uma cesta básica de alimentos ou a visita de uma assistente social), quando nunca, um auxilio governamental para conseguirem manter seus filhos afastados da criminalidade. Raros são os casos de mães e pais, e quando não só as mães, que por não terem condições de sustentar a família, necessitam trabalhar fora de suas residências não acompanhando assim a educação do menor egresso. Como não conseguem realizar tal tarefa, o mesmo acaba ficando livre para decidir o que fazer em sua rotina diária. Como geralmente vemos, o egresso toma atitudes erradas e acaba por reincidir em crimes como relatado anteriormente.

 

Há que se colocar o fato também do menor egresso, em alguns casos, ter que laborar para auxiliar o sustento de sua família, a qual por passar dificuldades necessita do máximo de mão-de-obra disponível em sua residência. Ocorre que o menor geralmente não consegue arrumar um trabalho adequado (em vista de sua idade ou pelo fato de ter sido processado judicialmente), e, por conseguinte, para conseguir auxiliar sua família procura um dos meios mais fáceis e rentáveis para ele: um serviço no tráfico de drogas na comunidade em que está inserido.

 

Esses são, resumidamente, os principais problemas sociais que levam o jovem a delinqüir. Não obstante, há a existência de outros problemas, que em maior ou menor grau (como a falta de exigências por parte da sociedade para esse problema, falta de políticas públicas direcionadas ao menor infrator, etc.) também contribuem para o mesmo fato, sendo um deles também a certeza de impunibilidade do menor infrator pela legislação vigente, a qual será discutida adiante.

 

 4 A certeza da impunibilidade por parte da legislação vigente.

 

Inicia-se o tópico apontando um dos problemas que certamente é uma das principais causas para a delinqüência juvenil no Brasil, qual seja a certeza da impunibilidade do menor pela legislação vigente quando o mesmo pratica qualquer ato delituoso com maior ou menor grau de periculosidade.

 

Mas primeiramente, colocar-se-á o procedimento adotado quando o menor vem a delinqüir. Pelas palavras do Advogado Kleber Martins Araújo, já citado anteriormente:

 

Atualmente, se uma pessoa comete um fato definido como crime em alguma lei penal, só sofrerá a pena ali prevista se ele tiver idade igual ou superior a 18 anos, sendo processada e julgada segundo os procedimentos do Código de Processo Penal.

 

Por outro lado, se esta mesma conduta for praticada por uma pessoa com idade inferior a 18 anos, não se pode sequer dizer que ela cometeu crime, mas apenas um ato infracional. Além disso, a ela não será aplicada a pena prevista para o crime, mas sim medidas sócio-educativas, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que são as seguintes: a) advertência; b) obrigação de reparar o dano; c) prestação de serviços à comunidade; d) liberdade assistida; e) inserção em regime de semiliberdade; f) internação em estabelecimento educacional. Assim, a maior sanção que um adolescente poderá sofrer é a 3 anos de internação, que tenha furtado um relógio, quer tenha matado 30 pessoas. Ademais, esta medida só pode ser aplicada por meio de um procedimento na vara da infância e juventude.[14]

 

Estas medidas estabelecidas e previstas nas alíneas do Art. 112 do referido estatuto são louváveis, pois buscam tratar o adolescente de forma diferenciada do réu maior de 18 anos (o qual simplesmente é jogado em uma prisão e não ressocializado pelo Estado, na grande maioria dos casos); possibilitando ao menor infrator cumprir sua dívida perante a sociedade de uma forma que o mesmo, mesmo sendo apenado de forma mais rigorosa com a internação em estabelecimento educacional prevista no estatuto, possa ter a possibilidade de educação dentro do internato em que se encontra e com isso ser ressocializado para voltar ao meio social em que se insere.

 

Ocorre que, as sanções previstas nas alíneas “c´´ e “f´´ são por um período insuficiente de tempo independentemente do delito cometido, sendo que a prestação de serviços a comunidade não poderá exceder 6 (seis) meses de serviços a serem prestados, e a internação em estabelecimento educacional não poderá exceder o período de 3(três) anos, conforme Arts. 117 e 121, § 3° do respectivo Estatuto.

 

Há que se colocar também que a previsão da liberdade assistida na alínea “d´´, Art.s 118, § 1° ;e  Art. 119 e incisos, do estatuto, não tem eficácia plena, pois o Estado não tem a estrutura necessária para fazer cumprir estes dispositivos legais.

 

O Art.118, em seu parágrafo primeiro, coloca que “a autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento´´[15]. Já o Art. 119, coloca os encargos a que o orientador para realizar o trabalho de ressocialização do menor nos incisos I, II, III do referido dispositivo, quais sejam:

 

I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os se necessário, em programa oficial de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido de profissionalização do adolescente e sua inserção no mercado de trabalho;…[16]

 

 

Louváveis são estes dispositivos, mas os mesmos na prática são dificilmente cumpridos pela falta de estrutura estatal mencionada anteriormente, em vista que faltam nos quadros estatais pessoas suficientes para realizar o trabalho de acompanhamento em liberdade assistida e também após a saída do egresso da instituição de ressocialização educacional a qual se encontrava. Há que se colocar também os casos em que a própria família do menor não tem condições ou até desinteresse em fazer esse acompanhamento do mesmo, o que ocasiona, mais cedo ou mais tarde, à volta a delinqüência por parte do menor. Coloca-se também a negligência estatal em se encarar essa ressocialização como um problema social de tratamento prioritário, que tenta ser diminuído, por meio de ações “em doses homeopáticas´´ pelo mesmo, ocasionando com isso a série de problemas que vimos atualmente e que causarão problemas mais sérios em um futuro próximo.

 

Mas, voltando à questão das sanções previstas relatadas anteriormente, cita-se a posição do doutor Kleber, relativa à finalidade da pena e a sua ineficácia no Estatuto da Criança e do Adolescente:

 

Uma das finalidades da pena é a “prevenção geral” ou “prevenção por intimidação”. A pena aplicada ao autor do crime tende a refletir junto à sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com os olhos voltados na condenação de um de seus pares, reflitam antes de praticar qualquer infração penal. Existe a esperança de que aqueles com inclinações para a prática de crimes possam ser persuadidos, através do exemplo que o Estado deu ao punir aquele que agiu delituosamente. O Estado se vale da pena por ele aplicada a fim de demonstrar à população, que ainda não delinqüiu, que, se não forem observadas as normas por ele ditadas, esse também será o seu fim. Dessa forma, o exemplo dado pela condenação daquele que praticou a infração penal é dirigido aos demais membros da sociedade.

 

Aplicando-se tais considerações ao caso dos menores de 18 e maiores de 16 anos, que, como defendido aqui, já são pessoas plenamente conscientes do certo e do errado, com efeito, o simples e brando tratamento a eles dispensado segundo as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente, com sanções como advertência, obrigação de reparar o dano, liberdade assistida, internação etc, não é suficiente a intimidar a prática de condutas criminosas como as que estão sendo praticadas por maiores de 16 anos a todo minuto no Brasil. Em outras palavras, é pouquíssimo provável que um adolescente sinta-se intimidado em praticar determinado crime por temer que lhe seja aplicada uma “medida sócio-educativa”, sobretudo, se o crime puder lhe trazer ganho financeiro, tais como furto, roubo, extorsão mediante sequestro etc.

 

A insignificância da punição, certamente, pode trazer consigo o sentimento de que o “o crime compensa”, pois leva o indivíduo a raciocinar da seguinte forma: “É mais vantajoso para mim praticar esta conduta criminosa lucrativa, pois, se eu for descoberto, se eu for preso, se eu for processado, se eu for condenado, ainda assim, o máximo que poderei sofrer é uma medida sócio-educativa. Logo, vale a pena correr o risco”. Trata-se, claro, de criação hipotética, mas não se pode negar que é perfeitamente plausível.[17]

 

Tem razão o digno doutor, pois o tempo previsto nas penas do Estatuto da Criança e do Adolescente é baixo, não intimidando o menor infrator a não praticar alguma conduta ilícita, principalmente os menores na faixa dos 16 aos 18 anos como apontado acima, que cometem toda a sorte de delitos aproveitando-se da ínfima punição dada pelo referido documento. Há que se colocar também que o próprio crime organizado, usa do recrutamento de menores de idade para a prática delituosa, justamente para aproveitar-se das formas de punição brandas do estatuto, que permite a esses grupos fazerem com que o menor cometa o crime mais grave pretendido pelo grupo; fazendo com que os comparsas maiores de idade do mesmo sejam mais brandamente punidos pelos atos lesivos cometidos.

 

Continua o Dr. Kleber colocando um argumento dos que defendem a manutenção da maioridade penal aos 18 anos e explana um fato que para ele, é tradicional na legislação criminal:

 

Alguns defensores da manutenção da maioridade penal aos 18 anos argumentam que a redução desta para os 16 anos traz o risco de “levarmos para a cadeia crianças em formação”.

 

Este tipo de argumento, com o devido respeito, mostra um fato tradicional na legislação criminal: “a elaboração de leis pensando-se na exceção”. Efetivamente, não se pode mais admitir que o legislador evite o recrudescimento necessário da lei penal por imaginar sempre a hipótese do “agente que cometeu o crime por fraqueza eventual ou deslize”, ou que sempre deixe brechas na lei processual imaginando a hipótese do “inocente que está sendo injustamente condenado”. Isso resulta na criação de leis extremamente brandas, impondo ao Poder Público que trate a regra como se fosse à exceção. Isto é, dispensa-se ao criminoso grave o tratamento brando que só mereceria o criminoso eventual, imaginado pelo legislador quando da elaboração ou modificação legal.[18]

 

 

 

Essa colocação feita pelo Dr. Kleber é deveras interessante, pois mostra uma realidade na legislação brasileira penal, e que também se reflete no ECA; que é a citada elaboração de leis pensando-se na exceção.

 

Infelizmente, na legislação penal há um tratamento brando aos delitos cometidos, não tanto pelas penas previstas nas figuras típicas do Código Penal, as quais, em sua maioria são justas; mas sim pela progressão de regime de pena (uma pena do regime fechado para semi aberto por exemplo) estabelecida na Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), que em vários casos, como o da migração citada no exemplo anterior, fazem com que a pena se torne branda, não causando a intimidação que a lei pretende perante o meio social em que foi inserida, permitindo com que a criminalidade faça os atos bárbaros que são vistos diariamente nos noticiários policiais veiculados na mídia, tanto televisiva quanto escrita e virtual.

 

Infelizmente o ECA se insere nessa realidade, pois é fato comprovado que as penas mais graves previstas no referido estatuto, não intimidam o menor delinqüente a praticar qualquer ato ilícito, independentemente de sua gravidade, e por esse motivo, se faz necessária a alteração da lei penal e do próprio estatuto para que se possa dar a devida punição ao delinqüente menor de idade e buscar o fim almejado pela própria lei em seu caráter punitivo: que é a intimidação social referida anteriormente.

 

5. Estudo comparativo com a legislação de outros países

 

Passa-se então agora, a uma breve comparação da maioridade penal no Brasil em relação a outros países, demonstrando-se que vários outros estados adotam um parâmetro diferenciado e menor que o adotado pela legislação brasileira.

 

 

5.1 – O Brasil em relação ao mundo

 

Inicia-se este capítulo, apresentando-se as colocações do ilustre promotor de justiça Dr. José Ribamar Costa Assunção, já citado em linhas anteriores, em que o mesmo descreve os parâmetros de idade para fins de fixação da maioridade penal no Brasil e no mundo, apresentando-se também uma tabela comparativa sobre os mesmos:

 

 Somente o Brasil, a Colômbia e o Peru, na América latina, países atrasados educacionalmente, com discutível ou baixa qualidade de vida, como mostra o RDH de 2006, têm maioridade penal aos 18 anos. Os demais paises, a exemplo da Argentina e do Chile, têm maioridade aos 16 anos; e, fora do continente, os grandes países civilizados, como a Alemanha, a Itália e a Rússia têm maioridade aos 14 anos; a França e a Polônia é aos 13 anos; a Noruega, a Suécia, a Dinamarca e a Finlândia, é aos 15 anos. E há casos de países com alto grau de cultura, como a Inglaterra, ou bom nível de vida, como os Estados Unidos, onde a maioridade penal é aos 10 anos. Nos EUA, em alguns estados, chega a menos de 10 anos. Na Ásia, destaque para o Japão, um país altamente industrializado, inegável potência mundial, e a China, outro gigante entre as potências mundiais, onde a maioridade penal é aos 14 anos. Os dados não são inventados; constam do site do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF[19]

 

 

Demonstra o digno promotor que a questão da maioridade penal nos países desenvolvidos, principalmente os europeus e o Estados Unidos, é tratada de forma rígida e séria com os mesmos fixando idades-limite inferiores às da legislação brasileira para a determinação da maioridade penal em seus respectivos países. Há que se colocar também que as idades-limite são ainda mais baixas nos países africanos e asiáticos, onde não há uma estrutura estatal eficiente (com exceção de alguns países desenvolvidos nessa região do globo, como o Japão e a Coréia do Sul), sendo que a medida adotada pelos mesmos para prevenção da delinqüência juvenil é a adoção de uma idade-limite baixa como forma de intimidação a quem por ventura venha a querer praticar um ato criminoso.

 

Quanto à seriedade e rigidez, cita-se, como o exposto no quadro, a China, cujo sistema judicial juvenil, dependo-se do caso, é tão rígido quanto o sistema judicial comum (não é muito difícil e não raro algum criminoso bárbaro ser condenado à pena de morte); os países desenvolvidos da Europa, principalmente a França, Inglaterra e Escócia (nessa última, há alguns anos, um menor de 14 anos de idade foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de sua namorada); e os Estados Unidos que é mundialmente reconhecido pela sua rigidez no sistema prisional (tanto juvenil quanto o comum).

 

Um exemplo dessa rigidez é o estado norte americano do Texas, onde o menor infrator é encaminhado para unidades de internação, sendo o mesmo reeducado e disciplinado por instrutores vindos do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, tendo o menor uma rotina diária árdua, onde lhe são exigidos respeito para com quem o instrui e cumprimento de todas as medidas que lhe são impostas pela instituição e pela pena decretada em juízo. Caso não as cumpra de forma satisfatória, o menor é cada vez mais penalizado dentro da instituição (com exercícios físicos árduos, trabalhos pesados, etc) para que o mesmo seja intimidado a mudar de comportamento e assim adequar sua conduta ao que a instituição determina. Este é um típico tratamento ´´de choque´´ que visa reeducar o menor infrator e caso esse objetivo não seja alcançado até a idade da maioridade, o mesmo pode acabar sendo transferido para uma penitenciária comum.  Sendo o mesmo reeducado, geralmente ele é transferido para o quadro das forças armadas para servir o seu país como forma de ´´retribuição´´ ao tempo que ele ficou internado, para ´´compensar´´ os recursos utilizados pelo governo em seu tratamento. Essa é uma postura, como regra de exceção, que poderia ser adotada em alguns casos de menores infratores perigosíssimos internados no Brasil, pois os mesmos, pelas vias menos árduas (como o estudo, por exemplo), não buscam sua reeducação e sua reabilitação perante o meio social; ou seja, ´´não se ajudam´´.

 

Vê-se com estas colocações como é sério o trato com a questão da maioridade penal nos Estados Unidos, ao contrário da forma que é feita no Brasil.

 

Cita-se agora, a título de exemplificação, o sistema utilizado na França:

 

Segundo o glossário jurídico do CNPD – Centro Nacional de Documentação Pedagógica da França (CNPD – Centre National de Documentation Pédagogique), a maioridade penal (majorité pénale) é fixada na França aos 13 anos, porém os jovens entre 13 e 16 anos, mesmo sendo penalmente imputáveis, só podem ser condenados a penas (peines) correspondentes, no máximo, à metade da pena prevista no Código Penal Francês para um adulto que pratique o mesmo crime. Entre 16 e 18 anos, as penas poderão ser equivalentes às dos adultos. A partir dos 13 anos, o menor pode ser encarcerado. As infrações (infractions) são divididas em 3 categorias em função de sua gravidade: as contravenções, os delitos e os crimes (homicídios, estupros etc). Nos três casos, os menores entre 13 e 18 anos são julgados por um “Tribunal de Menores” (Tribunal pour Enfants), que funciona a portas fechadas, longe da presença do público, e é composto por um magistrado profissional e 2 assessores leigos (cidadãos). Para os adolescentes entre 16 e 18 anos, há também um tribunal especial chamado Cour d’assises des mineurs, que possui competência concorrente ao do Tribunal de Menores no caso dos crimes cometidos nesta faixa etária, e é composto de 3 magistrados profissionais e mais 9 jurados do público, sorteados das listas eleitorais.

 

Cabe ao Juiz francês decidir, conforme as características específicas de cada caso, se será aplicada ao menor entre 13 e 18 anos uma sanção penal ou uma medida educativa. A imputabilidade penal (irresponsabilité) nesta faixa etária seria então relativa, e não absoluta.[20]

 

Encerra-se este capítulo, como demonstrado acima, frisando-se mais uma vez que a maioridade penal é um tema tratado com prioridade e seriedade por vários países acima mencionados. Prova disso são os sistemas aplicados pelos mesmos para a resolução do pernicioso fato social da delinqüência juvenil. Passar-se-á no próximo capítulo a discussão de medidas para a concretização da punição e reeducação do menor infrator.

 

 

5 Conclusão

 

Conclui-se que o Estatuto da Criança e do adolescente não é mais capaz de combater a criminalidade juvenil cada vez mais crescente em nosso país. Faz-se necessário então a redução da maioridade penal pela lei para, pelo menos, tentar-se amenizar esse problema assim como medidas sociais e de reestruturação do sistema educacional brasileiro (tanto a escola pública como os centros reeducadores de menores infratores) como políticas publicas que atendam melhor a sociedade.

 

 

 

REFERENCIAS

 

ARAÚJO, Kleber Martins de, Redução da maioridade penal. Jusnavegnadi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4578>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

 

BRASIL.. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 22 de jan.de 2010

 

CAPEZ, Fernando. A questão da diminuição da maioridade penal. Revista Jurídica Consulex– São Paulo – Ano XI – N° 245 – 31 de março de 2007

 

 

COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

 

*Romulo Basso Preti[1] Estudante de Direito, Faculdade de Apucarana (FAP)

 



[1] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

[2] COSTA ASSUNÇÃO, op. cit.

[3] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[4] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

 

[5]<http://www.conjur.com.br/2002jul29/presidente_stf_defende_reducao_maioridade_penal?pa-gina=5>

[6] CAPEZ, Fernando. A questão da diminuição da maioridade penal. Revista Jurídica Consulex– São Paulo – Ano XI – N° 245 – 31 de março de 2007 – pág. 37

[7] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[8] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[9] COSTA ASSUNÇÃO, op. cit.

 

 

[10] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[11] COSTA ASSUNÇÃO, op. cit.

 

 

[12] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[13] COSTA ASSUNÇÃO, op. cit.

[14] ARAÚJO, Kleber Martins de, Redução da maioridade penal. Jusnavegnadi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4578>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

[15] BRASIL.. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 22 de jan.de 2010.

[16] BRASIL.. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, DF, 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm> Acesso em: 22 de jan.de 2010

 

[17] ARAÚJO, Kleber Martins de, Redução da maioridade penal. Jusnavegnadi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4578>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

[18] ARAÚJO, Kleber Martins de, Redução da maioridade penal. Jusnavegnadi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4578>. Acesso em: 26 de julho de 2009.

[19] COSTA ASSUNÇÃO, José Ribamar da. Responsabilidade social do jovem e maioridade penal. Jusnavegandi. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9809>. Acesso em: 26 de julho de 2009

[20] Disponível em: <http://tdc.cndp.fr/> Acesso em: 02 de fev. de 2010.

 

 

*Romulo Basso Preti – Estudante de Direito, Faculdade de Apucarana (FAP)

Como citar e referenciar este artigo:
, Romulo Basso Preti. Redução da maioridade penal – Da necessidade da redução da maioridade penal para fins de combate a violência juvenil no Brasil. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/reducao-da-maioridade-penal-da-necessidade-da-reducao-da-maioridade-penal-para-fins-de-combate-a-violencia-juvenil-no-brasil/ Acesso em: 24 abr. 2024