Direito Internacional

Racismo, Obama e Governo Mundial

Racismo, Obama e Governo Mundial

 

 

Francisco César Pinheiro Rodrigues*

 

 

Se há um político que eu respeite é Barack Obama. Não só pelo fato de ter alcançado, de forma limpa, a presidência do país mais poderoso do mundo. Derrotou, parcialmente, um preconceito racial que ainda lateja, inquieto, nas camadas mais profundas do branco americano. Como se trata de um preconceito relacionado com a cor — não é o caso, por exemplo, do anti-semitismo, de branco contra branco — a reação contra o homem de pele escura tem, a meu ver, um componente instintivo, até mesmo biológico, sendo mais lenta e difícil sua erradicação. Daí a necessidade da lei interferir, apressando a integração e enfraquecendo, aos poucos, a misteriosa repulsa instintiva.

 

O argumento que corta, pela raiz, qualquer justificativa moral para toda forma de racismo é o seguinte: ninguém escolhe os pais antes de nascer. Depois de nascido, não há como alterar a cor da pele, dos olhos, altura, grau de inteligência e tudo o mais. O máximo que pode fazer é utilizar da melhor maneira possível as qualidades — e, conforme o caso, certos defeitos… — com que nasceu. Mesmo que eu pense que, em termos estatísticos, as raças registrem leves diferenças — os negros, por exemplo, parecem ter mais facilidade no atletismo, futebol, boxe e basquete — o que importa é o indivíduo. Assim, um determinado sueco loiríssimo pode já nascer atleta, enquanto que um menino da África Negra pode detestar esportes, preferindo deliciar-se com a matemática ou a poesia. A natureza é caprichosa e todo membro da Ku Klux Klan precisa conscientizar-se que sua “brancura” é meramente acidental.

 

O que, em Obama, o distingue de presidentes medíocres é saber que a compreensão do opositor, ou mesmo inimigo, vale muito mais que a ameaça ou uso da força. Com esta podemos silenciar o perigo, mas não o eliminamos. Pelo contrário, o fortalecemos. Incentivamos suas manobras secretas. Não sabemos o que está tramando.

 

Quando Obama, montando seu governo, convidou alguns políticos e técnicos que haviam servido na gestão Bush, muitos democratas censuraram tais escolhas. Seriam traidores em potencial. Obama, no entanto, inspirado no precedente de Lincoln, teve a coragem de decidir o contrário. Com duplo proveito: políticos e técnicos que o encaravam antes como inimigo, passaram a vê-lo como homem razoável, interessado apenas em acertar. Rodeado por pessoas que serviram em governos anteriores, Obama passará a ter, dos problemas, uma visão muito mais afinada com a realidade.

 

Com perdão por esta longa e desnecessária introdução, cumpre alertar esse promissor chefe de estado para que, em decorrência da convivência com alguns eventuais “falcões” residuais não se deixe contaminar por resquícios guerreiros. Lidando com o problema coreano do lançamento do míssil balístico de longo alcance Obama pôs em perigo sua boa política de jamais ameaçar qualquer país. Mesmo porque ameaças devem ser cumpridas, sob pena de desmoralização. É que, antes do lançamento do foguete ele prometeu uma resposta “severa e unida da comunidade internacional” se Pyongyang realizar o lançamento” (jornal “O Estado de S.Paulo” (pág.A14 de 3-4-09).

 

Ocorre que houve o lançamento e nenhuma providência séria pôde ser tomada porque basta um veto de qualquer dos “cinco maiorais”, membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, para impedir medidas militares, ou especialmente “severas”, contra o transgressor. No caso, um ditador um tanto amalucado e talvez atomizado, o que complica mais a estratégia. Se Kim Jong-il já não era exemplo de equilíbrio mental, deve ter ficado pior com o AVC que o acometeu em agosto último.

 

A respeito da posição da China e da Rússia, negando sanções significativas contra Pyongyang, pela primeira vez em minha vida encontro uma hipótese em que o direito de veto pode ajudar a humanidade. É que, no caso, tanto medidas militares quanto econômicas só agravariam o problema da proliferação nuclear. Havendo ataques aéreos contra a Coréia do Norte é absolutamente previsível que o ditador revidaria pesadamente. Com armas convencionais e talvez nucleares. Todos sabem que a Coréia do Norte, não obstante a pobreza da sua população, tem um exército numeroso e muito bem equipado. E loucura guerreira não falta ao atual dirigente máximo. Se ele perecer, um de seus três filhos (a bizarra “monarquia comunista”) continuará a luta, que será sangrenta. Um conflito muito mais estrondoso do que aquele contra o Iraque. E com probabilidade de algum apoio da China, país “tecnicamente” comunista. EUA e aliados se envolveriam em uma nova guerra, a terceira, justamente em um momento difícil da economia mundial.

 

Quanto a severas medidas comerciais contra Pyongyang, já está comprovado, historicamente, que o empobrecimento deliberado de um país governado por ditadores só prejudica a população civil. A população anônima passará fome, certamente. Crianças ficarão raquíticas por falta de leite, mas este não faltará, juntamente com o caviar, para os amigos do rei. Isolamento comercial só funciona quando o país atacado vive sob governo democrático, ou quando o ditador já está fraco e isolado. Não é o caso da Coréia do Norte. Bendito, pois, excepcionalmente, o direito de veto no Conselho de Segurança da ONU.

 

Obama, em um discurso de domingo último, em Praga, apresentou um plano para “um mundo sem armas nucleares”. Propôs uma redução do arsenal nuclear tanto russo como americano. Nada a opor, mas Obama faria melhor propondo à discussão um grande, arrojado e definitivo passo para a reorganização do mundo, e não só na esfera econômica.

 

Que passo seria esse? Primeiro, ampliando a jurisdição, competência e efetividade da justiça internacional, hoje limitada pela sacrossanta e por vezes abusiva soberania de cada estado. Segundo, equipando a humanidade com normas para o salto máximo e inevitável: um governo mundial, democrático — sem predomínio de país algum —, com adesão voluntária e progressiva de seus membros. À semelhança da criação da ONU, da União Européia e, bem antes, no século 18, com a junção (voluntária, voluntária) das treze colônias americanas, unidas contra a Inglaterra. O “inimigo externo” da época, o colonizador inglês, impulsionou a reunião de tais colônias, miolo do poderoso estado americano. É urgente a necessidade de um governo mundial. Hoje, o “inimigo” é interno e externo, ao mesmo tempo. É global, pois a crise econômica que não deixou de fora país algum. Além disso, temos duas guerras (Iraque e Afeganistão), com risco de mais duas (Coréia do Norte e Irã), além de infindáveis matanças tribais na África.

 

Apenas reduzir o arsenal nuclear russo e americano não basta. Se, teoricamente, todos os países do planeta têm direitos iguais — está na Carta das Nações Unidas — não há coerência dos “grandes” em proibir que Coréia do Norte e Irã se abstenham de avançar na tecnologia nuclear, que tanto pode ter fins militares quanto pacíficos. Tais países, discriminados, podem sempre perguntar, com lógica: — “Por que EUA, China, Israel, Reino Unido, França, Índia e Paquistão podem ter armas nucleares, e nós não podemos?! Essa proibição não é uma explícita confissão de racismo? Somos, por acaso, povos inferiores, congenitamente desequilibrados, incapazes de lidar com energias superiores?

 

As armas nucleares são fruto direto do medo. E medo, por sua vez, pode gerar dominação. O intimidado sempre almeja amarrar quem o assusta. E este não quer ser amarrado. Foi o medo dos nazistas que levou os Aliados, na 2ª. Guerra Mundial, à construção da primeira bomba atômica. Hitler pressionava seus cientistas para a fabricação de uma arma extraordinária que rebaixaria o TNT ao nível de fogo de artifício. O perigo nazista, nada hipotético, motivou Einstein — um pacifista e adepto do governo mundial —  a propor ao presidente Franklin D. Roosevelt pesquisas aceleradas para a construção da bomba antes que o ditador nazista o fizesse. Sua intenção era correta.

 

Israel tem bombas atômicas e nunca permitiu contá-las. Está livre de inspeções. Teme, alega, “ser varrido do mapa”, como disse um se seus inimigos no Oriente Médio. Um arroubo metafórico tolo mas que Israel tem o direito de levar a sério. Não obstante a liberdade de Israel na fabricação de armas nucleares, o Irã, que ainda não tem a bomba, vê-se ameaçado de bombardeios porque não permite aos inspetores da ONU total devassa nas suas instalações nucleares, que podem ter também intenções pacíficas. Qual a lógica nessa diferença de tratamento internacional? O mesmo pode dizer o ditador norte-coreano, seja meio louco ou não. Essa desigualdade de regras só pode desaparecer com um governo mundial, com uma Constituição Mundial, com efetiva justiça global que dê a todas as nações uma sensação de total segurança.

 

Por que, pergunta-se, os EUA não propõem à Rússia a destruição total dos respectivos arsenais nucleares, e não apenas uma redução do estoque de ogivas? Resposta: porque tanto EUA quanto Rússia temem a China. É o medo geral, a recíproca desconfiança, que funciona como cimento e justificativa para o gasto de trilhões de dólares com segurança via armas. Não seria mais racional se uma federação democrática mundial desse garantia absoluta de que não haveria mais ataques armados de país contra pais?

 

É estranhável que Obama, um político tão intelectualizado — e bom caráter, acima de tudo — ainda não tenha mencionado a expressão “governo, ou federação mundial” em seus discursos. No que refere ao “global” refere-se apenas ao controle financeiro. Presumo, entretanto, que ele já deve ter pensado sobre essa hipótese maior. Apenas não se atreveu a verbalizá-la porque o governo que o antecedeu de tal modo assustou a comunidade internacional — com a suposta supremacia americana — que o uso da expressão “governo global” abalaria seu prestígio. Pensariam logo em Bush e “ditadura americana”. Ele precisa, primeiro, conquistar a confiança e tranqüilizar as mentes de todos os povos, antes de se atrever a mexer em um “vespeiro” que produzirá, tenho certeza, muito mais mel que ferroadas.

 

Faço uma aposta. Antes de encerrar seu governo Obama, sentindo o solo mais firme, abordará o tema. Com honestidade e sem segundas intenções “patrióticas”. Como já disse alguém, nossa futura pátria é a Humanidade, um sonho perfeitamente realizável.

 

(8-4-09)

 

* Escritor – Desembargador aposentado

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Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Racismo, Obama e Governo Mundial. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/racismo-obama-e-governo-mundial/ Acesso em: 29 mar. 2024