Direito Internacional

Honduras, Paraguai e Venezuela

A coerência não é a maior virtude dos ideólogos. O respeito à lei é algo descartável, quando a ideologia a ser preservada está em jogo.

Todos acompanharam o burlesco episódio de Honduras. Determina o artigo 239 da Constituição daquele país, que o dirigente que pretenda alterar o regime eleitoral, para admitir um segundo mandato, seja afastado do poder e inabilitado para exercê-lo por 10 anos. Ora, o presidente Zelaya, contrariando determinação do Parlamento e da Justiça, convocou plebiscito para obter a reeleição e foi, por esta razão, destituído da presidência.

O eminente constitucionalista Dalmo Dallari, em brilhante artigo para a Folha de São Paulo, demonstrou o rigoroso cumprimento da lei suprema, na deposição daquele mandatário.

E tanto foi perfeito o “impeachment”, que, no prazo constitucional, houve novas eleições e foi, democraticamente, eleito um presidente. Assim não entenderam, entretanto, o presidente Lula e seus parceiros bolivarianos.

O mesmo ocorreu com o Paraguai. O artigo 225 da Constituição paraguaia permite o afastamento do presidente por crimes políticos, crimes comuns e má administração. O Presidente Lugo, sem qualquer apoio popular, no Senado e na Câmara dos Deputados, foi deposto por incompetência. Afastado por má administração pelo Parlamento e com confirmação pela Suprema Corte, continuou morando livremente em Assunção, sem que houvesse manifestações populares de expressão a seu favor e sem necessidade de tropas nas ruas para garantir a decisão do Parlamento e da Justiça.

Novamente, os ideólogos do poder, afinados com os governos de Chavez, Cristina, Morales e Corrêa, além de Mujica, declararam que houvera rompimento da democracia, suspenderam o Paraguai do MERCOSUL – em decisão muito mais rápida que a do afastamento do Presidente Lugo – e aceitaram, de imediato, a Venezuela como participante do bloco, nada obstante não ter aquele país aprovado o acervo normativo comunitário.

Em meu depoimento no Senado Federal sobre o tema, cheguei a ironizar o pedido de ingresso, por falta de aceitação da totalidade do acervo normativo, sugerindo aos senadores: “Não digam sim, nem não; digam talvez”, pois só após sua aceitação poderia a Venezuela ser admitida. Sem ter esta garantia e sem o apoio do Paraguai – afastado, por ter cumprido rigorosamente sua Constituição -a Venezuela foi admitida, sendo sua admissão resumida em gráfica frase do presidente do Uruguai: “A nossa decisão não foi jurídica, foi política”.

Agora, em relação ao novo parceiro, em que, nitidamente, sua Constituição foi dilacerada, pois a governa desde 11/01/2013, um ditador que NÃO FOI ELEITO PELO POVO – visto que lá o vicepresidente é de livre nomeação do presidente e seu mandato encerrou-se em 10 de janeiro -, o Brasil, contra a clareza do artigo 231 da lei imposta pelo próprio Chavez, dá pleno apoio ao golpe, sob a alegação de que o enfermo presidente, cujo mandato iniciar- se-ia em 10/01/2013, foi eleito pelo povo, ignorando que o vicepresidente, que é quem está governando a Venezuela, não o foi!!!

É de se lembrar que a incapacidade física ou mental permanente do presidente (art. 233) deveria ser atestada por uma junta médica designada pelo Tribunal Superior de Justiça, que, após o expurgo realizado por Chavez na Justiça, não só pisoteou o artigo 231, como não cumpriu o 233. Até hoje, ninguém sabe, na Venezuela e no mundo, qual seu real estado de saúde.

Ora, o Itamaraty, sob o comando dos presidentes Lula e Dilma – que, pessoalmente, admiro, mas de quem, neste ponto, divirjo diametralmente -utilizam-se de dois pesos e duas medidas, esfrangalhando o direito internacional e desfigurando por inteiro a respeitadíssima Casa de Rio Branco.

Estou convencido que parte dos problemas brasileiros de alta inflação, baixo PIB, último lugar de desenvolvimento entre os países latino-americanos, sem grande perspectiva de crescimento – pois amarrado a uma esclerosada máquina administrativa e deliberadamente complexo, confuso e arcaico sistema tributário -, são decorrentes desta postura ideológica, que leva o Brasil a submeter-se às políticas de nossos vizinhos, esquecendo-se de que, como nação soberana, deveríamos nos comportar como os grandes emergentes, livre de posições ideológicas arraigadas, tratando de igual para igual os países desenvolvidos e superando antigos complexos de inferioridade. Sem isso, não passaremos ao mundo a mensagem de um país em que existe segurança jurídica e robustez das instituições democráticas.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Honduras, Paraguai e Venezuela. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/honduras-paraguai-e-venezuela/ Acesso em: 28 mar. 2024