Direito Internacional

A mulher no Mercosul

A mulher no Mercosul

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

O termo atual é globalização. Sem dúvida foi o desenvolvimento dos veículos de comunicação que cunhou o uso da expressão aldeia global como forma de evidenciar a necessidade integracionista, por meio de um processo de desenvolvimento do direito internacional.

 

A desigualdade entre os Estados levou à criação de novos mecanismos voltados à manutenção da paz, à coexistência solidária, à cooperação e à ajuda mútua, fazendo surgir um novo sujeito de direito internacional – a comunidade, agrupamento de Estados, graças a semelhanças políticas, ou até históricas.

 

A América Latina, inspirada pelo sucesso dos projetos de integração da América do Norte – NAFTA (North American Free Trade Agreement), dos Tigres Asiáticos e das Comunidades Européias, retomou o rumo à integração e à cooperação a partir da Declaração de Iguaçu em l985, que culminou com o Tratado de Assunção. As tentativas anteriores, como a criação da Alalc e Aladi, não lograram o sucesso que se verificou no Velho Continente.

 

A concretização do projeto integracionista no Cone Sul, que tem por objetivo final a criação de um mercado comum, submete-se a diversas condicionantes, cujo traço essencial é a supranacionalidade.

 

O objetivo maior é o surgimento dos macromercados, que é a globalização das relações comerciais e econômicas, faz surgir um novo conceito de soberania, sem que ocorra o desvirtuamento de cada ordem jurídica nacional. Impõe-se a reavaliação do conceito tradicional de soberania, devendo os Estados-Membros tomar consciência da necessidade de aceitação da vontade majoritária. É imperiosa a formação de uma estrutura orgânica supranacional, pela integração dos sistemas jurídicos e com personalidade jurídica reconhecida no plano internacional.

 

Nesse tema de circulação dos modelos jurídicos no Cone Sul, as propostas vão desde a uniformização da legislação por meio de convenções, criação de contratos standards; até a criação de um código supranacional.

 

No que diz com os direitos da mulher, a garantia da igualdade e as relações familiares, verificam-se notáveis divergências nos sistemas jurídicos internos de cada Estado-Membro.

 

A Constituição Federal brasileira é a mais enfática, chegando a ser repetitiva em proclamar a igualdade de sexos. Além da regra geral da igualdade de todos perante a lei, consagrada no caput do art. 5º, o inc. I do mesmo artigo insiste na igualdade entre homens e mulheres. O art. 226, § 5º, diz que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

 

Em três pontos a Constituição dispensou tratamento diferenciado ao homem e à mulher. Conferiu licença-gestante de 120 dias, assegurou proteção do mercado de trabalho feminino, mediante incentivos específicos, e concedeu direito à aposentadoria com diferença de 5 anos a menos para as mulheres.

 

A Carta Constitucional do Paraguai, que data de 1992, é de todas a mais vanguardista. Em seu art. 46, proclama que todos os habitantes da República são iguais em dignidade e direitos, não se admitindo discriminações. O art. 48 enfatiza que o homem e a mulher têm iguais direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, acrescentando: O Estado promoverá as condições e criará os mecanismos adequados para a igualdade ser real e efetiva, afastando os obstáculos que impeçam ou dificultem seu exercício, facilitando a participação da mulher em todos os âmbitos da vida social.

 

Explicita que o homem e a mulher têm os mesmos direitos e obrigações com relação à formação e ao desenvolvimento da família e, modo expresso (art. 52), diz que a lei regulamentará a ajuda que se deve prestar à família de prole numerosa e às mulheres cabeça de família.

 

Também dispensa proteção especial ao trabalho das mulheres. Após proclamar que os trabalhadores de um e outro sexo possuem os mesmos direitos e obrigações laborais, diz que a maternidade será objeto de especial proteção, que compreenderá os serviços assistenciais e os descansos correspondentes, os quais não serão inferiores a 12 semanas. Acrescenta que a mulher não será despedida durante a gravidez nem durante o descanso por maternidade.

 

A Constituição da República do Uruguai, que data de 1952 e foi objeto de reforma em 1966, em seu art. 8º, limita-se a afirmar que todas as pessoas são iguais ante a lei, não se reconhecendo outra distinção entre elas senão a dos talentos e virtudes. A única regra específica está no art. 41, no qual é reconhecido o direito de proteção à maternidade, qualquer que seja o estado da mulher.

 

A mais antiga Constituição é a da Argentina (data de 1853, havendo sofrido sucessivas reformas, sendo a última em 1994 por meio de convenção constituinte), e limita-se, em seu art. 16, a afirmar que todos os habitantes da nação argentina são iguais ante a lei. Essa é a única regra proclamadora da igualdade.

 

A presença dessas disparidades mostra a necessidade de uma unificação em nível legislativo. No entanto, mesmo na experiência européia, lentos têm sido os trabalhos da Corte de Justiça e da doutrina na elaboração de um direito comunitário, ainda que já exista um projeto de Código Civil em estudo.

 

No estágio em que se encontra o projeto sul-americano, está muito distante a codificação de um direito supranacional. Prevalecem interesses individuais, inconciliáveis e intransponíveis, faltando consciência da necessidade de um poder decisório superior.

 

No entanto, relativamente à mulher e à família, a harmonização se vislumbra mais viável, em face das convenções e dos tratados internacionais assinados por plenipotenciários dos países integrantes do Mercosul e recepcionados na ordem jurídica interna de cada Estado-Membro.

 

Tanto a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, decorrente da 1ª Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU na Cidade do México em 1979, como a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, aprovada pela OEA na Convenção do Belém do Pará de 1994, são fontes normativas de direito internacional que têm primazia sobre as normas de direito interno.

 

A nossa Constituição, no último dispositivo consagrador dos direitos e garantias, expressamente prevê a não-exclusão dos direitos decorrentes dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte.

 

A Carta Constitucional argentina, no inc. 22 do art. 75, nomina os tratados subscritos afirmando sua hierarquia superior às leis, sendo que seus textos acompanham as publicações da Constituição.

 

Necessário lembrar que o maior evento já realizado pela ONU foi no ano de 1995 em Pequim. A IV Conferência Mundial sobre a Mulher reuniu, no encontro oficial, representantes de 180 países, e o Foro Paralelo das Organizações Não-Governamentais agregou mais de 30.000 mulheres provindas de 218 países.

 

O encontro teve a finalidade de estabelecer uma política de universalização dos direitos da mulher e de respeito a sua dignidade, elaborando uma Plataforma de Ação para os próximos dez anos. Os países participantes do evento paralelo firmaram um documento mais significativo, a Declaração de Beijing, verdadeira carta política por meio da qual assumiram o compromisso de implementar as metas traçadas durante o encontro.

 

Assim, previstas nas ordens jurídicas dos países signatários do Tratado de Assunção a plena igualdade e o compromisso de eliminação da violência e da discriminação, cumpre unicamente a introdução efetiva dessas normas consagradoras dos direitos da mulher. A forma mais eficaz de assegurar seu implemento é garantir sua aplicabilidade.

 

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. A mulher no Mercosul. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2005. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/a-mulher-no-mercosul/ Acesso em: 25 abr. 2024