Direito Internacional

Tribunal de Justiça para o Mercosul: Necessidade ou Oportunidade

 

 

SUMÁRIO: Introdução – 1. Formação do Mercado Comum do Sul – Mercosul; 2. Solução de controvérsias no Mercosul; 2.1. Protocolo de Brasília e de Olivos; 3. Tribunal Permanente para o Mercosul; 3.1. Necessidade e Oportunidade; Considerações Finais – Referências Bibliográficas.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Com o objetivo de diminuir a dependência com os países desenvolvidos e aumentar a integração entre si, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai criaram, em 1991, o Mercosul, Mercado Comum do Sul. Porém, até o presente momento, este bloco econômico ainda não atingiu as metas que estavam estabelecidas no seu tratado constitutivo.

 

Um dos motivos deste que faz com que este processo de integração esteja parado é a falta de um Tribunal de Justiça que solucione definitivamente os problemas regionais, consolidando a jurisprudência e trazendo segurança jurídica e econômica para aqueles que fazem parte deste grupo, não sendo apenas os estados membros, como também os particulares, pois estes são os agentes econômicos.

 

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo, fazer uma análise sistemática do sistema de solução de controvérsia do Mercosul, estudando-se se existe a necessidade ou oportunidade para a criação de um Tribunal de Justiça para o Mercosul.

 

 

1.     FORMAÇÃO DO MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL

 

Com o fim do regime socialista soviético e do fracasso do modelo econômico comunista, o mundo deixou de lado a sua divisão bipolar, que imperou durante a guerra fria, ou seja, capitalismo americano de um lado e socialismo russo de outro, para ingressar numa nova ordem econômica. Esta nova ordem é chamada de multipolar, pois novas forças econômicas[1] surgiram, fazendo com que a humanidade começasse a passar por uma nova integração política, econômica, social e cultural como nunca antes havia presenciado.

 

Este processo de integração foi denominado de Globalização, fenômeno que não para de ocorrer, principalmente com a forte revolução tecnológica que acarretou à criação de novos meios de comunicações e transporte, havendo um estreitamento das relações entre as pessoas. Diante desta revolução pela qual a humanidade começou a vivenciar, o capitalismo atingiu o seu ápice, as empresas e indústrias se expandiram de uma forma inimaginável, e aos poucos as barreiras dos países foram sendo derrubadas, surgindo as grandes multinacionais com atuação em todos os locais do planeta.

 

Assim, em face da globalização, retornam-se os ideais de uma maior integração entre os países. Antes só imperava a união econômica, mas agora as nações desejam uma maior união, surgindo-se a necessidade de uma completa integralização, ocorrendo à unificação política, social e cultura. Neste sentido, as nações europeias, que eram as que estavam no foco da globalização, foram as primeiras a buscarem essa unificação maior, pactuando-se, em sete de fevereiro de 1992, o tratado de Maastricht, diploma constitutivo da União Europeia, que até então se chamava Comunidade Econômica Europeia e que tinha sido criada em 1957 com o tratado de Roma.

 

Hoje, a União Europeia é a maior comunidade econômica mundial, formada por 27 países, sendo uma União Supranacional Econômica e Política que atingiu o seu maior objetivo: a consolidação de uma moeda única.

 

Do outro lado do Atlântico, apesar de também estarem passando pelo processo de Globalização, os países nunca conseguiram formalizar um processo forte de unificação econômica, e quiçá política. Na América Latina muitas foram as tentativas, mas sempre o fracasso era o resultado alcançado. Inicialmente houve o surgimento da Associação Latina Americana de Livre Comércio (ALAC), que foi sucedida pela Associação Latina Americana de Integração (ALADI), mas como já dito, estas associações não foram bem sucedidas.

 

Porém, em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de criarem um mercado comum entre si, assinaram o Tratado de Assunção, criando um Mercado Comum do Sul (Mercosul). Com a advento do Mercosul, os países pactuantes desejavam uma maior integralização, através da livre circulação de bens, capitais e pessoas. Ademais, ficou acertado que o objetivo final seria o estabelecimento de uma moeda única que encerraria o processo de unificação.

 

O Mercosul foi idealizado a partir do processo de unificação europeu e com o intuito de não ser mais apenas uma comunidade fadada ao fracasso, mas, sim, uma verdadeira interação e integração entre os países do cone sul.

 

Neste aspecto, comenta Mário Lúcio Quintão Soares, verbis:

 

O Mercosul o é resultado da conquista de maturidade dos Estados do Cone Sul, criando mecanismos pragmáticos para superação do subdesenvolvimento, através de processo de integração matizado de justiça social. [2]

 

Assim, o Cone Sul vem passando por um progressivo processo de integração, que começou apenas como uma Zona de Preferência Tarifária, e em seguida, com o fim das barreiras tarifárias que incidiam sobre o comércio dos países membros, tornou-se uma Zona de Livre Comércio. Atualmente, o Mercosul é uma União Aduaneira, sendo uma área de livre comércio e com tarifas únicas para exportação comum, com o objetivo maior de, no mais breve possível, tornar-se um mercado comum com uma moeda única.

 

A estrutura institucional do Mercosul foi disciplinada através da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994, ficando estabelecido que o Mercosul seria composto por: Conselho do Mercado Comum (CMC); Grupo Mercado Comum (GMC); Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM); Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); Foro Consultivo Econômico Social; e a Secretaria Administrativa (SAM). Além disso, com o Protocolo de Ouro Preto, foi dada personalidade jurídica de direito internacional, permitindo que este grupo possa manter relações e firmar acordo com outros países e blocos.

 

Pelo Protocolo de Ouro Preto, o Mercosul adotou um sistema totalmente diferente do da União Europeia. No cone sul ficou estabelecido que as decisões seriam tomadas de forma consensual, utilizando-se da sistemática intergovernamental. Ou seja, as decisões do bloco somente são feitas com a aprovação unânime de todos os países que a compõem. Não existe um órgão dotado de competência específica e independente para decidir os rumos do Mercosul. Na verdade, os países se reúnem, e a partir daí o futuro é decidido. O foco da intergovernabilidade são os interesses individuais, que se forem contrariados, serão os motivos principais para que a unanimidade não seja alcançada.

 

Comparando o Mercosul a União Europeia, assevera Marcio Monteiro Reis, verbis:

 

A composição orgânica do Mercosul pouco ou nada tem a ver com a que se construiu na União Europeia. Nem poderia ser diferente. No Mercosul há uma estrutura típica das organizações intergovernamentais. Seus órgãos são compostos por representantes direitos dos governos, cujas decisões sempre tomadas por unanimidade. As reuniões em que as medidas são adotadas equiparam-se a verdadeiros encontros de missões diplomáticas. Há quem veja nesta característica uma vantagem já que desta forma, evita-se a construção de uma estrutura burocrática enorme e muitas vezes dispendiosa, a qual não é garantia de resultados mais eficazes ou integração mais efetiva. [3]

 

Ao contrário do sistema intergovernamental, na Europa prevalece o sistema da Supranacionalidade, onde, no tratado constitutivo do organismo, foi criado um órgão específico dotado de poderes para tomar as decisões relevantes que serão respeitadas por todos os países. Por esta sistemática, os países delimitaram as competências desse órgão e os interesses coletivos são superiores aos individuais. No caso, não há a perda da soberania, apenas a transferência de uma parcela dela para um organismo ainda maior que é composto pelos próprios Estados que cedem as competências.

 

Em defesa do sistema Supranacional, entende Deisy Ventura, verbis:

 

Entidades supranacionais pressupõem a negociação em outro nível, para definir o interesse coletivo, através de processo decisório próprio, a serviço do qual elas colocarão em funcionamento uma estrutura independente.[4]

 

A diferença entre a Supranacionalidade e a Intergovernabilidade está nos interesses, naquele prevalece à coletividade e neste a individualidade. A adoção, pelo MERCOSUL, do sistema individual pode ser considerada um atraso, pois o objetivo maior da criação desses blocos é uma maior interação entre os países, com fito a se conseguir um maior desenvolvimento para os Estados Membros e que as desigualdades regionais sejam reduzidas. Prevalecendo os interesses individuais, pode ser que o Mercosul não avance como avançaria se adotasse o sistema europeu.

 

Atualmente, o Mercosul é formado por cinco países (Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela), este último faz parte do bloco desde o ano de 2006. A população é de 365.555.532 milhões de habitantes, com um PIB total de pouco mais de três trilhões de dólares e uma renda per capita de doze mil dólares. O português, o espanhol e o guarani são os idiomas oficiais, a capital do bloco é a cidade de Montevidéu no Uruguai. O bloco conta também com cinco países associados: Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador, tendo ainda o México como país observador.[5]

 

 

2.    SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

 

Inerente ao processo de integração dos países em blocos econômicos ocorre à formação de um ordenamento jurídico único oriundo advindo dos tratados, acordos, normas e protocolos celebrados entre os países membros. Porém, da existência desse ordenamento jurídico, surge às divergências de interesses, fazendo-se necessário a constituição de um órgão comum para a solução de litígios que faça a correta aplicação e interpretação das normas jurídicas comunitárias ao caso concreto.

 

Os conflitos surgem de questões econômicas, políticas, sociais e culturais. Assim, é preciso que os blocos possuam um sistema específico para a solução desses problemas, sob pena de o sistema entrar em colapso e o processo de integração fracassar.

 

Com posicionamento semelhante, assevera o professor Eduardo Biachi Gomes, in verbis:

 

A construção e a evolução de um bloco econômico somente pode ocorrer com a existência de instituições permanentes, que venham a dar respaldo ao processo de integração. Neste processo tem grande importância o sistema de solução de controvérsias a ser adotado, notadamente porque quanto mais aperfeiçoado, maiores serão os graus de integração de confiança repassados para a comunidade internacional. [6]

 

Portanto, para que os países do cone sul possam ter um perfeito processo de integração é fundamental que exista um eficaz sistema de solução de conflitos. Sobre isso, entende Henrique Choer Moraes, verbis:

 

A existência de instituições permanentes e de um próprio tribunal permanente pode garantir o sucesso de um bloco econômico, notadamente devido à diminuição da interferência política nas decisões as quais passam a ser mais “institucionalizadas”, isto é têm um procedimento próprio a ser seguido, garantindo-lhes maior juridicidade e, consequentemente maior segurança na construção do processo de integração. [7]

 

Ocorre que o Mercosul adotou um sistema de intergovernabilidade, o que pode interferir no processo de criação de um Tribunal Permanente, pois o cone sul não é um bloco supranacional, ou seja, os interesses individuais dos países membros ainda estão sendo colocados acima dos interesses comunitários.

 

A intergovernabilidade é um óbice para a constituição de um órgão jurisdicional, já que, conforme ensina Deisy Ventura[8], “foi descartada a criação de órgãos supranacionais, isto é, de um poder comum, acima dos Estados que poderia aplicar diretamente algumas decisões dispensando sua transposição para o direito nacional.”

 

E mais, comenta ainda Deisy Ventura, verbis:

 

A escola do modelo pelo Mercosul pode ser atribuída ao desejo, sobretudo do Brasil, de relativizar o compromisso assumido, guardando uma imensa margem de discricionariedade. A obediência às decisões comunitárias é domínio de cada Estado membro; depende de cada governo e de sua capacidade de negociação interna. O processo decisório comporta uma longa e incerta trajetória até que se chegue à eficácia das decisões.[9]

 

Deste modo, diante da Intergovernabilidade, o Tratado de Assunção adotou para o Mercosul o sistema de solução de controvérsias através da arbitragem e conciliação, estes que foram instituídos primeiramente pelo Procotolo de Brasília e, posteriormente, reestruturado pelo Protocolo de Olivos.

 

 

2.1.    PROTOCOLO DE BRASÍLIA E DE OLIVOS

 

Ficou estabelecido no Tratado de Assunção que, até o dia 31 de janeiro de 1994, o Mercosul passaria por um período de transição até que fosse alcançado um avançado processo de integração com a feitura de um Mercado Comum. Acontece que este prazo era muito curto, diante disso, ficou disciplinado, em Assunção, que, até que fosse criado o Mercado Comum, seria estabelecido um sistema provisório de solução de controvérsias. Assim, em dezembro de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai celebraram o Protocolo de Brasília, que estabeleceu as diretrizes para a feitura de um órgão jurisdicional de caráter temporário.

 

O Protocolo de Brasília adotou duas sistemáticas, a primeira relacionada à autocomposição, ou seja, a negociação direta entre os Estados, que, utilizando-se se relações diplomáticas, poderiam resolver os seus problemas. Esta forma independe da intervenção de terceiros é o melhor meio, já que impede a criação de um litígio, mas como observa Luis Fernando Franceschini da Rosa[10]: “(…) o sucesso de uma negociação por sua vez, está relacionado à convicção das partes de que há, efetivamente, ganhos maiores do que perdas, quando buscam uma solução que prescinde da intervenção de terceiros.”

 

Ao revés, fracassado as negociações diretas, os Estados podem levar as questões até o Grupo de Mercado Comum, que deve solucionar o caso em até trinta dias. Pelo artigo 30 do Protocolo de Brasília, o GMC serve como órgão conciliador, possuindo assessoramento específico com pessoas dotadas de capacidade para auxiliarem na solução do caso.

 

Esta primeira etapa é puramente diplomática e como lembra Eduardo Biachi Gomes, verbis:

 

(…) é pautado pela celeridade, pois não poderá estender-se por mais de trinta dias. Além disso, permite às partes a tentativa de solucionar, de forma direta ou com a intervenção do GMC, suas controvérsias, o que evita os naturais desgastes políticos provenientes das divergências comerciais entre os países, pois possibilita que eles, por consenso, adotem solução que atenda aos interesses em disputa, afastando eventuais efeitos negativos que adviriam de decisões proferidas por um tribunal permanente, o que poderia, de certa forma, dificultar um processo integracionista em que os Estados não aceitam abrir mão de seus interesses em prol do interesse comum, como é o caso do estágio atual do Mercosul.[11]

 

O outro método é a instauração de um procedimento arbitral perante a Secretaria Administrativa do Mercosul (Art.7º, 9º a 24). Inservível a autocomposição, é permitido a heterocomposição, onde cada Estado escolhe um arbitro. Ao todo são três árbitros, cada litigante escolhe um e o terceiro é nomeado através de acordo ou sorteio. Após a eleição dos membros, o conselho é formado, instituindo-se um Tribunal Ad Hoc, visto que, é formado para um caso específico, ou seja, para isso.

 

A Corte Arbitral irá decidir os casos conforme as disposições do ordenamento mercosulino, com os princípios do Direito Internacional Público e Comunitário e também com a equidade. A decisão deverá ser prolatada em até 30 dias após a instauração. Por fim, a solução do caso é definitiva, não cabendo recurso para nenhum outro órgão, há apenas um pedido de esclarecimento que funciona, mutatis mutandis, como os embargos de declaração para aperfeiçoar a decisão final.

 

O sistema de arbitramento do Protocolo de Brasília vigorou por quase oito anos, tendo proferido apenas nove decisões. Neste sentido, buscando uma maior integração, em 18 de fevereiro de 2002, os países do Mercosul se reuniram na Argentina e firmaram o Protocolo de Olivos que revogou o Protocolo de Brasília, alterando parcialmente o procedimento para a solução de controvérsias no cone sul. De acordo com Elaine Martins, o Protocolo de Olivos trouxe as seguintes novidades, verbis:

 

a) Criação de um Tribunal Permanente de Revisão (TPR);

b) Implementação de mecanismos de regulamentação das Medidas compensatórias;

c) Criação de normas procedimentais inspiradas no modelo da OMC, como as que determinam que o objeto da controvérsia seja limitado na reclamação e resposta apresentadas ao Tribunal Ad hoc;

d) Intervenção opcional do GMC;

e) Possibilidade de eleição de foro; e

f ) Possibilidade de Reclamação dos Particulares. [12]

 

Dessas inovações, a mais importante foi à instituição de um Tribunal Permanente de Revisão que, de acordo com o Professor Biachi, configura, verbis:

 

(..) uma grande evolução no sistema de solução de controvérsias do Mercosul, pois no lugar de um mecanismo ad hoc de solução de divergências – em que era utilizada a via arbitral – passou-se a ser aplicado um procedimento permanente institucionalizado e com regras processuais mais definidas, fato que viabilizará a construção de um modelo jurisprudencial.[13]

 

Com o órgão permanente, surge a possibilidade de uma maior uniformização das decisões, pois anteriormente todos os conflitos foram decididos por árbitros diferentes, agora, com o novo sistema, apesar de terem mandatos definidos, pode-se saber previamente quem irá julgar o caso. O Tribunal Permanente de Revisão tem instalações próprias e fica no Edifício Vila Revolva, Assunção, Paraguai. Este tribunal é composto por cinco julgadores, um representante de cada nação do bloco, com mandato de dois anos, e o quinto membro é escolhido por votação, tendo mandato de três anos e o encargo de presidir o órgão judicante.

 

Para Andressa Biondo, o principal objetivo do TPR é almejar a evolução do sistema de solução de controvérsias a fim de, verbis:

 

(..) se buscar a correta interpretação e aplicação dos tratados fundacionais e normas originadas no bloco econômico. Pois o desenvolvimento do processo de integração está diretamente ligado à harmonização na aplicação e interpretação das normas advindas do direito de integração.[14]

 

Ademais, o Tribunal Permanente de Revisão não retirou por definitivo as cortes arbitrais ad hoc, na verdade, o órgão julgador foi criado mais no intuito de ser uma corte de apelação, ou seja, revisora das soluções arbitrais. O objetivo foi permitir o duplo grau de jurisdição que é um dos princípios implícitos do devido processo legal.

 

Inobstante a função recursal, casos os litigantes não desejam a forma convencional de solução, poderão abrir mão da primeira fase conciliatória ou arbitral e ir diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão que atuará como instância única. As decisões serão definitivas e irrecorríveis, ganhando, após a notificação aos conflitantes, força de coisa julgada.

 

Entretanto, o Protocolo de Olivos só fez aperfeiçoar o sistema arbitral do Protocolo de Brasília, pois ainda existe apenas um órgão julgador provisório alicerçado nos ideais da intergovernabilidade, o que faz com que o Mercosul fique sem um Tribunal de Justiça definitivo. O sistema intergovernamental impede que sejam aplicadas as normas do Direito Comunitário, não formando uma cúpula com poderes específicos e sem ter ligações diretas com os países-membros.

 


3. TRIBUNAL PERMANENTE PARA O MERCOSUL

 

3.1. NECESSIDADE E OPORTUNIDADE

 

Como é sabido, a União Europeia é o bloco econômico de maior sucesso existente e que atravessou todas as etapas necessárias, encontrando-se hoje em um Mercado Comum e com uma moeda única. Porém, o que muita gente não sabe, é que um dos pressupostos fundamentais para o êxito europeu foi à criação, ainda sob a antiga CECA (Comunidade Europeia do Carvão e Aço), da Corte de Justiça da Comunidade Europeia que tinha como função precípua garantir a integridade do direito europeu através da interpretação e aplicação das normas comunitárias.

 

Para Márcio Monteiro Reis, o sucesso do direito comunitário europeu se deve a esta corte jurisdicional, pois, verbis:

 

Foi exatamente esta instituição que mais contribuiu para o desenvolvimento do direito comunitário, afirmando sua independência em relação aos direitos nacionais. Sua competência mais importante, no entanto, reside no seu papel de Corte Comunitária, responsável por interpretar e aplicar as disposições dos tratados e velar pela legalidade dos atos das demais instituições. No exercício desta competência, o Tribunal pôde construir uma verdadeira ordem jurídica comunitária, definindo seus princípios e a forma de aplicação do seu direito.[15]

 

Nesta ordem de ideias, igualmente buscando a integração platina, o Tratado de Assunção estabeleceu que até o dia 31 de dezembro de 1994 iria ser criado um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias. Entretanto, em sentido contrário, preferiu-se firmar o Protocolo de Brasília que criou apenas um Sistema Provisório de Solução de Controvérsias que institui a arbitragem para resolver os problemas.

 

Oito anos depois, veio o Protocolo de Olivos que reestruturou o sistema de resolução de conflitos e preconizou que, antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum, os Estados Partes do Mercosul efetuariam uma revisão do atual sistema de solução de controvérsias, com vistas à adoção do Sistema Permanente de Solução de Controvérsias para o Mercado Comum que está referido no número 3 do Tratado de Assunção.

 

Como se vê, o Protocolo de Olivos manifestou a preocupação para a criação de um órgão jurisdicional permanente, pois sem este, é praticamente inviável a conclusão do processo de integração entre os países. É imprescindível um Tribunal formado por pessoas capacitadas juridicamente, dotadas de competência decisória e que assim façam a correta aplicação e interpretação do direito comunitário mercosulino, alcançando-se uma segurança, tanto dentro do bloco, como perante os países que desejam manter relações com o Cone Sul.

 

Para que o Mercosul avance  e consiga a sua plena integração, primeiramente é necessário a criação de um Tribunal de Justiça que a uniformização de um ordenamento jurídico. Contudo, já faz 15 anos que existe a proposta da instituição de um Sistema Permanente de Solução de Controvérsias e até agora nada foi feito. Isto está sendo um grande óbice para o crescimento do bloco, onde prefere-se a solução através de órgãos de arbitragem que não permitem o mesmo resultado que seriam alcançados com um tribunal.

 

As cortes arbitrais são ad hoc, criadas para casos específicos e são altamente politizadas, não trabalhando de forma independente. Os árbitros são escolhidos pelos Estados, influenciados pelo chefe do Executivo. Ademais, inexiste a produção de uma jurisprudência sólida e uniforme, eis que para cada caso a uma corte nova com membros novos.

 

Sem a uniformização da aplicação e interpretação das normas, dificilmente o Mercosul conseguirá criar um ordenamento jurídico único e, com isso, alcançar a plena integração, pois, conforme aduz Luis Fernando Franceschini da Rosa, verbis:

 

Um mercado comum implica a criação de um ordenamento jurídico uniforme e apropriado a regular as relações sociais que derivam da livre circulação dos fatores produtivos no mercado integrado e sem barreiras.[16]

 

Observa ainda o autor, verbis:

 

A regulamentação uniforme que demanda de um Mercado Comum vai além do simples enunciado das liberdades de circulação de mercadorias, serviços, pessoas e capitais. A realização dessas liberdades passa pela uniformização das normas internas dos quatro Estados, em campos tão variados como a livre concorrência, a harmonização tributária, trabalhista, previdenciária das normas sobre propriedade industrial, enfim, a própria definição de uma política econômica comum desses Estados.[17]

 

Pois bem, de par com o professor Franceschini, é fácil concluir que o Tribunal Permanente era um dos pressupostos necessários para que um Mercado Comum fosse criado e não o contrário, ou seja, criar um Mercado Comum e somente depois um Tribunal.

 

Um órgão jurisdicional permanente é importante porque vem para solucionar todos os litígios que tenham como ponto em comum, as relações mercosulinas. Isto fará com que se forme uma base jurídica, criando-se segurança nas relações e uma maior respeitabilidade, já que os litigantes poderão saber, de antemão, quem são os membros do tribunal, como eles costumam decidir, funcionando de forma idêntica a jurisdição pátria. Ressaltando-se que as decisões dos tribunais tem mais força de serem respeitadas pelos Estados, ao contrário das da corte arbitral, que apesar de serem inapeláveis, não possuem força suficiente para obrigarem o seu cumprimento.

 

É indispensável para o Mercosul a criação de um Tribunal de Justiça. Neste sentido, comenta Mário Lúcio Quintão Soares, verbis:

 

Institucionalmente, o Mercosul necessita estabelecer concretamente mecanismos de implementação do mercado comum norteados pelos princípios basilares do Direito Comunitário e, também, estruturar Tribunal Supranacional, órgão jurisdicional competente para controle de legalidade dos atos e interpretação das normas comunitárias, nos moldes do TJCE. O Tribunal de Justiça do MERCOSUL será determinante para o desenvolvimento e consecução dos princípios e conceitos essenciais para evolução do processo integracionista do Cone Sul, garantindo o efeito útil das normas comunistas, a plena eficácia das mesmas e o respeito às obrigações assumidas pelos Estados-membros em seus Tratados Consitutivos.[18]

 

Com a criação do Tribunal Permanente de Revisão, o Mercosul até que tentou estabelecer um órgão fixo,  só que a função precípua deste tribunal é a reanálise das decisões arbitrais, permitindo-se o duplo grau de jurisdição. Apesar de um avanço, não foi retirado o sistema ad hoc. Os membros do TPR ainda são escolhidos pelo executivo e possuem mandato certo.

 

A grande motivação pela criação deste órgão revisional é principalmente na possibilidade da existência de uma uniformização das decisões. Contudo, ainda permanece a dúvida quanto à força das suas decisões e como fazer para que os Estados as respeitem. Para Franceshini, esse problema é resolvido com uma Corte de Justiça, verbis:

 

A existência de uma Corte de Justiça em um processo de integração é fundamental, também, para o combate ao abandono paulatino dos Estados das obrigações assumidas, o que se denominou “selective exit”, em oposição à renúncia expressa de suas obrigações.[19]

 

É fundamental para o sucesso do processo de integração Platino a criação, o quanto antes, de um Tribunal de Justiça Permanente que traga segurança jurídica para os agentes econômicos, estes que são, realmente, os grandes responsáveis pela integração local e com isso necessitam de um órgão específico para a solução de seus problemas, pois o surgimento de conflitos de interesses é inerente a qualquer processo de desenvolvimento.

 

Entretanto, para a criação desse órgão jurisdicional é importante o empenho dos países platinos, fato este que está sendo o obstáculo maior para a instituição de um Tribunal. Como já esposado, o Mercosul está alicerçado nos ideais Intergovernamentais, todas as suas decisões são consensuais e isso é ruim para o bloco.

 

Há a necessidade de um Tribunal, mas em contrapartida, não se vê oportunidade para a sua criação. A Oportunidade seria se o Mercosul fosse Supranacional, tendo como uma das suas bases, a existência de instâncias de decisões independentes do poder estatal, as quais não estão submetidas ao seu controle. Mas como dito, no cone sul foi adotado o sistema intergovernamental, que pauta os interesses individuais acima da coletividade. Os estados membros não querem criar órgãos com poderes específicos e soberanos, como assim fez a União Europeia.  No continente europeu prevalece o direito comunitário, já no sul da América, ainda utiliza-se o Direito Internacional Público.

 

A ideia de um Tribunal é justamente resolver os litígios entre os Estados e entre os particulares, para que o interesse da coletividade prevaleça e o sistema possa paulatinamente se desenvolver. A cada decisão, o bloco se fortalece e é mais um tijolo para a construção que se chama plena integração. É sabido que a sociedade só se desenvolve com a solução dos seus problemas, o que igualmente deve acontecer com os blocos econômicos.

 

Todavia, como lembra Deisy Ventura, “a exarcebação do nacionalismo e a ênfase à soberania nacional são elementos muito presentes na história dos países platinos”[20]. Esse nacionalismo é o óbice para a criação de uma ordem jurídica única, eis que os Estados não querem criar órgãos independentes justamente por isso. Existe a ideia que irão perder a sua soberania. Este pensamente é errado, uma vez que o poder do órgão novo será advindo da própria soberania estatal, haverá apenas um repasse limitado de certos poderes, que em vez se ser exercidos pelos próprios estados, será feito por uma instituição maior ainda, ou seja, supranacional. Sobre esta forma de exercer a soberania, comenta Marcio Monteiro Reis, verbis:

 

Podemos concluir que os Estados membros, para participar de uma comunidade de Estados integrados, não precisam renunciar a soberania, nem a parcela dela. Reunidos, devem negociar quais as áreas em que seria mais proveitoso agir conjuntamente, em vez de fazê-lo de forma isolada. Obtido o consenso, os Estados atribuem as competências necessárias à Comunidade, cujos órgãos passarão a gerir aqueles assuntos. Como a comunidade é um espaço comum entre os Estados, do qual todos participam, pode-se dizer que eles passam a exercer suas soberanias nestes domínios, de forma compartilhada com os outros Estados.[21]

 

No Mercosul não haveria renuncia, apenas a possibilidade de os estados exercerem a soberania de outra forma. Porém, entre os sulamericanos, impera a consensualidade, as decisões somente existem se forem unânimes. Este modelo é demonstrado no próprio Tribunal Permanente de Revisão, onde cada Estado escolhe um representante, que sempre está lá a gosto do executivo, onde seus votos serão pautados de acordo com os interesses nacionais. Portanto, como adverte Marcio Reis, “Esse protecionismo barra a criação de um Tribunal de Justiça e impede o próprio crescimento do Mercosul, afinal se um Mercado Comum pressupõe um ordenamento jurídico uniformemente respeitado, esse não se concretiza sem a existência de um tribunal que lhe assegure tal unidade”[22].

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Conforme se constatou, o Mercosul é um bloco econômico que tem como objetivo realizar a integração completa entre os países do cone sul, possuindo 4 países membros, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, e esperando-se, ainda, a confirmação da entrada da Venezuela.

 

O processo de plena integração ainda não foi alcançado, estando-se muito longe da adoção de uma moeda única. Como visto, o atraso da união mercosulina se deve ao fato de bloco ainda ser alicerçado nos ideais intergovernamentais, impossibilitando-se a criação de órgãos fortes e independentes, que possam alavancar o desenvolvimento.

 

Um dos órgãos necessários para este progresso seria um Tribunal de Justiça, ou seja, um órgão jurisdicional permanente. Porém, atualmente, ninguém sabe quando o Mercosul irá possuir tal órgão. O Tratado de Assunção dispôs que quando for formado o Mercado Comum, deverá ser instituído um Tribunal Permanente de Solução de Controvérsias.

 

Enquanto este tribunal não é criado, existem dois sistemas de soluções de controvérsias. O primeiro adveio em 1994 com o Protocolo de Brasília, possibilitando-se a solução de litígios através da conciliação e arbitragem. O segundo, e mais recente, foi o Protocolo de Olivos, 2001, que teve como grande novidade a criação de um Tribunal Permanente de Revisão, órgão responsável pela reanálise das decisões arbitrais, funcionando como duplo grau de jurisdição, mas também podendo atuar como instância única.

 

Ocorre que apenas com a existência de órgãos arbitrais, um bloco econômico não consegue o pleno desenvolvimento com uma completa integração econômica, política, social e cultura. É necessário um órgão permanente, pois este traz segurança jurídica para as inúmeras relações mantidas pelos estados membros e pelos seus particulares.

 

Com um Tribunal de Justiça, as soluções são pacificadas, tornando-se definitivas e com poder para fazer com que os envolvidos respeitem as suas decisões. Ademais, um Tribunal é formado por membros independentes, sem interesses políticos e que irão decidir de acordo com o que é melhor para a coletividade e não para os interesses dos países que representam, como é passível de acontecer nas soluções arbitrais.

 

Entretanto, falta oportunidade para a instituição de um Tribunal para o Mercosul, pois o processo de integração dos países platinos é embasado no sistema intergovernamental, que impossibilita a criação de órgãos independentes. Nesse sistema, os interesses individuais são superiores aos interesses coletivos do bloco. Todas as decisões são consensuais, para que algo seja decidido é necessária à unanimidade. Este método emperra o progresso do grupo.

 

Para que o Mercosul atinja o pleno desenvolvimento, faz-se necessário à criação de um Tribunal, derivando-se daí todos os outros órgãos necessários para a integração do bloco. O Tribunal trará solução jurídica para os problemas e com isso segurança para todos aqueles que compõem o grupo.

 

 

NOTAS

 

[1]Japão, China, Rússia, União Europeia, Brasil, Índia.

 

[2]SOARES, Mário Lúcio Quintão. MERCOSUL: direitos humanos, globalização e soberania. 2.ed., ver, atual. e amp. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 89p

 

[3]REIS, Márcio Monteiro. Mercosul, União Europeia e Constituição: a integração dos estados e os ordenamentos jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 231p

 

[4]VENTURA, Deisy de Freitas Lima. A ordem jurídica do MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. 15p

 

[5]Dados retirados do site: www.mercosur.int

 

[6]GOMES, Eduardo Biachi. Protocolo de Olivos: Alterações no Sistema de Soluções de Controvérsias do Mercosul e Perspectivas. Disponível em:<www.unibrasil.com.br/revista_on_line/artigo%2006.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2010.

   

[7]MORAES, Henrique Choer. O Novo Sistema Jurisdicional do Mercosul – Um primeiro olhar sobre o Protocolo de Olivos. Revista de Direito Constitucional e Internacional. n. 39, p.57-71, 2002.

 

[8]Ob.cit. 25p

 

[9]Op.cit. 30p

 

[10]ROSA, Luis Fernando Franceschini da. Mercosul e Função judicial: realidade e superação. São Paulo: LTr, 1997. 26p

 

[11]GOMES, Eduardo Biachi. Protocolo de Olivos: Alterações no Sistema de Soluções de Controvérsias do Mercosul e Perspectivas. Disponível:<www.unibrasil.com.br/revista_on_line/artigo%2006.pdf>. Acesso em: 31 de maio de 2010.

  

[12]MARTINS, Eliane M. Octaviano. Sistemática de Solução de Controvérsias do Mercosul: o Protocolo de Brasília e o Protocolo de Olivos. Disponível em: < www.usp.br/prolam/downloads/2006_1_4.pdf> Acesso em 31 de maio de 2010.

 

[13]Ob.cit. 164p

 

[14]BIONDO, Andressa; DINIZ, Carolina; CUZZUOL, Cinthya; FACHETTI, Gilberto; GASPERAZZO, Henrique; DIAS, Joseane; PERUCH, Samyra; ROCHA, Tatiana. Protocolo de Olivos e o novo sistema de solução de controvérsias. Disponível em: <http://www.concurseiros.13.forumer.com/viewtopic.php?t=4444> Acesso em 31 de maio de 2010.

 

[15]Ob.cit. 164p

 

[16]Op.cit. 58p

 

[17]Op.cit. 58p

 

[18]Ob.cit. 104p

 

[19]Ob.cit. 90p

 

[20]Ob.cit. 99p

 

[21]Ob.cit. 81p

 

[22]Ob.cit. 113p

 

* Rafael Pontes Vital, Advogado e Consultor Jurídico, com diploma em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal da Paraíba (2009.2). Mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba (2011). Pós-graduando em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pelo Centro Universitário de João Pessoa (2010). Colaborador da área jurídica do COAD – Centro de Orientação, Atualização e Desenvolvimento Profissional. Tem experiência na área de Direito Privado, com ênfase em Direito Contratual e Responsabilidade Civil.

Como citar e referenciar este artigo:
VITAL, Rafael Pontes. Tribunal de Justiça para o Mercosul: Necessidade ou Oportunidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/tribunal-de-justica-para-o-mercosul-necessidade-ou-oportunidade/ Acesso em: 28 mar. 2024