Direito Internacional

Guerrilha e Redemocratização

 

 

O regime de exceção, em que o Brasil viveu de 1964 a 1985, foi encerrado -não por força da guerrilha, que terminou, de rigor, em 1971-, mas principalmente pela atuação da OAB, à época em que figuras de expressão a conduziam, como Raymundo Faoro, Márcio Tomas Bastos, Mário Sérgio Duarte Garcia, Bernardo Cabral e de parlamentares como Ulisses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro e outros.

 

Tenho para mim que a guerrilha apenas atrasou o processo de retorno à democracia, pois ódio gera ódio, e a luta armada acaba por provocar excessos de ambos os lados, com mortes, torturas e violências. Muitos dos guerrilheiros foram treinados na mais antiga e sangrenta ditadura da América (Cuba) e pretendiam, em verdade, apenas substituir uma ditadura de direita por uma ditadura de esquerda.

 

Os verdadeiros democratas, a meu ver, foram aqueles que usando a melhor das armas, ou seja, a palavra, obtiveram um retorno indolor à normalidade, sem mortes, sem torturas, sem violências.

 

A lei de anistia, proposta principalmente pelos guerrilheiros, foi um passo importante para a redemocratização, pois possibilitou àqueles que preferiram as armas às palavras, a sua volta ao cenário político.

 

A lei, à evidência, pôs uma pedra sobre o passado, sepultando as atrocidades praticadas tanto pelos detentores do poder, à época, como pelos guerrilheiros. E foram muitas de ambos os lados.

 

Num país em que o ódio tem pouco espaço –basta comparar as revoluções de nossos vizinhos com as do Brasil, para se constatar que o derramamento de sangue, aqui, foi sempre muito menor- tal olhar para o futuro permitiu que o Brasil resurgisse, com uma Constituição democrática. Nela o equilíbrio dos poderes possibilitou o enfrentamento de crises, como o “impeachment”, a superinflação, os mais variados escândalos, entre os quais o mensalão foi o maior, a alternância de poder, sem que se falasse em rupturas institucionais.

 

Vive-se -graças a redemocratização voltada para o futuro e não para o passado- ambiente de liberdade e desenvolvimento social e econômico próximo de nações civilizadas.

 

O Plano de Direitos Humanos, organizado por inspiração dos guerrilheiros pretéritos, pretende, todavia, derrubar tais conquistas, realimentando ódios e feridas, inclusive com a tese de que os torturadores guerrilheiros eram santos e aqueles do governo, demônios.

 

Esta parte do plano foi corrigida, admitindo, o Presidente Lula, que se for criada a “Comissão da Verdade”, há de se apurar tudo o que de excessos foi praticado naquela época por militares e guerrilheiros. Tenho a impressão que isto não será bom para a candidata Dilma.

 

O pior, todavia, é que o plano é uma reprodução dos modelos constitucionais venezuelano, equatoriano e boliviano, todos inspirados num Centro de estudos de políticas sociais espanhol, para o qual o poder executivo é o único poder, sendo o Judiciário, Legislativo e Ministério Público, poderes vicários, acólitos, subordinados.

 

No plano, pretende-se fortalecer o Executivo, subordinar o Judiciário a organizações tuteladas por “amigos do rei”, controlar a imprensa, pisotear valores religiosos, interferir no agronegócio para eliminá-lo, afastar o direito de propriedade, reduzir o papel do Legislativo e aumentar as consultas populares no estilo dos referendos e plebiscitos venezuelanos, sobre valorizar o homicídio do nascituro e a prostituição, como conquistas de direitos humanos!

 

Quem ler a Constituição venezuelana, verificará a extrema semelhança entre os instrumentos de que dispõe Chávez para eliminar a oposição e aqueles que o Plano apresenta, objetivando alterar profundamente a Lei Maior brasileira. O plano possui, inclusive, “recomendações” ao Poder Judiciário sobre como devem os magistrados decidir as questões prediletas do grupo que o elaborou, à evidência, à revelia de toda a população e do Congresso Nacional.

 

Pela má qualidade do texto e pelo viés ideológico ditatorial, dificilmente estas propostas passarão no Legislativo e, se passarem, creio que a Suprema Corte barrará tudo aquilo que nele fere cláusulas pétreas constitucionais e os valores maiores em que a sociedade se lastreia.

 

Certa vez, ao saudoso crítico Agripino Grieco, um amigo meu (Dalmo Florence) apresentou livro de poesia recém lançado, pedindo-lhe a opinião. No dia seguinte, Agripino disse-lhe “Dalmo, li o livro de seu amigo e aconselho a queimar a edição e, em caso de reincidência, o autor”. Sem necessidade de adotar-se a segunda parte do conselho agripiniano, a primeira seria admiravelmente aplicável a este plano de direitos desumanos.

 

 

* Ives Gandra da Silva Martins, Advogado. Doutor em Direito. Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Guerrilha e Redemocratização. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/guerrilha-e-redemocratizacao/ Acesso em: 29 mar. 2024