Direito Eleitoral

Bem Comum x Candidatos com Ficha Suja

 

Os brasileiros têm uma virtude das mais nobres que um ser humano pode alcançar, que é a generosidade. Sem ela fica difícil a vida em sociedade.

 

Há países onde a generosidade é “peça de museu”, uma vez que as pessoas se digladiam por qualquer migalha e ninguém releva qualquer prejuízo que outrem lhe cause, por menor que seja o prejuízo…

 

Quando a nós, brasileiros, temos, por outro lado, um defeito muito grave, que é o da omissão quando se trata do interesse público.

 

Somos individualistas, pensamos no que interessa diretamente a nós e à nossa família. A coletividade, para a maioria de nós, só nos interessa na medida em que ganhamos dinheiro lidando com ela…

 

Assim, na questão das candidaturas de pessoas com “ficha suja”, assumimos as posições mais liberais possíveis, geralmente atendendo a nossa tendência para a omissão. Afinal, interessa-nos estar de bem até com as pessoas de “ficha suja”, que costumam querer nos gratificar com alguns benefícios em troca da nossa neutralidade ou apoio explícito…

 

No final, a maioria concorda em que qualquer mau elemento seja candidato.

 

O pior é que essas pessoas costumam ganhar eleições, utilizando, quase sempre, a “compra de votos”.

 

E a população já sabe que serão desonestos no trato da res publica.

 

Assim, vamos vivendo nesse círculo vicioso: elegemos péssimos candidatos (ao lado, é claro, de outros muito bons), eles desviam vultosas quantias do erário público e nós nos contentamos em ficar falando mal deles e criando novas piadas sobre eles.

 

É a filosofia dos omissos e dos irresponsáveis.

 

A respeito do fundamento jurídico que se utiliza para deferimento dessas candidaturas, peço licença aos prezados Leitores para dizer algumas palavras.

 

Quando se interpreta qualquer dispositivo legal (inclusive constitucional), nunca se deve interpretá-lo isolado do conjunto das normas que tem alguma relação com o assunto.

 

Se, todavia, praticarmos a interpretação do dispositivo isoladamente, o resultado poderá ser um tremendo absurdo.

 

A regra da presunção de inocência não pode ser colocada fora do contexto das demais regras constitucionais, gerando, por exemplo, a falsa idéia de que pessoas com “ficha suja” (mesmo que sem sentença condenatória transitada em julgado) tenham o direito inquestionável de ser candidatos a cargos eletivos no Executivo e Legislativo.

 

No Judiciário, por exemplo, não se permite que tais elementos sejam aprovados, o mesmo se dizendo quanto à Polícia Militar e outras corporações assemelhadas.

 

Se em alguns setores do serviço público – em que a escolha de servidores se faz através de concurso – não se admitem pessoas com “ficha suja”, não há razão para que em outros setores essas pessoas ingressem livremente, simplesmente porque “batizadas” com a “água benta” das eleições.

 

É preciso que levemos mais a sério a finalidade do serviço público, em que, acima do interesse de candidatos, há o direito da coletividade de ser servida por servidores honestos, idealistas e competentes.

 

Em resumo, mais do que qualquer interesse pessoal deve estar o bem comum.

 

 

* Luiz Guilherme Marques, Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora (MG).

Como citar e referenciar este artigo:
MARQUES, Luiz Guilherme. Bem Comum x Candidatos com Ficha Suja. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/bem-comum-x-candidatos-com-ficha-suja/ Acesso em: 28 mar. 2024