Direito Eleitoral

Partidos Políticos (Aula Direito Eleitoral IV)

 

 

6. PARTIDOS POLÍTICOS.

 

6.1 História e conceito.

 

Desde que o homem se organizou em sociedade que a política se faz presente no mundo, devido a necessidade de legitimação ou escolha das lideranças. Tal como conhecemos e praticamos hoje em dia, a origem da política remonta às sociedades clássicas dos gregos e romanos, que, desde cedo contavam com uma espécie de sistema parlamentar, porém, foi na Inglaterra do século XVII e na França de 1789, que ficaram bem definidas as tarefas executivas e legislativas do Estado, originando-se daí os atuais partidos políticos, em virtude da existência de setores que passaram a ter ingerência ou opinião formal sobre os rumos dos governos. A partir desses marcos históricos, a atividade parlamentar se firmou como essencial à fiscalização, inicialmente dos monarcas e, com o passar dos tempos, da ação executiva do Estado.

 

GIOVANI SARTORI afirma que o termo “partido” adveio da expressão “facção”, reconhecendo nesta última um sentido pejorativo, assim como o fizera VOLTAIRE na segunda metade do século XVIII, em sua ENCICLOPÉDIA, adjetivando o termo facção de “repulsivo”, enquanto “partido” não teria esta conotação negativa. Explica ainda o autor italiano que, etimológica e semanticamente, “facção” e “partido” tem significados diferentes. Facção é expressão bem mais antiga e deriva do latim facere (fazer, agir), mas logo passou a ser utilizada para identificar grupos políticos de conduta danosa e perturbadora. “Partido”, também vem do latim (partire), significando divisão, e embora não estivesse presente no vocabulário político até o século XVIII.

 

“Os partidos são canais de expressão. Isto é, pertencem, em primeiro lugar e principalmente aos meios de representação…Ao se desenvolverem, os partidos não o fizeram – durante todo o século XIX e até boa parte do século XX – para transmitir ao povo os desejos das autoridades, mas antes para transmitir às autoridades os desejos do povo”.

 

MAURICE DUVERGER, faz uma análise interessante a respeito das origens dos partidos políticos iniciando por dizer que a analogia das palavras não deve levar a confusões, apesar de que, chamava-se, indistintamente, de “partido” as “facções” que dividiam as repúblicas antigas. Apesar da semelhança e do uso indiscriminado de ambas as expressões, diz este autor que os verdadeiros partidos políticos são instituições recentes e que até 1850, a exceção dos Estados Unidos, nenhum outro país do mundo conhecia partidos políticos no sentido atual do termo. Afora a experiência norte-americana, encontravam-se apenas os clubes populares, associações, grupos parlamentares que, de uma forma ou outra, expressavam idéias políticas, mas, a partir de 1950, a maioria das nações civilizadas passa a reconhcer reconhecer a existência dessa instituição política. A respeito da origem dos partidos, acrescenta que é impossível compreender cada partido sem que se conheçam as diferentes circunstancias de seu nascimento para entender, por exemplo, quais as diferenças entre o Partido Trabalhista britânico e o Partido Socialista francês. Apesar desse estudo fugir aos propósitos destas aulas, tenho que seja relevante anotar suas observações a respeito da origem dos partidos no âmbito da Constituinte francesa de 1789:

“Em abril de 1789, os deputados das províncias nos Estados-Gerais começam a chegar a Versarlhes, onde se encontravam assaz deslocados. Muito naturalmente, os eleitos de uma mesma região tendem a se reunir a fim de escaparem à impressão de isolamento que os invade e de preparem ao mesmo tempo a defesa dos seus interesses locais: a iniciativa é tomada pelos deputados bretões, que alugam uma sala de café e organizam entre eles reuniões regulares. Percebem então que sua comunidade de opinião não diz respeito apenas às questões regionais, mas igualmente aos problemas fundamentais da política nacional. Procuram então unir-se aos deputados de outras províncias que partilham os seus pontos de vista: assim o “clube bretão” assume aspecto de um grupo ideológico. Quando a Assembléia foi transferida de Versalhes para Paris, o clube teve que interromper de imediato suas sessões e procurar um novo local. 8Dessa vez, à falta de uma sala de café, seus animadores alugaram o refeitório de um convento. É com a designação deste que iriam entrar para a história: quase todo mundo esqueceu o clube bretão, mas que não conhece o dos Jacobinos? Processo análago, transformando um grupo local em animador de uma facção doutrinária, fará surgir mais tarde o Clube dos Girondinos”.

 

O partido político, como entidade orgânica e específica, entretanto, é fato jurídico bem mais recente, mas encontra seu embrião nesses antigos parlamentos europeus. Na verdade, enquanto realidade jurídica, não se tem a menor dúvida de que o partido político é fato contemporâneo, pois nem mesmo as constituições americanas e francesas do século XIX fizeram quaisquer registros a seu respeito. Para PAULO BONAVIDES , os partidos políticos surgiram como necessidade social e política independentemente das constituições, sendo muito mais produtos das tradições e costumes das nações.

 

Sindicatos, associações de classe e a Igreja são, geralmente, apontados como órgãos dos quais se originam os partidos. As chamadas causas externas, sendo exemplo clássico disto a transformação da associação de antigos combatentes franceses reunidos sob a denominação de os “Cruz de Fogo’, no Partido Social Francês, em 1936, como lembra DUVERGER na obra citada acima.

 

Na história do constitucionalismo brasileiro, nossas duas primeiras constituições não mencionam essas entidades e somente a Constituição de 1946 tratou do assunto e, hoje, os partidos políticos são disciplinados pelas normas e princípios contidos na Constituição, firmando o pluralismo político e a liberdade 8partidária como princípios fundamentais. As únicas ressalvas ao pluralismo político e à liberdade partidária é o respeito à soberania nacional, ao regime democrático e aos direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17, CF/88). Desta forma, não se admite no ordenamento jurídico brasileiro a existência de um partido que apregoe, por exemplo, a existência de um partido único. Além das ressalvas acima, os partidos devem ter caráter nacional, proibindo-se a existência de partidos regionais, assim como é vedada contribuição ou ajuda financeira proveniente do exterior, sendo obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral e ter funcionamento parlamentar de acordo com a lei. Essas ressalvas e proibições visam a garantir, além da soberania nacional e da observância do regime democrático e o respeito aos direitos fundamentais, que os partidos tenham presença equilibrada na vida política do país.

 

De acordo com CELSO RIBEIRO DE BASTOS, deve se conceituar partido político como “um organização de pessoas reunidas em torno de um mesmo programa político com a finalidade de assumir o poder e de mantê-lo ou, ao menos, de influenciar na gestão da coisa pública através de críticas e oposição”.

 

Afirmamos que partido político é pessoa jurídica de direito privado, que tem por finalidade eleger pessoas para ocupar cargos nos vários níveis do parlamento brasileiro e nas chefias do poder executivo das entidades da federação, e está sujeita às normas e princípios constitucionais, além da legislação partidária.

 

6.2 LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS (Lei n. 9.096/95)

 

A LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS classifica o partido político como “pessoa jurídica de direito privado, [que] destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos humanos definidos na Constituição”. (art. 1º.)

 

Quanto às questões legais propriamente dita, é bom lembrar:

 

a) Registro. Em primeiro lugar o partido deve registrar seu estatuto no Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Distrito Federal para adquirir personalidade civil e, depois disto, faz o registro no Tribunal Superior Eleitoral;

b) Apoiamento mínimo. Somente será admitido o registro do partido político que obtenha o apoio pelo menos de 1% dos eleitores que tenham votado nas últimas eleições para a Câmara dos Deputados, excluídos os votos nulos e brancos e que tal apoio seja distribuído em pelo 1/3 dos Estados e com um mínimo de 0,5% em cada um deles. Somente o partido político registrado no TSE poderá participar das eleições assim como receber recursos do Fundo Partidário e ter acesso gratuito ao rádio e à televisão (propaganda eleitoral);

c) Estatutos. A LPP assegura aos partidos autonomia para definir sua estrutura interna,organização e funcionamento, sendo direito de seus membros definirem o nome do partido, sigla, sede, regras de filiação e desligamento, competências de suas instâncias e órgãos, condições para escolha de candidatos, finanças e contabilidades, além das regras de controle da fidelidade partidária;

d) Fundo partidário. Os recursos desse fundo são provenientes das multas e penalidades aplicadas nos termos do CE e outras leis, e, principalmente, das dotações orçamentárias da União, a cada ano, no valor mínimo de R$ 0,35 por cada eleitor inscritos país até o dia 31 de dezembro do ano anterior da proposta orçamentária. Doações de pessoas físicas e jurídicas também compõem o quadro de recursos que podem ser amealhados pelos partidos políticos. Um por cento dos recursos do fundo deverá ser dividido por quantias iguais entre todos os partidos políticos e o grande restante, 99%, será distribuído de acordo com o número de deputados que cada partido tenha na Câmara dos Deputados na última eleição. Esse sistema de distribuição beneficia os grandes partidos e, de certa forma tem sentido, para evitar que as legendas sejam utilizadas como fonte de financiamento da vida política e pessoal de pessoas sem qualquer representatividade social;

e) Fiscalização contábil e financeira. Apesar da grande dificuldade prática de quantificar e identificar a totalidade dos recursos gastos nas campanhas eleitorais, a LPP e as Resoluções do TSE fixam regras disciplinando a matéria.

Proibições. A primeira preocupação legal é com a origem dos recursos, já que são proibidas as doações e repasses provenientes de governos ou entidades estrangeiras; de autoridades ou órgãos públicos (exceto do Fundo Partidário); de autarquias; empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos; de sociedade de economia mista e fundações e entidades que recebam recursos públicos; e, de sindicatos ou entidades de classe.

Controle fiscalização. Os partidos políticos devem manter contabilidade atualizada e de forma fácil que se permita identificar a quantidade e a origem dos recursos movimentados e, além disto, devem enviar, todos os anos, até 30 de abril de cada ano, o balanço financeiro do ano anterior. O Diretório Nacional envia seu balanço para o TSE, os órgãos estaduais para aos Tribunais Regionais Eleitorais e os municipais, aos Juízes Eleitorais.

Ano de eleição. Nestes anos, intensifica-se a fiscalização contábil e financeira, por motivos óbvios e devem ser enviados balancetes mensais nos 04 meses anteriores à eleição, bem assim como nos dois meses posteriores ao pleito.

Auxílio técnico. As Justiça Eleitoral poderá convocar técnicos do TCU e dos TCEs, para exercer a fiscalização.

Penalidades. Violadas as normas, o partido poderá deixar de receber recursos do Fundo Partidário, para as infrações meramente contábeis, variando de 01 a 02 anos ou, então, até que se regularize a situação. Desaprovadas as contas pela Justiça Eleitoral, será enviada tal decisão ao Ministério Público para abertura de investigação judicial eleitoral para apurar abuso de poder econômico ou outra causa prevista no art. 22, da LC 64/90, que poderá culminar com a declaração de inelegibilidade do candidato, eleito ou não, por 03 anos subseqüentes a eleição fiscalizada, além da cassação do registro para a eleição que motivou a desaprovação das contas, independentemente da abertura de processo criminal.

Caixa “2”. Este é o caso mais grave de violação dos deveres fiscais e contábeis dos partidos políticos, seja porque pode desequilibrar a disputa, seja porque, principalmente, escondem recursos de origem ilícita/criminosa.

 

JURISPRUDÊNCIA:

 

 

 

 

[1] RESPE 28387 – NOVA VENEZA/GO – REL. AYRES BRITTO – PUBL. DJ, 04/02/08 VOL. 1, PÁG. 8.

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2004. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAIXA DOIS CONFIGURAÇÃO. POTENCIALIDADE PARA INFLUENCIAR NO RESULTADO DO PLEITO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A utilização de “caixa dois” configura abuso de poder econômico, com a força de influenciar ilicitamente o resultado do pleito. 2. O abuso de poder econômico implica desequilíbrio nos meios conducentes à obtenção da preferência do eleitorado, bem como conspurca a legitimidade e normalidade do pleito. 3. A aprovação das contas de campanha não obsta o ajuizamento de ação que visa a apurar eventual abuso de poder econômico. Precedentes. 4. O nexo de causalidade quanto à influência das condutas no pleito eleitoral é tão-somente indiciário; não é necessário demonstrar que os atos praticados foram determinantes do resultado da competição; basta ressair dos autos a probabilidade de que os fatos se revestiram de desproporcionalidade de meios. 5. O Tribunal Superior Eleitoral tem sido firme no sentido que são imediatos os efeitos das decisões proferidas pelos Regionais em sede de ação de impugnação de mandato eletivo, aguardando-se tão-só a publicação do respectivo acórdão. Não há que se falar na aplicação do art. 15 da Lei Complementar nº 64/90 nos casos de cassação de mandato.6. Recurso desprovido.

 

 

* Augusto N. Sampaio Angelim, Juiz Eleitoral

 

Fonte: http://www.augustonsampaioangelim.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1709473

 

Como citar e referenciar este artigo:
ANGELIM, Augusto N. Sampaio. Partidos Políticos (Aula Direito Eleitoral IV). Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/partidos-politicos-aula-direito-eleitoral-iv/ Acesso em: 29 mar. 2024