Direito Eleitoral

A Nova Fidelidade Partidária

 

 

 

A cultura política brasileira nos legou uma estrutura partidária frágil, onde o órgão partidário sempre esteve sob a tutela dos comandos pessoais, sem grande vinculações com as bases e com um baixo nível de fidelidade.  Aliás, a prática dos partidos comumente afastou o peso das bases partidárias, inclusive porque a atuação dessas bases sempre foi muito apática e apagada, com raríssimas exceções. Este legado cultural foi forjado na época colonial e veio à tona quando foram constituídos os primeiros partidos na Monarquia, logo após a independência.

 

Os nossos primeiros partidos foram fundados para revestir de constitucionalismo o império recém-nascido, e, para na medida do possível, conter o ímpeto absolutista do Imperador. Apesar da nobreza destes objetivos, os partidos criados no período tinham pouco poder político, tanto assim que o Imperador dissolveu a Assembléia Constituinte porque não achava digna de sua pessoa. Nos idos da Monarquia o poder político era exercido pelo Imperador e pelo Conselho de Ministros, cujos membros eram nomeados pelo monarca e era considerado o “cérebro do Estado”. Liberais e conservadores – os partidos da época – se debatiam em discussões quase sempre inúteis e não se pode dizer que tivessem uma base partidária, posto que não passavam de órgãos políticos criados para formalizar uma situação constitucional e, sendo assim, não tinham respaldo popular e pouca importância se davam às questões de fidelidade. A fidelidade até então discutida era apenas ao regime da monarquia.

 

A chegada da República provocou graves mudanças no cenário político, porém a estrutura partidária continuou fragilizada. Mais tarde, o PTB, a UDN e \o PSD chegam, entretanto, a adquirir uma interação bem maior com suas bases e simpatizantes, sendo raríssimo os casos de vira-casaca, como é popularmente chamado quem muda de um partido para outro. Nos interiores do Brasil, notadamente nos rincões mineiros e do Nordeste. Não que tais partidos tivessem bases fortes e atuantes, não era o caso. Na verdade tais partidos se caracterizaram por comandos pessoais de caráter caudilhista. Mesmo assim, representavam, até então, a mais atuante estrutura partidária da nação e como coronelismo tinha forte influência nessas regiões do país e nem sempre os caudilhos estavam do mesmo lado, os eleitores, os eleitores também se dividiam. A crônica e o anedotário político registra “causos” pitorescos desses tempos, com coronéis impedindo até que se servisse água a autoridades que consideravam hostis ao seu grupo político, dentro de seu reduto (curral) eleitoral. Além desses partidos mais conservadores, destacava-se o antigo PCB, este sim, com uma base mais atuante e mais consultada.

 

O golpe de Estado de 1964 foi um duro golpe na vida partidária, extinguindo os partidos e dando ensejo a criação do bipartidarismo (Arena e MDB), e, à força, manteve-se a fidelidade partidária, entretanto com a redemocratização do país foram criados inúmeros partidos e dentre eles, somente o PT foi construído pelas bases e se manteve fiel às diretrizes coletivas, sendo um dogma dentro deste partido o respeito à fidelidade partidária, exigindo que seus parlamentares fossem obrigados a votar no parlamento de acordo com as deliberações partidárias, chegando ao ponto de, expulsar de seus quadros os deputados federais Ayton Soares e Beth Mendes que votaram em favor de Tancredo Neves quando este disputou (e venceu) as eleições indiretas à Presidência da República, em 85, contra PAULO MALUF, já que o partido havia fechado questão deliberando que não deveria ratificar a eleição no colégio eleitoral indireto, vez que tinha pregado as eleições diretas. Outro exemplo de rigor com a fidelidade partidária foi dado pelo PT no caso da ex-senadora HELOÍSA HELENA que, de tanto divergir com o partido, após a chegada deste ao poder, foi processada na comissão de ética partidária e terminou expulsa do partido, fundando, então, um partido à feição de suas idéias: o PSOL.

No dia 27 de março deste ano, o TSE decidiu que o mandato parlamentar pertence ao partido e isso provocou discussões de toda ordem e o assunto veio até o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que ratificou a decisão e, para efeitos de segurança jurídica, decidiu que, daquela data em diante, qualquer parlamentar que trocasse de partido poderia perder o mandato.

O julgamento do STF, como não poderia deixar de ser, provocou polêmicas mas é fato consumado e não há mais como ser modificado e isso tem alvoroçado a classe politica brasileira, dando origem a inúmeras perguntas práticas:

 

a) O parlamentar (Vereador, Deputado Estadual e Federal) que mudou de partido depois de março de 2007 perderá o partido automaticamente?

 

b) Quem decretará a perda do mandato?

 

c) Quem poderá requerer a perda do mandado?

 

d) O suplente do partido poderá ingressar com o pedido?

 

São muitas as perguntas e como a matéria é totalmente nova, se compreendem as dúvidas por isso resolvo lançar algumas observações que julgo importantes. Vamos às respostas:

 

Primeiramente é para dizer que não adiantar discutir juridicamente porque o STF adotou a data-limite de 27 de março.

 

Em segundo lugar é que o sistema de eleição dos parlamentares, à exceção de Senadores, é feita pelo critério proporcional o que quer dizer que vereadores e deputados se elegem não apenas com seus próprios votos e sim com os votos dados à legenda, pois dificilmente algum candidato conseguiria sozinho amealhar votos suficientes para atingir o chamado quociente eleitoral, embora sejam notórias as exceções de MIGUEL ARRAES, PAULO MALUF e ENÉAS que em eleições proporcionais conseguiram votos suficientes para si e para candidatos de votações inexpressivas. Os candidatos aos cargos executivos (Prefeito, Governador e Presidente) disputam pelo sistema majoritário, além de Senador, e são eleitos com os votos dados à sua pessoa, embora seja imprescindível a filiação partidária e não existe aqui no Brasil a figura do candidato independente, como acontece nos Estados Unidos. Somente pode disputar qualquer cargo político quem esteja filiado a partido e tenha sido escolhido em convenção, fato que leva muitos a entenderem que o critério de fidelidade partidária decidido recentemente pelo STF deve ser estendido aos políticos ocupantes de cargos executivos e do Senado, mas por não se tratar de eleição pelo sistema proporcional, acredito que STF vá rejeitar tal tese.

 

Sendo o mandato parlamentar do partido, somente este tem legitimidade (capacidade) para requerer  a retomada da cadeira parlamentar para o suplente imediato daquele que mudou de partido depois de 27.03.07. Em se tratando de Vereador, tal poder é do Presidente do Diretório Municipal; Deputado Estadual, do Diretório Estadual e; Deputado Federal, da Presidência Nacional do partido.

 

O requerimento deve ser feito pela presidência do partido, porém é bom se observar as regras delimitam a competência do presidente, pois pode ser que poder desta magnitude deva passar pela comissão de ética ou equivalente e, se for o caso, devem ser observadas todas as regras sob pena de cerceamento de defesa.

 

O requerimento deverá ser feito à Presidência da Câmara de Vereadores, da Assembléia Legislativa ou da Câmara dos Deputados. O problema é dirimir a dúvida se a decisão sobre a matéria é mero ato administrativo do Presidente ou se a matéria deve ser submetida à apreciação da mesa diretora, entendo que não poderá ir ao plenário, pois aí seria equivalente a processo de cassação do mandato parlamentar e não é o caso. Acaso a Câmara de Vereadores ou a Assembléia Legislativa e a Câmara Federal não acatem o pedido, ou o façam de maneira que fira o direito de defesa do parlamentar de quem se quer tomar o mandato, restará aos interessados recorrerem à Justiça Eleitoral.

 

Por enquanto são estas as luzes que desejo lançar sobre o assunto, mas espero ter esclarecido a maioria das dúvidas a respeito do tema. Em breve estarei publicando mais um artigo sobre a questão e, para os que quiserem se aprofundar mais sobre o tema da infidelidade partidária, sugiro a leitura de artigo que escrevi sobre o caso Heloísa Helena, quando ela foi expulsa do PT por desobediência às deliberações do partido e que está publicado em vários sites na internet.

 

 

* Augusto N. Sampaio Angelim, Juiz Eleitoral

 

Fonte: http://www.augustonsampaioangelim.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=682775

Como citar e referenciar este artigo:
ANGELIM, Augusto N. Sampaio. A Nova Fidelidade Partidária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/eleitoral/a-nova-fidelidade-partidaria-2/ Acesso em: 25 abr. 2024