Direito do Consumidor

Síntese Histórica do Direito do Consumidor

Síntese Histórica do Direito do Consumidor

 

Vitor Vilela Guglinski*

 

 

O consumidor, em que pese ainda sofrer das mazelas inerentes ao modelo capitalista, notadamente nos países em desenvolvimento, felizmente tem merecido maiores atenções dos órgãos responsáveis por sua proteção e defesa. Muito se fala em Código de Defesa do Consumidor, direitos do consumidor etc., mas talvez muitos não conheçam suas bases históricas, isto é, as experiências que levaram à elaboração de todo o sistema protetivo hodiernamente conhecido. Forneceremos, então, um breve histórico acerca de alguns fatos relevantes à gênese e os avanços na seara consumerista.  

 

 

 

A EXPERIÊNCIA AMERICANA

 

 

Pode-se dizer que os primeiros movimentos consumeristas de que se tem notícia originaram-se nos EUA, no final do séc. XIX.

 

Em 1872 foi editada a SHERMAN ANTI TRUST ACT, conhecida como Lei Sherman, cuja finalidade era reprimir as fraudes praticadas no comércio, além de proibir comerciais desleais como, por exemplo, a combinação de preço e o monopólio.

 

Em 1891 surge a NEW YORK CONSUMERS LEAGUE como primeiro órgão de defesa do consumidor, fundado por Josephine Lowell – ativista feminista e ligada ao movimento de trabalhadores.

 

Anos depois, Florence Kelly fundou a NATIONAL CONSUMERS LEAGUE, a partir da reunião entre Nova Iorque, Boston e Chicago. Tal organismo comprava e incentivava a compra de produtos fabricados por empresas que respeitavam os direitos humanos, ideal muito semelhante ao que hodiernamente é propugnado a garantir o consumo sustentável no mundo inteiro, através do incentivo à aquisição de produtos que respeitem o meio ambiente.

 

Em 1906, Upton Sinclair escreveu THE JUNGLE (A selva), obra que narra sua visita a uma fábrica de alimentos à base de carne. A repercussão dessa obra levou à edição da Pure Food and Drug Act, diante das surpreendentes e negativas revelações do autor em relação ao processo de produção daqueles alimentos, sendo que um ano depois, cria-se o MEAT INSPECT ACT, a fim de inspecionar e controlar a comercialização de carne.

 

Após a criação do FEDERAL TRADE COMISSION, em 1914, surge em 1927 o PFDA (Pure Food Drug Insecticide Administration), ano em que Stuart Chase e Frederick Schilink lançam a “Campanha da Prova”, com o objetivo de comparar produtos, orientando os consumidores a consumir conscientemente, com o uso racional do dinheiro. Três anos mais tarde, o PFDA daria origem à FDA (Food and Drug Administration), considerada ainda a mais respeitada autarquia no que diz respeito ao controle de gêneros alimentícios e medicamentos.

 

Em 1936 foi criada a CONSUMERS UNION, tornando-se o maior órgão de proteção do consumidor do mundo. Dentre suas atribuições estava a de publicar revistas e material didático para a orientação dos consumidores.

 

No dia 15 de março de 1962 a mensagem do presidente Kennedy ao Congresso Americano torna-se o marco do que hoje se chama de consumerismo. A mensagem presidencial reconhecia, em síntese, que “consumidores somos todos nós”, na medida em que a todo o momento praticamos inúmeras relações de consumo. Kennedy afirmava que os consumidores seriam o maior grupo da economia, afetando e sendo afetado por quase todas as decisões econômicas, fossem públicas ou privadas. Todavia, seria o único grupo importante da economia não eficazmente organizado, cujos clamores quase nunca seriam ouvidos. Na mensagem ao Congresso, conclamava o Estado a voltar suas atenções a esse grupo e, ainda, listou uma série de direitos fundamentais dos consumidores, a saber:

 

1 – Direito à saúde e à segurança;

 

2 – Direito à informação;

 

3 – Direito à escolha;

 

4 – Direito a ser ouvido.

 

 

 

PRIMEIROS MOVIMENTOS CONSUMERISTAS NA EUROPA

 

 

 

A necessidade de uma cooperação internacional pós – 2a Guerra Mundial, visando especialmente a reconstrução da Europa no pós – guerra, e a natural expansão do mercado no regime capitalista, proporcionou a expansão e a criação de diversos organismos com vistas à proteção e defesa do consumidor na Europa e em outros países.

 

Em 1948, com a intervenção dos EUA, foi criada a ORGANIZAÇÃO EUROPÉIA DE COOPERAÇÃO ECONÔMICA (OECE), com o objetivo essencial de administrar o auxílio financeiro americano proporcionado pelo Plano Marshall.

 

Em 1960, os países membros da OECE, com a adesão dos EUA e do Canadá, decidiram alargar o campo de atuação daquela organização, passando a ajudar os países em desenvolvimento. Naquele mesmo ano, foi assinado em Paris o tratado que extinguiu a OECE e instituiu a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico Europeu), sendo, ainda, no mesmo ano, criado o IOCU (International Organization of Consumers Union).

 

Em 1971 a proteção do consumidor, na Suécia, passa a contar com o Ombudsman e o Juizado de Consumo, cujo modelo, mais tarde, seria seguido pela Noruega, Dinamarca e Finlândia.

 

Posteriormente, em 1976, a Comissão dos Consumidores, originada a partir da OCDE, criou a Carta dos Consumidores, tornando-se o primeiro documento oficial na Europa a versar sobre Direito do Consumidor. Tal carta, embora se mostrasse um documento bastante sintético, serviu de inspiração para a Resolução 87/C092/01 de 1975 (Conselho da Europa), estabelecendo um programa preliminar da CEE para uma política de proteção e informação do consumidor. 

 

 

PRIMEIRAS LEIS CONSUMERISTAS E ORIGEM DO CDC

 

 

 

A palavra ou vocábulo CONSUMERISMO vem do inglês CONSUMERISM, e significa o movimento social surgido nos EUA na década de 60, contra a produção, e comercialização e a comunicação em massa, contra os abusos nas técnicas de marketing, propaganda, contra a periculosidade de produtos e serviços, visando a qualidade e confiabilidade dos mesmos. O movimento se fortaleceu com já citada mensagem do presidente Kennedy, e daí ganhou o mundo. Estabelecia-se, assim, um marco; um novo modelo de direito do consumidor, que reconhece neste um sujeito de direitos específicos e lhe atribui direitos fundamentais.

 

Merece especial referência a figura de Ralph Nader, jovem advogado americano responsável pelo primeiro recall de que se tem notícia, e pela quebra do paradigma de indenizações tarifadas no direito norte – americano. A história jurídica dos EUA dá conta de que aquele causídico ajuizou uma ação contra a fabricante de automóveis Ford após um defeito de fabricação em um de seus automóveis, o qual apresentava defeito em seu sistema elétrico, provocando a produção de fagulha num dos fios que conduzia eletricidade ao farol traseiro do veículo, sendo que tal falha se dava próxima ao tanque de combustível do mesmo, provocando sua explosão.

 

Após uma família ter sido vitimada pelo evento, culminando com a morte do filho do casal, Ralph Nader ingressa com uma ação indenizatória contra a empresa, sendo, então, auxiliado por um ex – contador da empresa como testemunha no processo, o qual revelou ao Juízo da causa que a fabricante do veículo preferia pagar as indenizações pelos danos causados, inclusive por morte, (raramente ultrapassava US$10.000,00) do que chamar os veículos para reparar o defeito. O êxito na demanda fez com que Nader conseguisse o pagamento de uma indenização milionária à família vitimada, além de uma determinação judicial no sentido de que os veículos defeituosos fossem recolhidos pela Ford para os devidos reparos.

 

As experiências no campo da proteção do consumidor levaram a ONU a estabelecer, em 1985, na sua 106a Sessão Plenária, através da Resolução nº 39/248, o princípio da vulnerabilidade do consumidor, reconhecendo-o como a parte mais fraca na relação de consumo, e tornando-o merecedor de tutela jurídica específica, exemplo este seguido pela legislação consumerista brasileira. Criava-se, assim, uma série de normas internacionais de proteção do consumidor, universalizando esse direito. As regras ali contidas tinham por finalidade oferecer diretrizes para os países, especialmente os em desenvolvimento, para que as utilizassem na elaboração ou no aperfeiçoamento das normas e legislações de proteção e defesa do consumidor, bem assim encorajar a cooperação internacional na matéria.

 

No Brasil, o direito do consumidor possui fincas na Constituição Federal de 1988, cuja garantia de defesa do consumidor encontra-se consagrada em seu art. 5º, XXXII.

 

No que se refere ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), constitui “ele” um microssistema vinculado aos preceitos constitucionais. Há de se diferenciar, contudo, o sistema político do sistema normativo de defesa do consumidor. Aquele é representado pelo SNDC, enquanto o último decorre da lei.

 

É o CDC uma lei principiológica, na medida em que encerra em si princípios gerais cujo objetivo precípuo é o de abranger todas as situações envolvendo o consumo, sem, no entanto, especificar cada caso, como o fazem as leis casuísticas. É, portanto, um sistema de cláusulas abertas onde alguns dispositivos possuem rol meramente exemplificativo, dando margem interpretativa ao Judiciário quando do julgamento de ações cujo objeto é afeto às suas disposições.

 

Acreditando ter elencado os fatos mais relevantes a fornecer um panorama geral sobre o direito do consumidor, fica, então, registrado este histórico sumário sobre este que é, com toda a certeza, um dos direitos mais importantes a merecer especial atenção dos responsáveis por sua tutela, seja por parte das instituições públicas ou de organismos privados, tendo em vista se tratar de um direito transindividual, isto é, pertencente à sociedade.   

 

 

* Assessor de Juiz em Juiz de Fora, especialista em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUGLINSKI, Vitor Vilela. Síntese Histórica do Direito do Consumidor. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/sintese-historica-do-direito-do-consumidor/ Acesso em: 18 abr. 2024