Direito do Consumidor

Reforma do Código de Defesa do Consumidor e a Regulamentação do Comércio Eletrônico

 

De acordo com famoso brocardo latino, onde está a sociedade, está o direito. Com base nessa máxima, os mais diversos grupos sociais, para regular as relações entre seus pares e solucionar seus conflitos, institucionalizaram normas, escritas ou não, para balizar as ações dos indivíduos e trazer mais proteção e segurança para o âmbito social. Assim, durante anos, a capacidade legiferante do Estado foi capaz de acompanhar o desenvolvimento das relações humanas, sempre as deixando em ponto de equilíbrio com o direito. Só que, a partir do século XVII, com o advento da primeira revolução industrial, o homem vivenciou surto de desenvolvimento sem precedentes, gerando descompasso entre o direito e as relações sociais, estas que se tornaram mais avançadas que aquele. Com a era das máquinas, surge o capitalismo e diversas novas relações, como a de trabalho e a empresarial. Inicialmente, estas relações foram controvertidas e, quase sempre, seus conflitos extrapolavam o aceitável, indo para a violência física. Para controlar esses problemas e trazer a paz, o direito novamente fora chamado. São editadas normas codificadas para proteger trabalhadores, consumidores, bem como as relações civis, comerciais e criminais. Com o tempo, essas normas sempre se mostraram defasadas, não acompanhando as inovações humanas, principalmente quanto à revolução tecnológica vivenciada a partir dos anos 70, do século XX. Inicia-se a globalização, em que inúmeras invenções moldaram completamente a maneira com os homens se relacionam. Com o surgimento do transistor, dos microprocessadores, dos computadores e da internet, as distâncias físicas foram rompidas, originando a chamada sociedade digital, forma de organização humana em que as relações não são mais físicas, e sim virtuais, através da vida online. Aos poucos, o homem foi deixando o contato material de lado, tornando o processo de digitalização da sociedade algo irreversível, em que mais e mais pessoas entram nessa nova forma de viver. Assim, os indivíduos, usam o ambiente online para fazer quase tudo que fazem na vida tradicional. É possível trabalhar, estudar, e, manter relações comerciais/empresariais e inúmeras outras atividades. Porém, em virtude da singularidade da sociedade digital, que é marcada pela ausência do poder estatal, inexistindo órgãos públicos virtuais, a internet também se tornou ambiente propício para a prática de ilícitos. Surge a era dos criminosos do teclado, onde o ambiente online se mostra inseguro e frágil. São comuns fraudes bancárias, através do roubo de senhas de cartões e de contas, invasão de privacidade, crimes contra a honra, pirataria, estelionato e outros atos típicos. Além dos problemas criminais, diversos ilícitos civis também são cometidos, principalmente no âmbito do comércio eletrônico, sistema de compra e venda de produtos e serviços efetuado na internet. Por ter, no Brasil, segundo WebShoppers [1] , mercado de 32 milhões de internautas e movimentar bilhões de reais, em que se espera que o faturamento de 2012 seja de 24 bilhões, o e-commerce se tornou extremamente atrativo, resultando numa explosão de sites que oferecem os mais variados produtos e serviços. Inerente a isso, vieram os ilícitos consumeristas. Diante da ausência de legislação e de fiscalização estatal, muitos fornecedores virtuais, na ânsia pelo lucro e embasados na informalidade que predomina na internet, deram início a prática de inúmeros atos vedados pelo Código do Consumidor. Dessa maneira, ofertas não são respeitadas; propagandas e publicidades enganosas engendradas; produtos não entregues ou com prazos atrasados; cláusulas abusivas impostas, como as de isenção de responsabilidade, de garantia legal e de não restituição em caso de direito de arrependimento ou vício de produto; dados pessoais dos consumidores repassados para terceiros; spams; invasão de privacidade com a instalação de cookies para buscar as preferências dos consumidores; ausência de mecanismos de comunicação direta com os consumidores, como telefone para contato, chat ou e-mail; e etc. Em face disso, tais práticas colocaram as lojas virtuais no topo das listas de reclamações das procuradorias dos consumidores e das instituições privadas. Segundo o Procon/SP [2] , somente no Estado de São Paulo, no ano de 2011, foram registradas 43.977 queixas contras os fornecedores onlines. Nos demais órgãos de defesa do consumidor espalhados pelo Brasil, o cenário é semelhante, como relata pesquisa do ReclameAqui [3] , em que, no ano de 2011, somente no seu sistema, 441 mil reclamações foram feitas. Os números são alarmantes e vêm chamando a atenção do poder público, já que, no comércio eletrônico, a vulnerabilidade dos consumidores é maior, pois, como leciona Lorenzetti [4] , “é decorrente do novo meio de se comercializar, que se apresenta cada vez mais amigável aos olhos dos consumidores, encobrindo a realidade de que muitas atividades são mantidas sob o controle dos comerciantes/fornecedores.” Diante dessa singularidade, faz-se necessário que o comércio eletrônico sofra processo de regulamentação. Apesar do CDC ser moderno e incidir sobre as relações virtuais, faltam dispositivos específicos que abordem diretamente a matéria e que tragam segurança ao mercado. Com essa preocupação, o Senado Federal, através do Projeto de Lei 281/2012, de autoria da comissão de atualização do Código do Consumidor, visa suprir as lacunas digitais, adicionando seção específica para o comércio eletrônico. Como pilares, essa reforma tem a tutela efetiva por meio da ampliação das informações, da segurança dos negócios e da proteção à autodeterminação e privacidade dos consumidores. Esses pontos são capazes de tornar o mercado mais confiável e transparente. O projeto determina que as lojas virtuais exponham seus dados básicos, como nome empresarial, número de inscrição na receita, endereço físico e eletrônico e meios de contatos. Essa exigência encerra a informalidade, que tanto prejudica o mercado, e traz mais garantias aos consumidores, pois estes acabam tendo a certeza que o fornecedor realmente existe e poderá ser localizado em possíveis demandas. Além desses dados, serão obrigatórias informações sobre os produtos e serviços vendidos. Deverão ser expostos, de forma clara, preços e características, meios de pagamento, custos e prazo de entrega/execução, condições e validade da oferta. Isso evita que aconteça a venda famoso gato por lebre, golpe corriqueiro na internet e que pega muitos consumidores. O projeto segue também obrigando os sites a manterem serviços de atendimento eficientes e que permitam que os consumidores possam reclamar e receber respostas dos seus questionamentos. Tal dispositivo combate o desrespeito que muitos fornecedores cometem com os consumidores, pois, após receberem os valores da venda, se negam a dar qualquer tipo de auxílio. Há também proteção pré/pós-contratual. O SAC deve possibilitar que os consumidores façam, antes de concretizarem o negócio, alterações nos seus pedidos e, ao finalizá-los, que exerçam o direito de arrependimento, cancelando o contrato. Quanto a proteção da privacidade, que é violada com o envio maciço de anúncios nos e-mails dos consumidores, o PL 281/2012 veda o encaminhamento de mensagens que não forem solicitadas pelos internautas e daqueles que não mantiveram anterior relação de consumo. Isso permite que os consumidores só recebam as ofertas dos sites que desejam e impede a poluição visual. O mesmo dispositivo torna prática vedada e ilícito criminal, com pena de um a quatro anos, o repasse a terceiros dos dados pessoais dos consumidores, fato que acontece muito na internet, visto que as informações tornaram-se objeto de venda para que novos spams sejam enviados e fraudes bancárias realizadas. Outrossim, o direito de arrependimento também sofreu reformulação. Será garantido o prazo de 7 dias, a contar do recebimento do produto ou da aceitação da oferta, sendo o termo inicial o que acontecer por último, para que o consumidor possa desistir do negócio e ser reembolsado sem custos adicionais. Se a venda for pelo crediário, os sites deverão cancelar o negócio com a administradora, sob pena de terem que devolver os valores em dobro. Por fim, como mecanismo inibitório e punitivo, caso os termos protetivos não sejam observados, o projeto estabelece a suspensão temporária das atividades ou a proibição de oferta como sanções aos sites. Se a medida não for respeitada, o Judiciário poderá, a pedido do Ministério Público ou de órgãos administrativos, bloquear todas as movimentações financeiras do site, impedindo que os bancos repassem as verbas advindas das vendas. Esta punição é importante, pois afeta diretamente a saúde financeiro dos sites. Sem funcionar, eles terão prejuízos superiores aos lucros que auferiram indevidamente dos consumidores. Vê-se dessa análise, que a regulamentação é imprescindível para uma continuidade do e-commerce, pois, durante os últimos treze anos que predominou sozinho, o mercado eletrônico mostrou-se incapaz de se autorregular. Muitos sites, sejam eles grandes ou pequenos, violam os direitos consumeristas justamente pela ausência do poder estatal. Com a reforma, busca-se o contrário, já que, sanando as lacunas do CDC, se traz mais informações, transparência e segurança, requisitos indispensáveis para que o e-commerce se consolide no principal meio para que os consumidores adquiram os produtos e serviços que necessitam.

 

REFERÊNCIAS

LORENZETTI, Ricardo. Comércio eletrônico. São Paulo: RT, 2004.

* Rafael Pontes Vital, Mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba; Especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral pelo Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ; e Diplomado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba.

** João Batista Vasconcelos, Mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba e Especialista em Direito Fundamentais pela Escola Superior da Magistratura da Paraíba.



[1] Webshoppers 2012. E-bit – inteligência de comércio eletrônico. Disponível em: http://www.webshoppers.com.br/webshoppers/WebShoppers25.pdf Acesso em: 03 out. 2012.

[2] Cresce o número de reclamações no comércio eletrônico. Blog do Cupom. Disponível em: http://www.blogdocupom.com.br/cresce-o-numero-de-reclamacoes-no-comercio-eletronico/Acesso em: 14 out. 2012.

[3] Comércio eletrônico aumenta 24% e reclamações 404%. CDL-SJ.COM. Disponível em: http://www.aemflo-cdlsj.org.br/noticias/detalhe/4180 Acesso em: 16 out. 2012.

[4] LORENZETTI, Ricardo. Comércio eletrônico. São Paulo: RT, p.364, 2004.

Como citar e referenciar este artigo:
VITAL, Rafael Pontes; VASCONCELOS, João Batista. Reforma do Código de Defesa do Consumidor e a Regulamentação do Comércio Eletrônico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/reforma-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-e-a-regulamentacao-do-comercio-eletronico/ Acesso em: 29 mar. 2024