Direito Constitucional

A função do Juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!…

A função do Juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!…

 

 

 

 

J. A. Almeida Paiva(1)

 

 

 

Um escritor brasileiro, MALBA TAHAN, que viveu entre 1895-1974, costumava dizer que “a pessoa que não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”;mas há quem lê e altera o sentido.

 

É compreensível que muitas pessoas, leigas em matéria jurídica, tenham dificuldades em entender as normas do sistema jurídico brasileiro, v.g. se souberem que teremos de conviver com duas normas disciplinando os procedimentos falimentares: o DL 7661/45, para as falências ajuizadas antes de 09-8-2005, e a L. 11.101/2005 para as requeridas após a referida data, com dispositivos que parecem conflitantes, mas não o são; a lei é que é mal feita!.

 

A lei atual (11.101) tem sua estrutura voltada para o princípio da recuperação da empresa, tanto que chega ao ponto de permitir a “Recuperação Extrajudicial” (art 161 e segts), enquanto que a legislação revogada (DL 7661) em seu art. 2º, inciso III, proibia terminantemente a negociação com credores e considerava até fato caracterizador de estado falimentar (art. 2, III, DL 7661), o que é louvável.

 

Na ciência do Direito, uma das regras fundamentais vem da Filosofia do Direito; o objeto epistemológico, ou seja, aquele que o ato do conhecimento enfrenta: é o grande tema do livro “Theory of Knowledge, de Roderick M. Chisholm, da Universidade Brows.

 

Foi Platão quem primeiro questionou: “Qual é a distinção entre conhecimento e opinião certa, ou verdadeira”, vindo em seguida o questionamento sobre “evidência adequada”, a “probabilidade”, “aparência e verdade”, temas que se entrelaçam na Teoria do Conhecimento, ponto basilar filosófico que nos conduzirá com segurança à Ciência do Direito de onde tiraremos os princípios de Hemenêutica jurídica que servirá para interpretar a lei, a norma, o Direito.

 

É necessário conhecer o Direito para operá-lo e para conhecê-lo há de se estudar a “Teoria do Conhecimento” ramo da “Filosofia do Direito”

 

A célebre sentença latina summum jus, summa injuria leva-nos à conclusão de que o excessivo rigor na aplicação da lei equivale à injustiça; isto que dizer que o juiz deve aplicar a lei com humanidade, visando à justiça, sob pena de constituir abuso de direito.

 

Nesta mesma ordem, COUTURE já afirmava que da dignidade do juiz depende a dignidade do direito, pois o direito valerá, em um país e em um momento histórico determinado, o que valham os juízes como homens, agindo com independência, autoridade e responsabilidade (“Las Garantias constitucionales del proceso civil”)

 

O assunto à primeira vista parece complicado, razão pela qual muitas pessoas não compreendem o que é o Direito e como aplicá-lo.

 

Mas, exemplificativamente, não é possível, v.g. pedir ao um Juiz que aplique a Lei 11.101/2005 às falências ajuizadas antes de 09-06.2005; não pode fazer o pedido porque vai contrariar o art. 192 da Lei 11.101, que não é dúbio e nem permite interpretação extensiva, ao afirmar: “Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-lei nº 7.661, de 2 /6/1945”.

 

O texto é de uma clareza evidente, sem lacunas, sem contradições sem caráter dúbio.

 

Da mesma forma não é possível pedir para pagar a integralidade dos créditos trabalhistas, porque o art. 83, I da L. 11.101/2005 disciplina que na classificação dos créditos, primeiro serão pagos os trabalhistas e decorrentes de acidente do trabalho até o limite de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos), a diferença cai na categoria dos quirografários; o pedido seria contra a lei; houve igualdade de direitos e critérios!.

 

No Estado de São Paulo onde a Resolução nº 200/2005 do Tribunal De Justiça do Estado, por seu Órgão Especial remanejou 3 (três) Varas para funcionarem só com os processos da nova lei falimentar; o seu artigo 3º deixou bem claro: “O acervo de feitos referentes a falências e concordatas, que tramita sob a égide do Decreto-lei nº 7661/45 permanecerá nas Varas Cíveis do Foro Central da Comarca de São Paulo.”; o juiz em hipótese alguma pode desrespeitar uma Resolução editada pelo Órgão Especial do TribunaL de Justiça.

 

O art. 126 do CPC norma que “o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando laguna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”.

 

.Isto fixa o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, consistente na proibição do juiz pronunciar o non liquet alegando lacuna ou obscuridade na lei (NERY).

 

A regra geral hierárqica, doutrina NELSON NERY, “para o juiz decidir é a seguinte: em primeiro lugar deve aplicar as normas escritas (legais); não as havendo, decidirá a lide aplicando, pela ordem, a analogia, os costumes ou princípios gerais de direito”.

 

A primeira regra é aplicar a lei, a norma esccrita

 

Em síntese se há lei ela deve ser aplicada (normas escritas (legais); se há lacunas, pode servir-se da analogia, da eqüidade, dos costumes e dos princípios gerais de direito.

 

Se o juiz não agir assim cometerá ilegalidade!.

 

O que não se admite é o “Juiz legislador” sobre o qual NELSON NERY JUNIOR diz o seguinte: “O juiz deve aplicar o direito ao caso concreto, sendo-lhe vedado substituir o legislador, pois a figura do judge made law é incompatível com o sistema brasileiro da tripartição de poderes (RT 604/43). “O juiz deve aplicar a lei e não revogá-la a pretexto de atingir um ideal subjetivo de justiça (RTJ 103/1262).”(Cf. CPC, 6ª ed. RT, pág. 476).

 

Mas para aplicar a lei o Juiz deve conhecê-la, razão de ser da expressão latina: “da mihi factum, dabo tibi jus” (dá-me o fato, dar-te-ei o direito a se aplicar); no mesmo diapasão para aplicar o Direito o Juiz deve conhecê-lo através da Teoria do Conhecimento.

 

Conhecendo o Direito deve saber interpretá-lo, e para tanto deve saber “Hermenêutica Jurídica”; ainda que a lei para muitos possa parecer clara, Francesco Degni combateu o brocardo in claris cessat interpretatio (cf. Interpretazione della Legge), isto porque “a clareza de um texto de lei é uma coisa toda relativa….. Uma disposição poderá parecer clara a quem a examinar superficialmente, ao passo que não se revelará como tal a quem a considerar nos seus fins, nos seus precedentes históricos, nas suas conexões com todos os elementos sociais que agem sobre a vida do direito, na sua aplicação e relações que, sendo produto de novas exigências e de novas condições, não poderiam ter sido consideradas na sua conexão com o sistema geral do direito positivo vigente, ao tempo da formação da lei.) (Cf. ALIPIO SILVEIRA, Hermenêutica Jurídica, Ed. Brasiliense, vol. I, pág. 129.

 

Deixando ao largo o logos do razoável de LUIS RECANSES SICHES para melhor interpretar a lei deve o Juiz conhecer alguns métodos de interpretação: a “Interpretação literal ou gramatical” que a detem apenas no sentido gramatical dos signos que compõem a norma, interpretendo-a literalmente; o “sistemático”, que analise a norma frente ao ordenamento; o “teleológico” que busca a finalidade da norma; o “histórico-evolutivo”, que busca apurar qual é a finalidade e o alcance da norma face à dinâminca das relações sociais; há outras classificações e variantes, mas em síntese estas são as principais.

 

Todos devem ser utilizados simultaneamente, posto que um complementa o outro.

 

A função do órgão jurisdicional doutrina ALIPIO SILVEIRA, “embora mantendo-se, como deve fazê-lo, dentro da obediência à ordem jurídica positiva, é sempre criadora, pois se alimenta de um rico complexo de valorações particulares sobre o singular, as quais podem ser levadas a cabo com autoridade somente pelo órgão jurisdicional.” (cf.Hermenêutica Jurídica, ed.Brasiliense, vol. 1, pág. 174).

 

A função do juiz é criadora do Direito, principalmente face à dinâmica do próprio Direito.

 

Deparamos então com o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4.657, de 4/9/42) não revogada pelo CC/2002, que diz o seguinte: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige, e às exigências do bem comum”.

 

A interpretação da lei, como diz SÁLVIO DE FIGUEIREDO “em outras palavras, não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil”. (cf. RSTJ 129/364).

 

Mais ou menos no mesmo sentido sentenciou EDUARDO RIBEIRO: “As normas jurídicas hão de ser entendidas tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando os valores tidos como válidos em determinado momento histórico. Não há como interpretar-se uma disposição ignorando as profundas modificações por que passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídicos. (cf. STj – 3ª T, REsp 194.866-RS, VU, j. 20.4.99, DJU 14.6.99, pág. 188)

 

Esta seria no dizer de RECANSENS SICHES, a lógica do razoável.

 

Mas, ai é que entra o ponto importante, que não se pode olvidar: o juiz não é legislador!…

 

O juiz pode ser um expert conhecedor da Teoria do Conhecimento; pode conhecer profundamente todos os métodos de interpretação da norma; pode não ser extremamente positivista, mas deve fazer JUSTIÇA entre as medidas de “igualdad estricta” e “igualdad proporcional”, não se olvidando que “La justicia impone deveres e los estes sociales y al individuo. Por eso se clasifica em: justicia relativa al bien común; y justicia individual” (cf. RECASENS SICHES, “Panorama del Pensamento Jurídico en el siglo XX, ed. Porrua, Mexico, 1963, t. II, p. 813.

 

É por isto que a justiça consiste em reconhecer e dar a cada um o seu direito, determinando objetivamente os direitos, quem os tem e quem está obrigado a respeitar.

 

Todavia, à guisa de atender aos reclamos sociais (art. 5ª da LICC), de procurar compor os conflitos segundo o bem comum e o interesse da coletividade, o juiz jamais poderá deixar de cumprir a lei, substituindo a vontade do legislador, que certa ou errada, é a vontade do povo através do Congresso Nacional.

 

Pode sim o juiz pelos meios próprios reconhecer a inconstitucionalidade da lei infraconstitucional, mas enquanto ela não for alterada, deverá obedecê-la, cumpri-la e fazer respeitá-la, sob pena de comprometer a essência do Poder Judiciário que é a garantia, certeza e segurança dos jurisdicionados frente ao Judiciário .

 

Em última análise, se há lei ela deve ser cumprida; se há lacunas, o juiz poderá supri-las; se a lei deve ser mudada, caberá aos poderes competentes fazê-lo, nunca ao Juiz, sob pena de inversão total da lógica jurídica, do constitucional sistema tripartite dos Poderes da República.

 

São Paulo, 02 de setembro de 2005.

 

(1) J A Almeida Paiva é Advogado em São Paulo, Professor de Processo Civil com Mestrado na PUCSP.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
PAIVA, J. A. Almeida. A função do Juiz é interpretar e aplicar a lei, não legislar!…. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-funcao-do-juiz-e-interpretar-e-aplicar-a-lei-nao-legislar/ Acesso em: 18 abr. 2024