Direito Constitucional

Número de Vereadores – Limite de Despesas das Câmaras Municipais – Emenda Constitucional 58 – Considerações Preliminares

 

 

Em artigo anterior publicado, fiz questão de enfatizar as polêmicas em torno da PEC aprovada pelo Senado que fixava o número de vereadores, em razão de dispositivo que determinava sua vigência para o processo eleitoral 2008.

 

Com efeito, já se previa, de antemão, que referido dispositivo era de duvidosa constitucionalidade, por afetar o processo eleitoral em curso.

 

Conforme consta, no ano passado, o Senado aprovou apenas o aumento de vereadores, transformado na PEC 336/09. Quando essa proposta foi enviada à Câmara, o então presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) se recusou a promulgá-la. Ele argumentou que os senadores romperam o equilíbrio do texto aprovado antes pelos deputados (o aumento de vagas estava condicionado à diminuição de despesas).[1]


A recusa levou o então presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho, a entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo a promulgação parcial do texto já aprovado pelas duas Casas e que tratava apenas do aumento de vereadores.


Em março deste ano, houve um acordo que resolveu esse impasse: as novas mesas diretoras das duas Casas decidiram analisar a parte que trata da limitação de gastos em outra proposta e o Senado desistiu do mandado de segurança no STF. Por isso, foram aprovadas duas PECs nesta quarta-feira.[2]


Assim, muito embora tivesse havido o referido acordo, a aprovação do texto conjunto (englobando a PEC 336 e 379) de acordo com o substitutivo votado, não houve qualquer mudanças de mérito nas PECs, pois apenas reuniu os dois textos em um só, resultando na Emenda Constitucional nº 58, promulgada em 23 de setembro de 2009.

 

Portanto, todas as dúvidas e polêmicas permaneceram, conforme veremos adiante, nestas breves considerações.

 

Sem querer esgotar o tema e adentrar aos critérios políticos de sua aprovação, bem como inserir neste texto a doutrina e jurisprudência acerca do entendimento aqui esboçado, tenho que a adoção dos critérios previstos na referida emenda constitucional, a partir do processo eleitoral de 2008, encontra alguns obstáculos, a meu ver insuperável.

 

Com a promulgação da referida PEC em sessão solene ocorrida em 23 de setembro de 2009, os vereadores suplentes das eleições de outubro passaram a ter a expectativa de ocupar as novas vagas, criadas através das 24 faixas acrescidas ao inciso IV do art. 29 de nossa Magna Carta.

 

Todavia, mesmo que promulgada e considerada legal sua tramitação e aprovação, a questão não está solucionada do ponto de vista da vigência imediata, como parece à primeira vista, e determina o art. 3º, inciso I da referida PEC.[3]

Isto porque, o TSE tem como consolidado o entendimento de que, na fixação do número de vereadores, deve ser observado, o prazo estabelecido pela Resolução TSE no 22.556/2007, a saber, “o início do processo eleitoral, ou seja, o prazo final de realização das convenções partidárias”.[4]

 

Em nota o presidente do TSE, Ministro Carlos Ayres Britto, considera que as regras para a eleição de 2008 foram estabelecidas antes do pleito e não podem ser alteradas agora. O mesmo entendimento foi assentado pelo Ministro Presidente do STF, Gilmar Mendes.

 

Assim, por essa interpretação do Presidente do TSE e pelo Presidente do STF, a nova conformação dos legislativos municipais só entraria em vigor no próximo pleito, ou seja, em 2012.

 

No entanto, a interpretação do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, através de alguns de seus integrantes, é de que a medida é retroativa, e permitirá a posse dos suplentes assim que promulgada, em face do que dispõe o art. 3º da Emenda.

 

Dessa forma, vencido o capítulo da tramitação e da promulgação, está aberto mais um capítulo, reprisando, guardada as devidas proporções, o que ocorreu nas eleições de 2004, quando se mudou a regra no meio do processo eleitoral.

 

Cumpre salientar que, à época, prevaleceu o entendimento por nossos Tribunais (TSE e STF)  de que a redução era possível de ser aplicada imediatamente, não implicando em alteração do processo eleitoral.[5]

 

Agora como se trata de aumento do número de vagas e em alguns casos com aumento de gastos do Legislativo, a interpretação deverá ser ainda mais rigorosa e detalhada. É que, na medida em que o aumento do número de vereadores se deu por Emenda Constitucional (e não mais interpretação do texto como anteriormente ocorreu) caberá, novamente, a mais alta corte de justiça (STF), dar a palavra final na polêmica, que desde já está instalada por todo o País e em todas as Câmaras Municipais, notadamente por aqueles que passaram a ter a expectativa de assumir algumas das vagas criadas, em razão dos inúmeros pronunciamentos de parlamentares favorável a essa interpretação.

 

Cumpre consignar que para as eleições de 2008, os Juízes Eleitorais, em sua maioria, solicitaram informações às Câmaras Municipais para que informassem o número de cadeiras previstas e, em razão dessa informação, iniciou-se o processo eleitoral, fixando o número de vagas e candidatos respectivos, sem observância da Resolução TSE nº 22.810, de 27 de maio de 2008.[6]

 

Muitos Municípios, com isso, já realizaram o processo eleitoral com a composição da Câmara Municipal em número superior àquele previsto na Resolução do TSE de 2004, e na Resolução 22.810, de 2008, adotando o número de vereadores que estava consignada na respectiva Lei Orgânica do Município, havendo em alguns casos ações judiciais tramitando, onde há pedido de adequação aos critérios fixados nestas normas.[7]

 

Assim, há de ser lembrado que, em prevalecendo essa tese de validade imediata do texto constitucional (o que, com o devido respeito, não se coaduna com o regramento legal e jurisprudencial exposto), haverá uma modificação do cociente e recálculo das cadeiras por cada partido/coligação, o que gerará, por certo, uma grande confusão jurídica eleitoral (direito adquirido, ato jurídico perfeito, etc.). Há casos, inclusive, de vereadores que hoje ocupam uma cadeira e que, com o recálculo, não mais terão esse direito.

 

Em todo o caso, reitero, agora com mais convicção em razão da aprovação conjunta das PEC 336 e 379, que continuo entendendo, e com o devido respeito aos contrários, e em análise prévia do referido texto, que continua a valer o que estiver estabelecido na LOM de cada Município.

 

Isto porque o texto da Emenda Constitucional 58, em nada alterou a competência quanto ao poder conferido ao Município de fixar o número de vereadores, através da LOM, dentro das faixas populacionais respectivas.

 

Com efeito, na redação agora aprovada, há previsão do número de vereadores utilizando a seguinte expressão, no inciso IV do art. 29: “para composição das Câmaras Municipais, será observado o limite máximo de: …”.

 

Portanto, tendo a LOM estabelecido número de vereadores entre nove (9) e o limite máximo previsto para cada faixa populacional, o processo eleitoral atendeu regularmente os preceitos constitucionais, bem como a norma local, estando, ainda, em conformidade com o texto da Emenda Constitucional 58.

 

Dessa forma, há previsão de limite máximo e, portanto, o número de vereadores há de estar previsto na LOM, conforme expressão do “caput” do art. 29, pois os incisos são preceitos específicos a serem observados obrigatoriamente na carta municipal. Assim, para o próximo pleito, em havendo interesse para elevação ou redução desse quantitativo, dentro dos limites estabelecidos na Emenda Constitucional 58, imprescindível será a alteração, antes de iniciado o processo eleitoral, da Lei Orgânica.

 

Dúvida, porém haverá, nos casos em que a LOM estabelece um determinado número de vereadores superior ao adotado pela Justiça Eleitoral, e que não foi observado no processo eleitoral de 2008, estando enquadrado dentro das hipóteses previstas na referida emenda.

 

Qual a norma que seria aplicada? Os critérios previstos na Resolução 22.810, de 27 de maio de 2008, do TSE ou a Lei Orgânica do Município?

 

Com o devido respeito aos entendimentos contrários, em razão das decisões já proferidas pelas Cortes Superiores, tanto do Tribunal Superior Eleitoral – TSE quanto do Supremo Tribunal Federal – STF, a emenda constitucional não poderia afetar o processo eleitoral já iniciado e concluído, consoante ficou assentado na Resolução nº 22.556/2007, em que foi relator o Eminente Ministro José Delgado.

 

Portanto, o entendimento atualmente consolidado e bem fundamentado, é de que EM HIPÓTESE ALGUMA (com ou sem previsão da LOM), a referida PEC teria vigência retroativa, para alcançar o pleito legitimamente encerrado (2008), uma vez que estaria alterando o processo eleitoral no curso do mandato e afetando a ato jurídico perfeito.[8]

 

Demais disso, a elevação do número de vereadores acarretará, por certo, elevação dos gastos dos parlamentos municipais, sem a necessária e prévia previsão de recursos para atender essa demanda, o que fere de morte as normas que regem as finanças públicas e, principalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal.[9]

 

Portanto, como se pode notar, A BATALHA JURÍDICA com relação à fixação do número de vereadores, com efeito retroativo, somente está começando.

 

Quanto à fixação dos limites para os gastos do Legislativo, entendo não haver qualquer dificuldade interpretativa ou mesmo dúvidas quanto sua aplicação.

 

Não é por demais lembrar que, a Emenda Constitucional nº 58 deu tratamento diferenciado quanto à vigência dos limites de gastos do Legislativo Municipal, impondo seis diferentes faixas para fixação do percentual de repasse e disciplinando sua vigência para 1º de janeiro de 2010.

 

Ao contrário do texto da Câmara aprovado em 2008, que fixava os gastos das câmaras de vereadores com base na receita anual dos municípios, a PEC vinda do Senado (336/09) e que unificada gerou a EC 58, mantém a regra existente – que usa a população como referência para distribuir os percentuais máximos das despesas. [10]

Assim é que, ao invés dos 5%, 6%, 7% e 8% da receita segundo a faixa da população, os municípios são divididos na PEC em seis percentuais, de acordo com a população.

“Em quatro casos (veja tabela abaixo), a redução é de um ponto percentual em relação ao que existe atualmente; mas, para municípios entre 500 mil e 3 milhões de habitantes, a perda é de meio ponto percentual”.[11]

Conforme informou a agência Câmara, na tabela acima, Municípios com mais de oito milhões de pessoas (atualmente apenas São Paulo) tiveram redução de 1,5% da receita para gastos com o legislativo municipal.

Concluindo, a promulgação da emenda, não terá efeito imediato em todos os Municípios, mas tão-somente naqueles em que a Lei Orgânica de cada ente já tenha fixado o número de cadeiras, dentro dos limites fixados naquele texto constitucional, em obediência as normas legais e entendimento predominante em nossas Cortes de Justiça e acima mencionado.

 

Mesmo assim, está apenas iniciando a discussão jurídica acerca desse intrigante assunto que, por certo, se instalará junto a Justiça Eleitoral e, em última instância, junto ao Supremo Tribunal Federal a quem cabe a interpretação última do texto constitucional.

 

É o que penso nessas linhas preliminares.

 

 

* Samir Maurício de Andrade, Advogado – OAB/SP 103.605. Consultor Jurídico em Direito Público, Palestrante, Membro do Conselho Técnico Multidisciplinar da Associação Paulista de Municípios – APM; Foi Secretário dos Negócios Jurídicos, Secretário Geral e Secretário de Administração e Recursos Humanos da Prefeitura de Indaiatuba; Foi Assessor Jurídico da Presidência da Câmara de Indaiatuba; Membro do Instituto Brasil Cidade



[1]  NotíciasAgência Câmara

[2]  NotíciasAgência Câmara

[3] “Art. 3.º – Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação, produzindo efeitos:

I – o disposto no art. 1.º, a partir do processo eleitoral de 2008”;

[4] Resolução TSE nº 22.556, de 19/06/97, Rel. Min. José Delgado e

   Resolução TSE nº 22.810, de 27/05/08, Rel. Min. Ari Pargendler

[5] Resolução TSE nº 21.702/2004

   RE 197.917 – STF

[6] Consulta nº 1.552 – Classe 5ª – Brasília – Distrito Federal, Rel.Min. Ari Pargendler

[7] Processo nº 710/2009, Comarca de Porto Feliz – Ação Civil Pública cc. Pedido de Antecipação de Tutela, liminar concedida em 07/08/09.

[8] Ac 2.70(sic), de 26.04.1994, rel. Min. Torquato Jardim, Ac. Nº 11.270, de 17/11/94, Rel. Min. Marco Aurélio, Ac. 12.291, de 29/11/94, Rel. Min. Diniz de Andrade; Ac. 3.388, de 02/02/06, rel. Min. Gilmar Mendes; Ac. 730, de 07.12.04, rel. Min. Sepúlveda Pertence; voto do Min. Gilmar Mendes na Ac. 341, de 16.06.05, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, todos mencionados in Resolução nº 22.810/08;

[9] Lei Complementar, nº 101/2000, notadamente ao limite das despesas de pessoal (arts. 18 a 20)

[10] Notícias – Agência Câmara

[11] Notícias – Agência Câmara

 

Como citar e referenciar este artigo:
ANDRADE, Samir Maurício de. Número de Vereadores – Limite de Despesas das Câmaras Municipais – Emenda Constitucional 58 – Considerações Preliminares. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/numero-de-vereadores-limite-de-despesas-das-camaras-municipais-emenda-constitucional-58-consideracoes-preliminares/ Acesso em: 18 abr. 2024