Direito Constitucional

Um novo tipo de invasão de privacidade

 

 Um novo tipo de invasão de privacidade

 

 

                                                                                                                    Mario Guerreiro

 

Tão habituados estamos a determinados costumes e instituições da nossa civilização que geralmente os encaramos como coisas da ordem da natureza, quando, na realidade, são coisas criadas pelo homem. Não só apresentam um caráter cultural, na acepção antropológica do termo, como também um caráter histórico; são conquistas, algumas vezes bastante árduas e penosas, de um longo processo histórico.

 

Entre essas coisas, está certamente a dicotomia esfera pública / esfera privada. Em povos ágrafos ou pré-letrados essa distinção inexiste ou possui contornos borrados, porém em nossa civilização ela não só existe como, sob certos aspectos, não está na só na  ordem dos mores: é marcada por uma legislação voltada para a proteção daquilo que é considerado  inviolável: o direito de todo cidadão à sua privacidade.

 

Versão popular assaz corriqueira, embora imprecisa do mencionado direito, é: “Na minha casa, eu faço o que quero”. Evidentemente que, no espaço privado de sua casa, um indivíduo pode fazer determinadas coisas que ele está interditado de fazer em público. Por exemplo: andar completamente nu. Caso ele deseje fazer tal coisa fora de sua casa, sem incorrer em atentado ao pudor público, ele terá que procurar um campo de nudismo ou então ir passear ou tomar sol, – exatamente como veio ao mundo – no Hyde Park ou no Kensington Gardens em Londres, lugares em que tem plena vigência o Live and let live.

 

Porém, na esfera privada de sua casa, e em qualquer país civilizado, um indivíduo goza do direito de fazer tudo, com as exceções de coisas tais como espancar seus filhos e/ou sua esposa (concubina, caso seja ele amasiado), ligar um aparelho de som em alto volume após as 22h, entre outras coisas que ultrapassam os limites de seus direitos e ameaçam os do outro. Como dizia Oliver Wendel Holmes Jr., ex-Ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos: “O direito de eu movimentar meu punho acaba onde começa o seu queixo”.

 

Mesmo gozando de determinados direitos relativos à sua esfera privada, o indivíduo continua tendo os mesmos deveres que tem na esfera pública, aos que se acrescentam direitos gerados pela proteção de sua privacidade. Por exemplo: é considerada uma invasão de privacidade a polícia entrar na sua casa e/ou seu escritório, a menos que os policias disponham de mandado judicial, uma garantia contra possíveis atos arbitrários praticados pela autoridade policial.

Suponhamos agora uma situação bastante comum nas nossas vidas. Você está em seu escritório trabalhando ou mesmo em sua casa, na sua santa paz, gozando momentos de lazer, quando, repentinamente, soa o telefone. Ás vezes, sua vontade de permanecer trabalhando tranqüilamente ou desfrutando do prazer proporcionado pela audição de uma boa música é tão grande que você chega a pensar em não atender ao telefone; deixar que o mesmo fique tocando até quem telefonou desligar.

 

Mas você não sabe quem está do outro lado da linha e nem muito menos o que seu interlocutor tem a lhe dizer. Pode ser algo urgente ou mesmo um grande amigo desejando se comunicar com você e tendo coisas importantes a lhe contar. Assim sendo, com base na prudência,você toma a decisão de atender à chamada telefônica.

 

Dentro de breves momentos, antes mesmo de se tornar explícita a mensagem do interlocutor, você fica bastante decepcionado de ter atendido. Uma voz chata e estereotipada deixa claro que se trata de mais um atentado à sua privacidade, pois se trata de um(a) teleoperador(a) do tal do telemarquetingue (Diz-se telemarketing, em inglês) – o quinto do dia a lhe abespinhar com sua pegajosa baba de quiabo ou retórica menor, de modo a tentar lhe vender qualquer coisa na suposição idiota de que você está querendo comprar.

 

Pensando bem, a referida suposição não é exatamente uma idiotice, pois uma mensagem publicitária de qualquer tipo geralmente é elaborada com base em pesquisas sobre os desejos e preferências do consumidor e se satisfaz com as estatísticas. De tal modo que se ela descobriu que está indo ao encontro de, digamos, 90% dos consumidores em seus desejos e aspirações, pouco importa o que pensam e sentem os restantes 10%, considerados uma irrelevante e desprezível minoria.

 

Mas se você – tal como eu mesmo – faz parte dessa minoria; se você é desses indivíduos que não estendem a mão para pegar papeletas na rua – não quer aprender inglês nem espanhol em seis meses, não quer dinheiro emprestado por agiotas, nem muito menos que madame Zara leia a sua mão – você sabe que perderá seu precioso tempo contra-argumentado com um(a) operador(a) de telemarquetingue, pois ele ou ela já foram treinados a ter respostas para tudo, ainda que as mesmas sejam as mais pífias e esfarrapadas …do ponto de vista da minoria de 10%, é claro.

 

Neste caso, quando sua privacidade for invadida muitas vezes ao dia por um “vendedor telefônico” e você já estiver de saco cheio, faça como eu. Após ter escutado intermináveis charumelas e ter meus delicados e críticos ouvidos entupidos por papos de vendedor, adotei um procedimento-padrão: tão logo detecto de que se trata – coisa aliás que não demora muito tempo – bato com o fone no gancho.

 

Porém não sem antes dizer, para o espanto de ocasionais pessoas ao meu lado: o que quer que você queira me vender, eu não quero comprar! Ou mais sinteticamente: Obrigado, não quero! Ah! Se todos fizessem o que faço… Mas ainda que ninguém fizesse isso, certamente eu não me importaria nem um pouco de ser uma ilustre exceção.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mario. Um novo tipo de invasão de privacidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/um-novo-tipo-de-invasao-de-privacidade/ Acesso em: 18 abr. 2024