Direito Constitucional

Polêmicas da Súmula Vinculante Inserida pela Emenda Constitucional 45/04

Polêmicas da Súmula Vinculante Inserida pela Emenda Constitucional 45/04

 

 

Vanessa Dias Lemos *

 

 

A súmula vinculante, introduzida em nosso ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº 45/2004, que criou o artigo 103-A da Constituição Federal, trouxe importantes inovações ao obrigar juízes de qualquer grau a seguir entendimentos de tribunais superiores em casos de jurisprudência consolidada com obediência aos requisitos exigidos pela Emenda.

 

Já na época do Império, em 1876, através do Decreto 6.142, permitiu-se que o então Supremo Tribunal de Justiça editasse assentos com força de lei. Porém, na latente possibilidade de favorecimento aos anseios dos governantes, tal conduta não chegou a se concretizar, especialmente após a Proclamação da República[*].

 

O instituto propriamente dito foi proposto em 1963, mas devido às mudanças na ordem jurídica do país e às divergências de pensamento entre as autoridades competentes, somente foi possível sua devida avaliação e inserção em 2004, com a emenda constitucional nº 45[†].

 

Assim, uma longa jornada foi percorrida até a recepção da súmula vinculante, com décadas de discussões e polêmicas que não foram caladas após a aprovação da EC 45/04. Pelo contrário, sua inserção reacendeu a chama dos doutrinadores mais desconfiados, que defendem até mesmo a sua inconstitucionalidade.

 

A primeira discussão que salta aos olhos pela simples redação do artigo 103-A da CF é a obrigatoriedade dos juízes seguirem o que foi sumulado, quedando de mãos atadas em seus entendimentos pessoais, sob pena de anulação e cassação da decisão, nos moldes do § 3º do mesmo artigo[‡].

 

É claro que a vinculação de todos os Tribunais é necessária para atender o principal objetivo da inovação jurídica, na uniformização jurisprudencial que auxiliará no desafogamento do Judiciário, proporcionando mais eficiência e celeridade. Porém, deve-se ponderar se o caso concreto enquadra-se fielmente no texto da súmula vinculante, sob pena de prejuízo ao direito das partes litigantes.

 

Além disso, a edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal pode ser interpretada como mais uma invasão da competência legislativa, ferindo o princípio constitucional da separação dos poderes. Contudo, no exemplo da Comissão Parlamentar de Inquérito, no qual o Legislativo adentra a esfera judiciária e julga seus próprios parlamentares, não há como imaginar uma total independência entre os poderes, havendo casos excepcionais em que a avocação é necessária ao atendimento do bem comum e do interesse público, como é o caso da súmula vinculante.

 

Muitos legalistas também defendem a impossibilidade da súmula vinculante ser obrigatória, com status de Lei, pois para isso, seria necessário passar pela burocracia legislativa exigida na Constituição Federal, sob pena de abusos de poder por parte dos julgadores do direito.

 

Entretanto, é exatamente por essa razão, que a Emenda 45/04 foi cuidadosa ao exigir que as súmulas vinculantes partam de decisões reiteradas sobre matéria constitucional, além de aprovação por dois terços dos membros do STF, com eficácia após a publicação na imprensa oficial, ou seja, para se criar uma súmula vinculante é necessário o preenchimento de inúmeros requisitos específicos, evitando que qualquer ilegalidade seja cometida.

 

O fato de ser equiparada à Lei, sem ter passado por todos os trâmites de uma lei comum, também traz implicações na seara da hermenêutica jurídica. Alguns doutrinadores, por não defenderem a mudança na classificação da hermenêutica atual, colocam a súmula vinculante ao lado da Lei, como fonte formal primária, pelo simples fato de haver inovação de direitos. Outros, como José Marcelo Menezes Vigliar[§], defendem que a súmula vinculante está até mesmo acima da Lei, pois não comporta interpretação e a sua vinculação é obrigatória. Porém, a saída mais lógica, tomada pela maioria, dentre eles Mário Lúcio Quintão Soares[**], prefere criar uma outra categoria, na súmula vinculante como fonte especial do direito, a par das fontes formais primárias e secundárias. 

 

Percebe-se, assim, que a súmula vinculante configura um instituto de extrema importância e necessidade, que trouxe inovações não só para o sistema judiciário, mas também modificou a classificação doutrinária das fontes do direito, comportando, como toda matéria de relevante grandeza, inúmeras polêmicas acerca de sua legalidade, aplicação e alcance.  

 

A inserção da súmula vinculante no nosso sistema jurídico traz graves conseqüências aos futuros julgados de qualquer grau de jurisdição, influindo no direito de milhões de litigantes e, apesar de todas as controvérsias que envolvem a matéria, preenchendo-se os requisitos estabelecidos em Lei, aliados à percepção do Juiz sobre a adequação da súmula vinculante ao caso concreto, não há dúvidas da constitucionalidade e imprescindibilidade do instituto em nosso ordenamento pátrio, seja para garantir maior segurança jurídica aos julgados, seja para evitar a multiplicação de processos sobre questão idênticas, como preconiza o artigo 103-A, em seu § 1º, da Constituição Federal.

 

 

* Advogada da Paniago Advogados Associados, formada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia e especializada em Direito Público pela PUC-Minas

 



[*] MORAES, Alexandre. Súmulas Vinculantes. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2005. p. 505

[†] MOREIRA, Luiz Fernando. Súmulas Vinculantes- Seus defensores e seus opositores.Boletim Jurídico, edição nº 74. Disponível em <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=246>. Acesso em 05 de abril de 2009.

[‡] BRASIL. Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004. Senado Federal. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/>. Acesso em: 08 abril 2009.

[§] VIGLIAR, Jose Marcelo Menezes . A reforma do Judiciário e as Súmulas de Efeitos Vinculantes (06/12/2004). Última Instância Revista Jurídica, v. -, p. -, 2004.

[**] SOARES, Mário Lúcio Quintão. Reforma do judiciário e súmula vinculante .2004. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra).

Como citar e referenciar este artigo:
, Vanessa Dias Lemos. Polêmicas da Súmula Vinculante Inserida pela Emenda Constitucional 45/04. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/polemicas-da-sumula-vinculante-inserida-pela-emenda-constitucional-4504/ Acesso em: 18 abr. 2024