Direito Constitucional

Federalismo: os pecados da centralização do poder

INTRODUÇÃO

O federalismo é conceituado como a maneira em que um país se organiza. Logo, isso possibilita a descentralização ou não de poder, normalmente da união, para estados, províncias, comunidades autônomas, distritos e etc. Assim, o ente federal compartilha suas competências com os demais estados-membros, estabelecendo assim uma divisão de funções de estado. O modelo federalista adotado pelo Brasil é diferente do primeiro modelo de federalização, ocorrido na Constituição de 1824, em um modo de estado unitário.

Em outros países a história ocorreu diferente, como pode ser citado o exemplo dos Estados Unidos, que foram constituídos através da unificação das treze colônias do norte. Na Alemanha, após a Segunda Guerra Mundial e a realização da Constituição de Bonn, o federalismo alemão se baseou nos princípios da social democracia, criando-se o modelo de federalismo cooperativo. O processo histórico de cada país acabou influenciando na criação do sistema federalista, que também auxilia na diminuição da desigualdade, pelo motivo de em alguns federalismos cada região poder realizar seus próprios atos. Com essa observação, talvez seja possível entender o que ocorre no Brasil nos dias de hoje.

1 – FEDERALISMO NO BRASIL

Apesar da história brasileira nos remeter à época das Capitanias Hereditárias, onde houve uma divisão do território nacional, a primeira organização do Brasil foi determinada na Constituição do Brasil Império, em 1824, que era a de um ente unitário. Em detrimento disso, pode ser destacado que o imperador nomeava e removia os presidentes das províncias. Essa centralização e domínio de poder do imperador foi motivo de diversas revoltas, podendo ter como exemplo a Confederação do Equador, onde Frei Caneca era um dos líderes.

Ingo Sarlet destaca a diferença entre o modelo federalista brasileiro e o norte-americano, além de citar como a centralização contribuiu para momentos conturbados na história do País:

“Mas a opção federalista, confirmada e conformada pela primeira Constituição Federal republicana, de 1891, assumiu (por motivos diversos) feição muito distinta daquela que se verificou em outros locais, de acordo com o que bem ilustra precisamente o caso norte-americano, berço do federalismo e fonte de inspiração dos constituintes de 1891, que fundaram a República dos Estados Unidos do Brasil. Com efeito, ao passo que o Estado Federal na América do Norte surgiu da reunião entre Estados independentes e soberanos que abdicaram de sua soberania em prol do Estado Federal, no caso brasileiro a Federação foi criada a partir de uma experiência unitarista e centralizadora, o que, aliás, é de todos conhecido, refletindo, ao longo da experiência republicana (e das diferentes constituições desde então), para além de outros aspectos, na própria formatação do Estado Federal brasileiro, que, a exemplo de outras experiências, não observou um modelo estático, tanto quanto ao nível de centralização, como em virtude de períodos de grave instabilidade política (basta recordar, entre outros, as duas revoltas federalistas no Rio Grande do Sul e a Revolução de 1930), crise da democracia, movimentos de forte centralização e mesmo períodos de autoritarismo, aqui com destaque para a Ditadura do Estado Novo e o Regime Militar de 1964-1985. “ (Ingo Wolfgang Sarlet 2019, Pág 1035 – 1036)

Após diversos problemas relacionados a centralização do poder, inclusive a ditadura militar, que ocorreu, principalmente, diante da concentração de poder nas mãos da União, no ano de 1988, foi criada a Constituição Federal de 1988, que vigora até hoje e estabelece uma melhor divisão do modelo federativo brasileiro. A Constituição Federal de 1988 contemplou o Município como ente federativo, conforme é possível observar em seu artigo 1.º e 18, onde é tratado da formação do estado brasileiro e da organização político-administrativa dos entes:

“Art. 1°: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito” sendo cláusula pétrea.

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. ”

O constituinte também estabeleceu que a forma do estado brasileiro se trata de Cláusula Pétrea, especificada no artigo 60, § 4.º, I, da CF:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais. “

A divisão de competências atribuídas pela Constituição Federal de 1988 foi considerada uma conquista grande para a legislação brasileira, visto que possibilitou a cada ente federado realizar seus próprios atos. Mas, apesar disso, muito poder ainda se concentra nas mãos da União, em razão de competências como por exemplo a tributária, que é uma das mais criticadas e está em peso nas mãos do ente federal. Por esse motivo, não ocorreu a distribuição de competência tributária da melhor forma, estando os municípios e estados sem poderem agir conforme suas desigualdades regionais.

2 – FEDERALISMO NOS ESTADOS UNIDOS

Diferente do modelo brasileiro, o federalismo norte-americano foi ocasionado pela junção de estados que formaram uma união, criando assim os Estados Unidos da América. Isso ocorreu pois, após a Revolução Americana, liderada por George Washington, as treze colônias do norte, se aliaram e formaram um país, não havendo assim, a centralização de poder e existindo a possibilidade de um estado desejar sair do pacto federativo. O modelo que formava o estado norte-americano era até então o federalismo dual, onde havia a separação entre as atribuições de cada Estado, não havendo cooperação.

Contudo, após a crise de 1929, conhecida como a grande depressão, foi imperiosa a atuação do Governo Federal, o que alterou o modelo de federalismo dual para federalismo cooperativo. A base foi a economia do bem-estar ou welfare economics, ocasionando a necessidade estatal para corrigir disparidades e desigualdades, garantindo assim a estabilidade econômica. A crise da teoria keynesiana e as críticas que se acentuaram sobre o welfare state nos anos de 1970, fizeram com que o modelo cooperativo dos EUA começasse a sofrer fortes questionamentos.

Em razão disso, foi necessária uma nova forma de Federalismo que se adequasse ao novo papel recomendado para o Estado. No novo modelo, foi proposta a correção de problemas anteriores, o movimento de descentralização ganhou força como meio de aumentar a concorrência entre as esferas governamentais e, de modo consequente, a eficiência do sistema, em um contexto de redução do poder federal. (ENAP 2018)

3 – FEDERALISMO NA ALEMANHA

Após o fim da Segunda Guerra Mundial e a queda do nacional-socialismo na Alemanha, foi criada a Constituição de Bonn, em 1949. Desde então, foi criado o modelo federalista cooperativo no estado alemão, onde foi priorizada a descentralização política. Foi perceptível aos alemães então, que a nova organização era bastante adequada para o desempenho das tarefas e funções sociais. O sistema então, começou a ser baseado em repartição de competências na cooperação entre a instância federal (Bund) e as instâncias estaduais (Länder) do que na separação, independência e autonomia típicas do modelo dual dos Estados Unidos (ENAP 2018). O modelo adotado pela Alemanha passou a ser reconhecido como uma forma evoluída de formação do estado. No próprio site do País, é possível observar sobre a formação do seu federalismo:

“A competência nos setores da segurança interna, escolas, instituições do ensino superior, cultura, bem como da administração municipal, é dos estados. As administrações estaduais ficam incumbidas de aplicar não somente suas próprias leis, como também as da Federação. Os governos estaduais participam diretamente na legislação federal através de sua representação no Conselho Federal.

O federalismo na Alemanha é mais do que um sistema de Estado. Ele reproduz a estrutura cultural e econômica descentralizada do país e tem origem em uma longa tradição. Muito além de suas funções políticas, os estados representam identidades marcadamente regionais. A forte posição dos Länder foi fixada na Lei Fundamental em 1949. Com a reunificação em 1990, foram criados mais cinco estados: Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia. O estado mais populoso é a Renânia do Norte-Vestfália, com 17,6 milhões de habitantes; a Baviera tem a maior extensão, com 70.550 km²; e Berlim, a capital, tem a maior densidade demográfica, com 3.838 habitantes por km². Uma peculiaridade são as três cidades-estados. Seus territórios limitam-se respectivamente às metrópoles de Berlim, Bremen e Hamburgo. O menor estado é Bremen, com 419 km² e 657 mil habitantes. Baden-Württemberg faz parte das regiões economicamente mais fortes da Europa. O Sarre foi, após a Segunda Guerra Mundial, um estado parcialmente soberano sob o protetorado da França e só em 1º de janeiro de 1957 integrado como décimo estado ao então território nacional da Alemanha[1]. “

4 – CONCLUSÃO

A descentralização do poder político dos entes federados ajuda na diminuição de desigualdades entre as regiões de cada país, de modo que cada estado passa a cuidar dos assuntos que são pertinentes a ele. Assim como ocorreu no Brasil, a centralização do poder ocasionou diversas revoltas populares, além de contribuir para o início da ditadura militar, em razão do poder estar totalmente concentrado nas mãos da União. Todavia, cabe destacar que a forma federativa do Brasil remete desde o Brasil império, influenciando muito os anos seguintes.

Nos Estados Unidos, após a sua independência, as treze colônias do norte se uniram e formaram uma união. No entanto, após a depressão de 1939, começou-se a realizar um modelo cooperativo, diante da necessidade de ajuda dos entes federativos entre si, o que após a crise econômica voltou a ser descentralizado. Se tratando da Alemanha, a história pós-guerra e de reconstrução do país mostra um modelo similar ao dos Estados Unidos, ajudando a diminuir as desigualdades regionais em razão da descentralização.

O caso brasileiro mostra que, apesar da descentralização, a maior parte do poder se encontra nas mãos da União, se tornando imperiosa uma real descentralização, como ocorre nos Estados Unidos e na Alemanha.

Referências

ENAP. Federalismo e Federalismo Fiscal no Brasil. Brasília: ENAP, 2018.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. s.d.

https://www.deutschland.de/pt-br/topic/politica/republica-federal-da-alemanha. s.d.

Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2019.

Autor:

Pedro Vitor Serodio de Abreu: Acadêmico em Direito pela Universidade Estácio de Sá, Ex-estagiário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, auxiliar jurídico na área do Direito Empresarial, Família, Sucessões, Consumidor e Previdenciário no escritório CAS Assessoria Jurídica. Formação complementar em Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas e pelo Senado Federal, Negociação pela Universidade Estadual do Maranhão, Gestão das Finanças Públicas pela Organização das Nações Unidas e Conselhos de Direitos Humanos pela Escola Nacional de Administração Pública.



Como citar e referenciar este artigo:
ABREU, Pedro Vitor Serodio de. Federalismo: os pecados da centralização do poder. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2020. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/federalismo-os-pecados-da-centralizacao-do-poder/ Acesso em: 20 abr. 2024