Direito Constitucional

Participação Política como Ferramenta para a Construção da Democracia

Participação Política como Ferramenta para a Construção da Democracia

 

 

Inez Geralda da Silva e Najla Mehanna Mormul *

 

 

RESUMO

 

O presente artigo almeja a discussão da participação política como um caminho para a superação dos problemas sociais que assolam o Brasil. Muitos a confundem com o exercício do voto simplesmente. Nosso objetivo é mostrar que este, quando exercido de forma consciente, é uma poderosa arma que temos, de fundamental importância. Todavia, há outras maneiras para se buscar a concretização da democracia. De nada adianta criticar, se somos eleitores e co-responsáveis pelos problemas sociais. Nossos direitos estão assegurados pela Constituição Federal. Porém, devemos torná-los concretos, fazendo com que deixem de ser simples teoria para se tornarem uma prática constante. Democracia pressupõe liberdade e liberdade só existe com um mínimo de igualdade, exercida pela maioria. Ser cidadão não é apenas depositar o voto na urna no dia da eleição, pois, isto não acontece todos os dias. Ser cidadão é participar efetivamente, com ações práticas, realizadas como hábito. Em primeiro lugar, temos a obrigação de conhecer os nossos direitos e saber como cobrá-los, exigindo respeito por eles. A fiscalização também é obrigação do povo, saber o destino do dinheiro público, obtido através do pagamento de nossos impostos, como e onde este é investido. Não se confunde política com corrupção, embora estas estejam intimamente ligadas hoje na prática brasileira. Política é participação social com responsabilidade, consciência, debate, sugestão para a busca da satisfação da maioria. Somente desta maneira é que podemos um dia viver em um país realmente democrático.

 

Palavras-chave: participação política, democracia, cidadania, liberdade, responsabilidade.

 

 

ABSTRACT

 

The present article aims the discussion of the political participation as a way to overcome the social problems which in Brazil. Many people get simply confused with the meaning of it and the practice of voting. Our objective is to show that, the vote, when exerted in a conscious way, is a powerful gun, of fundamental importance. However, there are other ways to search the real concretization of democracy. It is not worth to criticize, if we are electors and co-responsible for the social problems. Our rights are assured by the Federal Constitution. But, we have to make them concrete, so that they let be simple theory to become a constant practice. Democracy is understood by liberty, and liberty only exists with a minimum of equality, exerted by the majority. Being a citizen is not only to deposit the vote in the Election Day, because it does not happen every day. Being a citizen is to participate effectively, with practical actions, performed as a habit. Firstly, we have the obligation of knowing our rights and charging them, demanding respect by them. The visualization is also an obligation of the people, to know the destination of public money, got through the payment of our income tax, how and where it is invested. Politics and corruption may not be confused, though they are intimately linked in the Brazilian practice. Politics is social participation with responsibility, conscience, debate, suggestion to search the satisfaction of the majority. Only in this way we can live in a really democratic country one day.

 

Key-words: political participation, democracy, citizenship, liberty, responsibility.

 

 

 

A Constituição Brasileira, no seu artigo 14, afirma que: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos termos da lei”.

 

Apesar da afirmação acima, vemos pela atual situação política brasileira que o voto não é sinônimo de participação, não sendo, portanto, arma eficaz para a construção da democracia. Não desprezamos seu valor, porém, a noção de democracia confunde-se com votação, uma vez que, ao votar tem-se a idéia de dever cumprido em relação à participação política.

 

Nesse contexto, nos perguntamos o que seria a efetiva participação política dentro do caos no qual se encontra nossa atual conjuntura política. “A vida política resulta em um projeto de cooperação de todos os cidadãos que querem ver respeitadas não apenas na Constituição, mas, efetivamente na prática institucional, as regras da justiça” (FELIPE, 1998, p. 151).[*]

 

O respeito descrito acima é almejado por todos os cidadãos à medida que participam da vida em sociedade, mas o que percebemos na prática é o inverso, uma vez que a grande massa vive alheia aos acontecimentos da vida pública; essa alienação[†] é reflexo da péssima educação a que está submetida grande parcela da população brasileira. 

 

Porém, não basta que os direitos estejam escritos na Constituição; é preciso mais que isso. Indubitavelmente, é preciso participar. E essa participação é tão somente a construção da democracia e a conquista da dignidade e respeito, tão em falta na atualidade. Cabe aqui então refletirmos como participar política e ativamente na vida pública brasileira.

No preâmbulo da Constituição Federal está assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais, sendo que o primeiro deles é a liberdade. Sabemos que esta tem um sentido muito amplo e múltiplas definições, porém, o enfoque desse artigo consiste em abordar a não existência da liberdade, porque esta pressupõe igualdade. Vale dizer que igualdade também é um dos direitos sociais assegurados pela Carta Magna, todavia, apesar de teorizada, não tem sido praticada.

 

Num país onde a desigualdade em todos os seus gêneros, bate recordes de crescimento, notamos que os ideários descritos pela Constituição Brasileira, não passam de belas palavras, que não refletem em momento algum a realidade do povo, pelo menos da grande massa de despossuídos e marginalizados.

 

Felipe afirma que:

 

A discussão política ordena a alocação justa de recursos destinados à contínua correção de desigualdades, expressa pelo acúmulo e concentração da riqueza, de um lado, e pelo aumento da miséria e da exclusão política e social, de outro. (ibidem p. 150)[‡]

 

 

O princípio da liberdade deve ser defendido e essa defesa consiste em acesso aos bens essenciais para a realização do plano racional de vida do cidadão, pois só é livre aquele que usufrui os bens essenciais, pelos quais ele paga através de suas contribuições. Mediante o exposto, notamos que o problema reside no não reconhecimento do indivíduo enquanto cidadão, uma vez que, entende-se como cidadania a participação com responsabilidade na vida política do país.

 

O voto é apenas uma das muitas maneiras de se fazer presente na vida pública. Com a ausência desta indispensável interpretação, o cidadão não encara mais o seu voto como uma arma de defesa contra as injustiças sociais, uma vez que, ao votar não vê mudanças, e o descrédito toma conta do mesmo.

 

Portanto, grande parcela dos brasileiros, encara apenas o momento de votar, como de exercício de cidadania. Ser cidadão é apenas ser eleitor, como se o voto fosse a única forma de participação política.  Esta situação se faz presente pela ausência de compromisso, tanto do povo como do governo, uma vez que, é o povo que elege seus representantes, sendo co-responsável pela atual situação na qual nos encontramos.

 

Isso não exime o governo de cumprir o seu papel, mas os cidadãos devem reconhecer que participar da vida política exige muito mais do que simplesmente votar. A incredibilidade no governo e a atual situação de miséria, de desigualdade, de injustiça e outros leva o cidadão a exercer cada vez menos o seu verdadeiro papel, de fundamental relevância no processo de legitimação da democracia.

 

Para Norberto Bobbio:

 

A democracia dos antigos era direta, podendo ocasionalmente haver eleição para algumas magistraturas. A democracia de hoje é representativa, às vezes com alguma participação popular direta. Antigamente, a participação era regra e a eleição, a exceção. Hoje ocorre o inverso: a eleição é a regra, apenas excepcionalmente ocorrendo a participação direta. (apud Castro e Falcão, 2004, p.197).

 

 

Essa situação precisa ser inversa, onde possamos nos ver como co-responsáveis pela democracia; devendo haver cumplicidade por parte de todos. Como bem lembra Felipe:

Cumplicidade é o que resulta da consciência critica do cidadão que sabe que o funcionário público que o atende nos postos de saúde, nas escolas, nas repartições do governo, enfim, o profissional institucional contratado pelo Estado para atender o cidadão, não está ali para distribuir favores, mas para fazer chegar a todos, sem discriminação, os bens que lhes são assegurados pela Constituição.(1998, p.148).

 

 

E a mesma autora, completa:

 

Cumplicidade é a exigência de respeito, por parte do cidadão, aos procedimentos aos quais todos devem se submeter para obter determinados bens e serviços de obrigação estatal. Não é favor o que o Estado oferece, pois tudo foi pago com antecedência através dos impostos. Não é favor pessoal o que o funcionário faz, é sua obrigação faze-lo, pois para isso prestou concurso público e assinou seu contrato de trabalho. E é sua obrigação faze-lo do mesmo modo, utilizando-se dos mesmos procedimentos sem distinguir o cidadão pelo sexo, idade, etnia, classe social, religião, profissão. (id., ibid.)

 

 

Visto que não há essa consciência, como construir a cidadania para a democracia[§] em bases tão frágeis?

 

Sabemos que política compreende relação de poder, com tendência à busca do bem comum. Isto só se atinge com justiça, ligado à moral e nossa atual política mostra-se na prática, incompatível com a teoria. Ignora-se a ética e os políticos falam da mesma como uma virtude rara, ou seja, para eles o normal é desconhecê-la. O correto é a busca do bem comum, sobrepondo o bem coletivo sobre os individuais, para que não haja injustiça e favorecimentos, conquistando os bens individuais, protegendo-os e propiciando igualdade de oportunidades.

Cabe ao povo a busca pelo bem comum, pois são os mais atingidos pela falta de ética e pela politicagem praticada de forma corriqueira no Brasil, onde a imagem do político está fortemente associada ao corrupto, como se fossem sinônimos. A Constituição Federal assevera em seu artigo 1º  que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e mostra seus fundamentos (incisos: I, II, III, IV e V). Em seu parágrafo único afirma que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

 

 

Sendo assim, concluímos que não haverá o fortalecimento da democracia sem a efetiva participação. E essa não é feita simplesmente pelo ato de votar, mas decorre de várias ações individuais e coletivas que podem levar a caminhos mais seguros de concretização. Um deles, sem dúvida, é o voto. Entretanto, não o voto por hábito, mas o consciente, com compromisso partidário ou pelo reconhecimento do trabalho do candidato, por suas propostas e suas ações.

 

Um direito assegurado pela Constituição Federal, descrito no seu artigo 5º, I, é a manifestação do pensamento, sendo, inclusive, vedado o anonimato. Daí percebe-se a necessidade de se viabilizar a prática do que se encontra teorizado. Viabilidade esta que depende única e exclusivamente do cidadão. Assim, torna-se possível reconhecer-se como cidadão atuante e participativo. Além disso, em primeiro lugar, pressupõe-se que devemos conhecer nossos direitos e cobrar a realização dos mesmos.

 

Apesar de todos os problemas enfrentados, deve haver espaço privilegiado para a educação. Não apenas a escolar, mas aquela oriunda de todo o conhecimento acumulado historicamente. Isso nos permite maior discernimento e coerência para nos direcionar a tomar as melhores decisões possíveis, mesmo estando inseridos em um cenário negativo, fruto de uma estagnação política, econômica, social, que passa para o cidadão a sensação de imutabilidade.

 

O acesso a esse conhecimento proporcionará oportunidades de conhecer os direitos que temos e o que fazer para vê-los cumpridos, uma vez que, estão assegurados pela Lei Maior. A situação agrava-se mais à medida que a maioria das pessoas espera a compensação pela falta de conhecimento, através dos veículos de comunicação, com ênfase a televisão, que, infelizmente, não esclarece as dúvidas a contento, sendo boa parte de sua programação, inútil.

 

Esse seria o caminho mais seguro rumo a prática da cidadania, bem como a fiscalização das ações governamentais e o destino das contribuições, reivindicando providências, quando necessárias. O cidadão apto a tomar decisões conscientes é aquele que não só conhece seus direitos, mas também sabe como cobra-los, pois se reconhece como parte integrante e diretamente responsável. Conhecendo e cobrando, o sujeito se torna capaz de cooperar, pois passa a perceber a estreita relação que mantém conjuntamente com os seus representantes, tornando-se cúmplice do processo.

 

De acordo com Felipe:

 

A cumplicidade é a garantia do controle, por parte da sociedade civil, dos procedimentos através dos quais o dinheiro público é investido. Sem a verdadeira cumplicidade não se assegura com equidade a distribuição dos bens primários e públicos. (1998 p.149).

 

 

Outra maneira de participar é integrar um partido político. Deste modo, pode-se atuar no interior do sistema, criticando, sugerindo, propondo e, também, disputando um cargo eletivo, quando houver interesse para tal.

 

A participação política é resultado da realização do proposto acima, onde o cidadão conhece, vota, cobra, fiscaliza, cuida e faz, sentindo-se assim, respeitado e motivado na busca da legitimação da democracia. Com isso, ocorre a valorização da pessoa, levando-a a aumentar sua auto-estima, que, na concepção de Rawls[**] é um dos mais valiosos bens morais, que resulta da convicção de ser respeitado e este respeito lhe assegura condições de vida digna. 

 

Por fim, podemos dizer que problemas políticos são problemas de todos. O caminho para a construção de uma Nação justa, igualitária, livre, com governantes que ajam como representantes do povo, está nas mãos do próprio povo.   Agindo de forma comprometida, responsável, estará certamente exercendo o tão almejado papel de cidadão, em busca de um país melhor para todos, rumo a concretização da democracia.    

 

 

REFERÊNCIAS.

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR. 15287, DEZ.2005. Informação e documentação- Projeto de pesquisa- Apresentação, 2005.

 

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 12 ed. Brasília: UNB, 2004.

 

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

CASTRO, Celso Antonio Pinheiro de & FALCAO, Leonor Peçanha. Ciência Política. São Paulo: Atlas, 2004.

 

FELIPE, Sônia T. Rawls:

 

POYER, Carlos Nilton. Dicas para escrever um artigo. Integrado Colégio e Faculdade, 2004. Disponível em http://grupointegrado.br. Acesso em: 06 jan. 2006.

 

___________________. Orientação bibliográfica. Material didático para a disciplina bibliográfica. Filosofia Geral e do Direito I, Faculdade Integrado de Campo Mourão, 2006.

 

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

 

* Inez Geralda da Silva: Professora de Língua Inglesa, da Rede Pública do Estado do Paraná, atuando no Colégio Estadual Prefeito Antonio Teodoro de Oliveira e Colégio Estadual Dom Bosco – Campo Mourão – PR e Acadêmica do 8º Período de Direito da Faculdade Integrado de Campo Mourão.

 

** Najla Mehana Mormul: Professora de Geografia, da Rede Pública do Estado do Paraná, atuando no Colégio Estadual Prefeito Antonio Teodoro de Oliveira – Campo Mourão – PR.



[*]Ver mais RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, S.P: Martins Fontes, 1997.

[†] Sobre esse assunto ler SILVA e MORMUL. Alienação Política. 01 mar.2006. Disponível em < http//www.trinolex.com/artigos>

[‡] Referência à Teoria da Justiça, de John Rawls.

[§] De acordo com Castro e Falcão democracia é considerado “governo do povo, pelo povo e para o povo”, é uma doutrina política e uma forma de governo fundamentada na soberania popular. Como filosofia política é o governo exercido pelo povo. Como forma de governo caracteriza-se por eleições livres e pela separação das funções do poder. (2004, p.192)

[**] Ver John Rawls Uma Teoria da Justiça.

Como citar e referenciar este artigo:
, Inez Geralda da Silva e Najla Mehanna Mormul. Participação Política como Ferramenta para a Construção da Democracia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/participacao-politica-como-ferramenta-para-a-construcao-da-democracia/ Acesso em: 18 abr. 2024