Direito Constitucional

As quebradeiras de coco babaçu: a luta constante pelo reconhecimento de seus direitos e práticas tradicionais

Douglas Wendell Oliveira Silva[1]

Heloísa Fonseca Silva[2]

Willame Vieira Cardoso[3]

RESUMO

O presente artigo busca analisar, sob o aspecto do pluralismo jurídico e à luz da obra O Direito dos Povos, de Jhon Rawls, o surgimento e desenvolvimento das práticas tradicionais das quebradeiras de coco babaçu. Ao longo do artigo serão tematizadas questões acerca da importância sociocultural do movimento, seus conflitos regionais e as atuais perspectivas no desenvolvimento da atividade pelas quebradeiras. Também esquadrinha a necessidade de amparo jurídico e a devida valorização do labor e cultura das quebradeiras, tanto da sociedade quanto do Poder Público como modo de preservar as práticas tradicionais das comunidades que subsistem do extrativismo do babaçu.

Palavras-chave: Direito dos Povos; quebradeiras; desenvolvimento; cultura; amparo jurídico.

ABSTRACT

The present article seeks to analyze, under the aspect of legal pluralism and in light of the work The Right of Peoples, by John Rawls, the emergence and development of the traditional practices of babaçu coconut breakers. Throughout the article will be thematized questions about the sociocultural importance of the movement, its regional conflicts and the current perspectives in the development of the activity by the breakers. It also examines the need for legal protection and the proper valuation of the work and culture of the breakers, both of society and the Government as a way of preserving the traditional practices of the communities that survive from the extraction of babaçu.

Key-words: Right of Peoples; Breakers; development; culture; Legal protection.

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta uma abordagem sobre as quebradeiras de coco babaçu e a constante luta destas pelo reconhecimento de seus direitos e de suas práticas tradicionais. Essa constante luta se dá, principalmente, no acesso livre aos babaçuais, os quais, geralmente, encontram-se em grandes propriedades particulares, o que representa não só dificuldade de aceso à fonte de trabalho, mas também do próprio meio de renda e cultura ali vivenciada e desenvolvida.

No primeiro ponto do artigo, faz-se uma breve conceituação sobre o direito dos povos sob a perspectiva de John Rawls. Aqui, quer-se trazer um pouco do desenvolvimento deste direito humano o qual, hoje, requer um olhar atento e especial em razão do grande número de povos e comunidades tradicionais no mundo todo, os quais necessitam de proteção dos seus respectivos Estados para valorização de sua cultura e tradição.

Ato contínuo, apresentar-se-á o histórico contemporâneo da luta das quebradeiras no Maranhão e o desenvolvimento da atividade nos últimos anos. O terceiro item versa sobre o movimento das quebradeiras de coco na tradição do Maranhão e a importância cultural dessa presença

No quarto ponto, expõe-se alguns conflitos em que as quebradeiras estavam envolvidas, muitos deles contra latifundiários em decorrência do choque de interesses: de um lado, o proprietário que pretende derrubar as palmeiras de babaçu para desenvolvimento de pecuária e, do outro, as quebradeiras que não querem a derrubada das palmeiras, bem como requerem o livre acesso ao seu objeto de trabalho.

Por fim, no quinto item, ver-se-á as perspectivas atuais das quebradeiras para o desenvolvimento e valorização de seu trabalho e a necessidade de amparo jurídico mais consistente, eficiente e incisivo, o qual possibilite maior proteção ao trabalho e à cultura ali desenvolvidos.

1 BREVE CONCEITUAÇÃO DOS DIREITOS DOS POVOS

John Rawls (1921-2002) tem papel fundamental nos debates filosóficos contemporâneos. Em sua obra O Direito dos Povos (1999), inovou com a concepção e o modo de pensar de maneira cosmopolita, buscando sempre um mínimo moral e religioso necessário para que diversas sociedades possam coexistir, trazendo à tona a sua fundamentação no pluralismo social.

A proposta de Rawls é conveniente, principalmente na sociedade atual, regida pela globalização e incessante busca pelo equilíbrio nas relações internacionais. Os movimentos universais, encabeçados pela ONU, buscam por uma concepção liberal de justiça política, perpassando pelos ideais filosóficos, morais e religiosos existentes que, graças à liberdade de expressão instituída pelas batalhas travadas contra o Estado absolutista, endossam uma cultura de proteção internacional.

O Direito dos Povos foi pensado com o escopo de analisar e expandir o pensamento (principalmente nos ramos político e acadêmico) acerca de alguns problemas latentes no globo. Fome, miséria, abusos de todas as formas, guerras, dentre outros, são vicissitudes que acometem a humanidade até onde a história consegue averiguar. É daqui que Rawls cria o conceito básico de sua obra: a “utopia realista”.

A utopia realista construída por Rawls tem como fundamento algumas questões que devem ser observadas sob a tutela nacional. Dentre elas: a construção de uma sociedade justa e organizada, assegurada pela tutela dos direitos fundamentais, devidamente constitucionalizados; os cidadãos devem ser dotados de um senso de cooperação; as doutrinas abrangentes a serem mais salvaguardadas sejam o direito e a justiça; e por fim, tudo seja endossado pelo princípio da tolerância.

Postos estes princípios e observados veementemente pelas nações, passa-se a observar a tutela internacional. A paz social interna propicia a facilitação da construção de uma paz global. Uma sociedade justa e organizada tende a pensar de forma mais equitativa no que tange aos relacionamentos com os países vizinhos e até mesmo os mais distantes, que com ele guardem algum elo, seja direto ou indireto. A cooperação econômica, política e social propicia uma satisfação mútua e a possibilidade de efetivação dos interesses fundamentais de cada Povo. Assim: “os motivos conhecidos para a guerra estariam ausentes: tais povos não buscam converter os outros à sua religião, conquistar mais território nem exercer poder político sobre outro povo”[4].

É indispensável para a legitimação dos Direitos dos Povos um alicerce político consistente. Sem uma ordem jurídica constitucional justa, uma afinidade de pensamento entre cidadãos (não necessariamente um engessamento, impossibilitando a liberdade de expressão e voto) e um caráter moral político não se pode pensar no desenvolvimento de uma sociedade igualitária e que respeita as singularidades sociais.

Rawls estabelece os princípios que considera como norteadores e superiores a quaisquer outros, advindos da história do Direito internacional e sua constante mudança e evolução. Tais princípios devem ser observados e tutelados de forma excepcional, pois a violação dos mesmos acarretaria na desorganização social, pondo abaixo o sustentáculo do Direito dos Povos. Os princípios são os seguintes: os povos são livres e independentes, devendo ser respeitadas tais atributos; os povos são iguais quando se subordinarem a tratados internacionais; é de suma importância a não intervenção; a autodefesa, não podendo declarar guerras a não ser por este único fundamento; e por fim, considerado como um resumo dos supracitados, a defesa da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Entretanto, o próprio autor entende que a observação de todos esses princípios a nível internacional se encontra longe de ser alcançada, justamente sendo definido pelo autor como uma “utopia realista”. A viabilidade prática do Direito dos Povos ainda deve ser amplamente discutida pelos órgãos internacionais e nacionais. Rawls, sendo crítico da própria conceituação, acredita que a possibilidade de efetivação está embasada em alguns pressupostos.

O primeiro deles está assentado na unidade democrática na diversidade. A existência de uma infinidade de culturas diferentes não obsta o desenvolvimento da prática democrática, nem muito menos a cooperação dos povos. Como já dito acima, basta que os Estados se organizem de maneira constitucionalizada para que a efetivação do Direito dos Povos esteja mais próxima.

O segundo trata da razão pública, baseada em torno de e objetivos comuns, ainda que havendo diferenças étnicas, culturais e morais. Aqui reside o maior obstáculo fático do Direito dos Povos, tanto de forma geral quanto de forma específica. As nações não abrem mão de certa parte de sua soberania visando o progresso à longo prazo e nem muito menos os particulares entendem a ideia de um mínimo de tolerância para o convívio social.

Por fim, o último pressuposto está firmado na paz democrática liberal. As sociedades constitucionais não podem ter como base a guerra em suas relações internacionais, pois devem preservar a ordem e a salvaguarda dos direitos mínimos. Um Estado que tenha como fundamento e maneira de alcançar seus objetivos a guerra não pode ser considerado como um “povo decente”, ficando longe dos princípios basilares do Direito dos Povos.

Se não for possível uma Sociedade dos Povos justa e se os membros dos Estados ditos como democráticos forem amorais, vale pensar se a vida harmônica do ser humano na terra é realmente possível.

2 HISTÓRICO CONTEMPORÂNEO DO MOVIMENTO DAS QUEBRADEIRAS DE CÔCO NO MARANHÃO

O babaçu é uma palmeira típica do bioma da Mata dos Cocais. Suas árvores chegam a 20 metros e, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, delas foram catalogados mais de 60 subprodutos, de alimentos a materiais de limpeza e cosméticos. Também há pesquisas sobre o uso no biodiesel. Apesar de toda a evolução tecnológica no que tange ao setor primário, ainda não existe a possibilidade de extração da amêndoa sem que sua qualidade e substância sejam significativamente perdidas. Justamente por esta falta de alternativas e por ser um produto de suma importância industrial, subsiste um sistema braçal distribuído entre 11 estados no Brasil, sendo como os principais o Maranhão, o Pará e o Piaui.

A atividade foi e ainda é quase sempre realizada por mulheres, graças à altas taxas de analfabetismo e evasão escolar advindas das realidades sociais dos interiores das regiões Norte e Nordeste do país. As quebradeiras, assim designadas com orgulho, compuseram suas vidas e de seus familiares em torno da coleta do babaçu e da extração das amêndoas, tornando-se essencial para o sustento econômico local. A atividade, além de garantir a alimentação e matéria prima para o artesanato tornou-se a identidade dessas mulheres.

O Movimento das Quebradeiras de Coco veio como forma de garantir e propagar os interesses econômicos e sociais defendidos pelo grupo. As mulheres, pelo fato de ser necessário o acesso às matas com vistas à coleta do coco babaçu, sofrem diariamente frente às oposições de fazendeiros locais, sendo abusadas e perseguidas, culminando em não poucos casos, a morte de quem apenas busca pelo sustento e promoção de uma cultura tão rica.

O início do movimento se deu a partir das reuniões no seio da própria comunidade, com o simples intuito de compartilhamento de experiências e do descanso do labor diário. Com o passar do tempo, o agrupamento passou a dividir os anseios da classe e demandou uma organização sindical. A sociedade de então não permitia a entrada de mulheres para serem representantes de sindicatos rurais.

Com a luta incessante, as quebradeiras conseguiram o seu espaço e se sindicalizaram. Com este advento, ocorreu o diálogo entre as lideranças femininas de regiões antes não conexas, o que possibilitou a interação de ideias compartilhadas acerca da vida extremamente similar. Ao observar a dimensão da associação, em 1995, dada a confluência de todas as organizações, surge o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu. Esse processo, caracterizado pelo orgulho e o fortalecimento de uma identidade advinda do labor intenso das quebradeiras proporcionou o ganho de terras, a cidadania e participação das mulheres nos sindicatos rurais, dentre diversos outros direitos. Com projetos bem elaborados, hoje, o movimento se mantém por meio de doações, como a Fundação Ford Brasil.

3 O MOVIMENTO DAS QUEBRADEIRAS DE CÔCO NA TRADIÇÃO MARANHENSE E SUA IMPORTÂNCIA CULTURAL

Identificadas por uma forma de trabalho comum, as quebradeiras de coco constituem um conjunto de mulheres identificadas pela forma de trabalho de coleta e quebra de coco babaçu e atividades de utilização do fruto. São identificadas pelo movimento social, que integram os trabalhadores rurais principalmente do Maranhão, por ter, geograficamente, uma grande zona ecológica de babaçuais.

O extrativismo gerado em torno do coco babaçu, baseado na coleta, quebra e outras utilidades do fruto, constitui-se importante complemento de renda para as famílias nativas, realizada através das mulheres, passando de geração a geração. Essas mulheres consideram a palmeira do babaçu parte de suas vidas, valendo-se de conhecimentos bem específicos das vantagens e utilidades do coco babaçu.

O “Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco” (MIQCB) tem como característica principal a força das mulheres que o compõe, que pode ser refletida nas diferentes atividades proporcionadas pelo grupo, que não apenas anseia tirar seu sustento com a venda do coco ou do azeite, farinha e sabonete por ele produzidos. A atividade das quebradeiras de coco tem relevante importância, pois associa-se a questão de cidadania, dentro de um contexto de multiplicidade dentro de uma sociedade, buscando a harmonia entre interesses que antes da ponderação seriam conflitantes, contribuindo para a construção de uma sociedade pacífica, dentro de um Estado Democrático de Direito. Ao longo dos anos, grande avanços procuram mudar a posição da extração do coco babaçu, demonstrando aspectos fundamentais de sua identidade e reprodução social – tais como o acesso livre aos babaçuais e o “trabalho livre” através da roça e do extrativismo do babaçu – dando sentido à tradição como uma posição política atual.

O movimento das quebradeiras de coco babaçu luta pelo reconhecimento como comunidade tradicional para fins de manutenção e preservação de seu modo de vida, que há muito travam batalhas nos campos político e legislativo com o intuito de garantir o acesso e uso comum das palmeiras de coco babaçu e sua preservação contra o corte e o uso irracional. A edição de leis e a penetração no ordenamento jurídico por parte destes movimentos buscam tutelar seus direitos e permitir a inserção destes grupos no campo dos debates onde os direitos são construídos e conquistados, legitimando práticas capazes de convergir com os interesses mercantis e comerciais na luta pelo espaço físico e político dos aglomerados humanos.

Os conhecimentos culturais e tradicionais das quebradeiras, beneficiam a atividade e a economia gerada pela extração, contribuindo para a emancipação da vida dessas pessoaspor se tratarem de uma base primordial que auxilia, apoia, impulsiona a consciência coletiva e a respectiva luta expressa no MIQCB.

4 CONFLITOS ENVOLVENDO AS QUEBRADEIRAS DE CÔCO

Os conflitos existentes entre quebradeiras de coco babaçu e muitos latifundiários é antigo. Com o aumento da concentração de terra na região, a atividade foi prejudicada, pois muitos latifundiários começaram a impedir o acesso das mulheres às palmeiras, criando mecanismos baseados em violência ou na cobrança ilegal pelo coco coletado. Além disso, problemas como a sujeição exploratória aos intermediários, ou seja, os comerciantes locais para quem elas vendem seus produtos (principalmente as amêndoas do coco) compram a preços muito baixos e, até mesmo, adulteram as balanças para pagar menos, ou praticam o escambo, trocando amêndoas por produtos. A derrubada dos babaçuais para a expansão de grandes monoculturas agrícolas acaba por prejudicar o acesso das quebradeiras às palmeiras de babaçu.

Essa situação de vulnerabilidade das quebradeiras de coco fundamentou o projeto de lei que visava garantir às quebradeiras o acesso às matas, pois hoje elas são violentadas por pistoleiros e fazendeiros, e ainda obrigando o Estado a aproveitar o babaçu e proteger o meio ambiente. Além disso, em relação às quebradeiras de coco, as tensões internas possibilitam que se aceite e gerencie a diversidade interno do movimento, levando em consideração que todos os movimentos sociais divergem internamente, mas o MIQCB valoriza a diversidade existente mantendo o equilíbrio e aceitando diversas opiniões, articulando diferentes posições, solidificando o movimento e trabalhando e prol de seu fortalecimento.

De modo geral, no Maranhão a figura dos “atravessadores’’ – empresários e/ou latifundiários que muitas vezes mantêm quebradeiras em suas propriedades e que trabalham como mediadores entre a matéria prima extraída pelas quebradeiras e comprada por eles e depois revendida para grandes empresas como a siderúrgica- se apresentam com frequência, mostra que “as quebradeiras de coco e a luta pela sujeição no campo’’, em especial na região do Médio Mearim localizada no meio-norte maranhense, onde o “atravessador” por vezes compra o coco por inteiro e assim não permite que as quebradeiras confeccionem e produzam itens como a farinha de babaçu , o carvão de babaçu e artesanato como bolsas, esteiras, cestaria, chapéus e peneiras, que aumentam de sua renda mensal, ou compra apenas certas partes do fruto o que as impede de ter noção da cotação, do valor do restante do fruto.

Ainda sobre os atravessadores é conhecido o fato de que compram das quebradeiras partes do coco como a casca e o mesocarpo por um preço muito baixo e que revendem as grandes indústrias por um preço até três vezes maior. Também ocorre a prática da chamada “carteirinha’’ onde os proprietários de terra distribuem as referidas carteirinhas que garantiriam um passe, acesso livre à quebra dos babaçus, a problemática que envolve a questão está no fato de que essa “licença” concedida pelos fazendeiros é na verdade uma restrição à atividade das mulheres que não possuem “cadastro” nas fazendas, e, com isso ficam impedidas de realizarem a coleta e a respectiva quebra do babaçu que as beneficia economicamente. Também conhecido como ‘’barracão’’, as quebradeiras ajustam com trabalhadoras dentro desses locais pagando-lhes quantias mínimas que por vezes não passam de centavos ou de alguns reais em aglomerações de 15 mulheres e algumas crianças em geral.

5 PERSPECTIVAS ATUAIS PARA O MOVIMENTO DAS QUEBRADEIRAS E A NECESSIDADE DE AMPARO JURÍDICO A ATIVIDADE DESENVOLVIDA

Após visualizar a importância do movimento das quebradeiras de coco para a cultura maranhense e os conflitos que as envolvem, nos surge a questão sobre as atuais perspectivas das quebradeiras, seja jurídica, social ou econômica que possam influenciar direta ou indiretamente no trabalho realizado por elas.

Em um primeiro momento, surge a necessidade de fazer com que as quebradeiras de coco compreendam seu papel na sociedade e na cultura, criando-se nelas um pensar de sustentabilidade comum em relação as palmeiras de babaçu, não só no que tange ao proveito econômico, mas também para a cultura e meio ambiente, resguardando a mata nativa como modo de preservação do ecossistema.

Há, ainda, a necessidade de uma identidade comum de reconhecimento e mobilização em prol do movimento das quebradeiras de coco, que pode servir como meio de organização, assim como meio de pressão necessária ao devido reconhecimento dos seus direitos em relação à terra, as palmeiras e direitos trabalhistas pela atividade desenvolvida. A unidade pode gerar a força para buscar alcançar os ideais.

Busca-se, além da participação do público, uma interação e reconhecimento por parte do Estado que, se mostra mais preocupado com os grandes projetos (questões de infraestrutura, capital,) esquecendo-se dos problemas sociais existentes que por se fossem resolvido poderiam contribuir com o crescimento do próprio ambiente estatal. As vitórias conquistadas até o presente momento estão mais direcionadas aos municípios o que já representa um grande passo para o que o movimento tanto almeja desde sua criação[5].

A criação da Lei do Babaçu Livre demonstra que ainda há esperança em fazer com que tanto a sociedade quanto o Poder Público compreenda e reconheça a atividade desenvolvida como cultura e sustento de muitas famílias, e que o amparo na esfera jurídica dá maior liberdade as quebradeiras de modo a se evitar conflitos os quais, na maioria dos casos, saem muito mais danosos a elas.

As Leis de Babaçu Livre surgiram da necessidade das populações tradicionais de quebradeiras de coco babaçu de obstar o avanço da devastação dos babaçuais, além da reivindicação pelo livre acesso a referidas áreas para manutenção do seu modo de vida extrativista. Tais pontos jamais poderiam andar desvencilhados um do outro, em virtude da impossibilidade de se lutar pelo acesso a um recurso natural que inexiste[6].

Tais leis visam permitir o acesso das quebradeiras e de suas famílias as áreas de babaçuais que, geralmente, estão em propriedades privadas. Surgiram a partir do cercamento das propriedades por seus donos os quais visavam à derrubada da mata de cocais para a implantação da pecuária do gado (para leite e corte). Assim, percebe-se que o Poder Público resolveu dar atenção a essa situação, ainda que na pressão, indo contra os interesses econômicos dos grandes latifundiários.

Outra perspectiva a ser modificada é fazer com que Poder Público tenha um olhar mais generoso e dê maior reconhecimento à cultura das quebradeiras. Muitos estão a serviço dos interesses dos mais abastados e defendem interesses destes e um desenvolvimento que não deve ficar limitado as palmeiras ou as florestas de modo geral. Um exemplo a ser citado é o caso do ex-deputado Tatá Milhomem (DEM) que apresentou determinado projeto o qual modificaria a lei prevendo a derrubada da palmeira de babaçu em municípios que compunham região metropolitana. Na defesa de seu projeto, o referido deputado afirmou “que é preciso evitar que o crescimento de uma cidade não aconteça porque se tem de preservar uma palmeira”[7]. O projeto ficou conhecido como “morra babaçu” pelos movimentos sociais e recebeu veto integral do Governador do Estado na época.

A valorização do trabalho das quebradeiras por elas mesmas também é uma conquista. A partir do momento que algumas possuem consciência da cadeia produtiva gerada pelo seu trabalho, desde a produção de cosméticos até a utilização como carvão da casca, elas mesmas olham com aquilo além do trabalho, como cultura, tradição, até mesmo porque muitas gerações, lendo-se o histórico, foram sustentadas pelo extrativismo na matéria do babaçu. A grande meta a ser alcançada é formar e fazer com que essa valorização chegue ao conhecimento de todas e elas, como outras trabalhadoras, deem maior importância àquilo que é desenvolvido, trabalho digno e com feitos incríveis.

O que falta, também, é uma lei federal que proteja o trabalho e cultura das quebradeiras, as quais estão além das fronteiras do Maranhão, abrangendo outros estados como Pará, Tocantins e Piauí, por exemplo, além de criar mecanismos de ajuda para a segurança na atividade desenvolvida, seja pelo calor ou pela falta de equipamentos que possam evitar ou minimizar acidentes. Ainda há muitas conquistas a caminho e talvez o direito possa – e deva – contribuir com elas.

CONCLUSÃO

As quebradeiras de coco são, acima de tudo trabalhadoras, batalhadoras e guerreiras por enfrentarem todo um paradigma social, político e econômico que muitas vezes não é favorável aos seus interesses, além de possuírem uma cultura e terem uma pratica tradicional, devendo estas serem preservadas e protegidas pelo Poder Público, sendo também uma forma de subsistência das mesmas. As reivindicações realizadas pelas mesmas estão essencialmente ligadas a uma questão de direitos fundamentais que por sua vez devem ser garantidos e preservados.

No primeiro ponto, viu-se uma breve conceituação dos direitos dos povos. No segundo, o histórico contemporâneo do movimento das quebradeiras de coco no Maranhão. Tal movimento obteve inúmeras conquistas decorrentes de suas lutas por seus direitos, obtendo a aceitação de leis municipais que somaram ao movimento resguardando seus interesses de livre acesso aos babaçuais assim como a proteção do mesmo. Em seguida, fora abordado a questão da tradição das quebradeiras no Maranhão e sua importância para a cultura. Também foram apresentados vários conflitos envolvendo as quebradeiras de babaçu que perpassam pela opressão e restrição das suas atividades pelos grandes latifundiários.

Logo após, explanou-se acerca dasatuais perspectivas para as quebradeiras e a necessidade de amparo jurídico a atividade desenvolvida como modo de proteger tanto elas quanto a tradição, além de valorizar o trabalho e o ambiente. A falta de leis que deem maior proteção contribui para que o movimento, muitas vezes, não tenha apoio e reconhecimento.

Desse modo,sejustificao presenteartigocomodegranderelevânciapara o aprendizadoacadêmico e para a vida profissional enquanto agentes do direito,bemcomo para aquelesqueseinteressaremno estudo sobre o direitoambiental e sua aplicação real no dia a dia.

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[1] Discente do 10º período do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: doug.su@hotmail.com

[2] Discente do 10º período do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: helo.fsilva96@gmail.com

[3] Discente do 10º período do Curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão. E-mail: willame_vieira123@hotmail.com

[4] Rawls,1999, p.26.

[5] Amanda Sampaio e Sérgio Ayoub, 2015, p. 10.

[6] Luane Lemos, 2010, p. 306.

[7] Heluy, 2008.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Douglas Wendell Oliveira; SILVA, Heloísa Fonseca; CARDOSO, Willame Vieira. As quebradeiras de coco babaçu: a luta constante pelo reconhecimento de seus direitos e práticas tradicionais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/as-quebradeiras-de-coco-babacu-a-luta-constante-pelo-reconhecimento-de-seus-direitos-e-praticas-tradicionais/ Acesso em: 28 mar. 2024