Direito Constitucional

Estudo da situação dos Conselhos Tutelares de São Luís (MA): O caso do Conselho da área Itaqui-Bacanga

Layani Rarissa Jansen[1]

Lucas de Cássio Cunha Aranha [2]

Mariana Carvalho Chaves Anunciação [3]

RESUMO

Este trabalho apresenta um estudo acerca do Conselho Tutelar enquanto mecanismo decorrente Sistema de Garantia dos Direitos previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Primeiramente, apresentam-se concepções jurídico-doutrinárias que definem o órgão como representante da sociedade para a institucionalização da proteção da família e da sociedade ao salvaguardar direitos da criança, para, em seguida, analisar o Conselho Tutelar da área Itaqui-Bacanga, cidade de São Luís, Maranhão, por meio de pesquisa e dados coletados in loco. Ao final, espera-se que seja possível visualizar as diferenças entre teoria e realidade, por meio do paralelo traçado entre o tratamento jurídico-doutrinário dado ao órgão e o caso específico do Conselho Tutelar supracitado.

Palavras-chave: Direito da Criança e Adolescente. Conselho Tutelar. Itaqui-Bacanga.

INTRODUÇÃO                                                 

O Conselho Tutelar enquanto órgão instituído pelo ordenamento brasileiro, ao passo que constitui importante mecanismo do Sistema de Garantia dos Direitos trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, também se apresenta como meio de integração democrática, pois sua composição é de pessoas escolhidas pelo sufrágio e não por técnicos aprovados em concurso ou em prova de títulos.

Todavia, para além das basilares concepções trazidas pela doutrina acerca desse órgão, tal a que o entende como manifestação da vontade popular que exerce dentro da própria estrutura da administração pública, necessária se faz a análise do exercício dessa teoria na prática, a fim de identificar eventuais abismos entre elas.

Logo, o presente artigo tem por escopo a análise teórica do Conselho Tutelar enquanto órgão integrante da Administração pública, para que, em ato contínuo, com base em uma pesquisa in loco, explane-se o trabalho na prática de um desses órgãos localizado na capital maranhense, o Conselho Tutelar da área Itaqui-Bacanga.

Trabalhar-se-á no presente trabalho o arcabouço jurídico-doutrinário do Conselho Tutelar, utilizando-se como parâmetro o Estatuto da Criança e do Adolescente, para em seguida, analisar-se um conselho específico, cujos dados foram obtidos por meio de visitação e entrevista aos Conselheiros Tutelares.

A pesquisa a ser realizada é classificada como aplicada, sendo realizada por meio de uma abordagem qualitativa, cuja técnica consiste em levantamento de dados e de pesquisa-ação. Ao fim, traçado o paralelo entre abordagem jurídico-doutrinária e a realidade específica do Conselho Tutela da área Itaqui-Bacanga, espera-se entender e visualizar a distância existente entre a teoria e a prática nesse caso.

1 O CONSELHO TUTELAR COMO MECANISMO DE PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA PARA A TUTELA DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Advindo do Sistema de Garantia dos Direitos previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no contexto contemporâneo da Doutrina da Proteção Integral, o principal órgão responsável pela tutela dos direitos infanto-juvenis é instituído, qual seja o Conselho Tutelar.

De acordo com o art. 131 do ECA, o Conselho Tutelar é “órgão permanente e autônomo, não-jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei”.

Destacado como novidade legislativa a partir do ECA/1990, a criação dos Conselhos Tutelares manifesta o investimento em um órgão que represente a sociedade para a institucionalização da proteção da família e da sociedade ao salvaguardar direitos da criança e do adolescente.

Desse modo, constitui mais uma expressão do contexto democrático de proteção contemporânea à criança e ao adolescente. São a primeira atuação do Estado em favor da proteção, sendo, portanto, a atividade do Judiciário a segunda opção para a população.

Constitui órgão de natureza administrativa, que encaminha casos para a autoridade judiciária competente. Representa “uma ruptura no conceito de atendimento: a Justiça da Infância e da Juventude terá função eminentemente jurisdicional, ou seja, decidirá os conflitos de interesses e garantirá a aplicação da lei quando houver desvios.” (LIBERATI E CYRINO, 2003, p. 138)

É caracterizado por sua permanência, não podendo ser extinto, havendo a possibilidade de eleição de seus componentes – a exercerem a função de Conselheiros – pela população, que garantem o exercício de mandato de três anos.

Também goza de autonomia, uma vez que vinculado ao Município, é livre para atuar e tomar decisões que visam assegurar os direitos da criança e adolescente, em real demonstração de independência funcional.

Implantado por meio de Lei Municipal, devem os Conselhos possuir dotação orçamentária própria, com destinação previamente estipulada pelos Municípios. Desse modo, consubstanciam-se na atividade de descentralização político-administrativa municipal, a fim de que a atividade seja mais bem desenvolvida dada a proximidade com as áreas territoriais de atuação, a fim de que seus conselheiros tenham conhecimento das situações fáticas presentes na comunidade.

Para MACIEL (2010, p.406)

A intenção do legislador foi ratificar a importância de a criança, do adolescente ou de sua família terem a sua situação avaliada por pessoas que, por estarem mais próximas de seu contexto socioeconômico, possuem melhores condições de identificar as suas necessidades e, por conseguinte, adotar as medidas mais adequadas, em observância às especificidades do caso concreto.

Tal conselho, conforme previsão legal, será composto por cinco membros escolhidos pela comunidade local para um mandato de três anos, com a possibilidade de uma recondução.

Demonstra, então, um mecanismo de democracia participativa em prol da resolução de conflitos comunitários relacionados à tutela de crianças e adolescentes, principalmente quando demonstrado em seu art. 131 que aos conselheiros eleitos está incumbida a tarefa de “zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente”.

Dentre suas atribuições (em sua maioria instituídas pelo artigo 136 do ECA), estão: a aplicação de medidas específicas de proteção existentes no artigo 101, incisos I a VII do ECA; atendimento e aconselhamento aos pais ou responsáveis, por meio das medidas previstas no artigo 129, I a VII do ECA; a promoção da execução de suas decisões; o encaminhamento ao Ministério Público e/ou à autoridade judiciária quando de sua competência; o atendimento de adolescentes em conflito com a lei; a expedição de notificações; a requisições de certidões de nascimento ou de óbito de criança ou adolescente; assessoramento do Poder Executivo local na elaboração de proposta orçamentária; Representação em nome da pessoa e da família em casos de violação ao Art. 220, § 3º, II, da Constituição Federal; o oferecimento ao Ministério Público de representação, para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar; a fiscalização das entidades de atendimento e a deflagração de procedimento visando à apuração da prática de infração administrativa.

Desse modo, entende-se o Conselho Tutelar como expressão da participação popular na Administração Pública para a proteção integral da infância e da adolescência, através da realização de suas atribuições mediante a execução de medidas de proteção.

É órgão que promove, então, medidas de justiça social através da participação da comunidade, face aos abusos cometidos pelas famílias, pela própria comunidade ou ainda mesmo pelo Estado quando falho em salvaguardar os direitos a que se pretende garantir.

1.1 Conselho Tutelar do Itaqui-Bacanga: uma abordagem aproximativa

O Itaqui-Bacanga foi o primeiro bairro de São Luís a receber um Conselho Tutelar. Sua inauguração se deu no ano de 1993, durante a gestão da prefeita Conceição de Andrade.

A criação do órgão é resultado de um anseio da população local, que assistia parte de suas crianças e adolescentes padecerem com a prostituição, uso de entorpecentes e agressões físicas. Hoje, este Conselho atende a uma área de quarenta e dois bairros, com uma média de 250 mil habitantes, respondendo a uma enorme demanda.

O Conselho é conduzido de forma colegiada por cinco conselheiros, são eles: Benesoete Câmara, Luziano Campos, Roseane Araújo, João Costa e Daniele Bucelle, com a coordenação da conselheira Roseane Araújo Rocha.

O órgão possui sede própria, mas não conta com servidores efetivos, apenas ocupantes de cargos comissionados ou terceirizados, há ainda, o apoio de dois policiais que auxiliam no atendimento das demandas da comunidade.

Os conselheiros são eleitos mediante processo próprio de eleição, que conta com a participação de toda comunidade local. Nessa ocasião, tem-se o apoio da Justiça Eleitoral, que fornece urnas eletrônicas para o pleito.

Além disso, juízes e promotores acompanham esse processo de escolha para garantir a lisura de todo procedimento. Os eleitos cumprem mandato fixo de 4 anos, permitida apenas uma recondução sucessiva.

Os candidatos a conselheiro passam por minucioso processo de inscrição. Para tanto, devem registrar suas candidaturas no Conselho Municipal de Crianças e Adolescentes. Quando da inscrição devem demonstrar que residem na área de atribuição do respectivo conselho, além de comprovar, por meio de documentos, que trabalham por, no mínimo dois anos, com crianças e adolescentes.

Após a contagem de votos, dez conselheiros são eleitos, metade destes como titulares e os demais como suplentes. Posteriormente passam por curso de capacitação, que dura cerca de três a quatro dias, onde devem atingir uma nota mínima de sete.

No dia a dia, os conselheiros lidam com demandas de diversas naturezas, dentre elas destacam-se a violência doméstica e sexual, além do abandono parental. Os conselheiros atuam, ainda, fora de suas competências, sobretudo nos meses de dezembro a março, em que as mães da comunidade buscam o Conselho em razão da falta de vagas suficientes nas escolas.

Nesse sentido, os conselheiros elaboram listas para que os alunos sem vaga possam ser realocados e matriculados. Aqui, os conselheiros promovem o diálogo entre pais e diretores, na tentativa de não deixar os alunos desamparados e suprir a latente necessidade de construção de escolas.

Os responsáveis pelo órgão estimam que são feitos aproximadamente 400 atendimentos por mês, demanda que aumenta no período de matrícula escolar. Diante disso, é notório que apenas cinco conselheiros não são suficientes para atender de forma adequada com toda a procura da população pelo conselho. Desse modo, o Conselho do Itaqui-Bacanga tem como meta mais urgente a criação de outro conselho na região.

Com o fito de sempre atender as necessidades da comunidade, os conselheiros se revezam em duplas que ficam de plantão durante uma semana. Destaca-se que há muita demanda durante a madrugada, que envolvem, sobretudo, crianças em hospitais ou em drogadição. Os conselheiros também são procurados por autoridades policiais que buscam apoio para tratar com adolescentes em conflito com a lei.

O trabalho realizado pelo órgão municipal é em rede com diversos órgãos, como os CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social e a Defensoria Pública. Nesse sentido, os conselheiros encaminham a pessoa que precisa de atendimento para local adequado.

A estrutura do Conselho mostra-se deficitária, não só pela falta de pessoal especializado, como assistentes sociais e psicólogos, mas pela ausência de repasse de recursos que recebem.

Acerca do tema a coordenadora, Roseane Araújo Rocha, informou que não há repasse direto de verbas da Secretaria Municipal da Criança e do Adolescente aos conselhos, apenas o envio de produtos de baixa qualidade para o uso.

Roseane indica, ainda, que não há transparência na atual gestão municipal acerca do orçamento público destinado para o Conselho. Negam-lhe o acesso às contas públicas, o que dificulta o controle dos gastos e do repasse de verbas afeto a manutenção do órgão e compromete sua importante função.

CONSIDERAÇÕES

Para aquém de esgotar o tema, o presente trabalho possibilitou um estudo acerca do Conselho tutelar enquanto órgão da administração pública. Fez-se um levantamento jurídico-doutrinário, do qual se depreendeu que esse órgão tem por escopo o desenvolvimento da justiça social frente aos abusos enfrentados por crianças e adolescentes e cuja composição é decorrente da escolha popular mediante sufrágio.

Superada essa parte de levantamento teórico, obteve-se dados de um órgão específico através de entrevista realizada in loco no Conselho Tutelar da área Itaqui-Bacanga.

De tal atividade foi possível depreender que, embora este órgão assista a população da referida área no limite de suas prerrogativas, sua criação beira aos trinta anos, encontrando-se sua estrutura defasada e verificando-se a ocorrência de certo gargalo, vez que a população local consiste em um estimativo de duzentos e cinquenta mil habitantes e para atender essa enorme demanda, encontram-se disponíveis o número permitido por de lei de apenas cinco conselheiros.

Em derradeiro, a fim de fomentar o trabalho do órgão, fazendo a realidade coadunar com a teoria, sugere-se duas frentes de atuação, sendo uma legislativa e a outra de caráter administrativo.

A primeira frente diz respeito ao número de conselheiros tutelas, pois a lei permite o número máximo de cinco, todavia, percebeu-se que há demanda para pelo menos o triplo disso.

A segunda frente diz respeito ao poder executivo, pois há necessidade de incluir no orçamento verbas destinadas ao órgão que estejam em harmonia com as necessidades desse, possibilitando assim uma estrutura adequada de atendimento à população.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n.º 8.069/1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/l eis/l8069.htm>. Acesso em: 27 nov 2018.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e do Adolescente. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CYRINO, Públio Caio Bessa; LIBERATI, Wilson Donizeti. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.



[1]Acadêmica do curso de Direito, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: Laianyjansen@hotmail.com

[2] Acadêmico do curso de Direito, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: lucasdicassio@gmail.com

[3] Acadêmica do curso de Direito, da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). E-mail: mariananun@hotmail.com

Como citar e referenciar este artigo:
JANSEN, Layani Rarissa; ARANHA, Lucas de Cássio Cunha; ANUNCIAÇÃO, Mariana Carvalho Chaves. Estudo da situação dos Conselhos Tutelares de São Luís (MA): O caso do Conselho da área Itaqui-Bacanga. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/estudo-da-situacao-dos-conselhos-tutelares-de-sao-luis-ma-o-caso-do-conselho-da-area-itaqui-bacanga/ Acesso em: 29 mar. 2024