Direito Constitucional

Breves considerações acerca dos direitos e garantias fundamentais

Luana Ely Morgado Serra

Gustavo Pereira Santos

RESUMO

O presente artigo tem por escopo discorrer sobre alguns pontos relevantes dos Direitos e Garantias Fundamentais, desde a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais até a sua forma de aplicabilidade. O tema se revela de suma importância, já que contempla normas basilares que norteiam toda o ordenamento jurídico. Sendo assim, iniciar-se o estudo da Carta Magna pelos direitos fundamentais, entendendo como eles foram constituídos e estão estruturados, bem como compreender o caráter obrigatório, pautando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, faz com que se tenha um panorama das demais normas e como estas devem se estar em consonância com os referidos direitos.

Palavras-chave: Direitos e Garantias Fundamentais. Importância. Constituição Federal.

INTRODUÇÃO

É incontestável a força da Constituição enquanto documento jurídico a reger um povo. Dessa forma, propõem-se com este artigo fazer um breve estudo acerca dos direitos e garantias fundamentais, enquanto cerne da Carta Magna de 1988.

Sabe-se que os direitos e garantias fundamentais são pautados no princípio da dignidade da pessoa humana, o que faz com que o Estado tenha um importante papel na preservação de tais direitos, ora atuando de forma positiva, ora de forma negativa (não interferência no plano individual). Um estudo desses direitos e garantias, de sua evolução, classificação, aplicabilidade, se faz necessário para se compreender o espírito da Constituição Federal. Para isso, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, centrada na obra de importantes autores do direito constitucional, para o melhor vislumbre da temática.

1. DISTINÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS

Alguns autores destacam que não há diferenciação entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, concebendo como expressões sinônimas que asseguram a promoção do princípio da dignidade da pessoa humana.

Nada obstante, parte da doutrina assevera que há uma diferença entre os termos. Os direitos humanos seriam mais abrangentes, de caráter internacional, desprovidos de normatividade, considerados apenas no plano contrafactual ou abstrado, ao passo que os direitos fundamentais seriam os direitos humanos positivados em determinado Estado. Em resumo, os direitos fundamentais são exigíveis no plano estatal interno, enquanto os direitos humanos são exigíveis no plano do Direito Internacional.

Ainda sobre a nomenclatura, aduz Bernardo Gonçalves Fernandes (2011,p. 240):

Nesse diapasão, Marcelo Galupposintetiza que os direitos fundamentais são produtos de um processo de constitucionalização dos direitos humanos, entendidos estes últimos como elementos de discursos morais justificados ao longo da História. Assim, os direitos fundamentais não podem ser tomados como verdades morais dadas previamente, mas como elementos em constante processo de (re)construção, haja vista que sua justificação e normatividade decorrem de uma Constituição positiva, igualmente mutável. (GONÇALVES, 2011, p.240)

Ressalte-se que, apesar da tênue distinção, os direitos humanos e os direitos fundamentais não são incomunicáveis entre si, sendo comum percebe-se singularidade de direitos em determinados Estados, assim, um mesmo direito concebido no plano internacional pode ser também direito fundamental (positivado) em um Estado.

2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos Fundamentais estão elencados no Título II da Constituição Federal de 1988 e estão divididos em cinco grupos, a saber: “direitos e deveres individuais e coletivos” (art. 5º); “direitos sociais” (art. 6º ao 11); “direitos de nacionalidade” (art. 12 e 13); “direitos políticos” (art. 14 a 16) e “dos partidos políticos” (art. 17).

O capítulo I da Constituição traz os direitos e deveres individuais e coletivos, que são aqueles referentes a proteção do indivíduo e dos diferentes grupos sociais, além de estarem pautados nos conceitos de pessoa humana e sua personalidade, como o direito à honra, liberdade e à vida. Já o capítulo II vem discorrendo sobre os direitos sociais, tendo por finalidade o alcance da igualdade social, melhorando as condições de vida daqueles que mais necessitam. Os capítulos III, IV e V, referem-se respectivamente, aos direitos de nacionalidade (vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado); direitos políticos (conferem aos indivíduos atributos atinentes à cidadania e permitem que ele participe da vida política do Estado), e partidos políticos (organização do mecanismo que concretiza o sistema representativo).

Cabe mencionar, em que pese a Constituição tenha elencado boa parte dos direitos fundamentais no Título II, o rol não é exaustivo, podendo outros direitos fundamentais serem encontrados em trechos diversos do Título II, tais como os referentes ao meio ambiente, dispostos no artigo 225 do referido diploma. Bernardo Gonçalves Fernandes (2011) cita ainda um importante exemplo com o julgamento da ADI nº 939, entendendo o STF que o princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b, CF/88) é também um direito fundamental:

Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5., par.2., 60, par.4., incisos I e IV, 150, incisos III, b, e VI, a, b, c e d, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, b e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par.2., art. 60, par.4., inciso IV e art. 150, III, b da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par.4., inciso I,e art. 150, VI, a, da CF.); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: b): templos de qualquer culto; c): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, a, b, c e d da CF. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

(STF – ADI: 939 DF, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 15/12/1993, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

3.EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais não apareceram em um único momento histórico, mas foram produto de uma evolução histórico-social, por isso são dotados de historicidade.

Foi Paulo Bonavides quem se destacou entre os estudiosos do tema, ao traçar um perfil histórico temporal, reunindo assim, os direitos em “gerações”. Destaca-se que muitos doutrinadores não concordam com o emprego do termo, por remeter à ideia de superação, como se um direito superasse outro, preferindo-se substituir o termo por “dimensões”. Na verdade, quando se congregam os direitos em gerações, não significa dizer que uma geração substitui a outra, o que ocorre é uma ampliação do catálogo de direitos fundamentais.

Em um primeiro momento, os lemas da Revolução Francesa: “liberdade, igualdade e fraternidade”, exprimiram as três gerações iniciais.

A primeira geração é marcada pela consagração das liberdades individuais e consequentemente os seus desdobramentos: direito à vida, à liberdade religiosa, também o direito de reunião, locomoção e outros. Os direitos consagrados na primeira geração exigem do Estado uma postura abstencionista, um não fazer, isto é, não intervir na vida pessoal de cada indivíduo. Dessa maneira, os direitos de primeira geração são aqueles que dedicam-se a garantir a liberdade do indivíduo, exigindo que não haja interferência do Estado na esfera particular de cada pessoa.

Os direitos de segunda geração são traduzidos naqueles relacionados ao bem-estar, que exigem do Estado uma prestação positiva para que estes se concretizem. A título de exemplo tem-se o direito à saúde, educação e previdência social. Tais direitos acentuam o princípio da igualdade, são os chamados direitos econômicos, sociais e culturais. Assim, objetivam atingir a chamada justiça social.

Em relação a terceira geração, estão abrigados os direitos de fraternidade e solidariedade e os que deles decorrem, como os direitos ao desenvolvimento, progresso, autodeterminação dos povos, a qualidade de vida, entre outros. Essa geração decorreu da polaridade em que se encontravam as nações ao final do século XX, divididas em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, dois polos distintos marcados pela desigualdade.

4. CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Para Uadi Lammêgo Bulos (2015, p. 534) os direitos e garantias, além de fundamentais, possuem outras características, são elas: a) são históricos, ou seja, decorrem de uma evolução, são obras das necessidades humanas, podendo ampliar-se, limitar-se e até mesmo extinguir-se; b) universais, ou seja, não se limitam ao território assim, beneficiam os indivíduos independente de raça, credo, cor, sexo, um excelente exemplo é o princípio da isonomia; c) são cumuláveis ou concorrentes, com isso, podem ser exercidos ao mesmo tempo; d) são irrenunciáveis, o indivíduo pode até escolher não exercê-lo, mas não possui a faculdade de renunciá-lo, isto é, pode até escolher não ajuizar o mandado de segurança, mas isso não implica em exclusão da garantia Constitucional; e) são inalienáveis, desprovidos de valor patrimonial, indisponíveis; f) não prescrevem, como exemplo cita-se o direito à vida; g) não são absolutos, não podem ser exercidos de modo irrestrito, dessa forma, são limitados (relativos).

Já para Bernardo Gonçalves Fernandes (2011, p. 260), além dessas características, os direitos fundamentais são também: a) invioláveis, pois as normas infraconstitucionais e o poder público devem sempre observá-los; b) efetivos, ou seja, o Estado deve primar para que tais direitos sejam cumpridos (efetivados); c) interdependentes, já que apesar de autônomos, possuem pontos de interseção para atingirem seus objetivos; d) complementares, dessa forma, devem ser interpretados de forma conjunta para atingirem suas finalidades.

Ainda sobre a inviolabilidade, assevera Gilmar Mendes (2015, p.147):

O fato de os direitos fundamentais estarem previstos na Constituição torna-os parâmetros de organização e de limitação dos poderes constituídos. A constitucionalização dos direitos fundamentais impede que sejam considerados meras autolimitações dos poderes constituídos – dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário-, passíveis de serem alteradas ou suprimidas ao talante destes. Nenhum desses Poderes se confunde com o poder que consagra o direito fundamental, que lhes é superior. Os atos dos poderes constituídos devem conformidade aos direitos fundamentais e se expõem à invalidade se os desprezarem. (MENDES, 2015, p.147).

5. DESTINATÁRIOS

O art. 5º da Constituição Federal, assegura a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, além de estabelecer que todos são iguais perante a lei.

Em que pese o supracitado artigo se referir somente aos estrangeiros e brasileiros (natos e naturalizados) residentes no país, também são destinatários de direitos fundamentais, os estrangeiros em trânsito e as pessoas jurídicas. Sendo que estas possuem direito à existência, segurança, propriedade, remédios constitucionais, entre outros direitos e garantias assegurados na Constituição.

Destaca-se porém, que nem sempre os direitos fundamentais serão usufruídos por todos, ou seja, alguns direitos só serão experimentados por determinado grupo, conforme leciona Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2015, p.106): “Não significa afirmar, porém, que todos os direitos fundamentais têm como titulares as pessoas naturais, as pessoas jurídicas e as pessoas estatais. Há direitos fundamentais que podem ser usufruídos por todos, mas há direitos restritos a determinadas classes.”

6. APLICABILIDADE DAS NORMAS DEFINIDORAS

De acordo com o art. 5º, §1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Assim, as normas que estabelecem direitos e garantias reconhecidos como fundamentais, não possuem caráter programático, não ficando dependentes de regulamentação pelo legislador ordinário.

Entretanto, embora o constituinte tenha feito a previsão de aplicabilidade imediata, alguns direitos fundamentais encontra-se dependentes de regulamentação, possuindo eficácia limitada. Os direitos sociais em sua maioria, estão condicionados à regulamentação pelo legislador ordinário, exemplos: art. 7º, incisos X, XI, XII, XX, XXI, XXIII, XXVII. Há ainda normas no art. 5º, como o inciso XXXII, que dispõe que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.

Acentua-se, que a norma contida no art. 5º, §1º da CF/88, não se refere apenas aos direitos e garantias individuais e coletivos, mas abarca todos os direitos e garantias fundamentais, ainda que dispostos fora do mencionado art. 5º.

CONCLUSÃO

Os direitos e garantias fundamentais são indispensáveis à condição humana, asseguram ao indivíduo condições para que viva com dignidade. Dessa forma, faz-se necessário que o Estado prime por sua concretização, ora com uma postura positiva, ora se abstendo de praticar determinados atos.

Tais direitos estão em constante evolução, sendo passíveis de ampliação. Isso se justifica ao fato de que a sociedade está em permanente mudança e sendo assim, os direitos e garantias fundamentais devem atender às expectativas do indivíduo. Observa-se que as gerações de direito refletem sobremaneira o caráter evolutivo destes, não se esgotando em único lapso temporal, mas traduzindo os anseios da sociedade.

Cabe ao Estado Democrático de Direito instituir, bem como concretizar tais direitos e garantias elencados ao longo da Carta Magna de 1988. Não obstante, ressalta-se que o rol de direitos individuais e coletivos dispostos no art. 5º é meramente exemplificativo. Constando em outros artigos da Constituição, direitos considerados como fundamentais, assim como os referentes aos Tratados Internacionais dos quais o Brasil faz parte. Dessa forma, novamente evidencia-se o caráter ampliativo e evolutivo dos referidos direitos e garantias entendidos como fundamentais à condição humana.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade Mecum Acadêmico. 27.ed. São Paulo, Rideel, 2018. 

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 939. Disponível em: < https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/748749/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-939-df>. Acesso em: 14 jan. 2019.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

GONÇALVES, Bernardo. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

MASSON, Nathalia. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. Salvador: Juspodivm, 2015.

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 32.ed. São Paulo: Atlas, 2016.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional Descomplicado. 14. ed. São Paulo: Método, 2015.

Como citar e referenciar este artigo:
SERRA, Luana Ely Morgado; SANTOS, Gustavo Pereira. Breves considerações acerca dos direitos e garantias fundamentais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/breves-consideracoes-acerca-dos-direitos-e-garantias-fundamentais/ Acesso em: 28 mar. 2024