Direito Constitucional

Frente Parlamentar Evangélica: Uma análise de sua atividade legislativa durante a 55ª Legislatura

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Nayara Trajano Seixas da Silva*

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a atuação legislativa da Frente Parlamentar Evangélica dentro do Congresso Nacional durante a 55ª Legislatura, especificamente o período entre 2015 e 2016. Primeiramente compreendendo a composição e organização da Frente Parlamentar, como também o impacto de sua atuação sobre o Processo Legislativo Ordinário. Além de tratar de eventual tensão entre direitos, tais como liberdade religiosa e legislativa, destaca a discussão jurídica sobre a necessária aplicação do Princípio da Laicidade em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Congresso Nacional, Frente Parlamentar Evangélica, Processo Legislativo Ordinário, Religião.

ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the legislative performance of the Evangelical Parliamentary Front within the National Congress during the 55th Legislature, specifically the period between 2015 and 2016. First of all, understanding the composition and organization of the Parliamentary Front, as well as the impact of its action on the Ordinary Legislative Process. Besides dealing with possible tension between rights, such as religious and legislative freedom, the legal discussion on the necessary application of the Principle of Laicism in a Democratic State of Law stands out, as is the case of Brazil.

KEYWORDS: National Congress, Evangelical Parliamentary Front, Ordinary Legislative Process, Religion.

1. INTRODUÇÃO

O Estado Democrático de Direito é formado por três elementos: o Império da Lei, a Democracia e a Tripartição dos Poderes. Este último, sistematizado por Montesquieu em seu livro O Espírito das Leis, de 1748, organiza as funções do poder do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário.

O Poder Legislativo tem a função de representar o povo, elaborar leis e fiscalizar os atos da Administração Pública. Compõem o Poder Legislativo, os Deputados Federais e Senadores, que em conjunto formam o Congresso Nacional. São eleitos apenas se estiverem filiados a algum dos mais de trinta partidos políticos do país. Os partidos têm, por sua vez, ideologias próprias e, dentre eles, alguns apresentam pautas religiosas. Exemplos são o Partido Social Cristão (PSC), Partido Trabalhista Cristão (PTC) e Partido Social Democrata Cristão (PSDC).

Contudo, tais partidos ideologicamente cristãos não abrigam, necessariamente, a plenitude dos políticos voltados à defesa de posições baseadas em aspectos morais interpretados de códigos religiosos. Assim, conhecemos por Bancada Evangélica, a Frente Parlamentar do Congresso Nacional composta por parlamentares de diferentes partidos, articulados contrariamente a determinadas lutas sociais do contexto político brasileiro contemporâneo, em prol da imposição de concepções próprias em forma de lei.

A presente pesquisa tem por objetivo analisar a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, em especial quanto à repercussão de sua atividade legislativa, e, como objetivos específicos, compreender a composição e organização da Frente Parlamentar Evangélica e pesquisar a sua atividade legislativa ordinária durante a 55ª legislatura mais especificamente o período compreendido entre os anos de 2015 e 2016.

A metodologia do trabalho desenvolveu-se através de pesquisa bibliográfica e eletrônica a partir do mapeamento de trabalhos publicados, livros e literatura em geral sobre a temática.

Utilizou-se a abordagem bibliográfica para o estudo da organização e composição da Frente Parlamentar Evangélica, bem como a pesquisa de projetos de leis propostos ou em tramitação entre os anos de 2015 e 2016, com o objetivo de coletar informações essenciais para a análise da atuação de tais políticos no Congresso.

Tal fundamentação teórica norteou a delimitação da presente pesquisa, que, por sua vez, realizou-se através dos métodos de leitura dos dados Fenomenológico-hermenêutico e Crítico-dialético.

Portanto, a pesquisa ocorreu mediante o levantamento bibliográfico. Segundo Gil (2017, p.44), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros, dissertações, teses, projetos de leis e artigos científicos.

2. CONGRESSO NACIONAL E A FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA

A Constituição brasileira na esfera federal adotou o bicameralismo do tipo federativo, no qual o Congresso Nacional é composto por duas Casas: a Câmara dos Deputados, de representantes do povo e o Senado, de representantes dos Estados e do Distrito Federal.

O Congresso Nacional exerce a competência legislativa típica, de acordo com o que institui os artigos 44 e 48 da Constituição da República Federativa do Brasil. A composição dos representantes das Casas está disposta nos artigos 45 e 46 da Constituição de 1988. A legislatura é o período de mandato cuja duração é de quatro anos (CRFB, art. 44, parágrafo único), não se confundindo com a sessão legislativa anual nem com os períodos legislativos semestrais (CRFB, art. 57). A atribuição de competências dadas à Câmara de Deputados (CRFB, art. 51) e ao Senado Federal (CRFB, art. 52) são indelegáveis.

A Câmara dos Deputados é composta por representantes do povo, maiores de vinte e um anos (CRFB, art. 14, §3.º, VI, “c”), eleitos diretamente, por meio de escrutínio secreto (CRFB, art. 14). Os Deputados são eleitos pelo sistema proporcional (CRFB, art. 45), ou seja, a representação no Congresso é proporcional ao número de votos obtidos por cada partido ou coligação. Como o cálculo para a distribuição das cadeiras tem como referência a votação total nas legendas, torna-se necessário definir o procedimento para a eleição das candidaturas individuais. A Constituição adotou o sistema de lista aberta, na qual a ordem final dos candidatos não é determinada pelos partidos, mas sim pelos eleitores que votam em um candidato da lista ou na legenda. Aqueles que receberem, individualmente, o maior número de votos ocupam as cadeiras a que o partido tem direito. O número de Deputados por Estado e pelo distrito Federal será estabelecido por lei Complementar (LC 78/1993), proporcionalmente à sua população (e não ao número de eleitores), sendo que nenhum deles poderá ter menos de oito ou mais de setenta deputados (CRFB, art. 45, § 1º). Caso seja criado Território, este elegerá quatro Deputados, independentemente do tamanho de sua população (CRFB, art. 45, § 2º).

O Senado Federal é composto por representantes dos Estados e do Distrito Federal, maiores de trinta e cinco anos (CRFB, art. 14, § 3 º, VI, “b”), eleitos diretamente, por meio de escrutínio secreto (CRFB, art. 14). A eleição para o Senado é feita pelo sistema majoritário, considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria relativa dos votos (CRFB, art. 46). Cada Estado e o Distrito Federal elegem três Senadores para exercerem um mandato de oito anos, ou seja, duas legislaturas (CRFB, art. 46, § 1º). (NOVELINO, 2017, p. 613)

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são os órgãos diretivos dessas Casas, compostos por um conjunto de parlamentares eleitos por seus pares para dirigir os trabalhos legislativos pelo período de dois anos. No caso do Congresso Nacional, as reuniões são dirigidas pela Mesa do Senado Federal.

O Processo Legislativo é previsto na Constituição de 1988 e consiste no conjunto de normas reguladoras da elaboração de atos normativos primários, pode ser classificado quanto à forma de organização política, como indireto (ou representativo), pois os parlamentares recebem poderes para decidir, de forma autônoma, sobre os assuntos de sua competência.

O Processo Legislativo Constitucional Ordinário é a espécie composta por um conjunto de regras gerais voltadas à elaboração de leis ordinárias e compreende três fases: introdutória, voltada à iniciativa do projeto de lei; constitutiva, englobando a discussão, votação, aprovação e sanção; e, complementar, formada pela promulgação e publicação.

A Constituição Federal de 1988 atribui a certas autoridades e órgãos a competência para apresentar projetos de lei, ou seja, a iniciativa de criação legislativa. A Fase Introdutória trata-se da iniciativa de criação das leis ordinárias que cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara, do Senado ou do Congresso Nacional, entre outros, conforme o art. 61, da CRFB.

A Fase Constitutiva pode ser dividida em discussão, votação, aprovação e sanção.

A discussão, momento de deliberação parlamentar acerca do projeto de lei, ocorre no plenário e nas comissões permanentes, as quais possuem a tarefa de examinar e emitir um parecer técnico acerca da constitucionalidade (Comissão de Constituição e Justiça) e do conteúdo (comissões temáticas) do projeto.

A votação acontece no plenário de ambas as Casas como regra. Nas oportunidades em que o regimento interno dispensa tal competência, a votação pode ser feita nas comissões, salvo recurso de um décimo dos membros da Casa (CRFB, art. 58, § 2º, I). O quórum mínimo para a instalação da sessão de votação é de maioria absoluta, ou seja, mais da metade dos membros do órgão legislativo. Essa é a regra geral para as deliberações da Câmara, do Senado e das comissões (CRFB, art. 47).

O quórum de aprovação mínimo para as leis ordinárias, corresponde a um número variável, qual seja, mais da metade dos presentes (maioria relativa ou simples), de acordo com a regra geral para as deliberações do Congresso (CRFB, art. 47). Após a aprovação do projeto de lei, o mesmo seguirá para posterior sanção pelo Presidente da República. Caso seja rejeitado, o projeto de lei será arquivado, conforme o artigo 65, da CRFB.

A última fase, a Complementar, trata-se da promulgação e publicação da lei. Tais atos não fazem parte do Processo Legislativo propriamente dito, visto que ocorrem após a transformação do projeto em lei.

Quanto à Frente Parlamentar, a mesma pode ser entendida como uma associação suprapartidária formada por pelo menos 1/3 de membros do Poder Legislativo Federal destinada ao desenvolvimento de legislação referente à uma temática específica,cada Frente possui um representante oficial. As Frentes Parlamentares estão regulamentadas pelo Ato da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados nº 69, de 10 de novembro de 2005.

Os representantes do Poder Legislativo que as formam, unem-se com o intuito de fortalecimento dos interesses em comum que possuem, como é exemplo a Frente Parlamentar Evangélica. Nas Frentes reúnem-se parlamentares de diversos partidos, ainda que com ideologias políticas distintas, que têm em comum o interesse por uma mesma causa.

O Congresso, durante a Legislatura anterior, a 55ª, possuiu em torno de 200 Frentes Parlamentares que se organizavam para tratar das mais diferentes temáticas como ciência, cultura, reforma agrária, proteção dos direitos das mulheres, os direitos dos animais, educação, dentre outras.

O principal objetivo da criação de frentes parlamentares é a formação de “espaços” de “opinião mobilizada” na definição e imposição de interesses no espaço político, por meio, particularmente, de atividades de expertise. Isso consiste na “articulação” ou agrupamento, primeiramente de deputados e senadores com afinidades eletivas com o “problema”, ou seja, o tema e a definição da “questão” conforme determinado referencial. Em um segundo plano, as frentes parlamentares podem criar “espaços” ou “articular” um conjunto de deputados e senadores não apenas entre si, mas com representantes de organismos do poder Executivo de algum modo vinculados à “questão”, conforme a definição em pauta. Em terceiro lugar, essas frentes parlamentares servem como meio de criação de “espaços” ou “articulação” entre os deputados e senadores com os processos de definição e de organização de interesses.(CORADINI, 2010, p. 242).

As frentes parlamentares são resultado de uma organização dos modos de relacionamento entre a atuação de grupos de interesse e o espaço político. Dessa forma, a participação em frentes parlamentares está diretamente ligada às atividades de politização de interesses organizados.

No caso da Frente Parlamentar Evangélica, a sua composição de membros possui parlamentares da Câmara e do Senado Federal, são os chamados membros signatários da Frente, podendo ser tanto parlamentares que estavam em exercício na 55ª Legislatura, quanto parlamentares que por diferentes razões ingressaram na mesma legislatura, contudo encontravam-se fora de exercício.

A liderança da Frente durante o período de 2015 e 2016 foi do deputado federal João Campos (PRB-GO), o presidente a partir de 2017 até o fim da 55ª Legislatura foi Hidekazu Takayama, deputado federal de São Paulo pelo PSC – Partido Social Cristão. Em sua organização interna também há parlamentares que exercem a vice-presidência da Frente, porém estes são divididos de acordo com as regiões do país, de tal forma que a Frente tem cinco parlamentares em sua vice-liderança.

A representação da Frente Parlamentar Evangélica na 55ª Legislatura se mostrou mais expressiva na Câmara, na qual havia 198 deputados federais signatários (conforme dados coletados em 2017), sendo 21 deputados signatários fora do exercício, enquanto no Senado Federal é consideravelmente menor, de apenas 4 parlamentares. Abaixo encontra-se gráficos demonstrativos da porcentagem no Congresso Nacional de tais números referentes ao ano de 2017:

Gráfico 1. Representação de Deputados Federais na Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional no ano de 2017 durante a 55ª Legislatura

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Fonte: Própria

Gráfico 2. Representação de Senadores na Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional no ano de 2017 durante a 55ª Legislatura

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Fonte: Própria

A postura da Frente Parlamentar Evangélica oscila entre a transformação de leis e o conservadorismo legislativo de acordo com interesses dos parlamentares que a compõem. Atitudes essas tomadas visando à imposição de convicções unilaterais, são exemplos de transformações legislativas de iniciativa de membros signatários da Frente Parlamentar as seguintes propostas de leis ordinárias:

3. PROJETOS DE LEI E A FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA

Um dos projetos prioritários para a Frente Parlamentar Evangélica é o chamado “Estatuto da Família”. O PROJETO DE LEI 6583/2013, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira (deputado signatário fora de exercício na 55ª Legislatura) (PR/PE), que define o conceito de família como “a entidade familiar formada a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou de união estável, e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos” – o que exclui casais do mesmo sexo. Na prática, as crianças adotadas por casais homoafetivos serão prejudicadas pelo Estatuto da Família.

Atualmente, não há garantia desse direito na forma de lei, contudo o Supremo Tribunal Federal (STF), reconheceu, em decisão de 2011, a união estável para casais do mesmo sexo, após foi editada a Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, que proibiu a recusa dos cartórios de todo o país a celebrar casamentos civis de casais homoafetivos. Ou seja, outros arranjos familiares não estão contemplados pelo Estatuto, o que gera exclusão. O projeto foi aprovado em caráter conclusivo pelo Plenário da Câmara em outubro de 2015 e seguirá para o Senado, desde tal data encontra-se para análise da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

O PROJETO DE LEI 8099/2014, de Marco Feliciano (PSC/SP), prevê a inserção na grade curricular das Redes Pública e Privada de Ensino de conteúdos sobre Criacionismo (segundo a qual Deus criou todas as espécies). A proposta assume o ensino do Criacionismo na Educação Básica, restringindo-o apenas à sua interpretação cristã baseada na fé e nos textos bíblicos, principalmente no livro Genesis, que relatam a ideia sobre a origem da vida do ponto de vista religioso, a comunidade científica, por meio do Conselho Federal de Biologia – DFBio, se manifestou contrariamente ao Projeto, visto existir falta de evidências científicas do Criacionismo.

Em maio de 2016, a Proposta foi apensada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ao PROJETO DE LEI 5336/2016por sua vez, apresentado pelo Deputado Jefferson Campos (PSD-SP), que: “Acrescenta um parágrafo 10 ao art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e dá outras providências, para incluir a ‘Teoria da Criação’ na base curricular do Ensino Fundamental e Médio”.

Eduardo Cunha (deputado signatário fora de exercício na 55ª Legislatura) (PMDB/RJ) é o autor do PROJETO DE LEI 7382/2010, proposta que pune com pena de um a três anos de prisão quem discriminar heterossexuais. O texto do projeto “Penaliza a discriminação contra heterossexuais e determina que as medidas e políticas públicas antidiscriminatórias atentem para essa possibilidade” e tem como alvo quem “impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente (…)”, ou “impedir ou restringir a expressão de afetividade em locais públicos ou privado abertos ao público” de heterossexuais.

Após desarquivamento do projeto em 2015, ao passar pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), foi retirado da pauta da reunião da CDHM por um pedido de vistas, depois da apresentação do parecer rejeitando a matéria em outubro do mesmo ano.

Eduardo Cunha (deputado signatário fora de exercício na 55ª Legislatura) (PMDB/RJ) apresentou o PROJETO DE LEI 1672/2011 que institui o “Dia do Orgulho Heterossexual”, a proposta havia parado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias na legislatura anterior, acabou arquivado e foi desarquivado em 10.02.2015 pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para voltar a tramitar. Ele argumenta, na justificativa da proposta: “No momento que discutem preconceito contra homossexuais, acabam criando outro tipo de discriminação contra os heterossexuais e, além disso, o estímulo da ‘ideologia gay’ supera todo e qualquer combate ao preconceito”. Caso aprovado o projeto, o dia dos heterossexuais seria comemorado no terceiro domingo de dezembro.

Há diferentes projetos na Câmara para considerar a prática da interrupção de gravidez um crime hediondo, sujeitando os responsáveis a penas mais severas. O PROJETO DE LEI 4703/1998, como descreve em sua ementa, “inclui como crime hediondo o aborto provocado pela gestante, ou por terceiros, com o seu consentimento”.

O projeto já havia sido arquivado no início de 2015 pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, contudo foi desarquivado no mesmo ano. A proposição em março de 2016 foi apensada ao PROJETO DE LEI 4646/2016, que propõe a alteração do Decreto-Lei Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e a Lei Nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), para tipificar o crime de auxílio, induzimento ou instigação ao aborto entre outras providências.

O próprio Eduardo Cunha (deputado signatário fora de exercício na 55ª Legislatura) (PMDB/RJ) é autor do PROJETO DE LEI 5069/2013, que cria uma série de restrições para as mulheres vítimas de violência sexual terem acesso ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde. O projeto prevê penas específicas para quem induzir, instigar ou auxiliar a gestante ao aborto. Em caso de vítimas de estupro, somente poderão receber atendimento hospitalar após a comunicação à autoridade policial e exame de corpo de delito feito no Instituto Médico Legal para que a vítima de violência sexual possa se submeter ao aborto.

Presentemente, não há necessidade de comprovação ou comunicação à autoridade policial – basta a palavra da gestante. A proposta considera violência sexual apenas os casos dos quais resultam danos físicos e psicológicos. O entendimento no momento atual, considera como violência sexual qualquer forma de atividade sexual sem consentimento. A proposição em 21.10.15 teve seu parecer aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), sendo enviado logo após para a Coordenação de Comissões Permanentes (CCP) para publicação.

Na Câmara, três projetos tramitam baseados na proposta de Programa Escola sem Partido. O PROJETO DE LEI 7180/2014, do deputado Erivelton Santana (deputado signatário em exercício na 55ª Legislatura) (PEN/BA), o PROJETO DE LEI 867/2015, do Izalci Lucas (deputado signatário em exercício na 55ª Legislatura) (PSDB/DF) e o PROJETO DE LEI 1411/2015, de Rogério Marinho (PSDB/RN), este último o único não ligado a Frente Parlamentar Evangélica. No Senado, o pastor evangélico Magno Malta (senador signatário em exercício na 55ª Legislatura) (PR/ES) é autor de texto semelhante, apresentado como PLS 193/2016.

O Programa Escola sem Partido alega combater a “doutrinação ideológica dos estudantes” e defende o veto a qualquer aula, conteúdo ou atividade que afronte as convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos, e por sua vez, inclui entre os princípios do ensino o respeito às convicções do estudante e responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa.

A Frente Parlamentar age de forma a conservar e consequentemente impedir o avanço legislativo, quando, por exemplo manifesta os posicionamentos abaixo:

A tipificação dos crimes de ódio praticados contra homossexuais enfrenta resistência de parlamentares evangélicos. A FPE alega que o projeto viola a liberdade de expressão ao deixar em risco religiosos que condenam a homossexualidade em pregações, por exemplo. O projeto de reforma do Código Penal em tramitação no Senado também criminaliza a homofobia com pena de até cinco anos, e prevê exceção para manifestações de cunho religioso.

A resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça, a qual determina seguir o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto ao registro de união estável e o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Porém ainda não há lei regulamentadora do assunto é outra temática que enfrenta a resistência da Frente Parlamentar Evangélica.

Uma das principais bandeiras da Frente Parlamentar Evangélica é impedir o avanço de projetos de leis que buscam flexibilizar as regras para a realização do aborto – hoje, a prática é permitida em caso de estupro, risco de vida da mãe ou, por decisão do STF, em gestação de fetos com anencefalia.

4. CONCLUSÃO

O Brasil vive um momento de polarização política, o que é um reflexo social. Tempos nos quais projetos de leis ganham grande repercussão, ou seja, a atuação do Congresso Nacional está em evidência, quer negativa ou positivamente. No caso da Frente Parlamentar Evangélica, se faz necessária uma análise acerca de eventual tensão entre direitos, tais como liberdade religiosa e liberdade legislativa. Atentemos para a exposição abaixo feita por Norberto Bobbio em seu livro Teoria Geral da Política: A Filosofia política e as Lições dos Clássicos:

A diferença fundamental entre o religioso e o revolucionário é que o primeiro visa à renovação da sociedade através da renovação do homem, o segundo à renovação do homem através da renovação da sociedade. São dois modos distintos de conceber a “transformação”. Ambos partem da mesma exigência de uma transformação radical e por isso são comparáveis. […] São comparáveis, o religioso e o revolucionário, porque ambos experimentam uma profunda insatisfação com o mundo e crêem firmemente que possa existir, perto ou longe, próximo ou futuro, aqui ou em outro lugar, um mundo diferente, no qual os homens viverão como irmãos, livres e iguais. ‘Liberté, égalité, fraternité’; é um ideal a um só tempo religioso e revolucionário. […] O tema do novo homem é um tema religioso por excelência, é o tema na presença do qual se costuma dizer com razão que uma concepção revolucionária da história é o prolongamento de uma concepção religiosa (o prolongamento ou a distorção, segundo os pontos de vista). O novo homem, o ‘novo Adão’;, […], implica um segundo nascimento, um ‘renascimento’: não é possível separar a ideia de revolução da ideia de renascimento. Mas o revolucionário – e aqui reside a profunda diferença – aprendeu ou acredita ter aprendido com a lição da história que, não obstante os longos séculos de pregação religiosa, em particular do cristianismo, religião dominante senão completamente exclusiva nos países nos quais nasceu a ideia de revolução, o novo homem não nasceu. […] Se o novo homem não nasceu, e, ao contrário, em seu lugar continuou a renascer o velho homem, […] significa que as pregações morais não são suficientes. É preciso transformar as relações sociais que tornam possível a perpetuação do velho Adão (2000, p. 342-4).

A partir da explicação de Bobbio, torna-se de mais compreensível o conceito da cosmovisão do cristianismo especificamente, mas também que as cosmovisões de cunho religioso são bastante numerosas na história da humanidade porém, na verdade, são mais abrangentes que a questão religiosa em si, pois acabam por legitimar sob o manto do sagrado sistemas políticos, jurídicos e econômicos.

O Brasil é um país reconhecidamente de maioria cristã, mesmo subdivido em várias denominações religiosas com diferentes ritos, mas partilhando da mesma cosmovisão – cristã. Tal aspecto por vezes é usado para justificar posturas moralistas, de interpretações distorcidas ou até mesmo esquecidas do código religioso cristão pelos representantes do povo na Casa Legislativa.

Por fim, é importante ressaltar que um dos intuitos da pesquisa foi promover a reflexão acerca da atuação da Frente Parlamentar Evangélica como também do funcionamento do Processo Legislativo, simultaneamente a realização desta, a temática se tornou cada vez mais debatida, ampliando a necessidade de atenção à aplicação do princípio da laicidade em um Estado Democrático de Direito, como é o caso do Brasil.

REFERÊNCIAS

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* Mestranda em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). E-mail: nayaratrajanoseixas@gmail.com

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Nayara Trajano Seixas da. Frente Parlamentar Evangélica: Uma análise de sua atividade legislativa durante a 55ª Legislatura. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/frente-parlamentar-evangelica-uma-analise-de-sua-atividade-legislativa-durante-a-55o-legislatura/ Acesso em: 28 mar. 2024