Direito Constitucional

Os dilemas contemporâneos do constitucionalismo

Gisele Leite[1]

Resumo: O artigo aborda a evolução do constitucionalismo, culminando em alguns dilemas contemporâneos até hoje enfrentados.

Palavras-chave: Direito Constitucional, Constituição Federal, Constitucionalismo, Direitos Fundamentais, Liberdades Civis, Cidadania.

Abstract: The article discusses that throughout the evolution of constitutionalism, culminating in some dilemmas contemporary until today faced.

Keywords: Constitutional Law, Federal Constitution, Constitutionalism, Fundamental Rights, Civil Liberties, Citizenship.

A noção de Constituição, tal como conhecemos atualmente, é o resultado da modernidade, sendo influenciada pelo Iluminismo e pelas revoluções burguesas ocorridas nos séculos XVII e XVIII, na Inglaterra, nos EUA e França. A referida noção está muito associada ao constitucionalismo moderno que preconiza a limitação jurídica do poder político em favor dos direitos humanos fundamentais.

Cogita-se, igualmente, do constitucionalismo antigo e do medieval para se referir a certas concepções sobre poder público outrora existente.

Obviamente, o constitucionalismo e as noções sobre as Constituições que lhes são subjacentes, têm variado bastante ao longo do tempo e foram torneadas por profundas mudanças sociais, políticas e econômicas ocorrentes no mundo.

Na Grécia Antiga, entre os séculos VI e IV a.C. nasceram algumas ideias e instituições que podem ser consideradas como correspondentes ao modelo antigo do constitucionalismo.

Na pólis grega durante algum tempo, vigorou a democracia direta, onde os seus cidadãos, sem intermediários, deliberavam em assembleias (ecclesia) reunidas em praça pública (ágora) sobre os principais assuntos de interesse geral.

É bom recordar, no entanto, que essa participação política era restrita aos homens livres, eram excluídas as mulheres e escravos, além dos estrangeiros e seus descendentes (metecos). Naquela época, havia as funções públicas exercidas pelos magistrados que tinham mandatos curtos, mas, se subordinavam às deliberações das assembleias.

A organização política da pólis grega era denominada politeia que é a expressão que se traduz como constituição. Portanto, percebe-se que ora era um conceito empírico que designava a forma de ser da comunidade política, e, ora se revela um conceito ideal que apenas indicava o modelo de ser cumprido para a realização de bem comum, mas que não possuía propriamente um conteúdo jurídico que tanto caracteriza a Constituição dentro do sentimento moderno, encarada como norma de hierarquia superior, dotada de supremacia, reguladora do processo político e das relações entre os cidadãos e o Estado.

Já havia, no contexto grego, a preocupação de limitação de poder das autoridades bem como a contenção de arbítrio. Porém, a referida limitação objetivava o bem comum proporcionado pela garantia das liberdades individuais.

No pensamento grego, a liberdade cingia-se ao direito de participar das deliberações públicas da cidade-Estado, não incluindo qualquer pretensão de não-intervenção estatal no âmbito pessoal.

Não se cogitava proteção de direitos individuais contra os governantes, pois se acreditava que as pessoas deviam servir às comunidades políticas, sem que pudessem exigir direitos de qualquer natureza. Tal premissa se fundava na acepção organicista da comunidade política, onde o cidadão não era considerado em sua dignidade individual, mas apenas, como parte integrante do corpo social.

Colhe-se, como bom exemplo, dessa acepção organicista no pensamento de Aristóteles que afirmava que o Estado é por natureza claramente superior à família e ao indivíduo.

A prova dessa superioridade do Estado é uma criação da natureza superior ao indivíduo, é que este sozinho, não é autossuficiente e, aí está a sua relação com o todo.

A pessoa virtuosa em sua cidadania era quem melhor se adequava aos padrões sociais, não o que se distinguia como indivíduo. A liberdade individual não era objeto da especial valoração tão inerente ao constitucionalismo moderno.

Na Roma Antiga, também não havia o constitucionalismo no sentido moderno como fórmula de limitação do poder político em favor de liberdade dos cidadãos.

Algumas instituições da república romana já profetizavam a concepção moderna da separação dos poderes[2], notadamente a sua repartição por instituições com o Consulado, o Senado e a Assembleia que representavam camadas sociais diferentes de forma a proporcionar o equilíbrio entre eles.

Tratava-se da ideia de governo misto defendida por pensadores como Políbio e Cícero[3] que também se prestavam enfocar a liberdade e trazer a moderação do poder político.

Também já demandava a absoluta submissão do indivíduo à coletividade, mas, já começava, aos poucos, a despontar a valorização da esfera individual e da propriedade, concomitantemente à sofisticação do Direito Privado romano e o reconhecimento de direitos civis ao cidadão de Roma, como o direito ao casamento (jus connubium), à celebração de negócios jurídicos (jus commercium), à elaboração de testamento (faccio testamenti) e à população em juízo (legis actiones).

Com a queda do Império Romano com a Idade Média correspondeu a um período caracterizado por amplo pluralismo político. Não havia qualquer instituição que detivesse o monopólio do uso legítimo da força, da produção de normas ou da prestação jurisdicional.

O poder político fragmentou-se por múltiplos órgãos e instituições, tal como a Igreja, os reis, os senhores feudais, as cidades, as corporações de ofício e o Imperador.

Não havia qualquer divisão nítida de competências entre estas, nem mesmo a incontestável supremacia de qualquer uma dessas instituições. Não havia como cogitar em Constituição em sentido moderno, porém pela extensa dispersão de poder, ao limitar cada um de seus titulares, é considerada por doutrinadores como Maurício Fioravante, como sendo um componente do constitucionalismo medieval.

É no fim da Idade medieval que se desenvolveria a noção que em certos aspectos fez surgir o constitucionalismo moderno.

Surgiram os pactos celebrados por reis e certas camadas sociais superiores, reconhecendo aos seus súditos certos direitos e prerrogativas, construindo limitações jurídicas ao exercício do poder político.

Dentre todos esses pactos firmados, destacou-se, o mais famoso na Inglaterra feito pelo Reio João Sem Terra, pelo qual prometia respeitar determinados direitos dos nobres ingleses.

O Rei se comprometia, por exemplo, a não criar novos tributos sem prévia autorização dos nobres, concedida em Assembleia, obtendo em contrapartida, o reconhecimento do seu poder.

A estes pactos cogitavam, contudo, a universalidade que caracteriza as constituições modernas, uma vez que estas não reconheciam os direitos extensivos a todos os cidadãos, mas apenas as liberdades e franquias que beneficiavam as camadas sociais privilegiados.

A maior premissa do constitucionalismo moderno é sustentar a limitação jurídica do poder do Estado em favor da liberdade individual. Surgido na modernidade como reação e superação ao Estado Absolutista, em que, os reis não estavam sujeitos ao Direito, eram os legibus solutos[4].

Alguns desenvolvimentos históricos foram cruciais para o aparecimento do constitucionalismo moderno, como a ascensão da burguesia como classe hegemônica; o fim da hegemonia da religião na Europa principalmente com a Reforma Protestante e a cristalização de concepções racionalistas e antropocêntricas legadas pelo Iluminismo.

De qualquer forma, o absolutismo teve papel protagonista na formação do Estado moderno e também na fixação das bases que permitiram a evolução da economia capitalista.

Na Idade Média[5] onde havia um mosaico contendo a convivência de ordenamentos jurídicos particulares, como o das corporações de ofício e ainda dos feudos, com ordenamentos jurídicos com pretensões universalistas, há ainda a presença do direito romano[6] e do direito canônico[7].

A fragmentação verificada no período medieval constituia um grave obstáculo ao desenvolvimento econômico emergente, pois cada feudo tinha suas peculiaridades jurídicas, sua própria moeda e, seu próprio sistema de pesos e medidas.

O pluralismo intenso impedia a expansão do comércio, reduzindo em muito os limites dos mercados. E, a partir da organização dos Estados modernos, a pluralidade de fontes da produção normativa cedeu lugar para o ordenamento jurídico estatal.

O Estado moderno se construiu tanto em luta contra as organizações políticas menores, no sentido da unificação de poder, quanto também em luta contra a Igreja, com o objetivo de obter a secularização do poder. Então, a anterior situação de pluralismo jurídico foi substituída pelo monismo com a monopolização da produção normativa pelo Estado.

Por isso que um dos mais expressivos teóricos do absolutismo foi Thomas Hobbes que justificou a centralização do poder por meio de pressupostos modernos e individualistas. Pois, para sair do “estado de natureza” que fora concebido por Hobbes[8] como “estado de guerra” de todos contra todos, onde os indivíduos não abrem mão de sua individualidade e de sua liberdade através do contrato social, em favor do Estado.

Segundo Hobbes, o contrato social somente pode consistir numa doação integral e incondicionada de cada um ao soberano; O direito é produto da autoridade do soberano e, não mais das leis da natureza: autorita non veritas facit legem.

Não importa o conteúdo do ato normativo, deve ele ser considerado direito, desde que emanado do soberano. Com a centralização da produção normativa pelo Estado absolutista, o poder ilimitado dos governantes caracterizava e significava um entrave a continuidade do desenvolvimento do capitalismo.

Afinal, a burguesia pretendia proteger a liberdade, a propriedade e os contratos, também do eventual arbítrio dos governantes. Emerge a noção de que igualmente os governantes deveriam se submeter aos ordenamentos jurídicos providos de estabilidade e racionalidade.

Daí a plena convergência entre os interesses da classe econômica ascendente, a burguesia e o ideário do constitucionalismo no sentido de contenção do poder estatal em favor da liberdade individual.

Com o fim da unidade religiosa, na Europa extinguira-se a possível fundamentação do poder político como vontade divina, uma vez que a crença perdera seu alicerce.

A reação contra as guerras e revoluções (perseguições) religiosas iniciadas pela Reforma e Contrarreforma nutriram a noção de que era necessário promover a tolerância e fomentaram o desenvolvimento de direitos invioláveis dos súditos.

Enfim, era indispensável fornece uma base racional e secularizada para o poder político, sob pena de se perpetuar o cenário de guerra e instabilidade que vitimava gravemente o continente europeu.

Naquele contexto, se passou a valorizar o indivíduo, concebido como um ser racional, titular de direitos cuja dignidade independia do lugar que ocupasse dentro do corpo social.

Evoluiu-se para o reconhecimento de direitos universais, pertencentes a todos. A sociedade não mais era concebida como um organismo social, formado por órgãos que exerciam funções determinadas (clero, nobreza e vassalos). A sociedade passou a ser concebida como conjunto de indivíduos, como uma sociedade atomizada formada de unidades iguais entre si.

As atividades sociais, como o trabalho, por exemplo, deixam de serem atributos naturais relativos ao lugar ocupado no organismo social, e passam a decorrer da vontade livremente declarada pelos indivíduos.·.

Assim, o contrato se torna um instituto por excelência de formalização de vínculos sociais. Consoante com essa visão, desenvolveram diversas teorias do contrato social[9] que passaram a justificar a existência do Estado em nome de interesses dos indivíduos que ganharam com a superação do estado de natureza e a fundação da sociedade civil.

A versão liberal do contratualismo teve em John Locke[10], seu principal formulador, sustentava a ideia de que ao celebrar o contrato social, as pessoas alienam para o Estado apenas uma parcela da liberdade irrestrita de que desfrutavam no estado de natureza, retendo, no entanto, determinados direitos naturais que todos os governantes eram obrigados a respeitar.

Ressalte-se que esse jusnaturalismo é diferente daquele presente na Antiguidade e na Idade Média por duas razões fundamentais. A primeira, por não se basear na vontade divina, nem imposições extraídas da natureza, mas princípios cessíveis à razão humana. A segunda, por conferir primazia aos direitos individuais.

O jusnaturalismo antigo e medieval pautava-se pela lei natural que correspondia à ordem subjetiva, criada por Deus, a qual não poderia deixar de ser observada pelo Estado.

Já o jusnaturalismo moderno, com base em Locke, é subjetivista, pois identifica determinados direitos naturais, que não podem ser violados pelas autoridades públicas e tendo sido ressalvados no pacto social.

O constitucionalismo moderno se fulcra em três pilares a contenção do poder dos governantes, através da separação de poderes, a garantia dos direitos individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado e a necessidade de legitimação do governo pelo consentimento dos governados, pela via da democracia representativa.

O derradeiro pilar, que não é devidamente valorizado, pela generalização do voto censitário masculino nos Estados constitucionais até meados do século XX, com base na justificativa de que apenas os mais instruídos, de melhor condição social e que reuniam as capacidades mínimas que lhe permitissem expressar, através do voto, representando a vontade da nação[11].

Veio o constitucionalismo moderno conhecer três versões, sendo as mais influentes, a saber: a inglesa, a francesa e a norte-americana.

Também existem duas fases distintas fases do referido constitucionalismo que corresponde ao Estado Liberal burguês e ao Estado Social. Sendo discutível se a crise do Estado Social e da soberania estatal ensejou o surgimento de novo modelo de constitucionalismo que é pós-moderno ou também chamado de neoconstitucionalismo.

O modelo inglês de constitucionalismo se consolidou apesar de que na Inglaterra não conheceu propriamente o absolutismo. Pois, desde fim da era medieval, o poder do rei já era limitado por certos costumes e pactos sociais dos quais o mais famoso era a Magna Carta de 1215.

O constitucionalismo inglês tem origens nas tradições e atos solenes que remontam à invasão da Normandia em 1666. Nicola Mateucci[12] estudou detidamente as sucessivas convulsões políticas da Inglaterra do século XVII, o que muito influenciou o seu modelo de constitucionalismo.

Frise-se, todavia, que surgiu na Inglaterra, o primeiro documento que é talvez considerado com a primeira Constituição escrita que seria o Instrument of Government outorgado para Oliver Cromwell[13] em 1653 na fase republicana de Revolução Inglesa, tendo vigorado apenas por quatro anos.

O século XVIII foi marcante na definição do modelo constitucional inglês quando existiam tensões agudas entre a Corte e o Parlamento e por várias reviravoltas políticas que culminaram com a Revolução Gloriosa[14] de 1688, a qual depôs a dinastia dos Stuarts.

Com a Revolução Gloriosa assentou-se o princípio da supremacia política do Parlamento, consolidando um regime pautado no respeito aos direitos individuais.

No transcorrer do século XVII foram editados três documentos constitucionais muito expressivos, a saber: Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689 que erigiram relevantes garantias relevantes para os súditos ingleses, imponto limites à Coroa e transferindo poderes ao Parlamento.

Uma das principais preocupações do constitucionalismo inglês é a de respeito às tradições constitucionais, documentos constitucionais escritos, de forma que não há texto constitucional único que consolide se organize.

Entende-se que a autoridade do Direito Constitucional e, notadamente, da Constituição não provém apenas dos referidos textos esparsos, mas também da common law desenvolvidos pelos tribunais.

Percebe-se que a noção de exercício do poder constituinte através da ruptura com o passado, com a refutação do Estado vigente e a refundação de outro, e de nova ordem jurídica, é estranha ao modelo constitucional inglês que se assenta firmemente no respeito às tradições.

Tem-se um constitucionalismo historicista[15], já que a Constituição e os direitos fundamentais nas tradições históricas do povo inglês e, não em ato de vontade do constituinte ou no exercício puro da razão.

Pelo princípio inglês de caráter constitucional que defende a supremacia do Parlamento, dá franca primazia ao Poder Legislativo para editar norma com qualquer conteúdo.

Não há, pois, a possibilidade de invalidação das suas decisões por outro órgão. Daí o caráter flexível da Constituição inglesa, que pode ser alterada pela mesma forma em que são editadas as leis.

Sem embargos, a profundidade dos valores constitucionais ingleses torna pouco provável a violação por atos parlamentares. Contudo, na Inglaterra contemporânea há uma tendência à alteração deste modelo de soberania irrestrita do Parlamento pelo menos em matéria de direitos fundamentais.

A mais relevante expressão foi a aprovação em 1998, do Humans Rights Act, que possibilitou ao Judiciário britânico a declaração de incompatibilidade de leis editadas pelo Legislativo, com os direitos previstos naquele estatuto.

Tal declaração não acarreta a invalidação da lei, mas cria relevante fato político, gerando forte pressão para a revogação da norma violadora dos direitos humanos.

O modelo constitucional britânico é, evidentemente recessivo, pois que no contexto contemporâneo, acabou prevalecendo a fórmula baseada na edição da Constituição escrita. Além da Grã-Bretanha, figuram apenas Israel e a Nova Zelândia.

O modelo francês de constitucionalismo tem como marco inicial a Revolução Francesa de 1789, que juntamente com outros eventos históricos, representou o verdadeiro rompimento com a relação ao passado. Não se tinha a mera intenção de modificar o Antigo Regime, pois visava formar um novo Estado e uma nova sociedade, baseada no ideário de Iluminismo composto de igualdade, fraternidade e solidariedade[16].

Na teoria constitucional esta ruptura do com o passado se expressou pela tese do poder constituinte elaborada pelo Abade Emanuel Joseph Sieyès[17], em sua célebre obra “Qu’est-ce que le tiers état?

Através dessa tese, o poder constituinte exprimia a soberania da Nação restando completamente desvencilhado de quaisquer limites impostos pelas instituições e ordenamentos do passado.

Fundando-se nova ordem jurídica e criando-se novos órgãos e poderes que seriam os chamados poderes constituídos, que a ele estariam vinculados.

A visão iluminista no contexto político-institucional aponta ser possível e desejável confirmar racionalmente o poder constituído. A Constituição deve corresponder a uma lei escrita, não se confundindo com repositório de tradições, ao contrário da fórmula inglesa. Pois a Constituição pode romper com o passado e dirigir o futuro, inspirando-se em valores universais centrados no indivíduo.·.

Verifica-se que tais valores estão bem sintetizados na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, cuja expressão inspirou o pensamento liberal in litteris: “Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos não é assegurada nem a separação de poderes determinada, não tem Constituição. ”

O protagonista do processo constitucional no modelo constitucional francês é o Poder Legislativo, que teoricamente, encarna a soberania e é visto como um garantidor mais confiável dos direitos do que o Poder Judiciário[18].

Historicamente, tal desconfiança dos franceses, justificou-se em relação ao Judiciário, visto como uma instituição corrompida e relacionada ao Antigo Regime e, trazida com a valorização da lei escrita, concebida a partir da influência de Rousseau[19] considerada como a expressão da vontade do povo.

O que acarretou na prática, a que Constituição acabasse desempenhando o papel de proclamação política que deveria inspirar a atuação legislativa, mas, não de autêntica norma jurídica, que pudesse ser invocada pelos litigantes dos tribunais.

No entanto, o culto à lei escrita emanada do Legislativo, desvirtuou-se no legalismo formalista em que os juízes eram vistos como aplicadores autômatos de normas e, então, os direitos fundamentais valiam apenas nos limites das leis que os consagravam.

A história política francesa é caracterizada pela truculência e contínuas mudanças de regimes políticos que demandavam, praticamente, a cada mudança, uma nova Constituição.

No total foram vinte e duas constituições francesas editadas, sendo as mais importantes as editadas em: 1791, 1793, 1795, 1799, 1804, 1830, 1848, 1852, 1875, 1946 e 1958 (ainda em vigor) [20].

Diante a tamanha instabilidade constitucional francesa, o papel da Constituição real ficou delegado para o Código Civil, onde deveriam estar resumidas as regras racionais, estáveis e universais para a disciplina da vida social, sintonizadas com a ideologia liberal burguesa, pautada na proteção à propriedade e no respeito à autonomia da vontade. Fora exatamente essa a concepção acolhida pelo renomado Código Civil francês[21], de Napoleão Bonaparte, de 1804.

O módulo constitucional francês foi o mais influente ao longo do século XIX e o início do século XX. Todavia, no que se refere à supremacia do Legislativo, vem sendo superado pela difusão mundial da jurisdição constitucional ocorrida a partir da segunda metade do século passado.

Na própria França já se constatava essa tendência onde a atual Constituição que instituiu o controle preventivo de constitucionalidade das leis e que fora confiado ao Conselho Constitucional, o qual passou a desempenhar o papel cada vez mais relevante na vida pública francesa, sobretudo a partir dos anos setenta.

E, recentemente, aprovou em França a possibilidade de controle de constitucionalidade a posteriori, o que representa a quebra de um verdadeiro tabu no constitucionalismo francês[22].

Em 2008, aprovou-se emenda constitucional em França que fora regulamentada somente em 2010 que instituiu no país a Questão Prioritária de Constitucionalidade[23] que dispôs que as partes podem arguir incidentalmente a inconstitucionalidade da lei por ofensa aos direitos e liberdades fundamentais garantidas pela Constituição francesa vigente no âmbito dos processos judiciais ou administrativos.

O modelo constitucional norte-americano tem suas origens que antecedem a promulgação da Constituição dos EUA bem como a sua Declaração de Independência. O fato de sua colonização em boa parte ter sido na Europa contribuiu muito para que se enraizasse a cultura política pautada nas limitações do poder dos governantes e na proteção das minorias[24] durante o governo das maiorias.

Ao analisar França e Brasil, Siqueira Castro apud Leite e Sarlet disse que o controle de constitucionalidade das leis, na França e no Brasil teve uma influência recíproca interessante. Surgiu no Brasil, com a Constituição de 1824, a afeição ao um controle estritamente político. Nenhum juiz e nenhum tribunal poderia declarar a inconstitucionalidade de uma lei. Isto era responsabilidade do Legislativo, portanto, na época, da Assembleia Geral do Império.

Por outro lado, em França por força da tradição do jacobinismo[25], pela proeminência da Assembleia Nacional Francesa, destacando que somente o poder político legislativo, poderia dispor sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei, revogando-a ou mantendo-a segundo a sua aferição estritamente política.

Já o controle judicial de constitucionalidade fora inaugurado no Brasil, com a Constituição republicana de 1891 e, já nasceu inteiramente difuso. Pois, não se conhecia à época o controle concentrado, na esteira do modelo norte-americano.

Assim, qualquer juiz tinha prerrogativa, como tem hoje, para considerar uma lei contrária à Carta Magna e, fazer o julgamento de proclamação da inconstitucionalidade. Naturalmente, está sujeito aos recursos próprios nas instâncias recursais. Tudo culminando com a decisão final e definitiva do Supremo Tribunal Federal, por via de recurso extraordinário.

Somente em 1965, o Brasil veio inaugurar o primeiro arremedo de controle concentrado com Emenda Constitucional nº 16. Quando foi atribuída ao Procurador Geral da República, em caráter de exclusividade, a prerrogativa para oferecer, perante o STF, representação de inconstitucionalidade, em tese, sobre a inconstitucionalidade de uma lei, decreto federal ou estadual em face da Constituição Federal vigente. Tal modelo prevaleceu até a Constituição Cidadã, proclamada em 1988, que veio após um longo período de regime autoritário e ditatorial. (In: CARVALHO, Maura Augusta. Controle da constitucionalidade: França e Brasil. Disponível em:  http://jota.info/justica/controle-da-constitucionalidade-franca-e-brasil-28112014 Acesso em 12.02.2017).

A Constituição dos EUA foi aprovada pela Convenção de Filadélfia de 1787 e, depois ratificada pelo povo norte-americano, vigorando até o presente momento. Esta veio substituir os Artigos da Confederação de 1781, criando novo modelo de organização política que é o Estado Federal e instituiu o presidencialismo e o sistema de freios e contrapesos[26] ainda associado à separação de poderes.

Verifica-se que é um texto constitucional bastante sintético e, originariamente composto de apenas de sete artigos que, mesmo, depois de duzentos e trinta anos de vigência, tendo sofrido somente vinte e sete emendas. É rigorosamente difícil modificar formalmente a Constituição norte-americana.

Com a plasticidade das cláusulas constitucionais mais importantes, abriu-se a possibilidade de atualização daquela Constituição pela via interpretativa, para adaptá-la às novas demandas e valores emergentes que surgiram na sociedade americana.

Por essa razão, apesar da rigidez constitucional norte-americana, o texto ainda se revela em ser Living Constitution (Constituição viva). Também seu modelo se inspirou nas fontes do jusnaturalismo liberal[27]. Consolida-se a noção de que a ruptura com o passado através do exercício do poder constituinte é também cultivada nos EUA, havendo inclusive a valorização da sabedoria e o espírito público dos pais fundadores (Founding Fathers).

Em verdade, o modelo constitucional norte-americano representa a tentativa de conciliação entre dois vetores opostos. Percebe-se nitidamente o vetor democrático que está implícito no preâmbulo da Constituição Americana. E, o outro vetor, que é de cunho liberal que está preocupado com a contenção do poder das maiorias para a defesa de direitos das minorias[28].

Há uma crítica feita a este tipo de constitucionalismo por autores situados à esquerda do espectro político, é a de que a proteção das minorias seria apenas uma forma retórica para assegurar os interesses das elites posto que sejam minoritárias, apenas em cunho numérico, mas não no sentido de participação, no poder social, em face das pressões democráticas vindas do povo.

A estrutura da Constituição vigente norte-americana busca simultaneamente fundar o exercício do poder político no consentimento dos governados e estabelecer mecanismos que evitem que este poder se torne opressivo, ameaçando ou tolhendo a liberdade individual.

Porém, é alheia à Constituição dos EUA, a ideia de que lhe caiba à direção do futuro. Suas premissas se prendem a ser a organização do Estado e a instituir a limitação da ação dos governantes, mas não propriamente à definição dos rumos da vida nacional.

Derivada da matriz liberal é a concepção de que a Constituição é a norma jurídica que pode ser invocada pelo Judiciário na resolução de conflitos, mesmo que isso acarreta a restrição ao poder das maiorias encasteladas no Legislativo ou no Executivo.

Há a noção de que os juízes ao decidirem os conflitos podem reconhecer a invalidade de leis que contrariem à Constituição, deixando de aplicá-las ao caso concreto.

Enfim, foi esta a posição sustentada por Hamilton e formulada na jurisprudência da Supreme Court pelo juiz John Marshall, no célebre julgamento Marbury versus Madison[29] em 1803, tendo se cristalizado depois como princípio fundamental do Direito Constitucional norte-americano.

Em resumo, o referido modelo constitucional prevê claramente a supremacia da Constituição dos EUA que não representa apenas uma proclamação política, como na tradição constitucional francesa, mas um princípio jurídico francamente e judicialmente tutelado.

Embora que o controle judicial de constitucionalidade das leis, também chamado de Judicial Review sofrera até hoje, muitas contestações nos EUA, sendo usualmente acusado de antidemocrático, por transmitir aos juízes que não são eleitos pelo voto popular, o poder de desconsiderar decisões tomadas pelos representantes do povo (Legislativo), com base em interpretações subjetivas sobre cláusulas constitucionais e que muitas vezes se sujeitam às diferentes leituras e geram insegurança jurídica.

Contudo, a jurisdição constitucional não apenas criou profundas alterações no Direito Constitucional, mas resultou em disseminar-se pelo mundo, sobretudo, após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial e também da segunda metade do século XX.

O constitucionalismo liberal-burguês se baseou na noção de que a proteção dos direitos fundamentais dependia principalmente da limitação de poderes do Estado.

Também foram concebidos os direitos negativos que impunham aos poderes políticos certas abstenções. Afinal, o Estado era visto e encarado como sendo seu principal adversário dos direitos, como o principal adversário dos diretos, o que justificava a sua estrita limitação, em favor da liberdade individual. Tal limitação foi também buscada através da separação de poderes que visava evitar o arbítrio e favorecer a moderação na ação estatal.

A defesa do Estado Mínimo que confia na mão invisível[30] do mercado para enfim promover o bem comum, estando apenas sujeito à ação espontânea de forças do próprio mercado.

Enfim, o constitucionalismo liberal-burguês assenta-se numa estrita separação entre sociedade e Estado. Cabe ao Estado velar pela segurança das pessoas e proteger a propriedade, mas não lhe compete intervir nas relações travadas no âmbito social, onde se supõe que sejam os indivíduos formalmente iguais, onde buscam seus interesses privados, celebrando negócios jurídicos.

Tal corrente doutrinária pode ser ilustrada com a visão de que nas relações de trabalho se rechaçavam qualquer possibilidade de intervenção coativa do Estado em favor do trabalhador. Não cabe ao Estado, nessa ótica, se imiscuir em negócios privados.

A igualdade vista e defendida nesse modelo de constitucionalismo é puramente formal[31] posto que combatesse os privilégios sociais do Antigo Regime e apoiada na concepção organicista da sociedade que tornava os direitos e deveres de cada um, dependentes da respectiva posição na estrutura social.

É óbvio que ignorava a opressão presente entre o discurso e a prática, principalmente no que se refere à igualdade, como por exemplo, no emprego de critérios censitários para o reconhecimento de direitos políticos.

Afirmava-se a igualdade de todos, perante a lei, mas, contraditoriamente, conferia-se apenas aos integrantes da elite econômica, o direito de voto, o que impedia que as demandas das classes inferiores fossem trazidas para o espaço institucional dos parlamentares e, tivesse peso no governo e na elaboração de normas jurídicas. Tal contradição era ainda mais acentuada em países como o Brasil e os EUA (onde se deu a escravidão negra).

A noção de liberdade no constitucionalismo liberal-burguês muito se identificava com a autonomia privada do indivíduo, compreendida como ação livre de interferências estatais e da autonomia política do cidadão, associada à soberania popular e à democracia.

A liberdade concebida em termos formais e tida como ausência de constrangimentos externos impostos pelo Estado, à ação dos indivíduos. Portanto, não havia qualquer preocupação com a liberdade real das pessoas, o que requer as condições reais materiais mínimas necessárias para que cada um possa fazer conscientemente as suas escolhas e persegui-las em sua vida particular.

O foco centrava-se mais propriamente sobre as liberdades econômicas do que nas liberdades existenciais. O discurso constitucional da época voltava-se à proteção da propriedade privada e do mercado, mas não se insurgia, por exemplo, contra a ação estatal que proibia ou penalizava os estilos de vida alternativos que desafiassem a moralidade tradicional, em questões como a disciplina do direito de família, sexualidade e o papel dos gêneros, etc.

Evidentemente que o direito de propriedade na gênese do pensamento liberal, integrava o discurso contra a antiga ordem feudal, pois a propriedade não podia ser privilégio das camadas sociais privilegiadas.

A defesa de propriedade é o meio de manutenção do status quo, marcado pela desigualdade econômica. Também se consagravam as liberdades políticas.

Preocupa-se em limitar e dividir o poder do Estado e, tinha o propósito oculto que era evitar a intervenção estatal na esfera econômica, de modo a impedir que se alterassem as relações sociais de poder de tinham lugar na sociedade.

É incontestável que as liberdades e garantias não eram efetivas para os membros mais pobres da sociedade. As condições laborais na época da revolução industrial eram desumanas. Não havia educação ou saúde públicas. Não raro as mulheres pariam em pleno ambiente de trabalho bem como havia crianças que se dedicavam as atividades insalubres e perigosas.

É nesse contexto que o formalismo da igualdade liberal que emerge um novo constitucionalismo, que seria comprometido com a igualdade humana e a igualdade material.

O constitucionalismo social surgiu da crise do Estado Liberal, no final do século XIX e início do século XX. Na Europa Ocidental, a industrialização acentuava dramaticamente o quadro de exploração humana, que o Estado absenteísta, não tinha como equacionar. A pressão social dos trabalhadores e outros grupos de excluídos aliada ao temor da burguesia diante da possibilidade de rupturas revolucionárias inspiradas no ideário de esquerda, levaram a uma progressiva mudança nos papéis do Estado, que ensejou, por sua vez, a cristalização de um novo constitucionalismo.

Grandes contribuições foram trazidas pelo marxismo, socialismo utópico e a doutrina social da Igreja Católica que, embora divergindo muito quanto à solução, convergiam na crítica aos abusos o que conduzira a individualidade, exacerbando o capitalismo selvagem que tanto prosperara com o constitucionalismo liberal-burguês.

A democracia política ao romper com a hegemonia burguesia do Parlamento, abrira espaço também para a democratização social. Com a mudança, o Estado passou a atuar mais ativamente na serra econômica e a disciplinar as relações sociais de forma mais acentuada.

O mercado livre só havia fomentado maior desigualdade social, bem como as patologias de seu funcionamento, tais como monopólios e oligopólios em prejuízo da franca e livre concorrência.

No início do século XX, o liberalismo econômico entrou em crise profunda, pois o desemprego e a inadimplência eram crescentes. Os produtos perdiam preço nos mercados internos e no internacional. A economia de mercado livre se mostrava incompatível com o desenvolvimento econômico, o que requereria uma enérgica atuação estatal.

A crise tem seu clímax com a quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929[32]. O Estado passa a realizar grandes obras públicas e investimentos públicos que geram empregos diretos e indiretos, reaquecendo o consumo.

O constitucionalismo social é comprometido com esse novo papel do Estado. Assim, se no constitucionalismo liberal, o Estado era o guarda noturno que se dedicava apenas a dar segurança aos negócios privados. Com o constitucionalismo social, o Estado assume o papel mais ambicioso e interventor na vida econômica. É o Estado bem retratado pelo New Deal[33].

Neste novo contexto, o Estado incorpora funções ligadas à prestação de serviços públicos e no plano teórico, sua atuação passa ser justificada pela necessidade de promoção de igualdade substancial ou material através de políticas públicas e do fornecimento de prestações materiais para as camadas sociais mais pobres, em áreas como saúde, educação e previdência social.

E. neste contexto, é flexibilizada a proteção da propriedade privada, que passa a ser condicionada ao cumprimento de sua função social e, relativizada a garantia de autonomia negocial diante da necessidade de intervenção estatal em favor dos mais frágeis nas relações sociais.

Tal mudança de perfil do Estado reflete-se também em sua engenharia institucional, onde a separação de poderes foi flexibilizada para possibilitar a atuação mais forte e firme dos poderes públicos nas áreas social e econômica.

Cresce exponencialmente a produção de normas jurídicas para atender as demandas por regulação da sociedade, que se mostram cada vez mais complexas, deixando de ser monopolizada pelo Legislativo.

Porém, é a função administrativa que mais se avoluma, trazida pela crescente necessidade de prestação de serviços e de intervenção estatal na economia.

Nem sempre o Estado Social, guiou-se pelo respeito e lógica do Estado de Direito. Em diversos países, a crise do liberalismo levou a ideologia constitucional vista como relíquia.

A necessidade de se erigir um Estado mais forte, capaz de atender às crescentes demandas sociais fora utilizada como pretexto para aniquilação dos direitos individuais e das franquias democráticas. Tal fenômeno era frequente na década de 30 e 40 do século passado, com a instauração de regimes totalitários (Alemanha e Itália) ou, mais frequentemente autoritários como Brasil durante o Estado Novo.

Nestas condições se cogita em Estado Social[34], porém, não propriamente de constitucionalismo social. Que não renega os elementos positivos e do liberalismo tais como a preocupação com os direitos individuais e com a limitação dos poderes do Estado, mas antes, procura conciliar com a busca da justiça social e o bem-estar coletivo.

O que acarreta na ideologia constitucional mais inclusiva[35] e sensível as condições concretas do ser humano cumprindo suas promessas de liberdade e dignidade humana para todos.

Existiram duas fórmulas diferentes de recepção do Estado Social no âmbito do constitucionalismo democrático. A primeira fórmula tem relação com a evolução do Direito Constitucional norte-americano a partir dos anos de 1980, os calores da justiça social e igualdade material que não foram formalmente incorporadas ao texto constitucional.

Por sua vez, a Constituição deixou de ser interpretada como bloqueio à introdução de poderes políticos estatais na intervenção na economia e na proteção dos grupos sociais mais vulneráveis. Nessa ocasião, tem-se um constitucionalismo depende das inclinações da política majoritária.

A segunda fórmula que fora adotada por diversos países europeus e, também pelo Brasil onde a Constituição acolhe os valores do Estado Social. Como exemplos, apontamos a Constituição mexicana de 1917 e a alemã de 1919 (Weimar). Que possuem um perfil bem ambicioso pois não se limitam a disciplinar a estrutura do Estado e de direitos negativos[36].
Tais constituições imiscuem-se na disciplina da economia, das relações de trabalho e família. São Constituições não apenas do Estado, mas também da sociedade. E, incorporaram direitos sociais que envolvem demandas por prestações materiais e positivas do Estado tais como educação, saúde, moradia, previdência social, mas não incluem os direitos individuais clássicos, mas passam por outra ótica não mais como exigência de abstenção do Estado.

Não basta não violá-los, mas protegê-los ativamente diante de ameaças concretas representadas pela ação de terceiros bem como garantir materialmente as possibilidades para seu efetivo gozo. Assim os direitos eminentemente patrimoniais são relativizados quando não condicionados a uma função social.

Mas é certo que o constitucionalismo social enfrente crise desde as décadas finais do século passado, relacionada com os processos que ocorreram no Welfare State[37]. A globalização econômica reduziu a capacidade de os Estados implementarem as políticas públicas para atender aos seus problemas sociais e econômicos, uma vez que gerou a desterritorialização do poder.

A globalização realizou-se sobre a influência do pensamento neoliberal que preconiza a redução do tamanho do Estado e a desregulação econômica e a restrição de gastos sociais. É a defesa do chamado Estado mínimo[38].

Há pouco tempo atrás, os Estados que não seguiram a fórmula apelidada de Consenso de Washington eram criticados pelas agências internacionais como FMI – Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial que lhes negavam créditos, sinalizando para que os investidores econômicos e financeiros também os abandonassem.

Por outro lado, a grande mobilização de capitais tornou possível para que as empresas se estabelecessem nos países que lhes oferecer condições mais vantajosas, penalizando os países onde os custos de produção são mais elevados (o que inclui os gastos com salários e decorrentes encargos sociais).

No aspecto geopolítico a falência dos Estados socialistas foi simbolizada com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o que parecia acenar com a vitória do capitalismo que doravante prosseguiria, sem rival como o qual pudesse disputar a influência mundial.

Ademais, o crescente déficit dos Estados, inclusive do primeiro mundo foi potencializado pelo aumento da expectativa de vida da população, gerando expressiva elevação com os gastos contra a saúde e previdência social pública. Tal déficit acarretou a necessidade de discussão sobre o redimensionamento das prestações sociais, ameaçando as conquistas históricas das classes sociais menos favorecidos.

Já existem aqueles arautos que anunciam a morte do Estado Social e de seu modelo constitucional correspondente. A partir de 1980, começam se tornar hegemônica as propostas de se tornar ao modelo de Estado que praticamente não intervenha na área econômica.

Sob o estímulo da globalização da economia, se inicia uma reforma do Estado que alcança escala mundial. Há a redução das barreiras alfandegárias e não alfandegárias no comércio internacional, o que se traduz na redução da proteção da empresa nacional.
Eliminam-se as barreiras ao fluxo de capitais e se desterritorializa o processo produtivo.

Assim, a nova dinâmica da produção global, estimula os Estados a flexibilizarem suas relações de trabalho com o intuito de atrair investimento produtivo e de alcançar maior competitividade no mercado global. Ameaçados pela inflação, o que leva à necessidade de redução dos gastos públicos e, ainda, que os Estados privatizem suas empresas e extinguirem os monopólios públicos.

A atuação direta do Estado na economia é significativamente reduzida. A crise econômica mundial recente atinge os EUA considerado o país representante do coração do capitalismo mundial e não corrobora com a visão do ocaso do constitucionalismo social.

Pois a crise é resultado da ausência de regulação do Estado e, não por excesso desta, e o quadro vem sendo enfrentado em vários países por meio da ampliação da intervenção estatal na economia, e não com a insistência de políticas neoliberais.

A crise gerou a reabilitação das políticas centradas na atuação estatal, permitindo o estímulo ao desenvolvimento econômico, por meio de investimento econômico, por meio de investimentos, de fomento da iniciativa privada ou atuação estatal direta.

Hoje há uma atitude mais pragmática dos governos que têm buscado soluções efetivas e eficazes, que significarem, quer importem no inverso. No que se refere aos direitos sociais, a supressão do constitucionalismo social seria moralmente inaceitável nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, caracterizados pela grande injustiça social e desigualdade material.

Até poucas décadas atrás, predominava uma visão inspirada na matriz francesa de constitucionalismo que concebia a Constituição como uma proclamação política que deveria inspirar o Legislativo, mas não uma autêntica norma jurídica, geradora de direitos para o cidadão que pudesse ser invocada pelo Judiciário na solução de casos concretos. A principal exceção a esta forma de constitucionalismo era representada pelos EUA.

Pode-se afirmar didaticamente que até meados do século passado, no modelo hegemônico na Europa continental e, em outros países filiados ao sistema jurídico romano-germânico, a regulação da vida social gravitava em torno das leis editadas pelos parlamentos, com destaque especial para os códigos.

A premissa era que o Legislativo encarnava a vontade da nação e, portanto, tinha a legitimidade para criar o Direito. E, não o Judiciário, ao qual caberia somente aplicar a lei aos casos concretos.

A grande maioria dos países não contava, até a segunda metade do século XX com mecanismos de controle judicial de constitucionalidade das leis. E eram vistos como mecanismos antidemocráticos e viabilizariam o governo de juízes.

Neste sentido, se ressalta a obra do autor Edward Lambert[39] sobre o governo dos juízes, publicada originalmente em 1921, em que se criticava a jurisdição constitucional norte-americana, apontada como instituto antidemocrático e conservadora (In: Le Governement de juges. Paris: Dalloz, 2005).

Mesmo em alguns países em que existia a jurisdição constitucional tal como no Brasil, em que fora implantada em 1890 e incorporada à Constituição de 1891, o controle de constitucionalidade não desempenhava um papel relevante na cena política ou mesmo no cotidiano dos tribunais brasileiros da época.

Começou-se a alterar o cenário ao final da Segunda Guerra Mundial na Europa em face das gravíssimas violações aos direitos humanos perpetradas pelo nacional-socialismo, o que demonstrou a necessidade de criação de mecanismos de garantia de direitos que foram retirados das maiorias, para limitar os abusos cometidos pelo Estado.

A Lei Fundamental de 1949[40] na Alemanha representa uma referência central do novo modelo de constitucionalismo e, institui diversos mecanismos de controle de constitucionalidade e, ainda criou o Tribunal Federal Constitucional que se instalou em 1951 e passou a exercer papel, cada vez mais relevante na vida política alemã.

Para a Itália, Constituição de 1947[41] também apostou firme no controle de constitucionalidade, instituindo uma Corte Constitucional que começou a funcionar em 1956.

Mesmo em França, o tradicional berço do constitucionalismo, avesso à jurisdição constitucional, modificou-se finalmente com a Constituição de 1958, que instituiu um modelo de controle de constitucionalidade originalmente somente de caráter preventivo, confiado ao Conselho Constitucional francês que tem galgado ativa importância a partir da década dos 1970 e, hoje possui também o controle repressivo de constitucionalidade.

Inicialmente na década de 1970 do século passado, Portugal e Espanha se redemocratizaram e libertando-se de governos autoritários passaram a adotar constituições de caráter mais normativo e, também garantidas por uma jurisdição constitucional.

Também fora da Europa, deu-se o mesmo fenômeno. Após a descolonização da Ásia e África, tais países insurgentes também adotaram constituições dotadas de mecanismos de jurisdição constitucional com destaque da Índia.

No Canadá, deu-se a adoção da Carta de Direitos e Liberdades, em 1982, foi acompanhada da criação de mecanismos de controle constitucional que têm reforçado a tutela de direitos fundamentais e de valores constitucionais do país.

Nos anos de 1980 e 1990, na América Latina diversos países foram superando as ditaduras militares e implantando democracias constitucionais com a adoção de tutela judicial da Constituição dinâmica semelhante a dos países do Leste europeu, após a queda do Muro de Berlim e o esfacelamento do regime soviético com a reconstrução constitucional dos países antigos que seguiram na adoção de novo modelo de constitucionalismo dotado de controles de constitucionalidade a garantia dos direitos fundamentais.

Trazendo mudanças significativas não apenas nas constituições, mas, também na teoria jurídica subjacente que muitos chamam de neoconstitucionalismo que resulta da conjugação do constitucionalismo social com o reconhecimento do caráter normativo e judicialmente observado dos preceitos constitucionais significativos.

Deu-se maior partilha do poder no âmbito do aparelho estatal com grande fortalecimento do Judiciário, sobretudo, das cortes constitucionais, às vezes em detrimento de instâncias políticas majoritárias.

Estas mudanças envolvem vários fenômenos diferentes, mas reciprocamente implicados, que podem ser resumidos assim: a) reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização de sua relevância na aplicação do direito; b) rejeição ao formalismo e recurso aos métodos mais abertos de raciocínio jurídico tais como ponderação, tópica, teorias de argumentação e, etc. (a esse respeito vale lera a Hermenêutica Jurídica e(m) crise uma exploração da hermenêutica da construção do Direito, de Lenio Luiz Streck. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999); c) constitucionalização do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais, para todos os ramos do ordenamento; d) reaproximação entre o Direito e a Moral[42], com a penetração cada vez maior da Filosofia nos debates jurídicos; e) judicialização da política e das relações sociais, com um significativo deslocamento do poder da esfera do Legislativo e do Executivo para o Judiciário (aliás, é o que chamam de judicialização do poder político).

Com certeza, existem os grandes entusiastas com estas mudanças, mas também existem os críticos veementes, mas é impossível negar a magnitude dessas alterações que desafiam nosso entendimento e desfilam perante nossos olhos.

Há dilemas cada vez mais emblemáticos, como o direito ao esquecimento[43] e a liberdade de expressão e informação, o direito a privacidade e o direito à identidade (genética, com a paternidade ou maternidade), o direito à morte digna e o direito à vida.

Com relação ao direito à vida, recentemente, em 29.12.2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu descriminalizar o aborto no primeiro trimestre da gravidez. E, seguindo o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, o colegiado entendeu que são inconstitucionais os artigos do Código Penal Brasileiro que criminalizam o aborto. O referido entendimento, no entanto, vale somente para um caso concreto julgado pelo grupo.

Ressaltou o Ministro Barroso que a criminalização do aborto não é aplicada em países democráticos e desenvolvidos, tais como EUA, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda, entre outros.

Recentemente um jovem com problema renal luta judicialmente para não fazer hemodiálise (vide em http://g1.globo.com/goias/noticia/2017/02/jovem-com-problema-renal-luta-na-justica-para-nao-fazer-hemodialise.html).

Recentemente, no impeachment da Presidente da República que resultou no afastamento do cargo, mas, no entanto, não aplicou a inelegibilidade por oito anos. Em 2015, o STF reconheceu que o sistema prisional brasileiro está no estado de coisas inconstitucional e promoveu a adoção de diversas providências para sanar as gravíssimas lesões de direitos básicos dos detentos.

Já em julgamento de grande repercussão nacional, o STF por unanimidade, julgou procedente a ação direta ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros para declarar inexigível a autorização dos biografados e de seus familiares para a divulgação de obras biográficas literais e audiovisuais.

E, ao conferir a interpretação conforme a Constituição aos artigos 20 e 21 da Código Civil brasileiro, sem redução de texto, a Corte, no sentido do voto da Ministra Cármem Lúcia, reconheceu que a exigência de autorização prévia para a publicação de biografias com a possibilidade de proibição judicial da sua divulgação, constitui censura prévia particular incompatível com a CF/1988, em violação aos direitos fundamentais à liberdade de expressão e informação.

Mas, apesar de todo reforço constitucional[44] dado às garantias fundamentais, os valores do constitucionalismo são razoavelmente assegurados apenas em alguns países desenvolvidos. Um dos dilemas enfrentado é que a defesa simultânea do direito constitucional da efetividade com um direito temperado pela vulgata da ponderação de valores, e com uma pretensa constitucionalização do ordenamento jurídico a partir de premissas vazias e que reproduzem o prefixo neo em várias situações, tais como neoprocessualismo e neopositivismo (sem, contudo, significar nada de novo ou realmente inédito)[45].

Acreditando-se que a jurisdição finalmente veio a incorporar os verdadeiros valores que definem o direito justo dentro da noção de instrumentalismo processual. Infelizmente, na maior parte do mundo, as promessas do constitucionalismo ainda significam utopias distantes para a maioria da população.

REFERÊNCIAS:

SARMENTO, Daniel. Constitucionalismo: Trajetória histórica e dilemas contemporâneos. In: Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais. LEITE, George Salomão;

SARLET, Ingo W. (coord.) Salvador: JusPodvm, 2012.

MINTO, Lalo Watanbe. Verbete Estado Mínimo. Disponível em:  http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_estado_minimo.htm Acesso Em 18.02.2017).

SCHÄFER, Jairo Gilberto. A compreensão unitária dos Direitos Fundamentais. Disponível em:  http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-compreensao-unitaria-dos-direitos-fundamentais/5559 Acesso em 18.02.2017).

MAGALHÃES, José Luís Quadros. O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a compreensão contemporânea da Constituição. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/5769/o-constitucionalismo-norte-americano-e-sua-contribuicao-para-a-compreensao-contemporanea-da-constituicao Acesso 2m 18.02.2017).

CARVALHO, Maura Augusta. Controle da constitucionalidade: França e Brasil. Disponível em:  http://jota.info/justica/controle-da-constitucionalidade-franca-e-brasil-28112014 Acesso em 12.02.2017)



[1] Professora universitária, mestre em Direito pela UFRJ, mestre em Filosofia pela UFF, Doutora em Direito pela USP. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Consultora do IPAE – Instituto de Pesquisas e Administração da Educação. Autora de 28 obras publicadas e vários artigos jurídicos publicados nas principais revistas jurídicas do Brasil.

[2] O conceito de separação dos poderes também conhecido como princípio de trias político é modelo de governar cuja criação é oriunda da Antiga Grécia. Essencialmente a teoria se firma no princípio de que os três poderes que formam o Estado (legislativo, executivo e judiciário) devem atuar de forma separada, independente e harmônica, mantendo, no entanto, as características do poder uno, indivisível e indelegável. O principal objetivo dessa separação é evitar que o poder se concentre nas mãos de uma única pessoa para que não haja abuso, como o ocorrido no Estado Absolutista, por exemplo, em que todo o poder concentrava-se na mão do rei.

A passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal caracterizou-se justamente pela separação de Poderes denominada Tripartição de Poderes Políticos.

Dentre todas as teorias políticas que visaram amenizar a dicotomia função e limitação de poder, a doutrina de separação de poderes, foi a mais significante, vindo a influenciar diretamente os arranjos institucionais do mundo ocidental. Adquirindo, também, o status de um arranjo que virou a verdadeira substância no curso do processo de construção e de aprimoramento do Estado de Direito, a ponto de servir de pedra de toque para se afirmar a legitimidade dos regimes políticos.

[3] Políbio foi geógrafo e historiador da Grécia Antiga, famoso pela obra chamada “Histórias”, cobrindo a história do mundo mediterrâneo, no período de 220 a.C. até 146 a.C. Atribuem a ele a invenção de sistema criptográfico de transliteração de letras em números.

Marco Túlio Cícero, foi advogado e político da República Romana, eleito cônsul em 63 a.C., com Caio Antônio Híbrida. Introduziu os romanos às principais escolas da filosofia grega e criou um vocabulário filosófico latino, inclusive com a inserção de neologismos como evidentia, humanitas, qualitas, quantitas e essentia, destacou-se também como tradutor e filósofo. Cícero foi eleito cônsul para o ano de 63 a.C. com Caio Antônio Híbrida, que teve um papel secundário. Durante seu mandato, Cícero desmantelou uma conspiração cujo objetivo era assassiná-lo e derrubar a República Romana com a ajuda de forças armadas estrangeiras, liderada por Lúcio Sérgio Catilina.

Cícero obteve um senatus consultum ultimum e expulsou Catilina da cidade depois de quatro veementes discursos, conhecidos como Catilinárias, que, até hoje, são considerados como exemplos máximos de seu estilo retórico.

As Catilinárias listaram as chicanas de Catilina e de seus seguidores e denunciaram seus senadores simpatizantes como devedores maliciosos e teimosos que dependiam de Catilina como uma esperança final desesperada. Cícero exigiu que todos deixassem a cidade.

No final de seu primeiro discurso, Catilina rapidamente deixou o Senado (que, na época, se reunia no Templo de Júpiter Estator). Em seus discursos seguintes, Cícero não endereçou diretamente Catilina. Cícero então proferiu o segundo e o terceiro discursos perante o povo e o Senado e o último, novamente, perante o Senado. Com as “Catilinárias”, Cícero queria preparar o Senado para o pior caso possível e apresentou, adicionalmente, mais evidências contra Catilina.

O Senado então decidiu sobre a punição dos conspiradores. Como era o principal corpo de apoio das várias assembleias legislativas e não um corpo jurídico, havia limites para o seu poder; porém, o senatus consultum ultimum ainda estava vigendo e, temia-se, que a simples prisão domiciliar ou o exílio — as opções padrão — não seriam suficientes. A princípio, Décimo Silano pediu a “penalidade extrema”; muitos foram convencidos por Júlio César, que descartou o precedente que seria criado e defendeu a pena de prisão perpétua em variadas cidades italianas. Catão, o Jovem, então se insurgiu a favor da pena de morte e todos no Senado finalmente concordaram com ele. Cícero levou os conspiradores até o Tuliano, a notória prisão romana, onde foram todos estrangulados. O próprio Cícero acompanhou o antigo cônsul Públio Cornélio Lêntulo Sura, um dos conspiradores, até lá. Cícero recebeu o honorífico de “Pater Patriae” pelos seus esforços para suprimir a conspiração, mas viveu o resto da vida com medo de um processo ou do exílio por ter condenado cidadãos romanos sem consentimento prévio de um tribunal responsável.

[4] Os princípios formadores da legalidade segundo Norberto Bobbio são, a saber: O príncipe não é mais “legibus solutus”; Relação do príncipe com seus súditos: governo das leis por meio de promulgação, e apenas excepcionalmente por decreto, leis com validade para todos e nunca apenas para grupos particulares muito menos para indivíduos específicos; Aplicação das leis em casos particulares: as decisões judiciais devem ser fundamentadas de acordo com o ordenamento jurídico vigente. Sua definição máxima é “nullum crimen, nulla poena, sine lege. ”

Acepção comum da palavra legalidade: tudo aquilo que está em conformidade com a lei. O que estiver, será considerado “legal”. Mas não é nesse conceito que trabalharemos; o significado que usaremos está bastante distinto daquele do senso comum. Não tomaremos a legalidade como a existência de uma ordem legal, um conjunto de leis e a consequente obediência delas; para haver o princípio da legalidade num Estado, é necessário que, além do ordenamento jurídico, haja a garantia de direitos individuais e que o poder dos governantes esteja limitado.

O Princípio da Legalidade está ligado às ideias do constitucionalismo. Nem todos os Estados do mundo adotaram o constitucionalismo, portanto, o Princípio da Legalidade não foi adotado neles; hoje, tratam-se de menos de cem países.

Legibus solutus: legislador absoluto; príncipe: aquele que detém a soberania, a prerrogativa de poder para legislar. Nesta acepção, “príncipe” não necessariamente diz respeito a apenas um soberano, também pode se referir ao grupo no poder. No Estado constitucional, o príncipe legisla apenas eventualmente e as leis devem ser promulgadas, ou seja, passadas pela apreciação de outro poder antes de entrar em vigor.

Nas ditaduras brasileiras os poderes não eram independentes. O judiciário era um fantoche na mão do presidente. Logo, em nenhuma das duas havia o Princípio da Legalidade. Vargas, no Estado Novo, era um legibus solutus. O Estado Legal também deve exercer seu poder jurisdicional de maneira fundamentada nos casos em que o direito de um indivíduo é violado por outro indivíduo. Ou seja, não se pode decidir arbitrariamente, apenas discricionariamente.

[5] A Idade medieval é período da história da Europa compreendida entre os séculos V e XV. Iniciou-se com a Queda do Império Romano do Ocidente e terminou durante a transição para a Idade Moderna. Trata-se de um período intermediário da divisão histórica da História ocidental que prevê, basicamente a divisão em três períodos, a saber: Antiguidade Clássica, Idade Média e Idade Moderna.

A Idade Média é dividida em Alta e Baixa Idade Média. Na Alta Idade Média verificou-se a continuidade dos processos de despovoamento, regressão urbana e ainda pelas invasões bárbaras iniciadas durante a chamada Antiguidade Tardia. Os bárbaros formaram novos reinos, apoiando-se na estrutura do Império Romano do Ocidente. No século VII, o Norte da África e o Médio Oriente que tinham sido integrantes do Império Romano do Ocidente, tornaram-se territórios islâmicos depois da sua conquista pelos sucessores de Maomé.

O Império Bizantino sobrevive e tornou-se grande potência. Já no Ocidente, embora tenha havido significativas alterações nas estruturas políticas e sociais, a ruptura com a Antiguidade não fora completa e a maior parte dos novos reinos incorporaram o maior número de instituições romanas pré-existentes. O cristianismo disseminou-se pela Europa Ocidental assistiu-se a um surto de edificação de novos espaços monásticos. Durante os séculos VII e VIII, os francos, governados pela dinastia carolíngia, estabeleceram um império que dominou a maior parte da Europa Ocidental até o século IX, quando se desmoronou perante as investidas de vikings do Norte, magiares do leste e os sarracenos do sul.

Durante a Baixa Idade Média que iniciou depois do ano 1000, verificou-se na Europa um crescimento demográfico muito acentuado e um renascimento do comércio, na medida em que as inovações técnicas e agrícolas permitiram maior produtividade de solos e colheitas.

É durante este período que se iniciam e consolidam as duas estruturas sociais que dominaram a Europa até o Renascimento: senhorialismo que era uma organização de camponeses em aldeias que pagam renda e prestam vassalagem a um nobre, e o feudalismo uma estrutura política em que os cavaleiros e outros nobres de estatuto inferior prestam serviços militares aos seus senhores recebendo como compensação uma propriedade senhorial e o direito de cobrar impostos em determinado território.

As Cruzadas, anunciadas pela primeira vez em 1095, representam a tentativa da cristandade em recuperar os muçulmanos o domínio sobre a Terra Santa, tendo chegado a estabelecer alguns estados cristãos no Médio Oriente. A vida cultural foi dominada pela escolástica que foi uma filosofia que procurou unir a fé à razão e pela fundação das primeiras universidades. Os dois derradeiros séculos da Baixa Idade Média foram marcados por diversas guerras, adversidades e catástrofes. A população fora dizimada por sucessivas carestias e pestes e, só a peste negra fora responsável pela morte de um terço da população europeia entre o ano de 1347 a 1350. Grande Cisma do Ocidente ocorreu no seio da Igreja Católica e teve profundas consequências na sociedade e foi um dos fatores que originaram as inúmeras guerras. Assistiram-se também revoltas populares dentro dos próprios reinos feudais. O progresso cultural e tecnológico transformou completamente a sociedade europeia concluindo a Idade Média e dando início à Idade Moderna.

A expressão “Idade das Trevas” para se referir à Idade Média fora muito utilizado no passado posto que alguns historiadores usassem tal expressão tinha como referências a cultura greco-romana e da época do Renascimento. Atualmente o uso dessa expressão é considerada como preconceituosa e também incorreta, pois desqualifica a cultura, ciência e a arte da Idade Média.

[6] Direito Romano é considerado o conjunto de princípios, preceitos e leis utilizadas na antiguidade pela sociedade de Roma e seus domínios. A aplicação do Direito Romano data desde a fundação de Roma em 753 antes de Cristo, até a morte do Imperador do Oriente Justiniano no ano de 565 D.C. Neste longo período, o corpo jurídico romano constitui-se em um dos mais importantes sistemas jurídicos criados desde sempre, influenciando diversas culturas em tempos diferentes.

Têm-se as seguintes fases capitais no desenvolvimento do Direito romano: Período Régio (de 753 a.C., até a República em 510 a.C.) onde predominava um direito baseado no costume (mores), tendo o Direito sagrado ligado ao humano; Período Republicano (desde 510 a.C. até o período imperial com Augusto, em 27.a.C.); Período do Principado ou do Direito Clássico correspondeu à época áurea da jurisprudência, que vai do Reinado de Augusto até o Imperador Diocleciano. Há uma participação maior dos jurisconsultos, os conhecedores do Direito à época, além da substituição do direito magistratural (jus honorarium) que auxiliava e, supria o cerne originário do Direito Quiritário; no lugar deste surgiu o cognitio extra ordinem, a administração da justiça de aplicação particular do Imperador; Período da Monarquia Absoluta que é o do Imperador Diocleciano (século IV d. C.) até a morte do Imperador Justiniano. É neste período que surge o direito pós-clássico, havendo a ausência de grandes jurisconsultos, ocorrendo uma adaptação de leis em face à nova religião predominante, o Cristianismo. É neste período que ocorre a formação do direito moderno, que começa a ser codificado a partir do século VI depois de Cristo pelo Imperador Justiniano.

[7] Direito canônico é o conjunto de leis e regulamentos feitos ou adotados pelos líderes da Igreja, para o governo da organização cristã e seus membros. É a lei eclesiástica interna que rega a Igreja Católica, tanto a latina como as igrejas católicas orientais, as Igrejas Ortodoxas (Oriental e Ocidental), a Comunhão Anglicana de Igrejas. A maneira pela qual a lei está legislada, interpretada e, por vezes, adjudicada varia muito entre estes três corpos de igrejas. Em todas as três tradições, um cânon era originalmente uma regra adotada por conselho, estes cânones formaram a base do direito canônico.

[8] Thomas Hobbes (1588-1679) foi matemático, teórico político e filósofo inglês, autor de “Leviatã “em 1651 e “Do Cidadão”. No Leviatã explanou seus pontos de vista sobre a natureza humana e a necessidade de um governo e de uma sociedade fortes. No estado natural ou da natureza, embora alguns homens possam ser mais fortes ou mais inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais de forma a estar isento do medo de que o outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo e, uma vez que todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos, ou bellum omnia omnes. No entanto, os homens possuem um desejo que é também em interesse próprio, de acabar com a guerra e, por isso, formam sociedades através de um contrato social.

Segundo Hobbes, tal sociedade necessita de uma autoridade à qual todos os membros devem render o suficiente de sua liberdade natural, de forma que a autoridade possa assegurar a paz interna e a defesa comum. Este soberano quer seja um monarca ou assembleia deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável. “A teoria política do Leviatã mantém, no essencial, as ideias de suas duas obras anteriores, ” Os elementos da lei” e “Do cidadão” onde tratou a questão das relações entre Igreja e Estado. Thomas Hobbes defendia a ideia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. O Estado não pode estar sujeito às leis por ele criadas, pois isso seria infringir sua soberania. Para o filósofo inglês, a Igreja cristã e o Estado cristão formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto.

E, neste sentido, criticou a livre interpretação da Bíblia feita pela Reforma Protestante que, de certa forma, veio a enfraquecer o monarca. Sua filosofia política fora analisada por Richard Tuck como uma resposta para os problemas que o método cartesiano introduziu para a filosofia moral. Hobbes argumenta que só podemos conhecer algo do mundo exterior a partir das impressões sensoriais que temos dele (“Só existe o que meus sentidos percebem”). Esta filosofia é vista como uma tentativa de embasar uma teoria coerente de uma formação social puramente no fato das impressões em si, a partir da tese de que as impressões sensoriais são suficientes para o homem agir no sentido de preservar sua própria vida. A partir desse imperativo, Hobbes constrói toda sua filosofia política.

[9] O contratualismo ou contrato social indica um conjunto de teorias que tentam explicar os caminhos que levam as pessoas a formarem Estados e/ou manterem a ordem social. Essa noção de contrato traz implícito que as pessoas abrem mão de certos direitos para um governo ou outra autoridade a fim de obter as vantagens da ordem social. Assim, o contrato social seria um acordo entre os membros da sociedade, pelo qual reconhecem a autoridade, igualmente sobre todos, de um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante.

O ponto inicial da grande parte das teorias do contrato social é o exame da condição humana na ausência de qualquer ordem social estruturada, normalmente chamada de “estado de natureza”. Nesse estado, as ações dos indivíduos estariam limitadas apenas por seu poder e sua consciência. Desse ponto em comum, os proponentes das teorias do contrato social tentam explicar, cada um a seu modo, como foi do interesse racional do indivíduo abdicar da liberdade que possuiria no estado de natureza para obter os benefícios da ordem política.

As teorias sobre o contrato social se difundiram entre os séculos XVI e XVIII como forma de justificar e postular a origem legítima dos governos e, portanto, das obrigações políticas dos governados ou súditos. Entre os nomes podem-se destacar: Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau são os mais famosos filósofos do contratualismo.

[10] O modelo de Locke é, em sua estrutura, semelhante ao de Hobbes, entretanto, os dois autores tiram conclusões completamente diferentes no que concerne ao modo como nos submetemos a esse Estado Civil, nossa função nele e como se dá o estabelecimento do contrato. Ambos iniciam seu pensamento focando num estado de natureza, que, através do contrato social, vai se tornar o estado civil.

É grande a diferença entre Hobbes e Locke no modo como esses três componentes são entendidos. Para Locke, o estado de natureza não foi um período histórico, mas é uma situação que pode existir independentemente do tempo. O estado de natureza dá se quando uma comunidade se encontra sem uma autoridade superior ou relação de submissão.

Logo o Estado, para Locke, tem uma função muito diferente daquele que é idealizado por Hobbes. Enquanto este verifica no Estado o único ente capaz de coibir a natureza humana e dar coesão ao Estado sob a égide da figura absoluta, o Estado lockeano é apenas o guardião que apenas centraliza as funções administrativas.

O contrato social, para Locke, surge de duas características fundamentais: a confiança e o consentimento. Para Locke, os indivíduos de uma comunidade política consentem a uma administração com a função de centralizar o poder público. Uma vez que esse consentimento é dado, cabe ao governante retribuir essa delegação de poderes dada agindo de forma a garantir os direitos individuais, assegurar segurança jurídica, assegurar o direito à propriedade privada (vale ressaltar que para Locke, a propriedade privada não é só, de fato, terra ou imóveis, mas tudo que é produzido com o seu trabalho e esforço, ou do que é produzido pelas suas posses nesta mesma relação) a esse indivíduo, sendo efetivado para aprofundar ainda mais os direitos naturais, dados por Deus, que o indivíduo já possuía no estado natural.

É nessa relação que vemos uma das principais diferenças no contrato social apresentado por Hobbes e Locke. Diferente do estado absoluto de Hobbes, que deve ter em seu governante a absoluta confiança e não questioná-lo jamais, para Locke essa relação funciona de maneira distinta. Uma vez que a relação Estado-indivíduo é baseada em uma relação de consentimento e confiança, é totalmente possível que, se o governante quebrar a confiança, agindo por má-fé ou não garantindo os direitos individuais, a segurança jurídica e a propriedade privada, ou, ainda, não garantindo os direitos naturais, que uma vez dados por Deus seria impossível alguém cerceá-los, o povo se revolte e o destitua do cargo. É um pensamento inédito, já que na filosofia política corrente à época jamais se poderia questionar o poder do governante, uma vez que teria sido dado por Deus. É na justificativa de que, uma vez que o governante não respeite os direitos naturais dados por Deus, era dever de o povo questionar o poder e rebelar-se.

Passada a fase de estabelecimento do contrato, deve ser marcado pela distinção entre executivo e legislativo, com predomínio do segundo e com a garantia que os direitos naturais seriam preservados.

[11] Nação advém do latim natio, de natus (nascido) é comunidade estável, historicamente constituída por vontade própria de um agregado de indivíduos, com base num território, numa língua e, com aspirações materiais e espirituais comuns. É a reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, falando o mesmo idioma, e tendo os mesmos costumes, formando um povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas características étnicas, e se mantém unidos pelos hábitos, tradições, religião, língua e consciência nacional.

O termo natio era inicialmente usado por estudantes das universidades medievais, com destaque para Universidade de Paris-Sorbonne que se organizavam em grupos, devido ao fato de terem proveniências diferentes. Em cada nação, falava-se a língua materna dos estudantes, sendo regidos pelas leis dos seus próprios países.

Uma das pioneiras obras a abordar o tema foi de Adam Smith, publicada em 1776 e sob o título “A Riqueza das Nações”, que apesar de utilizar o termo “nação” para designar as várias organizações humanas, não se debruça em uma categorização minuciosa, deixando aberta sua interpretação.

[12] Nicola Matteucci Armandi Avogli Trotti (1926-2006) foi cientista político italiano e um dos fundadores da Revista Il Milino, em seguida, a editora com o mesmo nome e ainda do Instituto Carlo Cattaneo. É considerado um dos maiores teóricos do constitucionalismo liberal do século XX.

[13] Oliver Cromwell (1599-1658) foi militar e líder político inglês, e também Lorde Protetor. Nascido da nobreza rural, os primeiros quarenta anos de sua vida são pouco conhecidos. Após passar por uma conversão religiosa na década de 1630, quando se tornou puritano independente, assumindo uma posição geralmente tolerante, em face dos protestantes do seu tempo. Foi eleito como membro do Parlamento pelo Círculo eleitoral de Huntingdon em 1628 e, por Cambridge, no Pequeno e Longo Parlamento. Participou da Guerra Civil inglesa, ao lado da tropa de cavalaria para um dos comandantes principais do New Model Army, onde desempenhou um especial destaque na derrota das forças realistas. Foi um dos signatários da sentença de morte do Rei Carlos I em 1649, como membro do Rump Parliamente e dominou a Comunidade da Inglaterra. Também liderou uma campanha contra exército escocês entre 1650 e 1651. Em 1653 dissolveu o Rump Parliamente pela força, instituindo uma assembleia, de curta duração, conhecida como Parlamento barenones, antes de ser convidado pelos seus apres para liderar como Lorde Protetor da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda, a partir de 16.12.1653.Exerceu uma política exterior muito agressiva e eficaz. Depois de sua morte que foi por malária, foi sepultado na Abadia de Westminster, mas, após, a tomada do poder pelos monarquistas, em 1660, o seu corpo retirado da sepultura, pendurado por correntes e decapitado.

[14] A Revolução Gloriosa foi movimento que ocorreu na Inglaterra entre 1688 e 1689 no qual o rei Jaime II foi destituído do trono britânico. É também chamada de Revolução sem sangue pela forma deveras pacífica com que se deu, e resultou na substituição do Rei da dinastia Stuart (de origem católica) pelos protestantes como Guilherme (em inglês, William), Príncipe de Orange, da Holanda, em conjunto com sua mulher Maria II (respectivamente genro e filha de Jaime II).

Tal revolução tomou forma através de um acordo secreto entre o parlamento inglês e Guilherme de Orange, stadtholder da Holanda que equivale a chefe de Estado, numa manobra que visava entregar o trono inglês ao príncipe, devido a repulsa dos nobres ingleses ante a insistência de Jaime II em reconduzir o país no rumo da doutrina católica. Assim, as tropas abandonaram o rei Jaime e me junho de 1688, Guilherme de Orange é aclamado rei com o nome de Guilherme III. É estabelecido assim um compromisso de classe entre os grandes proprietários e a burguesia inglesa. Seu efeito negativo foi sentido pela população em geral, que foi marginalizada pela nova ordem. Outro efeito, porém, foi o de mostrar que não era necessário eliminar a figura do rei para acabar com um regime absolutista, desde que este aceitasse uma completa submissão às leis ditadas pelo Parlamento.

Com a Revolução Gloriosa iniciou-se a prática seguida até hoje na política britânica, que é a da Monarquia Parlamentar, em substituição ao absolutismo, onde o poder do rei é delimitado pelo Parlamento.

[15] J.J. Canotilho apontou as principais características do constitucionalismo inglês, a saber: a garantia dos direitos adquiridos (liberty and property); a estruturação corporativa dos direitos em estamentos sociais; a regulação desses direitos e dessa estrutura através de contratos de domínio.

[16] O slogan da Revolução Francesa sobreviveu a esta. E foi citado na Constituição francesa de 1946 e 1958. É difícil apontar um autor do slogan. Quem primeiramente se referiu a essa trilogia foi o humanista cristão Étienne de La Boétie, amigo de Montaigne que escrevera por volta de 1550 no seu Discurso da servidão voluntária. Registram-se tais princípios em obras de alguns autores católicos do século XVII. A Revolução francesa é encarada como fundadora dos direitos civis. Liberdade, igualdade e fraternidade são os direitos que irão sintetizar a natureza do novo cidadão.

[17] Emmanuel Joseph Sieyès (1748-1836) foi um político, escritor e eclesiástico francês.

Membro do Clube dos Trinta quando a Convenção se reuniu, em 1792, para julgar Luís XVI, Sieyès participou de todas as seções e votou a favor da morte do soberano. A partir da execução do rei, tomou rumo ignorado, desaparecendo dos meios políticos até reaparecer como um dos apoiadores do golpe do 9 de Termidor. Nesse período foi eleito, sem saber, membro do Comitê de Salvação Pública, mas continuou sem obter êxito nas suas reivindicações em defesa da Constituição vigente. Contrariado com os fatos, recusou os demais cargos públicos que lhe foram oferecidos. Devido ao seu caráter comedido, com sua posição política marcadamente de centro (a chamada “planície”), Sieyès foi o único grande nome da Revolução Francesa que sobreviveu aos seus piores momentos, inclusive à época do terror. Em 1799, apoiou Napoleão Bonaparte no Golpe do 18 de Brumário. Foi cônsul junto com Napoleão e Roger Ducos. Em julho de 1815, caiu em desgraça devido à restauração da Monarquia, e partiu para o exílio em Bruxelas. Em 1830, retornou à Paris, onde faleceu em 1836, sendo o único personagem importante da Revolução Francesa a morrer de velhice.

[18] Há doutrinadores que enxergam no papel contramajoritário do Judiciário de forma diferente. Assim a Corte emerge como uma espécie de instância estabilizadora de determinados temas, diante de impasses nos palcos de representação. Determinadas matérias, por seu elevado desacordo moral, encontram severas dificuldades em seu caminho de proposição legislativa (ou até mesmo de algum tipo de normatização pelo Executivo), ante o enorme custo político que podem representar. Dessa maneira, o papel contramajoritário significaria a transferência do palco de decisão desses temas das funções do Estado, especialmente por sua atribuição social e interventora, o conceito de minorias expandiu-se e englobou outras minorias que não apenas aquelas ligadas a diferença cultural e identitária, mas também aos grupos marginalizados.

[19] Jean-Jacques Rousseau questiona porque o homem vive em sociedade e porque se priva de sua liberdade. Vê num rei e seu povo o senhor e seu escravo, pois o interesse de um só homem, será sempre o interesse privado. Os homens, para se conservarem, se agregam e formam um conjunto de forças com objetivo único.

No contrato social, os bens são protegidos e a pessoa, unindo-se às outras, obedece a si mesma, conservando a liberdade. O pacto social pode ser definido quando cada um de nós coloca sua pessoa e sua potência sob a direção suprema da vontade geral.

Rousseau diz que a liberdade é inerente à lei livremente aceita. Seguir o impulso de alguém é escravidão, mas obedecer uma lei auto-imposta é liberdade. Considera a liberdade um direito e um dever ao mesmo tempo. A liberdade lhes pertence e renunciar a ela é renunciar à própria qualidade de homem.

O “Contrato social”, ao considerar que todos os homens nascem livres e iguais, encara o Estado como objeto de um contrato no qual os indivíduos não renunciam a seus direitos naturais, mas ao contrário, entram em acordo para a proteção desses direitos, onde o Estado é criado para preservar. O Estado é a unidade e, como tal, representa a vontade geral, que não é o mesmo que a vontade de todos.

A vontade geral é um mero agregado de vontades, o desejo mútuo da maioria.

Quando o povo institui uma lei de alcance geral, forma-se uma relação. A matéria e a vontade que fazem o estatuto são gerais, e a isso Rousseau chama lei. A República é todo estado regido por leis. Mesmo a monarquia pode ser uma república.

O povo submetido às leis deve ser o autor delas. Mas o povo não sabe criar leis, é preciso um legislador. Rousseau admite que é uma tarefa difícil encontrar um bom legislador. Um legislador deve fazer as leis de acordo com a vontade do povo.

Rousseau reforça o contrato social através de sanções rigorosas que acreditava serem necessárias para a manutenção da estabilidade política do Estado por ele preconizado. Propõe a introdução de uma espécie de religião civil, ou profissão de fé cívica, a ser obedecida pelos cidadãos que, depois de aceitarem-na, deveriam segui-la sob pena de morte. Mas Rousseau também ficava em dúvida sobre até que ponto a pena de morte seria válida, pois como era possível o homem saber se um criminoso não podia se regenerar já que o estado sempre demonstrava fraqueza em alguns momentos. “Não existe malvado que não possa servir de coisa alguma”.

[20] É considerada a Constituição da Quinta República Francesa é a lei fundamental vigente desde 4 de outubro de 1958, substituindo à da Quarta República, adotada em 1946. O conceito foi cunhado por Charles de Gaulle e Michel Debré, este último considerado o pai da Constituição. Esta é a décima-quinta constituição francesa adotada oficialmente no país que tem um total de vinte e duas constituições escritas desde Revolução Francesa. Adjeta ao texto constitucional francês há a Carta Ambiental de 2004.

[21] O Código Civil francês, de 21 de março de 1894 ficou conhecido, a partir de 1897 como Código Napoleão devido ao fato de sido editado durante o consulado de Bonaparte. Após o Congresso de Viena, em 181, voltou a ser conhecido apenas como o Código Civil, mas a adesão dos juristas ao título personalista, principalmente no chamado Novo Mundo, fez que um Decreto de 1852 restabelecesse a denominação oficial de Código Napoleão, em homenagem ao seu idealizador e artífice.

[22] A França também adotou regras de controle de constitucionalidade, mas, diferentemente da maioria dos países, desenvolveu um controle próprio preventivo, por força da sua estrutura que privilegiava o Poder Legislativo. Devido a tais diferenças, o sistema francês ficou excluído dos estudos comparados de controle de constitucionalidade, banalizado como controle político.

O nouveau modelo de controle de constitucionalidade pode ser exercido pelo Conselho Constitucional previsto no art. 61 da Constituição francesa, e ocorre por meio de ação, ou seja, uma contestação direta à legitimidade da lei, também age de forma abstrata, que se externaliza para todos os litígios existentes; por fim, não busca atender a um litígio específico, mas atuar sobre a própria norma. Embora seja interessante, não é suficiente. Pois o maior defeito desse sistema é seu limite temporal, no qual o controle só poderá ocorrer antes da promulgação da lei.

[23] O fator mais importante da decisão proferida na question prioritaire de constitutionnalité são os efeitos que ela produz tanto na realidade fática quanto no mundo do Direito. O primeiro e mais importante efeito é, evidentemente, a possibilidade de declarar a inconstitucionalidade de uma lei sem que seja necessária a utilização de uma ação constitucional autônoma, ou seja, o remédio constitucional ocorre dentro do processo ordinário. Cabe a precisa lição do professor francês Bernard Stirn: “Em princípio, um juiz que decide a título de exceção faz uma declaração que se limita ao caso em questão e que, por si só, não faz desaparecer o texto do ordenamento jurídico. Já na QPC, a decisão resulta na revogação de pleno direito da disposição legislativa, como seria no caso de uma ação direta de inconstitucionalidade contra a lei. Assim, a QPC constitui um ‘processo dentro do processo’: tudo ocorre como se ela permitisse julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, à ocasião de um processo ordinário. ” (tradução livre). Como ressaltado, trata-se de um “processo dentro de um processo” destinado não à resolução do caso, mas à correção do próprio ordenamento jurídico. Segundo, o fato de a decisão proferida ter efeito erga omnes, ou seja, se espalhar e se impor ao resto do ordenamento jurídico. No caso da declaração de inconstitucionalidade, os efeitos dela se irradiam para todos os possíveis destinatários da norma. Conforme leciona Amaral Junior, ao se atribuir efeito erga omnes, a declaração de inconstitucionalidade “produz eficácia contra todos, nulificando a norma objeto de controle, norma essa que é efetivamente eliminada do ordenamento jurídico”. Ainda, os efeitos da decisão da QPC, assim como todas as outras proferidas pelo Conseil Constitutionnel, são absolutas. Como já mencionado, aplica-se o artigo 62 da Constituição francesa, que dispõe que as decisões do Conselho Constitucional não se sujeitam a nenhum recurso e gozam da autoridade absoluta de coisa julgada. Por fim, o último efeito é a possibilidade de o Conseil Constitutionnel modular os efeitos da question prioritaire de constitutionnalité. Em princípio, a derrogação da lei ocorre de forma imediata, entretanto, segundo o art. 62 da Constitution, é possível fixar os efeitos da sentença da QPC para uma data ulterior à data da sentença. (In: GEBRAN, João Guilherme Rache. O novo controle de constitucionalidade francês; la question prioritaire de constitucionnalité. Disponível em:  http://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/97614/novo_controle_constitucionalidade_gebran.pdf Acesso 11.02.2017.)

[24] O conceito de minoria não se limita a defender os grupos parlamentares que sucumbem em determinado processo de deliberação. O termo minoria reflete a tensão entre o projeto homogeneizante derivado da soberania nacional e os particulares de grupos étnicos. Com a releitura das funções do Estado, especialmente por sua atribuição social e interventora, o conceito de minorias expandiu-se e englobou outras minorias que não apenas aquelas ligadas a diferença cultural e identitária, mas também aos grupos marginalizados.

[25] Jacobino era expressão pejorativa a qualquer corrente de pensamento republicano e laicista de extrema-esquerda. O jacobino era o defensor de opiniões revolucionárias extremadas na política social e econômica. No Brasil, a guisa de exemplo, podemos citar tanto a Revolta dos Alfaiates, na Bahia, em 1798 quanto a ação de militares republicanos ocorrida nos primeiros anos da república brasileira.

[26] É o chamado em inglês de check and balance system, é a essência do mecanismo da separação dos poderes proposta por Montesquieu no período da Revolução Francesa. Assim, um Poder do Estado está apto a conter os abusos do outro poder que cometa abusos, de maneira que voltem a se equilibrarem.

É identificada esse sistema também nas formas de governo preconizadas por Aristóteles. A Carta constitucional brasileira de 1934 retirou do Senado a iniciativa ampla em matéria legislativa, reservando-a para a Câmara dos Deputados, destinando-lhes competências relevantes relativas aos assuntos de interesse dos Estados-membros, conferindo, ainda a supremacia para exercitar o sistema de freios e contrapesos (arts. 90, a e d; 91, II, III, IV e VII).

[27] O liberalismo tem como seu maior doutrinador John Locke, pois apresentou os primordiais aspectos e características que mais se destacam no modelo liberal. O contratualista inglês, a priori, apresentou uma proposta geral e hipotética da natureza do homem para legitimar o poder do Estado e, após isso, demonstrou as instituições que são destinadas a impor limites na prática de tal poder.

É essencial para justificar o Estado liberal em face do Estado absoluto, a existência de um convincente pressuposto filosófico que é o jusnaturalismo. O estado de natureza de Locke, em que compreendia um estado com plena igualdade e liberdade, os homens eram guiados pela lex naturalis que orientava, pois ninguém deveria provocar malfeitoria aos demais no que se refere à vida, à saúde, à liberdade ou às posses (segundo Locke tais propriedades eram oferecidas por Deus). Ademais, as terras eram modificadas através do albor dos indivíduos. Percebe-se que o estado de natureza não é de uma paz absoluta, e há inconvenientes, pois, alguns indivíduos perturbam a paz e ainda provocam danos aos demais. O que agravou ainda mais com o surgimento da moeda e do comércio, possibilitando a concentração de riqueza e à distribuição desigual de bens. Desta forma, somente através de consentimento unânime estabelecia-se um contrato, constituindo o Estado com a finalidade proteger aquilo que já era de sua posse no estado de natureza, com fito de garantir a propriedade em sentido amplo (o que inclui vida, liberdade e bens) que são anteriores ao Estado.

[28] Ao tratar de direitos das minorias, aponta-se para um dos sentidos da jurisdição constitucional que consiste em defender os direitos individuais frente às vontades dominantes. A questão minoritária não está isenta de reflexões. Como a que nos remete a dependência mútua entre constitucionalismo e democracia. Dolorosamente se aprendeu que só existe democracia se for constitucional e que a vontade ilimitada da maioria é ditadura e representa a negação da própria ideia de democracia. Um dos fatores que culminaram no protagonismo do Judiciário é o conteúdo moral da Constituição e a tensão entre os princípios que a integram, além do fortalecimento dos instrumentos de controle de constitucionalidade, a ampliação dos legitimados para participar do processo constitucional, a maior divulgação da jurisdição constitucional perante a opinião pública particularmente após a criação da TV Justiça.

[29] O julgamento Marbury versus Madison foi decidido em 1803 pela Suprema Corte dos EUA, sendo considerado a principal referência para o controle de constitucionalidade difuso exercido pelo Judiciário.

Nesse julgamento, firmou-se a regra da supremacia da Constituição, cabendo ao Judiciário afastar como nulas as leis que contrariassem a Constituição. Isso permitiu a chamada Judicial Review, a possibilidade de o Judiciário rever mesmo leis federais que contrariam a Constituição. Com isso, a separação de poderes fora redefinida e aumentou-se a relevância do Judiciário.

Na eleição presidencial dos EUA de 1800, Thomas Jefferson derrotou John Adams. Após a derrota, John Adams resolveu nomear vários juízes em cargos federais, para manter certo controle sobre o Estado. Entre eles se encontrava William Marbury, nomeado Juiz de Paz. O secretário de justiça de John Adams, John Marshall, devido ao curto espaço de tempo, não entregou o diploma de nomeação a Marbury. Note-se que Adams nomeou seu secretário de Justiça como futuro Presidente da Suprema Corte.

Já com Jefferson presidente, o novo secretário de justiça – James Madison- se negou, a pedido de Jefferson, a intitular Marbury.

Marbury apresentou um writ of mandamus perante a Suprema Corte Norte-Americana exigindo a entrega do diploma. O processo foi relatado pelo Presidente da Suprema Corte, Juiz John Marshall, em 1803 e concluiu que a lei federal que dava competência originária à Suprema Corte para emitir mandamus em tais casos contrariava a Constituição Federal que só lhe reconhecia competência de apelação nos casos não indicados por ela mesma como de competência originária. Como a lei que dava competência a Suprema Corte era inconstitucional, não cabia à Suprema Corte decidir o pedido do mandamus.

Respondendo a primeira pergunta, afirmou que Marbury tinha positivo direito de ser empossado, pois a nomeação não seria revogável, e, negá-la, seria uma violação de um direito legal consolidado (a vested legal right). Esta constatação levou à segunda indagação. Marshall respondeu positivamente, alegando que a essência da liberdade civil reside, justamente, na possibilidade do cidadão, quando lesado ou ameaçado em seu direito, reclamar pela proteção das leis. E, conforme o voto do Chief Justice, uma das principais atribuições de um governo é assegurar tal proteção, e que o governo dos Estados Unidos é um governo de leis e não um governo de homens.

[30] A expressão “mão invisível” do mercado fora introduzida por Adam Smith em sua obra “A Riqueza das Nações” para descrever como, numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse realmente uma mão invisível que orientasse a economia. A mão invisível a qual o filósofo iluminista se referia fazia menção ao que atualmente chamamos de leis de oferta e procura.

[31] A igualdade formal é aquela em que não se estabelece a distinção alguma entre as pessoas. Mas, diante da falta de distinção, pode surgir desigualdades ao invés de igualdade. Um exemplo é nos concursos para o ingresso nas carreiras policiais, onde existem testes físicos, dentre estes, a prova da barra fixa. Evidentemente, as provas físicas não podem tratar homens e mulheres de maneira igual na realização de testes físicos, pois nestas hipóteses não há igualdade entre os candidatos dos dois sexos, posto que sejam biologicamente diferentes.

Já a igualdade material ou aristotélica é pautada na máxima de Aristóteles, in verbis: “Devemos tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades.”

Exemplificando é o caso de tratamento jurídico diferenciado dado a certos grupos de pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade, idosos, adolescentes, crianças, portadores de deficiências físicas, ou de doenças terminais, mulheres, consumidores, trabalhadores e, etc.

[32] Durante a Primeira Grande Guerra Mundial, a economia norte-americana estava em pleno desenvolvimento. As indústrias dos EUA produziam e exportavam em grandes quantidades, principalmente, para os países europeus. Após a guerra o contexto não mudou, pois, os países europeus estão preocupados com a reconstrução de suas indústrias e cidades, necessitando de manter suas importações principalmente dos EUA. A situação começou a mudar no final da década de 1920. Reconstruídas as nações europeias diminuíram drasticamente a importação de produtos industrializados e agrícolas dos EUA.

Com a diminuição das exportações para a Europa, as indústrias norte-americanas começaram a aumentar os estoques de produtos, pois já não conseguiam mais vendar como antes. E, grande parte destas empresas possuíam ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque e milhões de norte-americanos tinham investimentos nestas ações.

Em outubro de 1929, percebendo a desvalorização das ações de muitas empresas, houve uma correria de investidores que pretendiam vender suas ações. O efeito foi devastador pois as ações se desvalorizaram fortemente em poucos dias. Pessoas ricas passaram, da noite para o dia, para a classe pobre. O número de falências de empresas foi enorme e o desemprego atingiu quase trinta por cento dos trabalhadores.

A crise, também, conhecida como a “A Grande Depressão”, foi a maior de toda a história dos EUA. Como nesta época, diversos época, diversos países do mundo mantinham relações comerciais com os EUA, a crise acabou se espalhando por quase todos os continentes.

A crise de 1929 afetou também o Brasil. Os EUA eram o maior comprador do café brasileiro. Com a crise, a importação deste produto, diminuiu muito e os preços do café brasileiro caíram vertiginosamente. Para que não houvesse uma descalorização excessiva, o governo brasileiro comprou e queimou toneladas de café. Desta forma, diminuiu oferta, conseguindo manter o preço do principal produto brasileiro da época. Por outro lado, este fato trouxe algo positivo para a economia brasileira. Com a crise do café, muitos cafeicultores começaram a investir no setor industrial, alavancando a indústria brasileira.

A solução para essa crise surgiu somente em 1933. Quando no governo de Franklin Roosevelt, foi colocado em prático o plano conhecido como New Deal. E, de acordo com o plano econômico, o governo norte-americano passou a controlar os preços e a produção das indústrias e das fazendas. Com isto, o governo conseguiu controlar a inflação e evitar a formação de estoques. Fez parte do plano também o grande investimento em obras públicas (estradas, aeroportos, ferrovias, energia elétrica etc.) conseguindo diminuir significativamente o desemprego. O programa foi tão bem sucedido que no começo da década de 1940 a economia norte-americana já estava funcionando normalmente.

[33] New Deal significa literalmente novo acordo e representou um conjunto de medidas econômicas e sociais tomadas pelo governo de Roosevelt, entre os anos de 1933 a 1937, com os objetivos de recuperar a economia dos EUA abalada pela crise de 1929. Teve como princípio fundamental a forte intervenção do Estado na economia. E, o governo dos EUA investiu, principalmente, na construção de obras de infraestrutura tais como pontes, rodovias, aeroportos, usinas, hidrelétricas, barragens, construção de escolas, hospitais bem como outros equipamentos públicos. A principal preocupação de tais medidas era a efetiva geração de empregos, posto que os EUA sofriam com o alto desemprego. Também inclui a criação de leis, passou a ter poderes de controle e fiscalização sobre o mercado financeiro. E, o principal objetivo era evitar fraudes financeiras, especulações e diminuir os riscos de operação dos bancos e demais agentes financeiros.

O New Deal fora bem sucedido, apresentando resultados positivos e já no começo da década de 1940. O mercado acionário voltou a funcionar plenamente, o desemprego diminuiu, a renda dos trabalhadores aumentou e as indústrias retomaram a produção, aumentando suas exportações e vendas no mercado interno. Embora os gatos públicos elevados e as renúncias fiscais tenham aumentado a dívida pública, muitos economistas, consideraram que os resultados positivos, que geraram a saída da crise econômica, tenham compensado.

[34] Estado de Bem-Estar Social, Estado-providência ou Estado social é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção social e organizador da economia. Trata-se de Estado atuando como agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes de acordo com o país em questão. Cabe, ao Estado do bem-estar social, garantir serviços públicos e proteção à população.

[35] Diferentemente do constitucionalismo inglês, o constitucionalismo ianque criou o sistema de governo presidencial, o federalismo, o controle difuso de constitucionalidade, os mecanismos sofisticados de freios e contrapesos e uma Suprema Corte que protege a Constituição sendo sua composição uma expressão do sistema de controle entre os poderes separados.

É preciso entender que a Constituição não é texto. É um sistema de significantes aos quais atribuímos significados. E, neste sentido, toda leitura, significa atribuição de sentidos e valores que mudam conforme as mudanças da sociedade. A sociedade muda através das contradições e conflitos internos e externos. Assim, quando mudar a sociedade, também mudam os valores que por sua vez, mudam os conceitos das palavras (significantes). (In: MAGALHÃES, José Luís Quadros. O constitucionalismo norte-americano e sua contribuição para a compreensão contemporânea da Constituição. Disponível em:  https://jus.com.br/artigos/5769/o-constitucionalismo-norte-americano-e-sua-contribuicao-para-a-compreensao-contemporanea-da-constituicao Acesso 2m 18.02.2017).

[36] A diferença entre direitos negativos e direitos positivos é meramente de grau, vez que ambos há expectativas negativas e positivas (Ferrajoli, Luigi. Prólogo do livro “Los derechos sociales como derechos exigibles”, de Victor Abramovich de Christian Courtis, Madrid: Trotta, 2002) pois o fato de os direitos sociais buscarem sua fonte no princípio da igualdade, o qual, por sua vez, é pressuposto da liberdade, demonstra que as particularidades existentes entre os diversos direitos não devem ser concebidas como antagônicas e excludentes, mas como complementares à efetivação da dignidade humana, percebendo-se entre as duas categorias de direitos uma implicação recíproca

Nos direitos de liberdade, encontra-se uma presença maior da expectativa negativa e menor presença da expectativa positiva, enquanto que nos direitos prestacionais ocorre o inverso, ou seja, uma maior presença da expectativa positiva e uma menor presença da expectativa negativa. Essas diferenças, porém, são tão-somente de grau (aproximação de um dos extremos), e não de estrutura, pois em todos os direitos haverá, sempre, a presença de ambas as expectativas, em diferentes graus.

(In: SCHÄFER, Jairo Gilberto. A compreensão unitária dos Direitos Fundamentais. Disponivel em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-compreensao-unitaria-dos-direitos-fundamentais/5559 Acesso em 18.02.2017).

[37] Registra-se uma mudança de compreensão do texto constitucional no que se refere a admissão da possibilidade de uma forte intervenção do Estado no domínio econômico, o que marcou a introdução do chamado Welfare State nos EUA a partir do governo Roosevelt, adotando um modelo econômico intervencionista com base teórica keynesiano-fordista.

As principais mudanças constitucionais ocorridas ao longo do século XX foram iniciadas e conduzidas pelo Presidente e pelo Congresso. E, ocorreram não por meio de emendas ou interpretação judicial (mudanças fundamentais como aquelas que se seguiram ao New Dela).

[38] Estado mínimo é concepção fundada nos pressupostos da reação conservadora que deu origem ao neoliberalismo. A ideia do Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições do Estado perante a economia e a sociedade. Preconiza-se a não intervenção, e este afastamento em prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica.

A única forma de regulação econômica, portanto, deve ser feita pelas forças do mercado, as mais racionais e eficientes possíveis. Ao Estado Mínimo cabe ainda garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários para tanto: policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário. Abrindo mão, portanto de toda e qualquer forma de atuação econômica direta, como é o caso de empresas estatais. A concepção de reprodução da força de trabalho, via políticas sociais. Na medida em que este Estado deixa de financiar esta última, torna-se, ele próprio, máximo para o capital. O suporte do fundo público (estatal) ao capital não só não deixa de ser aporte necessário ao processo de acumulação como também ele se maximiza diante das necessidades cada vez mais exigentes do capital financeiro internacional. (…) (In: MINTO, Lalo Watanbe. Verbete Estado Mínimo. Disponível em: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_estado_minimo.htm

Acesso em 18.02.2017).

[39] Edward Lambert (1866-1947) é advogado acadêmico. Passou a maior parte de sua carreira acadêmica na Universidade de Lyon. Foi professor na Faculdade de Direito de Lyon. Criou em 1921 o primeiro Instituto de Direito Comparado na França. E, sua relativa obscuridade na história é devido ao conflito entre os autores parisienses e autores de Lyon.

A expressão “governo dos juízes” é expressão cunhada por Edward Lambert, apareceu pela primeira vez em sua obra o governo dos juízes e a luta contra a legislação social dos EUA e, designa o fato de que um tribunal defender sua interpretação pessoal em detrimento da letra e o espírito da lei.

No Canadá, Jocelyn Maclure, rejeita as acusações de “governo de juízes” aplicados contra o Supremo Tribunal, a mais alta corte do país. E se sentiu tal como Habermas que enxergou a legitimidade do Estado baseada no dualismo, ou seja, no equilíbrio entre o Estado de Direito protegido pelos tribunais, por um lado, e por outro, a soberania popular incorporada pelo Parlamento.

Publicou em 1903, um livro intitulado Estudo de direito comum legislativa, a função do direito civil comparado. O objetivo do Instituto formou em 1920 é formar futuros oficiais do comércio exterior francês e advogados estrangeiros, com vista a proporcionar-lhes noção dos princípios de valor internacional e os métodos de como aplicá-los em seu próprio país. Foi cavaleiro em 1937, sendo um oficial da Legião de Honra.

[40] A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha ou Grundgesetz für Bundesrepublik Deutschland é a Constituição da Alemanha. Ela foi formalmente aprovada em 8 de maio de 1949 e, com a assinatura dos Aliados, entrou em vigor em 23 de maio de 1949, como a Constituição de fato da Alemanha Ocidental. Traduzindo a expressão do alemão seria a Lei Básica ou Fundamental.

Em 1990, quando a Alemanha finalmente foi reunificada quando os Estados da RDA foram pacificamente unidas com a parte ocidental. Depois da reunificação, a Lei Fundamental permaneceu, tendo provado ser um fundamento estável da próspera democracia da Alemanha Ocidental que emergiu das ruínas da Segunda Guerra Mundial. Algumas mudanças foram feitas em 1990, sendo a maioria pertinente à reunificação. Sofreu grandes emendas feitas em 1994, 2002 e 2006.

A Lei Fundamental de Bonn tem em seu bojo o gérmen do denominado de “neoconstitucionalismo”, ou seja, de uma nova cultura jurídica. A Lei Fundamental constitui-se em paradigma da própria ideia do Estado Constitucional de Direito: uma ordem constitucional em que se destacam características como: “(i) a importância dada aos princípios e valores como componentes elementares dos sistemas jurídicos constitucionalizados, (ii) a ponderação como método de interpretação/aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos entre valores e bens constitucionais, (iii) a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda a atividade jurídica e política dos poderes do Estado e até mesmo dos particulares em relações privadas, (iv) o protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição, e (v) a aceitação de alguma conexão entre Direito e Moral”.

[41] Costituzione della Republica Italiana foi promulgada pela Assembleia Constituinte em 22.12.1947 e, seu texto já fora alterado trezes vezes, tendo inclusive uma edição extraordinária do Gazzetta Ufficiale nº 298, em 27.12.1947. Entrou em vigor em 01.01.1948, um século após o Statuto Albertino ter sido promulgado. Permaneceu em vigor após a Marcha sobre Roma de 1922, quando fora destituída de valor efetivo.

[42] A reaproximação entre a ética e o Direito tendo como fundamentação moral dos direitos humanos significa que os valores morais sejam compartilhados por uma determinada comunidade, em determinado lapso temporal e localização, transferem-se para o sistema jurídico, materializando-se por meio de princípios jurídicos que são abrigados na Lei maior seja de forma explícita ou implícita.

[43] Sobre o direito ao esquecimento, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, afirma que se reconhecido pelo STF, poderá ser utilizado como pretexto para que determinadas pessoas requeiram indevidamente indenização por danos materiais e morais. E, acrescenta que o Judiciário não poderia com base em princípios constitucionais solucionar todos os casos em que pessoas alegarem que determinado programa jornalístico, por exemplo, não deveria retratar um crime cometido no passado. O tema direito ao esquecimento teve repercussão geral reconhecida pelo STF no julgado no plenário da Corte em agravo em recurso extraordinário (ARE 833.248).

[44] É importante saber que a democracia não é uma conquista consolidada, mas um processo em andamento e, que requer a constante promoção, desenvolvimento e aprendizado. E, em virtude das novas demandas sociais, da ampliação do espaço público, aos novos atores e da relevância história que marca a Constituição federal brasileira de 1988. Também é forçoso reconhecer que o neoconstitucionalismo incorpora a plêiade de doutrinadores e posturas teóricas que nem sempre podem ser reunidas num mesmo sentido.

[45] O ano de 2016 notabilizado pela grave crise política entre os poderes Executivo e Legislativo, o STF novamente teve papel importante. Antes mesmo do impeachment de Dilma Rousseff, suspendeu-se a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de ministro-chefe da Casa Civil. Algo parecido que ocorre em 2017, com a nomeação por Michel Temer, de Moreira Franco. Também ocorreu a cassação de mandato de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, em outra decisão, a Corte decidiu autorizar a prisão de condenados criminalmente pela segunda instância da justiça. A questão precisou ser julgada duas vezes e somente em outubro de 2016 veio a decisão definitiva. Quando por maioria de votos, o plenário da Corte rejeitou as ações protocoladas pela OAB e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) para que as prisões ocorressem apenas após o fim de todos os recursos, o trânsito em julgado. Entre as decisões impopulares do STF em 2016 se registra a proibição da desaposentarão. E ainda, ocorreu o recebimento de setenta e sete delações premiadas dos executivos da empreiteira Odebrecht na Operação lava Jato.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Os dilemas contemporâneos do constitucionalismo. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/os-dilemas-contemporaneos-do-constitucionalismo/ Acesso em: 29 mar. 2024