Direito Constitucional

A construção da liberdade no Brasil: Dos primórdios aos tempos atuais

Taynara Ribeiro de Abreu[1]

 RESUMO

A escravidão era uma prática comum e aceita no Brasil. Os escravos foram trazidos nas embarcações, em condições desumanas, para, a princípio trabalhar nos engenhos dos grandes fazendeiros. Com a pressão dos ingleses e com muitos movimentos e campanhas, o país foi tomado pela causa abolicionista. A Lei Áurea aboliu a escravidão naquele período, mas hoje, séculos depois, ainda existem pessoas que vivem em condições análogas a escravidão.

Palavras-chave: escravidão, riqueza, senhores, leis, contemporaneidade

INTRODUÇÃO

A escravidão, também conhecida como escravismo, escravagismo e escravatura é a prática social em que uma pessoa adquire direitos de propriedade sobre outra chamada de escravo, que é forçado a trabalhar.

Por milênios, em todo o mundo, a escravidão foi uma prática comum e aceita por diversos povos. Mas a partir do século XIX o comércio de humanos passou a ser criticado, e em muitas regiões surgiram leis para abolição. Hoje em dia tal situação ainda existe, mas é considerada um crime pela comunidade internacional.

Há várias formas para se tornar escravo: por ser prisioneiro de guerra; por contrair uma dívida, que seria paga com seu trabalho (por um tempo determinado ou pela vida toda); por ter cometido um crime e sendo, portanto, punido com a escravidão; por se oferecer como escravo em troca de alimento ou bens para a salvação de sua família ou comunidade em grande dificuldade; por pertencer a povos inimigos ou ser considerado culturalmente inferior. Dessa forma, o escravo, sendo uma propriedade, pode ser vendido, emprestado, alugado e até morto, segundo as necessidades do seu senhor.

1 TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

A escravidão foi uma prática que ocorreu em diversos períodos e por vários povos, porém, a que teve mais destaque, foi a escravidão dos negros, principalmente após a descoberta da América. A partir daí, se iniciou o comércio de homens, mulheres e crianças entre as Américas e a África, o tráfico negreiro durante o período colonialista.

No Brasil, a escravidão começou com os índios, mas o Marquês de Pombal proibiu a escravização, por dizer que não eram aptos ao trabalho. Os índios tinham reações perigosas ao trabalho escravo, o que dificultava a organização da economia colonial, comprometendo os interesses mercantilistas da metrópole, que tinham como objetivo a acumulação de capital.

A escravidão teve seu início no território brasileiro a partir da produção de açúcar na primeira metade do século XVI. Os portugueses traziam os escravos de suas colônias na África para utilizar como mão de obra escrava nos engenhos de açúcar da região nordeste do Brasil. O transporte destes escravos era feito da África para o Brasil nos porões de navios negreiros. Os escravos vinham amontoados, em condições desumanas, muitos morriam antes de chegar ao Brasil, e seus corpos eram deixados no mar. No Brasil eram vendidos como se fossem mercadorias pelos comerciantes de escravos portugueses. Os mais saudáveis chegavam a valer o dobro daqueles mais fracos ou velhos.

Quando chegavam às fazendas de açúcar ou nas minas de ouro (a partir do século XVIII), os escravos eram tratados da pior maneira possível. Trabalhavam excessivamente, tinham uma alimentação precária e suas roupas eram trapos. A noite recolhiam-se nas senzalas e eram acorrentados para evitar fugas. Constantemente eram castigados fisicamente, sendo que o açoite era a punição mais comum no período do Brasil colonial.

Eram proibidos de praticarem a sua religião de origem africana ou de realizar suas festas e rituais africanos, sendo obrigados a seguir a religião católica, imposta pelos senhores de engenho, e também era exigido adotar a língua portuguesa na sua comunicação. Com todas as restrições não deixaram a cultura africana se extinguir. Escondidos, realizavam seus rituais, festas, conservaram suas representações artísticas e desenvolveram uma arte marcial disfarçada de dança, a Capoeira.

A partir de meados do século XIX, os ingleses começaram a pressionar o Brasil para que fosse abolida a escravidão em nosso país. Embora os britânicos alegassem propósitos humanitários, os interesses econômicos estavam presentes e evidentes. Para os ingleses, o fim da escravidão ampliaria o mercado consumidor no Brasil, uma vez que os ex-escravos teriam renda para o consumo dos produtos britânicos.

As pressões internas também eram grandes a favor da abolição da escravatura. A partir de 1880, várias manifestações populares ocorreram em diversas regiões do Brasil. Intelectuais e integrantes da classe média urbana eram os principais grupos que, através de manifestações, exigiam o fim da escravidão.

Foi neste contexto histórico que os políticos brasileiros foram, aos poucos, aprovando leis que “amenizavam” os efeitos da escravidão no Brasil.

2 CAMINHO PERCORRIDO PELA ABOLIÇÃO – HISTÓRICO DE LEGISLAÇÕES ABOLICIONISTAS

2.1 Lei Eusébio De Queirós

A lei foi elaborada pelo político brasileiro Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara (1812-1868), durante o Segundo Reinado. Alguns anos antes, a Inglaterra criou a Lei Bill Aberdeen, que autorizava a prisão de toda a embarcação que estivesse no Oceano Atlântico transportando escravos africanos, proibiu o comércio de escravos. Pouco tempo depois, no ano de 1850 (4 de setembro de 1850), o governo brasileiro aprovou a Lei Eusébio de Queirós.

Inseridos no contexto da Revolução Industrial, os ingleses estavam interessados no fim da escravidão, principalmente, para aumentar o mercado consumidor dos seus produtos industrializados.

Não que o escravo fosse comprar seus produtos, mas em vez do fazendeiro gastar dinheiro com escravos, ele poderia adquirir produtos ingleses. Sendo assim, a Inglaterra pressionou o Brasil até que foi instaurada a Lei Eusébio de Queirós.

A lei não surtiu efeito nos primeiros anos, dando origem ao dito popular “lei para inglês ver”. Porém, a partir de 1870, a Inglaterra aumentou a fiscalização e a prática diminuiu consideravelmente.

Com a fiscalização o comércio ficou mais difícil, o escravo mais valioso e o tráfico ilegal ganhou forças e aumentou o tráfico interno de escravos. De qualquer forma, esse foi o primeiro contato com ideias relacionadas ao abolicionismo.

2.2 Lei Do Ventre Livre

Em 1871 foi promulgada a primeira lei abolicionista da História do Brasil (assinada pela Princesa Isabel), a Lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branco”, que dava a liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir dessa data, os liberto poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou serem entregues ao governo. O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria os senhores que poderiam usar a mão de obra destes “livres” até os 21 anos de idade.

Foi uma lei paliativa e que recebeu muitas críticas negativas dos abolicionistas. O principal argumento era de que estes “libertos” tinham que trabalhar para seus “donos” durante a fase mais produtiva da vida. Logo, os senhores explorariam ao máximo esta mão de obra até ela ganhar a liberdade.

Tal lei tinha por objetivo principal possibilitar a transição, lenta e gradual, no Brasil do sistema de escravidão para o de mão de obra livre. Levando-se em consideração que o Brasil, desde meados do século XIX, vinha sofrendo fortes pressões da Inglaterra para abolir a escravidão.

2.3 Lei Dos Sexagenários

Também conhecida como Lei Sararaiva-Cotegipe, foi promulgada pelo governo brasileiro em 28 de setembro de 1885. De acordo com a lei, escravos com mais de 60 anos eram livres. Porém, como esses escravos eram submetidos a trabalhos exaustivos e em péssimas condições, dificilmente eles conseguiam atingir essa idade, era uma lei sem efetividade, por isso também recebeu muitas críticas. A expectativa de vida de um escravo neste período era em torno de 40 anos de idade.

Com a Lei do Sexagenário ocorreu o mesmo que com a Lei do Ventre Livre: do ponto de vista econômico, não mudou muita coisa. Mas ela foi mais um passo político.

O ponto positivo dessa lei foi que, mais uma vez, o tema foi levado às autoridades e discutido, resultando em avanços no abolicionismo. A cada vez que uma nova lei era criada, mais a população se acostumava com a ideia e defendia o abolicionismo.

3 SURGIMENTO DA LEI ÁUREA (LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888)

Na última década do período imperial brasileiro o contexto era de instabilidade e tensão social. A escravidão tinha que ser resolvida e vinha, desde a metade do século XIX, causando preocupação e a promulgação de leis que tentavam adiar uma solução definitiva, como a Lei Eusébio de Queirós, a Lei do Ventre Livre e especialmente a Lei dos Sexagenários, aprovada apenas três anos antes da Lei Áurea.

Promulgada em 1888 pela Princesa Isabel, a Lei Áurea aboliu definitivamente a escravidão no Brasil. Foi votada e aprovada em poucos dias, o Brasil foi o último país do continente a acabar com a prática da escravidão, em 13 de maio de 1888 a escravidão era extinta do país. Com um texto simples, objetivo e direto, a lei libertava cerca de 700 mil escravos, num país com então 15 milhões de habitantes, o número não era tão expressivo, tendo em vista um grande contingente de libertos já existentes no país.

O governo imperial estava sofrendo muita pressão pelo fim da escravidão. Neste momento muitas eram as rebeliões e manifestações em favor da abolição dos escravizados no Brasil. O temor era constante, principalmente por parte dos homens e mulheres escravizados que temiam a reescravização e a violência.

A abolição demorada era marco também para o fim da monarquia por uma crise instaurada neste cenário. A assinatura da lei não agradou um grupo importante do cenário político: os proprietários rurais.

Mesmo com o título de baronato a falta de indenização fez com que rompessem com o Estado, já que suas fortunas se concentravam na posse de escravos, e assim aderem à causa republicana.

Os fazendeiros que se sentiram prejudicados abandonaram o Império, procuraram apoio na alta direção militar, formaram alianças e se tornaram republicanos, os famosos “republicanos de 14 de maio”. Com isso, o Império perdeu o apoio dos barões, resultando na queda da Monarquia. Porém, a emancipação jurídica não ajudou a promover a cidadania, nem a ascensão social dos negros.

A liberdade não garantiu aos ex-escravos melhorias significativas em suas vidas. Como não houve, por parte do governo, ações para integrá-los à sociedade, a grande maioria enfrentou diversas dificuldades para conseguir emprego, moradia, educação e outras condições fundamentais de vida. Muitos fazendeiros preferiram importar mão de obra europeia a contratar os ex-escravos como assalariados.

4 ESCRAVIDÃO CONTEMPORÂNEA

Conforme o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho escravo moderno é: “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) caracteriza a descreve a escravidão como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de uma pena qualquer para o qual não se apresentou voluntariamente”.

No Brasil, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), estima-se que no ano de 2011 cerca de 20 mil pessoas foram vítimas do trabalho escravo, principalmente nos setores de costura, construção civil, agricultura e vítimas de tráfico de mulheres para prostituição.

O trabalho escravo provém da imensa desigualdade social. Os trabalhadores são enganados pelos chamados “coiotes” a fim de encontrar melhores condições de vida, quando na realidade rumam a uma espécie de prisão.

Famílias bolivianas são aliciadas na capital do país, La Paz, e trazidas a São Paulo por traficantes internacionais de pessoas na esperança de ganharem entre U$ 200 e U$300 dólares mensais, ao chegarem ao Brasil seus passaportes são retidos. Supostas despesas de viagem, alimentação e moradia são descontados dos pagamentos e seus salários nunca são pagos. Famílias que chegam a trabalhar 14 horas diárias vivendo em condições precárias no próprio local de trabalho, quando escapam do “cativeiro” os trabalhadores ficam a deriva, sem conseguir emprego, sem ter como retornar ao seu país de origem e acabam voltando às condições escravistas.

O mesmo acontece com as vítimas do tráfico internacional de mulheres que, na promessa de conseguir um bom emprego em outro país, são aliciadas por bandidos que se apossam de seus documentos pessoais e as obrigam a trabalhar como prostitutas.

Na região do Nordeste brasileiro, homens necessitados são recrutados para trabalhar na construção civil no estado de São Paulo, do mesmo modo, ficam sem seus documentos pessoais e o salário prometido é usado para quitar as dívidas da viagem. Sem ter dinheiro para voltar para a sua cidade, acabam aceitando as condições impostas pelos aliciadores.

No Brasil as leis trabalhistas visam dar condições dignas de trabalhos a todos, o Código Penal brasileiro prevê pena para quem não cumpre as leis do Ministério do Trabalho e Emprego (MET), e para quem atua no regime escravista.

O Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho apura denúncias de trabalho escravo em todo o país, entre 2005 e 2009 mais de 30 mil pessoas foram resgatadas destas condições.

Para evitar a reincidência do trabalhador escravo o MT criou, em 2002, um seguro desemprego especial para as vítimas do trabalho escravo, previsto na lei nacional nº 10.608, na qual define o pagamento de três parcelas equivalentes ao salário mínimo nacional.

Outra forma de coibir o trabalho escravo no Brasil foi a criação da “Lista Suja”, uma lista de empresas e empregadores flagrados utilizando mão de obra escrava, os listados ficam impedidos de realizar empréstimos bancários e ficam sujeitos a restrições de comércio internacional.

Mas, a melhor forma de erradicar o trabalho escravo no Brasil e no Mundo é através da educação, do conhecimento da sociedade sobre seus direitos e deveres e da redução da desigualdade social. Para que práticas ilegais como estas não ocorram novamente.

CONCLUSÃO

Esse artigo tratou de mostrar com mais clareza o significado da escravidão, a preferência ao escravo africano, em relação ao indígena. Relatou as formas desumanas que os escravos eram trazidos nas embarcações para o Brasil, e se mortos no caminho, eram jogados ao mar. O tratamento agressivo que recebiam de seus senhores, a tentativa de extinção da cultura africana, pois, os senhores proibiam os negros de realizarem atividades típicas de sua cultura.

Foi apresentado também em qual contexto surgiu a necessidade de extinguir a escravidão, os ingleses estavam pressionando o Brasil para acabar com a escravidão e estavam proibindo o tráfico negreiro.

O Brasil, na tentativa de abolir a escravidão promulgou três leis, nenhuma delas com total sucesso, a que extinguiu totalmente o período de escravidão foi a Lei Áurea, mas contrariou os fazendeiros, que tiveram grandes prejuízos com a abolição e nenhuma indenização por parte do Estado.

Ainda existe escravidão no Brasil, de diversas formas, mas a mais comum é a que engana pessoas, prometendo levá-las para cidades grandes, onde terão um emprego bom, com excelentes ganhos e qualidade de vida melhor, e quando chegam lá acabam sendo escravizadas para pagar uma dívida sem fim, contraída pela vítima pelo transporte até o local do trabalho e gastos na compra de alimentos e ferramentas de trabalho na cantina do próprio empreiteiro, de um seu preposto, ou da própria fazenda.

É uma situação que perdura, pode ser chamada de escravidão contemporânea no Brasil, mas que precisa ser detida, através de políticas públicas e sociais.

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[1] Graduada em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira (2018). Pós-graduanda em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes.

Como citar e referenciar este artigo:
ABREU, Taynara Ribeiro de. A construção da liberdade no Brasil: Dos primórdios aos tempos atuais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-construcao-da-liberdade-no-brasil-dos-primordios-aos-tempos-atuais/ Acesso em: 19 abr. 2024