Direito Constitucional

Visão global de contencioso e alinhamento estratégico

DOUGLAS BELANDA  

RESUMO: O profissional que integra os quadros de advogados internos de qualquer corporação deve, para uma boa gestão de contencioso, ter uma visão global e financeira do departamento e empresa, com viés estratégico e foco em negócios, bem alinhado com a área comercial, gerencial e compliance, nos mais diversos aspectos. O cerne do artigo é enfatizar, principalmente junto aos profissionais de Departamento Jurídico, o que se leva em conta na atualidade para uma boa gestão de contencioso global.

PALAVRA CHAVE: contencioso – departamento jurídico – gestão – números – qualidade

I – INTRODUÇÃO

Não é segredo que a tecnologia está alterando os parâmetros organizacionais e estruturais de toda e qualquer empresa (bem como, do Poder Judiciário em sentido lato), o que sensibiliza diretamente os departamentos jurídicos internos. Hoje, não raro, temos estudos diversos sobre precificação de carteiras processuais, robotização de esteira de produção contenciosa, métricas para avaliação de processos (até mesmo com percentual de êxito em determinado assunto ou tese), estoques de carteiras bem alinhados, tickets estruturados de pagamentos, de acordos e daí por diante, todavia, qual o melhor modo de gerir um contencioso volumoso ao extremo, trazendo ganho de escala para as empresas e acionistas? Abordaremos, nesse cenário e nos detalhes, o que esperam os acionistas / investidores de um contencioso bem delimitado e estruturado do Século XXI. Em outras palavras, o que o respectivo setor e profissional podem e devem agregar ao meu negócio e, sem dúvidas, trazer de retorno monetário ante capital investido? Temos muitas vertentes para análise.

Fato assertivo é que, o departamento jurídico atual é um parceiro do negócio, devendo o Advogado entender totalmente do negócio em si (não somente no aspecto legal ou regulatório), mas adentrar no coração da empresa que labora. Observe que, em muitas oportunidades, os problemas ocorridos na esteira de produção são localizados somente na fase do contencioso (o que não deve ser regra), e com isso, cabe ao jurídico atuar também em modo preventivo, sendo um parceiro nos mais amplos aspectos, sendo inserido na área técnica e produção (seja antes do lançamento de produto ou serviço).

A visão quanto departamento jurídico trazer somente custos está obsoleta e, muito pelo contrário, pode agregar muitos valores e trazer economias imensuráveis para todo o ambiente empresarial.

Falaremos, no decorrer do trabalho, sobre oportunidades e anseios de um contencioso exemplar e atual.

II – EXPLANAÇÃO

Os departamentos jurídicos vêm sendo pensados no Brasil (de modo breve, amador e pouco explorado) desde a Revolução Industrial, com a crescente industrialização em escala e, sem dúvidas, aumento das necessidades jurídicas (societário, contratual, contencioso e daí por diante). Iniciou a ganhar contorno no Século XX, com formato mais estruturado a partir de 1970. Muitas empresas renomadas na atualidade tiveram seus departamentos jurídicos estruturados faz dezenas de anos, ou seja, um bom jurídico sempre foi necessário para o sucesso do ente empresarial e grande retorno aos acionistas, fato incontroverso. Destarte, cada vez mais se torna necessário e imprescindível um corpo jurídico interno competente, que saiba efetuar a leitura do que almeja os empresários, acionistas, clientes e sociedade.

Fato é que, com o Advento também da Lei 9.099/95, CLT, CTN e Constituição Federal de 1988 (por exemplo), a sociedade em geral iniciou um processo mais focado de luta por seus direitos (fato positivo) e acionamento do Poder Judiciário (principalmente consumeristas e laborais), ensejando um grande aumento de contencioso, no aspecto amplo. As relações tributárias também tomaram grande proporção, justificando criação de grandes departamentos jurídicos focados e especializados em tal tema, dentre outros. Nesse diapasão e para gerenciar um contencioso (geral), é necessário estabelecer métricas de linha de produção, isto é, criar uma cadeia produtiva de processos (entrada de ação, instrução da ação com ótima defesa ou direcionamento efetivo para acordo e foco na baixa do processo – setor de encerramento processual estruturado), diminuindo a provisão do processo judicial e estabelecendo um passivo correto para o balanço da empresa. Com essa engrenagem funcionando totalmente, temos claro que o trabalho do contencioso ficará mais equalizado e produtivo.

É necessário, por tal turno, ter em mãos qual o valor do contencioso que a corporação possui (passivo), justamente para balancear corretamente a empresa, estabelecendo métodos de ação e estratégias futuras. Um balanço errado no quesito provisão de processos ou métricas pode vir a ser terrível para qualquer corporação, assim como uma defesa ou atitude ruim pode minar todo um bom trabalho desenvolvido (todo cuidado é pouco ao lidar com ação judicial, custos e interesses processuais). Em outras palavras, é requisito obrigatório ter detalhado o valor médio (ticket) dos novos processos e do respectivo estoque, justamente para estabelecer eventuais políticas de acordos ou, até mesmo, encerrar determinado processo por pagamento o quanto antes. Sempre reforço que somente deve estar ativo os processos em que a empresa realmente acredita no êxito, ante ser caro e inviável manter processo ativo em estoque focado na protelação do feito, isto é, todos sem dúvidas são prejudicados em tal ponto, inclusive, o Poder Judiciário que mantém mais uma ação ativa sem plausível justificativa.

Um estoque de processos inchado ou ineficaz irá atrapalhar certamente a gestão do contencioso, tirando o foco do que realmente interessa (ganhar processos e administrar um bom retorno aos acionistas).

Em tal aspecto e sendo detectado qualquer desvio de curva quanto novas ações judiciais por problemas em produção ou produtos / serviços, condutas internas e afim, é importante cientificar e efetuar interface com a área comercial, de gestão de produtos da corporação ou envolvida no imbróglio, corrigindo eventual problema na largada, atuando justamente de modo preventivo, eliminando um futuro contencioso. (Novamente, o Advogado com leitura do negócio e visão empresarial irá atuar também na causa raiz da ação, e não somente no remédio – quando o problema já aconteceu).

Pensar em contencioso como linha de produção as vezes assusta ante quesito técnico (qualidade de defesa e teses), entretanto, é possível organizar um departamento jurídico (pensando em matérias análogas / risco), de modo equânime, sempre individualizando os processos ante análise técnica, todavia, aplicando tese relacionada ao caso de modo sistêmico. Mudam os fatos, mas o direito aplicado é assertivo, carecendo de boa interpretação sistemática do texto legal ao caso em concreto. A organização, novamente abordando, é tudo em qualquer corporação, não sendo diferente na área jurídica.

Ainda, a agilidade em gestão de contencioso (sempre com qualidade), é fundamental nos dias atuais, devendo referidos profissionais de tal ramo se utilizar da tecnologia para aprimorar o labor.

Sabendo individualizar as ações judiciais em linha de produção focada em qualidade (com um ótimo setor de BackOffice ou não para cadastro de ação), otimizando o tempo de cada produção e com análise de risco fidedigno, o departamento jurídico está um passo à frente. Após e conforme abordamos, é necessário precificar a carteira, isto é, quantificar o valor / custo da carteira de processos passivos, separando o plausível no quesito acordo e direcionando para tanto. Em outra ótica, o que sei que posso obter êxito no Judiciário (ante análise de risco correto), deverá ser reportado para uma ótima defesa e instrução, com intuito de realmente ganhar a demanda judicial. Voltando aos casos direcionados para acordo (o que é positivo, no caso de erro cometido ou tese contrária predominante), se torna correto entender qual o valor da condenação aplicada na localidade do processo para casos análogos, justamente para mensurar economia real face risco processual. Isso sim é um modo bem correto de equalizar a carteira processual.

Pois bem. Alternando o risco na primeira fase quanto acordo ou instrução, passaremos a acompanhar o processo judicial até a sentença (seguindo a mesma lógica nas demais Instâncias), momento em que se altera novamente a análise de risco. Referida análise, por sua vez, deverá ser efetivada a cada fase processual / decisão (01ª fase até Sentença; 02ª fase até acórdão no Tribunal local e 03ª fase até acórdão em Instâncias Superiores).

Veja que, posso acreditar realmente na minha defesa e vitória processual, todavia e com uma decisão judicial bem fundamentada e desinteressante (contrária aos meus interesses), talvez seja necessário alterar a métrica e direcionar o caso para acordo (nova análise técnica processual). Em tal turno, é necessário precificar o custo do processo em todas as etapas (nova análise de risco). Em outras palavras, a métrica de avaliação de risco x precificação da carteira deverá ser efetivada no cadastro do processo e, após cada decisão judicial (em tese final).

O cerne de tal artigo não é ensinar qualquer colega no trato do contencioso (essa pretensão inexiste), mas sim, elencar pontos importantes na gestão atual de um bom contencioso, efetuando a leitura do que realmente espera um acionista / empresário de um Departamento Jurídico de sucesso, engajado em bons resultados e com excelentes práticas. A leitura financeira, tecnológica e comercial deverá ser o DNA de um corpo jurídico interno atualizado e voltado para resultados, doravante. O controle gerencial é totalmente necessário e, somente com tal organização, novos passos poderão ser bem delineados e estruturados, sempre focando no êxito como um todo. (em diversos cenários).

Advogado Corporativo em São Paulo/SP, inscrito na OAB/SP sob nº 271.000, sendo atualmente Secretário da Comissão de Departamento Jurídico da OAB/SP, Seccional de Pinheiros/SP. Foi Membro da Comissão de Instituições Financeiras e Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SP. Graduado em Direito pela FMU/SP, com especialização em Contratos e Operações Bancárias pela FGV/SP, Pós-graduado em Direito Constitucional pela FMU/SP, com MBA em Administração de Empresas pela mesma Universidade. Ademais, foi Aluno Ouvinte do Mestrado em Direito Civil na PUC/SP, bem como, Aluno Especial do Mestrado em Processo Civil na USP. É autor de artigos jurídicos em revistas especializadas e palestrante.

Como citar e referenciar este artigo:
BELANDA, Douglas. Visão global de contencioso e alinhamento estratégico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/visao-global-de-contencioso-e-alinhamento-estrategico/ Acesso em: 19 abr. 2024