Direito Constitucional

Consumidor Infantil: Publicidade direcionada, educação alimentar e nutricional e as questões jurídicas incidentes

CHILD CONSUMER: DIRECTED ADVERTISING, FOOD AND NUTRITIONAL EDUCATION AND LEGAL ISSUES INCIDENT

Williana Gomes da Silva [1]

Wilker Jeymisson Gomes da Silva [2]

RESUMO

O poder da publicidade, no contexto da globalização, é exercido de maneira mais forte, quando o público alvo se trata de crianças, de forma que deve haver maior sensibilidade e cautela na forma de publicizar produtos para este público. O presente trabalho aborda a influência da publicidade de alimentos, a vulnerabilidade consumerista, os hábitos alimentares e as normas regulamentadoras publicitárias, abordando os limites das estratégias de marketing sobre os alimentos direcionados às crianças. Parte-se da descrição do perfil de consumo infantil, a educação alimentar e nutricional e a regulamentação da publicidade, tratando do papel da mídia na relação de consumo, utilizando-se, para tal objetivo, o método dedutivo e uma pesquisa de cunho bibliográfico.

Palavras-chave: Publicidade. Alimentos. Publicidade Infantil. Proteção à criança. Educação Nutricional. Direito do Consumidor.

ABSTRACT

The power of advertising, in the context of globalization, is exercised more strongly when the target audience is about children, so there must be greater sensitivity and caution in how to advertise products for this audience. The present work is about the influence of the food advertising, consumer vulnerability, eating habits and regulatory norms of advertising, addressing the limits of marketing strategies about food directed to children. This study start in the description of the profile of child consumption, food and nutritional education and regulation of advertising, dealing with the role of the media in the relationship of consumption, using for that purpose the deductive method and a bibliographic research.

Keywords: Advertising. Foods. Children’s Advertising. Child protection. Nutrition Education. Consumer Law.

1 INTRODUÇÃO

O comportamento e o perfil dos consumidores é delineado por elementos de cunho sociais e culturais, além de ser necessária a observância das peculiaridades atinentes a cada público, inclusive as que se referem à faixa etária. Atendo-se ao público infantil, vê-se que a alimentação, como fator crucial para o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, também sofre variações em razão do comportamento e dos perfis dos indivíduos que compõem a sociedade de consumo.

O crescimento das indústrias de produtos processados está no entorno da sociedade, incluindo as crianças, ainda mais vulneráveis em suas escolhas em razão de se encontrarem em processo de formação, em termos físicos e psicológicos, vendo-se, sem o necessário discernimento, cercada de produtos inadequados, seja por influência familiar, seja por anúncios e propagandas televisivas.

Desta forma, conclui-se que as crianças, fazendo parte desta sociedade, estão rodeadas de publicidade, estas que possuem alto grau de complexidade, de tal modo que estas, sem o necessário discernimento para lidar com a publicidade e seus efeitos, que fogem ao seu domínio e do núcleo familiar.

A publicidade infantil, quanto à questão alimentar, deve se servir para comunicar e informar a sociedade, devendo, no entanto, ser estabelecidos limites, haja vista o poder de influência que a publicidade tem sob as crianças e sobre o ambiente familiar, influenciando a formação de opiniões em relação aos aspectos que envolvem a sua saúde.

Neste trabalho, analisar-se-á o público infantil, a publicidade consumerista e os impactos negativos que a publicidade, acerca dos alimentos, pode ter na saude da criança, enfatizando-se o caráter educacional que se deve ter nas informações publicitárias que dispõem sobre os alimentos, seguindo os preceitos da EAN e os limites estabelecidos pela regulamentação atinente.

2 COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR INFANTIL

Atualmente, observamos um novo perfil de consumidor, qual seja o público infantil, o qual é bastante evoluído, se comparado aos tempos passados, visto que as atuais as quais já conhecem o poder compras, bem como possuem técnica de como conseguir o desejado, influenciando, desta forma, as decisões tomadas quando da realização de compras pela família (NETO; MELO, 2013).

Conforme obtempera Milani et al. (2015, p. 156),

[…] ocorreram mudanças nas decisões de compra da família por influência das crianças. Os pais, que possuem papel fundamental no processo educativo dos filhos, acabam se deixando influenciar pelos pedidos das crianças que por sua vez são levadas pelos anúncios atrativos da mídia. Desta forma é gerado um descontrole nos hábitos alimentares […].

Conforme os dizeres de (2015, p. 12):

Observa-se que a criança está, não somente exposta a uma sociedade com valores consumistas, como também se encontra integrada nesta. Mesmo com a exposição à publicidade e a influência externa, é muito importante que os pais, desde cedo, acompanhem seus filhos em suas atividades, tanto dentro como fora de casa, para que possam ensiná-los a tomar decisões racionais e saudáveis sobre o consumo.

Segundo Jaime et al., (2011), relata-se que o mercado infantil fatura milhões por ano, e também que as crianças possuem o poder de compra sobre os pais, percebendo-se que o marketing infantil, que antes era uma tendência apenas para os brinquedos, tem hoje uma conotação voltada à potencialidade para as compras em geral, tais como a compra de produtos alimentícios, relacionando a alimentação, por vezes, ao perfil dos desenhos animados desejado e assistidos pelas crianças.

Rabelo e Cardoso (2011) apud Bragaglia et al. (2012, p. 30), aduzem que:

[…] Para o público de 3 a 7 anos, o apelo visual é o mais importante, que deve escolher um ponto como foco. Como a atenção é mais voltada para figuras, mensagens verbais devem ser evitadas. Já em relação às crianças de 8 a 12 anos, por terem os adolescentes como referência, há uma ruptura no desenvolvimento. Como forma de reconhecer essa faixa etária, os produtos direcionados a ela devem ter apelo mais realista, menos fantasioso.

Assim, com esses atrativos direcionados, percebe-se que as alterações no perfil alimentar das crianças e dos adolescentes cresce a cada dia mais, devido a vários fatores influenciadores, assim como pelo novo estilo de vida moderna, que acaba beneficiando a ingestão de produtos alimentícios ultraprocessados em detrimento dos alimentos in natura, com refeições fora de casa, facilitando a troca das refeições saudáveis por fast-food, o que acaba levando a alta ingestão de alimentos ricos em gorduras, com a consequente diminuição do consumo de alimentos saudáveis (DALLAZEN, 2012).

Silveira (2015, p. 46), diz que:

Os padrões de alimentação têm apresentado mudanças dramáticas. A propaganda, com atraentes recursos publicitários incentiva o consumo de alimentos ricos em calorias e gorduras. Os pais, cada vez mais inseridos no mercado de trabalho, têm pouco tempo para o preparo de refeições caseiras. É mais fácil para eles recorrer a alimentos industrializados.

Sichieri (2013) conclui que:

[…] os alimentos consumidos fora de casa no Brasil são menos saudáveis do que os consumidos no domicílio, porém, ainda é pequena a parcela de alimentação fora do domicílio no Brasil, correspondendo a 16% das calorias diárias per capita. Esse dado é interessante, pois indica que é na capacidade das famílias de comprar e preparar os alimentos que se organiza o consumo alimentar no Brasil. Em outros países, como nos Estados Unidos, quase toda alimentação já é comprada em porções individuais e o ambiente doméstico pouco influencia na preparação dos mesmos. O Brasil caminha a passos rápidos para um maior consumo fora de casa, que aumenta muito com o aumento da renda.

Assim, se entende que o novo perfil consumidor da criança caracteriza-se como independente, com o forte domínio sobre os pais e parentes próximos, sofrendo influências da mídia e também das pessoas que compõem o seu convívio social, possuindo preferências por alimentos industrializados, de rápido consumo e praticidade (PIEDRAS, 2013).

Devido a este crescimento, as indústrias também expandiram suas propagandas, aumentando cada vez mais o seu faturamento. Com isso, surgiu a necessidade de acompanhar estas propagandas, pelo que foi criada uma organização que regula esta atividade, desempenhada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) que mantém neste conselho diretrizes éticas que as empresas anunciantes devem seguir, para que se possa anunciar seus trabalhos na mídia em geral (LANG; NASCIMENTO; TADDEI, 2009).

O CONAR tem como objetivo primordial resguardar o consumidor dos comerciais e propagandas fraudulentas, que sejam desleais e excessivas, as quais trazem uma imposição ou constrangimento aos consumidores. No Brasil, existem normas estatais que protegem o público consumerista, como as crianças e os adolescentes, referente ao marketing exorbitante que pode prejudicar a saúde destes.

A proteção se baseia notadamente por duas leis, sendo elas o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que intenta proteger o consumidor de publicidades que passam informações falsas, ou que mostrem um produto de forma excessiva ao consumidor, e o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), que tem por objetivo proteger a vida e a saúde da criança, com a finalidade de que estas tenham um nascimento, crescimento e desenvolvimento saudável e digno (LANG; NASCIMENTO; TADDEI, 2009). 

Paley (2011), apud Silva (2012, p.5) caracteriza marketing estratégico:

[..] sistema inovador que, possui um conjunto de atividade antecipadamente pensadas e criadas com propósito de idealizar, constituir preços, promover e distribuir produtos e serviços que objetivam prover as necessidades sociais individualmente e coletivamente, para a obtenção de lucro e notoriedade.

Diante deste contexto, sabe-se que as industriais utilizam-se comerciais e propagandas para passar as informações dos produtos, de uma forma que qualquer pessoa tenha o entendimento para processar as informações passadas, para ter as reações desejadas pela mídia, que se resumem ao desejo de compra. Tais informações são vistas de forma repetitiva no cotidiano do indivíduo, para que sejam fixadas na memória do consumidor (PIEDRAS, 2013).

Sendo assim, a mídia aproveita-se do fato que as crianças passam boa parte de seu tempo assistindo aos programas e desenhos infantis, intervindo nos intervalos dessas programações com os comerciais, principalmente em canais infantis, nos quais todos os elementos da programação são destinados às crianças.

Na maioria das vezes, as propagandas direcionadas passam no horário da realização das refeições, sendo importante a atuação dos pais no processo para elaboração de atividades para orientação e educação alimentar e nutricional, buscando hábitos saudáveis que serão conduzidos por toda trajetória de vida do indivíduo (ROSSI et al., 2010).

3 A EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL

A adoção de um conceito de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) deve considerar todos os aspectos que contemplem desde a evolução histórica e política da EAN no Brasil, com as múltiplas dimensões da alimentação e do alimento, como também os diferentes campos de saberes e práticas envolvidas, conformando uma ação que envolva o conhecimento científico ao popular (BRASIL, 2012).

Desta forma,

[…] Educação Alimentar e Nutricional, no contexto da realização do Direito Humano à Alimentação Adequada e da garantia da Segurança Alimentar e Nutricional, é um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis. A prática da EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais problematizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, etapas do sistema alimentar e as interações e significados que compõem o comportamento alimentar (BRASIL, 2012, p. 23).

Nesse sentir, as ações voltadas para a Educação Alimentar e Nutricional efetivamente promovem práticas alimentares mais equilibradas, permitindo às pessoas selecionar e consumir os alimentos considerados como mais saudáveis, nutricionalmente considerados, valorizando a diversidade dos produtos regionais e as vantagens que existem em se aproveitar todos os alimentos integralmente, consequentemente evitando os desperdícios (BRASIL, 2012).

A alimentação é uma prática social, resultante da integração das dimensões biológicas, culturais, ambiental e socioeconômicas.  A EAN requer, portanto, uma abordagem integrada, voltada para as práticas alimentares como resultantes da disponibilidade e acesso aos alimentos, além dos comportamentos, práticas e atitudes envolvidas nas escolhas, nas preferências, na forma de preparo e no consumo dos alimentos (BRASIL, 2012).

Torna-se, então, de suma importância estimular a autonomia dos indivíduos quanto às suas práticas alimentares, o que demanda investir em processos educativos fortemente aplicados. Estas ações estão asseguradas na Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, em seus arts. 3º e 4º, inciso I, que dispõem que:

Art 3º. A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (CONSEA, 2006)

Art 4º. (omissis)

[…]

I – A ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial daagricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda (CONSEA, 2006).

A Educação Alimentar e Nutricional pode contribuir para evitar o surgimento da desnutrição, doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT’s), sobrepeso e obesidade, permitindo o desenvolver de métodos transmissores de conhecimentos científicos e de habilidades, para que as pessoas possam selecionar e consumir alimentos saudáveis, de forma segura e adequada (BRASIL, 2012).

A falta de informação e de educação, quanto aos alimentos e seus aspectos nutricionais, acaba por prejudicar o público consumidor. No caso de crianças e os produtos industrializados, são preocupantes os que detêm grande concentração de gordura e açúcares, visto que, como estão bastante presentes na sociedade, afetam na alimentação das crianças.

Segundo Silveira (2015), esse cenário é prejudicial para as crianças, posto que a falta de educação alimentar e nutricional adequada com que estas não tenham uma alimentação saudável, trocando-a por alimentos e lanches processados, sem os nutrientes necessários a um crescimento saudável, adquirindo-se um mau hábito prejudicial à saúde infantil, com a aceitação de seus pais, inclusive.

Na questão consumerista, vê-se que as estratégias de marketing que almejam persuadir as crianças utilizam-se de ofertas e promoções que, em sua grande maioria, não dispõem acerca do conteúdo nutricional dos alimentos quês estão sendo oferecidos. Segundo Cazzaroli (2015), nessa estratégia de comunicação publicitária a essencialidade dos alimentos e as suas qualidades nutricionais estão em último plano, às vezes sequer mencionadas.

4 QUESTÕES JURÍDICAS ACERCA DA PUBLICIDADE INFANTIL NO ASPECTO ALIMENTAR

A publicidade funciona como uma forma de estabelecer a aproximação do produto e do serviço ao consumidor, tendo amparo na Constituição, ingressando na Carta como um princípio hábil a direcionar a conduta do publicitário, ditando limites quanto à possibilidade de utilização desse instrumento (NUNES, 2009).

A publicidade, no que diz respeito à seara comercial, está disposta no inciso II, § 3º, do art. 220 da Constituição Federal, determinando que se devem proteger os indivíduos e a família em face da publicidade que seja nociva à saude e ao meio ambiente. Este princípio, em sua visão geral, possui disposição protetiva contra a publicidade enganosa ou abusiva, isto no inciso IV do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Os arts. 30 e 31 do CDC dispõem que:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado (BRASIL, 1980).

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores (BRASIL, 1980).

Estes artigos, supracitados, tratam da informação consumerista e da publicidade, que são espécies do gênero oferta. Nunes (2009, p. 275) diz que “A oferta e a publicidade, enquanto elemento de apresentação do produto, podem ser geradoras do dano”.

Assim, determina-se, em interpretação aos dispositivos mencionados, que a informação e a publicidade devem ser precisas em seu conteúdo, independentemente do meio em que são veiculadas, esmiuçando suficientemente os produtos e serviços que forem postos à disposição do público em potencial, de tal modo que a oferta obrigará o ofertante, fazendo parte do contrato que porventura venha a ser formalizado.

Quanto à vinculação da oferta e sua integração no contrato, o art. 35 dispõe que:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e perdas e danos (BRASIL, 1980).

Isto porque, segundo Densa (2011, p. 111):

A publicidade é o principal meio pelo qual os fornecedores seduzem os consumidores e alcançam o lucro esperado com a venda de produtos e serviços colocados no mercado de consumo. Consequentemente, preocupou-se o legislador com a regulamentação da publicidade com o fito de evitar e reprimir abusos frequentemente ocorridos neste tipo de atividade.

Assim, a publicidade, como meio de difundir e seduzir consumidores, também se volta a públicos específicos, tais como o infantil, que gera lucro em demasia para os produtores e fornecedores de produtos direcionados a esta faixa etária. Além de objetivar a influência sobre as crianças[3], também busca atingir os demais membros da família. Henriques e Gonçalves (2013, p.20) comentam que:

A publicidade que se dirige ás crianças anuncia todos os tipos de produtos e serviços, inclusive aqueles que são diretamente consumidos pelos pequenos. Isso porque não raro o setor de marketing busca convencer as crianças para atingir os adultos, reflexamente. Do ponto de vista mercadológico, trata-se de estratégia muito eficiente, pois com apenas uma ação comunicacional, atingem-se ao menos três mercados: o das crianças, o dos pais e responsáveis pelas crianças e o dos adultos que estas crianças se tornarão, em um verdadeiro processo de fidelização às marcas.

A forma de se publicizar e ofertar produtos para o público infantil se dá de modos diversos e de uma forma mais complexa, na prática, utilizando-se de instrumentos apelativos e que façam a criança desejar o que está sendo ofertado. Tem- se que,

Dentre os principais apelos usados pelos anunciantes de televisão e internet pode-se destacar o estímulo do objeto de comer, a ilusão/fantasia, a família/amizade, curiosidade e o sabor do alimento juntamente com outros meios como personagens animados, músicas ou o prazer que o alimento causa. Mas nem sempre a associação com algum brinquedo ao alimento causa maior consumo do produto. Apelo nutricional, preço e conscientização são temas menos cultuados nos comerciais (MILANI et al., 2015, p. 156).

Este estímulo direcionado às crianças acaba por influenciar na decisão de compra familiar, como já mencionado, sendo que, dentre as diversas formas de proteção que as leis brasileiras e internacionais destinam às crianças, a questão publicitária e consumerista, inclusive no que tange à alimentação, também devem ser observadas.

Isto porque a criança precisa de cuidados especiais, para que o seu desenvolvimento e a sua educação se deem da melhor forma possível, também se devendo resguardar a sua saúde, integridade física e psíquica e segurança (inclusive alimentar). A Constituição Federal, no art. 227, dispondo sobre o princípio do “Melhor Interesse da Criança e do Adolescente”, determina que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Dando contornos ao dispositivo constitucional, o ECA, em seu art. 17, traz a obrigatoriedade de respeito à integridade física, psíquica e moral das crianças e adolescentes, sendo que o art. 7º, deste estatuto, também traz o “direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (BRASIL, 1990).

O art. 4º do ECA estabelece, por sua vez, que “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990).

Toda publicidade, embora tenha conformidade com a liberdade de expressão e economia de livre mercado, deve possuir restrições e regulamentações, em todos os tipos, incluindo as que são voltadas ao público infantil[4]. É nesse sentido que o CONAR instituiu o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, utilizando-se da mesma faixa etária do ECA para definir o conceito de criança, dispondo no art. 37 que:

Artigo 37 – Os esforços de pais, educadores, autoridades e da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formação de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes diante de tal perspectiva, nenhum anúncio dirigirá apelo imperativo de consumo diretamente à criança.

Nesse sentir, este Código, em seus anexos, contém informação acerca da alimentação e propagandas que a ela são voltadas, quanto ao público infantil. O anexo, que se denomina de “Categorias Especiais de Anúncios – Anexo H – Alimentos, Refrigerantes, Sucos e Bebidas Assemelhadas” , trazendo regulamentações destinadas à publicidade de produtos alimentícios, quanto ao público infantil, dispõe que:

Quando o produto for destinado à criança, sua publicidade deverá, ainda, abster-se de qualquer estímulo imperativo de compra ou consumo, especialmente se apresentado por autoridade familiar, escolar, médica, esportiva, cultural ou pública, bem como por personagens que os interpretem, salvo em campanhas educativas, de cunho institucional, que promovam hábitos alimentares saudáveis.

Nesse mesmo sentido, o CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) editou a Resolução de nº 163, sendo publicada no Diário Oficial da União em 4 de abril de 2014, dispondo acerca da prática direcionada ao público infantil como abusiva no Brasil. Esta resolução dispõe da seguinte forma:

Art. 2º Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação;

VII – bonecos ou similares;

VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (BRASIL, 2014).

Esta Resolução, assim como as demais normas genericamente protetivas, reconhece a influência que o anúncio publicitário exerce sobre as crianças, se fazendo necessário o controle e fiscalização da publicidade comercial direcionada, ressaltando-se a vulnerabilidade desta faixa etária, que encontra-se em período de realizar escolhas. No entanto, mesmo com a regulamentação, é fundamental que haja uma efetiva fiscalização do poder público, pois as leis e normatizações infralegais são insuficientes, per si, para impedir a violação da proteção à criança, quanto à publicidade acerca dos alimentos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A criança, vivendo em uma sociedade em constante evolução, inclusive em relação aos hábitos alimentares, onde os produtos processados são de fácil acesso, deve ser protegida integralmente quanto aos aspectos maléficos que estas stiauções podem lhes acarretar. A publicidade de alimentos, inserida na realidade da criança, deve ser analisada com cautela, haja vista a grande exposição que este público tem em relação às mídias, levando em consideração o avanço tecnológico e a maior acessibilidade aos meios eletrônicos.

Sendo a exposição deste público à publicidade bastante significativa, dá-se azo ao aumento no consumo de produtos processados, que deságuam na interferência nos hábitos alimentares das crianças, haja vista que a publicidade direciona-se, cada vez mais, aos produtos industrializados de baixo valor nutritivo e alto teor calórico, situações estas sobre as quais se deve refletir, inclusive sobre a responsabilidade das empresas autoras das propagandas e publicidade nesse sentido.

É possível inferir, assim, que a publicidade de alimentos processados, direcionada ao público infantil, deve possuir ditames rigorosos, pois as crianças, seres em desenvolvimento, período em que fazem escolhas, possuem alto grau de vulnerabilidade, que pode influenciar, de maneira significativa, nas compras da família, podendo acarretar-lhes hábitos alimentares não saudáveis que, juntamente a outros aspectos, pode causar diversos danos à saude destes consumidores.

 REFERÊNCIAS

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SILVEIRA, Maria das Graças Garcez. Prevenção da obesidade e de doenças do adulto na infância. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.



[1] Nutricionista, com registro no Conselho Regional de Nutrição da 6º região – CRN6. Graduada em Nutrição pela Faculdade Maurício de Nassau – FMN, tendo exercido monitoria da disciplina Nutrição e Dietética II nos semestres 2016.1 e 2016.2. Ex-estagiária do Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto LucenaHEETSHL. Ex-estagiária da Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN) – Domus Hall Entretenimento Ltda. Email: williana_g.silva@hotmail.com.

[2] Pós-Graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Instituição de Educação Superior da Paraíba – IESP. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba – FESP. Estagiário do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Pesquisador em Direito do Trabalho no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP. Monitor, atualmente, das disciplinas de Direito do Trabalho I e II, tendo exercido monitoria em Direito Administrativo I e II na FESP – Faculdade de Ensino Superior da Paraíba. Autor de diversos trabalhos científicos na área jurídica. Ex-estagiário da 8ª Vara do Trabalho da Comarca de João Pessoa – Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região. Email: wilkerjgsilva@hotmail.com.

[3] O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n°8.069/90, diz, em seu art. 2° que “Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990).

[4] Segundo Gonçalves (2011, p. 194) “Embora não haja consenso sobre a matéria – seja sobre a necessidade de se regular publicidade de alimentos ou publicidade infantil, seja sobre a interpretação da legislação em vigor a respeito –, diversos juristas já vêm se pronunciando no sentido de explicitar que direcionar publicidade ao público infantil não é apenas antiético como também ilegal”.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Williana Gomes da; SILVA, Wilker Jeymisson Gomes da. Consumidor Infantil: Publicidade direcionada, educação alimentar e nutricional e as questões jurídicas incidentes. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/consumidor-infantil-publicidade-direcionada-educacao-alimentar-e-nutricional-e-as-questoes-juridicas-incidentes/ Acesso em: 19 abr. 2024