Direito Constitucional

Nacionalidade brasileira “jus soli”: direito indisponível e seus reflexos na extradição

Mário Cesar da Silva Conserva[1]

INTRODUÇÃO

A nacionalidade é a condição social de enquadramento de um determinado indivíduo em um território estabelecido e soberano, um título comprobatório de integração em um demarcado Estado, resulta ao nacional uma proteção ou prerrogativas específicas frente ao seu país, garante-lhe a liberdade e o livre exercício de seus direitos civis e sua vinculação aos deveres estabelecidos pelo poder estatal. A nacionalidade nata decorre de um vínculo de nascimento na plataforma territorial, sendo, portanto, um estabelecimento vinculativo natural, ou seja, o indivíduo enquadrado nesta situação tem efetivada uma relação natural com o ente, gerando um direito indisponível, em regra, irrenunciável. No Brasil, país formado principalmente por imigrantes, o jus soli serve como uma ferramenta de acolhimento legal de integração.

A Constituição Federal do Brasil elenca quem são os brasileiros natos e estabelece circunstâncias para seu reconhecimento, será relevante para este artigo o tópico que trata da vinculação jus soli frente à nacionalidade. O impacto do entendimento pela disponibilidade do direito à nacionalidade ao trâmite de extradição é claro e gera o questionamento acerca da possibilidade da República extraditar um brasileiro nato pela renúncia de tal condição, apresenta-se, em primeira vista, como um abandono do Estado a um vínculo jurídico de direito público pelo mero interesse privado, analogicamente, como se fosse possível o Estado desvencilhar o direito à vida de um brasileiro em caso do interesse deste.

O objeto do presente artigo é a discussão acerca do direito à nacionalidade e suas especificidades no que diz respeito a sua disponibilidade pelo nacional e reflexos na regra de não extradição de brasileiros natos, mediante utilização de métodos de pesquisa bibliográfico e jurisprudencial, fundamentado em entendimentos jurídicos e de outras áreas científicas.

DESENVOLVIMENTO

Capítulo I: Nacionalidade Jus Soli.

O termo Jus soli (direito de solo) representa a nacionalidade derivada do local de nascimento do indivíduo, aquele nascido no território soberano tem sua nacionalidade automaticamente configurada, tornando-se a partir desse momento parte integrante do Estado de Direito e merecedor de sua proteção jurisdicional, prima facie um direito que surge com seu nascimento.

O critério supracitado é típico de Estados que possuem grande número de imigrantes em sua formação populacional, pois aqueles que têm liberalidade enquanto a imigração tendem a garantir que aqueles que chegam ao seu território sejam englobados como nacionais natos. Sobre isso, trata Bastos[2]:

É de se notar que a conveniência para os Estados em adotar um ou outro critério é variável segundo se trate de um país de emigração ou imigração[…]os Estados de imigração tenderão ao jus soli procurando integrar o mais rapidamente possível aqueles contigentes migratórios, através da nacionalização dos seus descendentes.”

O reconhecimento pelo critério Jus Solis reforça a tese de que a nacionalidade compartilha o ideal jusnaturalista, do direito nascido com o próprio indivíduo, tornando-o irrenunciável. O status de brasileiro nato não pode em momento algum ser discutível pela natureza natural de sua concepção.

Capítulo II: Brasileiro Nato jus solis na Constituição Federal.

A Constituição Federal trata em seu texto normativo a nacionalidade decorrente do local de nascimento do indivíduo, solidificando como brasileiro nato aquele que nasce na plataforma territorial da República, em seu artigo 12 traz a seguinte redação: Artigo 12: São brasileiros: I – natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; […] (grifei).

O constituinte traz o entendimento de que todo aquele que nasce em nosso território e ainda filho de pais de outro país, será brasileiro nato, excetuando os casos em que seus procriadores estejam a serviço diplomático do seu país de origem.

O reconhecimento da nacionalidade decorre de fato natural, nesse sentido a constituição traz a possibilidade de uma distinção entre a naturalidade e nacionalidade de um indivíduo; o estado de Direito vigente no Brasil admite que nem todo nacional será natural, podendo por vínculos sanguíneos adquirir nacionalidade brasileira mesmo que tenha nascido em outro Estado. Tal conclusão faz urgir o sentido superior daquele nacional sob o critério jus solis, devendo-se observar que não há distinção entre os nacionais, porém, o vínculo natural apresenta-se de maneira mais clara naqueles que possuem a naturalidade brasileira.

Capítulo III: Extradição de brasileiro nato.

A extradição é ato administrativo de um Estado que acolhe requisição de país estrangeiro para o envio de indivíduo sob sua jurisdição, para que este possa participar de persecução penal em território alheio. O extraditando terá seu envio conclamado pelo Supremo Tribunal Federal que analisará os comandos constitucionais.

Sobre extradição de brasileiros natos a Constituição Federal é taxativa: […] nenhum brasileiro será extraditado, salvo, o naturalizado […][3]. O brasileiro nato não poderá ser extraditado sob qualquer hipótese, a determinação veda completamente qualquer tentativa de modulação de tal comando, o nacional goza do privilégio de estar adstrito apenas às leis do país no qual naturalmente obteve o vínculo jurídico.

O brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em casos de crime comum praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico de entorpecentes ou drogas afins, tal determinação constitucional não pode ser vinculada ao brasileiro nato.

Capítulo IV: Perda da nacionalidade por brasileiro nato e extradição.

A perda da nacionalidade no Brasil decorre para os brasileiros natos da aquisição voluntária de outra nacionalidade, segundo alguns defensores da possibilidade de dispor de sua nacionalidade, ainda que a tenha adquirido de forma natural, a escolha por uma participação em uma comunidade estrangeira desvincula totalmente a posição de “brasileiro”, criando-se uma perspectiva de “ex-nacional” para aqueles que optarem pela participação plena em outro país.

O raciocínio posto instiga a um questionamento de um possível abandono estatal àquele que inegavelmente possui um laço natural com a República Federativa do Brasil, se a perda da nacionalidade decorre de uma renúncia ao status de brasileiro ocorreria uma medida de banimento, o que não é permitido pelas normativas constitucionais vigentes. Partindo dessa permissa, o Estado Brasileiro estaria disposto a entregar ao julgamento penal de um ente estrangeiro um brasileiro que por conveniência optou pelo convívio em outro país, quando deveria criar mecanismos de proteção aos nacionais que possuem naturalidade brasileira, pelo fato do Estado possuir um sistema capaz de um julgamento e penalização justos e evitando penas desses indivíduos em países estrangeiros que estiverem em desacordo com nossos preceitos constitucionais e ideológicos e que ainda desrespeitem os direitos humanos.

A aquisição de outra nacionalidade não deve ocasionar uma disponibilidade para com a nacionalidade originária, pois essa, não decorre de procedimento jurídico ou político, advém de fato natural, que é deveras indisponível.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal analisou a extradição de uma brasileira que teve a perda de sua nacionalidade[4], tendo em vista a complexidade do tema, houve divergência acerca da decisão, tomando a análise do direito à nacionalidade como indisponível a mais razoável, em seu voto o ministro Fachin ilustra o seguinte posicionamento:  

[…] “O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do “jus soli”, seja pelo critério do “jus sanguinis”, de nacionalidade brasileira primária ou originária” […].

A discussão acerca do posicionamento dos comandos constitucionais e a importância de seus enunciados traz à baila o que seria predominante. Analisando a determinação que “nenhum brasileiro será extraditado” e percebendo a intenção do constituinte de mantê-la no título dos direitos e garantias fundamentais, percebe-se que a interpretação mais razoável acerca do entendimento em relação ao direito indisponível à nacionalidade é que mesmo com a perda da mesma disposta na Constituição Federal, o brasileiro não deve ser extraditado, pois a perda que trata o artigo 12 da Carta Magna trata de simples trâmite burocrático que visa a restrição ao acúmulo de nacionalidades e o gozo concomitante de privilégios em dois países.

A opção por outra nacionalidade, em ato personalíssimo, não deve ser tido como absoluto para a perda da condição de brasileiro, quando o indivíduo continua a cumprir com suas obrigações civis, fiscais e eleitorais em seu país de origem, não denota a intenção de abandonar sua nacionalidade originária.

CONCLUSÃO

Diante de toda análise desenvolvida no presente artigo, faz-nos chegar ao entendimento de que a nacionalidade advinda do critério jus soli é direito indisponível por se tratar de direito natural, corroborado pela naturalidade que é título que não advém de qualquer sentido jurídico ou político, apenas natural.

No que diz respeito a extradição, o comando constitucional é claro quando da impossibilidade de se extraditar brasileiro nato, garantia que o constituinte estabeleceu dado o caráter natural da relação do nacional com o Estado soberano.

Por fim, é totalmente refutável a ideia de perda de nacionalidade por opção à outra nacionalidade quando é evidente o interesse pela continuidade do vínculo originário, ainda que o ato seja voluntário, a análise não poderá ser baseada no objetivismo, dadas as minúcias da voluntariedade do indivíduo que busca introdução em outro Estado soberano, o abandono estatal e a possibilidade de extradição de um brasileiro nato que teve decretada a perda de sua nacionalidade fere frontalmente a dignidade da pessoa humana e a própria negativa de existência de uma pena de banimento por desinteresse patriótico.

BIBLIOGRAFIA.

BASTOS, Celso Ribeiro.Curso de Direito Constitucional, 20a edição, São Paulo: Saraiva, 1999.

Página Inicial – Supremo Tribunal Federal, Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4875308>acessado em 18/11/2016.

Página Inicial – Palácio do Planalto, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>, acessado em 18/11/2016.



[1] Graduando no curso de Direito na Universidade Tiradentes, 7º Período.

Endereço eletrônico > mario-conserva@hotmail.com.

[2] BASTOS, Celso Ribeiro.Op. Cit., p. 268

[3] Artigo 5º, LI, Constituição Federal de 1988.

[4] MS 33864 – STF

Como citar e referenciar este artigo:
CONSERVA, Mário Cesar da Silva. Nacionalidade brasileira “jus soli”: direito indisponível e seus reflexos na extradição. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/nacionalidade-brasileira-jus-soli-direito-indisponivel-e-seus-reflexos-na-extradicao/ Acesso em: 29 mar. 2024