Direito Constitucional

O Ministro Alexandre de Moraes e a cicuta

Ontem, dia 06 de fevereiro de 2017, Temer fez mais uma escolha ruim; se não bastassem alguns Ministros que, escolhidos por ele, já deixaram compulsoriamente o Governo, e outro tanto há a exigir tal providência, ele agora indica ao Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

A escolha é um verdadeiro acinte à cultura jurídica brasileira, ao Poder Judiciário e à própria Suprema Corte, algo parecido com o que se deu quando da opção presidencial pelo Ministro Dias Toffoli.

Ela fere a Constituição Federal, pois o art. 101 de nossa Carta exige que o escolhido para Ministro da Suprema Corte deve ser possuidor de “notável saber jurídico“, e é muito pouco provável, pouquíssimo! que alguém da Academia admita, com isenção, honestidade intelectual e uma dose de seriedade, tratar-se Alexandre de Moraes de um homem dotado de “notável saber jurídico”. Segundo Aurélio, notável é aquilo “digno de louvor“, algo “eminente, ilustre, insigne, extraordinário.” Definitivamente, são adjetivos que não se aplicam a Alexandre de Moraes.

É bem verdade que ele andou escrevendo sobre Direito Constitucional: trata-se de um manual bem básico (que serve modestamente para auxiliar no estudo para algum concurso público no qual não sejam exigidos maiores conhecimentos teóricos da matéria) e um outro, uma mera compilação de julgados referentes aos dispositivos constitucionais. Ora, é muito pouco para atestar a notabilidade jurídica de um postulante a Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Vejamos, a propósito, algumas passagens de Alexandre de Moraes pela Academia:

No ano de 2003, concorrendo com  o atual Ministro Ricardo Lewandowsky, ele perdeu o concurso para Professor Titular da Universidade de São Paulo – USP, ficando em último lugar, com nota de 8,66 (o vencedor obteve 9,82).

Também foi reprovado pela Professora Odete Medauar, examinadora em outro concurso na mesma Universidade, o de livre-docência, obtendo naquela oportunidade exato ZERO! A Mestre Odete Medauar, segundo lembram docentes, “entendeu que a tese de Moraes não tinha consistência teórica.” Neste concurso, a média geral de Moraes foi de 7,08, contabilizando-se as demais notas dos outros quatro examinadores. Aos outros candidatos foram atribuídas as notas 9,7 e 9,6.

Aliás, antes ele já havia perdido o concurso de ingresso naquela Universidade, tendo sido aprovado em seu lugar o constitucionalista Virgílio Afonso da Silva.

Em 2004, durante uma aula, após introduzir uma discussão sobre o uso da tortura, saiu-se Alexandre de Moraes com uma capciosa e infeliz indagação: “Sabendo-se que há uma bomba em plena praça São Pedro, por onde passará o Papa, e é preso um terrorista que se recusa a falar onde ela está, no limite, é admissível a obtenção de informação mediante tortura a fim de evitar a morte das pessoas na praça?

Não satisfeito, fez uma outra pergunta: “Sendo um dos integrantes de um grupo de sequestradores detidos pela polícia e estando a vítima ainda em poder dos demais, no limite é admissível torturar o detido a fim de que se descubra o local em que a vítima e os demais sequestradores se encontram?

Seria mais ou menos o que ocorreria em uma mesa de botequim de quinta categoria quando, após noticiar-se na televisão a ocorrência de um estupro, um bêbedo perguntasse ao outro: “se fosse com a sua filha, você faria o quê mano?

Evidentemente, houve protesto dos alunos que entenderam tratar-se de uma relativização da proibição da tortura, o que é inadmissível, posto que se trata de um crime, segundo a Constituição Federal, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 5º.). Esta “notória” aula teve uma repercussão tão negativa que o plenário do Senado, à época, vetou o nome de Alexandre de Moraes para o Conselho Nacional de Justiça. Depois, a Casa voltou a examinar sua indicação e a aprovou. Alguns viram, então, uma manobra política capitaneada pelo PSDB e PFL, para que o seu nome voltasse a ser examinado e, finalmente, aprovado.[1]

A propósito de sua escolha, o futuro Ministro defendeu, em uma tese acadêmica, “que o Presidente da República não possa indicar ao Supremo quem exerce cargos de confiança, como é o seu caso, para evitar ´demonstração de gratidão política.`[2] Ao que parece, Temer, outro sofrível constitucionalista, não leu a lição do seu Ministro.

Pois bem.

Se não tem aquela notabilidade jurídica, possui o futuro Ministro, induvidosamente, imensa notoriedade, especialmente adquirida quando Secretário de Estado da Segurança Pública em São Paulo e, depois, Ministro da Justiça.

Sem o compromisso de exaurir todos os espetaculares lances da carreira arrojada do ex-Promotor de Justiça, relembremos alguns fatos que, se não fossem trágicos, seriam pitorescos.

Como Ministro da Justiça, por exemplo, protagonizou uma cena, no mínimo ridícula, ao se deixar filmar, como se estivesse atuando como um ator coadjuvante de uma película trash:

Munido de um facão, de forma desajeitada, cortando pés de maconha em solos paraguaios. A cena é tão non sense que vale a pena o registro.” À época, as imagens do pastelão “irritou estudiosos especialistas em políticas de drogas. Para Gabriel Santos Elias, Coordenador de Relações Institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Alexandre de Moraes foi para o Paraguai ´enxugar gelo`. Elias explica que há métodos mais eficientes, econômicos e sérios de lidar com o problema ao invés de mandar o Ministro para o Paraguai cortar pés de maconha com um facão.[3]

Alexandre de Moraes também foi acusado de praticar ato de improbidade administrativa, desde uma notificação dirigida à Advocacia Geral da União e assinada pelo Procurador da República, Dr. Matheus Magnani.

No documento, ao qual a CartaCapital teve acesso, o procurador afirma que o escritório de advocacia do ministro foi contratado pela Polícia Militar de São Paulo para ingressar com uma ação criminal, quando a obrigação é da Procuradoria Geral do Estado.Ações movidas por órgão públicos contam com a advocacia pública tanto nos municípios, nos estados, quanto na União e dispensam o uso de advogados particulares. A ação criminal, que foi assinada pelo ministro, foi ingressada em 2012 e teve como alvo o próprio procurador federal.O ministro advogou para a PM após a corporação alegar ter sido ofendida por Magnani durante uma audiência pública naquele ano. O procurador fez críticas quanto aos excessos praticados pela PM durante a crise da segurança pública na capital em 2012.Depois do assassinato de 18 criminosos em três operação da Rota, o PCC decidiu reagir e ordenou o assassinato de dois policiais para cada integrante da facção executado. A reação da polícia provocou uma série de chacinas nas periferias de São Paulo, ônibus foram incendiados e uma onda de terror tomou conta da capital. Segundo o procurador, os oficias da PM haviam perdido o controle sobre a tropa. “O praça hoje se transformou numa máquina de matar descontrolada”, afirmou durante o encontro.Magnani tinha razão: com o agravamento do confronto, em 2012, foram registrados 1.497 homicídios, aumento de 40% na capital paulista após 13 anos de redução. O governo acusou o golpe e admitiu a existência de uma crise na segurança pública. Toda a cúpula da área acabou afastada.O integrante do MPF acabou alvo de diversas ações cíveis e criminais além de representações no Conselho Nacional do Ministério Público por comandantes e entidades ligadas a PM. Os processos tinham o objetivo de constrangê-lo e intimidá-lo, segundo o procurador. O procurador venceu em todas as instâncias e teve a conduta elogiada tanto pelo CNMP quanto pelo Tribunal de Justiça paulista. No documento encaminhado ao STF, o procurador afirma ´tratar-se de ato de improbidade flagrante, no qual um órgão público militar associou-se a um particular (art 3º lei 8429) para, provavelmente mediante pagamento em dinheiro (ou favorecimento político) , criar passivo judicial em desfavor de um procurador da República por ato praticado no exercício de sua função. Nada foi feito pelo MPF a esse respeito até o momento e eu peço justiça à Advocacia Geral da União . É inconcebível que episódio tão grave seja alvo de ouvidos moucos por parte de agentes do Estado. O MPF, que por razões que ignoro, deu de ombros para tal situação`. A opinião é a mesma dos desembargadores Hélio Nogueira, Tânia Marangoni e David Dantas na sessão que julgou improcedente a ação penal movida contra o procurador.  Eles pediram que fossem encaminhadas cópias de peças dos autos ao Ministério Público Estadual e à Ouvidoria ou à Corregedoria da Polícia Militar para apuração de eventual ato ilegal ou de improbidade quanto à contratação de advogado particular para promover a queixa-crime. No entanto, acabaram vencidos pelo plenário.[4]

Um dia antes de o Senado decidir afastar a Presidente da República, Dilma Rousseff, o Ministro da Justiça “afirmou que as manifestações contrárias ao impeachment eram criminosas e atos de guerrilha, segundo a Folha de S. Paulo: ´Eu não diria que foram manifestações. Foram atos que não configuram uma manifestação porque não tinham nada a pleitear. Tinham, sim, a atrapalhar a cidade. Eles agiram como atos de guerrilha. Nós vamos identificar [as pessoas], porque há atitude criminosas, inclusive colocando em risco outras pessoas, como no caso da 23 de Maio e em outros locais onde pneus foram queimados. Eu tenho absoluta certeza que é fogo de palha isso, até porque o pequeno número de manifestantes demonstra isso, e, se eles se tornarem violentos, serão tratados como criminosos, não como manifestantes.”

Ainda agora, durante a recente agudização da crise crônica do sistema penitenciário brasileiro, “documentos divulgados pelo Governo de Roraima revelaram que o Estado pediu em novembro do ano passado o reforço da Força Nacional devido a problemas no sistema penitenciário, e que o Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, negou o envio. O pedido ocorreu cerca de um mês após dez presos terem sido mortos na unidade em um confronto de facções rivais na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. Nos ofícios divulgados, a Governadora solicitou no dia 21 de novembro de 2016, em caráter de urgência, apoio do Governo Federal e da Força Nacional devido às ´proporções dos últimos acontecimentos no Sistema Prisional do Estado de Roraima` e tendo em vista o ´grande clima de tensão` vivido pela população do Estado. A Governadora ressaltou que a situação ´requer atenção especial`. Em ofício com data de 26 de dezembro de 2016, enviado pelo Ministério da Justiça, o Ministro Alexandre de Moraes alegou que ´apesar do reconhecimento da importância do pedido`, ´infelizmente` não poderia atendê-lo. Segundo o Ministro, a Força Nacional estava ´em fase de preparação para enfrentamento de homicídios e violência doméstica cujo plano está em desenvolvimento neste Ministério, destinado, a priori, a atuação nas Capitais dos 26 estados e no Distrito Federal.`”[5]

Quando exerceu a função de Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, subordinado ao seu padrinho político, o Governador Geraldo Alckmin (PSDB), Moraes acumulou uma série de “atuações contestáveis, como nas ocupações dos estudantes paulistas.”

Com efeito, no dia 02 de dezembro do ano de 2016, “a Agência Brasil relatou que após mais um enfrentamento entre estudantes e policiais militares, Moraes tomou o lado da Polícia Militar, dizendo não ter visto excessos na ação: ´Não é possível que 30 ou 40 pessoas obstruam toda uma cidade. Deve sempre se deixar uma ou duas faixas livres. Como hoje por exemplo, em uma região de hospitais, 30 alunos se negaram a deixar uma faixa livre. Quem assistiu hoje viu que a polícia agiu na legalidade. É essa a indicação. A polícia fica mais de uma hora negociando com os manifestantes para que eles desobstruam a via e se eles se negam não é possível que poucas pessoas atrapalhem milhões de pessoas que estão indo trabalhar, estudar, que chutem e batam cadeiras nos carros. Isso é baderna e crime.`”

Aliás, “em matéria de janeiro de 2015, o jornal O Estado de S. Paulo afirmou que Alexandre de Moraes apareceria no Tribunal de Justiça de São Paulo como advogado em pelo menos 123 processos na área civil da Transcooper. A cooperativa é uma das cinco associações e empresas citadas em investigação que apura suposta formação de quadrilha e lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC).”[6]

Portanto, como diria Sócrates, resta-me ordenar: tragam-me a cicuta!

Autor: Rômulo de Andrade Moreira, Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia e Professor de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS.

Como citar e referenciar este artigo:
MOREIRA, Rômulo de Andrade. O Ministro Alexandre de Moraes e a cicuta. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-ministro-alexandre-de-moraes-e-a-cicuta/ Acesso em: 29 mar. 2024