Direito Constitucional

STF. Critério de escolha dos Ministros

STF. Critério de escolha dos Ministros

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Neste breve estudo, abordaremos duas questões relativas ao Supremo Tribunal Federal: o critério de escolha de seus Ministros e o prazo de sua investidura no cargo.

 

Um dos princípios federativos é o da independência e harmonia dos Poderes erigido pela Carta Política em nível de cláusula pétrea, isto é, insusceptível de supressão por meio de Emendas.

 

Esse princípio, que está expresso no art. 2º, consiste no mecanismo de freios e contrapesos no sentido de que nenhum dos três Poderes pode fazer o que bem entender sem que os outros dois Poderes interfiram de imediato.  Em passado não muito remoto tivemos exemplo disso, quando o Legislativo e o Judiciário atuaram conjuntamente para afastar o governante que extrapolou de suas atribuições balizadas pela Carta Magna.

 

O Supremo Tribunal Federal tem por missão a guarda da Constituição, onde estão inseridos não apenas os princípios federativos, como também os direitos e garantias fundamentais igualmente protegidos pela cláusula pétrea. Daí a grande importância do Pretório Excelso Nacional e, conseqüentemente, do critério de escolha de seus Ministros.

 

O critério atual, em que ao chefe do Poder Executivo é dada a liberdade absoluta de escolher os integrantes da Corte Suprema, dentre os cidadãos que preenchem os requisitos constitucionais (e são milhares e milhares), submetidos a uma ‘sabatina’ no Senado da República, por mera formalidade, não mais atende às aspirações legítimas da sociedade.  Afinal, escolher Ministros da Corte Suprema é diferente de nomear Ministros de Estado que, necessariamente, devem estar afinados com o programa de governo.  Há o perigo de transformar o Supremo Tribunal Federal, que é um tribunal político, como o é a Corte Suprema de qualquer outro País, em um tribunal de políticos, ou um tribunal com seus integrantes comprometidos com a ação governamental.

 

Isso, em tese, representaria a supressão de direitos e garantias individuais por vias oblíquas, subalternas, por meio de leis que não mais obedecem ao princípio da hierarquia vertical das normas como é comum, por exemplo, em matéria tributária, onde a fúria legislativa parece não ter limites. Por mais importante, nobre e relevante que seja a intensificação da ação do governo nesta ou naquela área, nada, absolutamente nada justifica a expansão da receita pública por via de instrumentos tributários nebulosos, no plano material e no plano processual, atentatórios aos direitos e garantias fundamentais que, por resultarem da soberania popular, estão acima do poder político do Estado.

 

O Supremo Tribunal Federal tem a grande responsabilidade de conter a atividade legislativa do Estado dentro dos limites constitucionais, qualquer que seja a sua motivação, evitando que instrumentos normativos viciados ingressem no ordenamento jurídico produzindo efeitos concretos de difícil reversão, sob todos os aspectos. A natural preocupação de ordem financeira do Estado não deve interferir nas decisões da Corte Suprema, que integra a cúpula de um Poder que exerce com exclusividade a atividade jurisdicional como expressão de soberania do Estado. É o STF o depositário  último das garantias fundamentais e do Estado Democrático de Direito. Por isso, excesso de harmonia é tão ruim, ou pior do que a desarmonia constante entre os Poderes.

 

É preciso buscar um critério de escolha dos integrantes da Corte Suprema que deixe o escolhido absolutamente livre de quaisquer obrigações de natureza moral, de sorte que o Ministro, uma vez investido no cargo por este o aquele governante, sinta-se absolutamente à vontade para, se preciso for, no dia seguinte ao de sua investidura proferir decisão contrária aos interesses do governo. Em um País, onde os problemas são bem maiores do que os recursos financeiros disponíveis para sua solução, é razoável afirmar que ‘o que é bom para o governo é ruim para o cidadão’  e vice-versa.

 

Sem desmerecer qualquer dos Ministros que atualmente integram a Corte Suprema, todos merecedores do nosso maior respeito pela sua inegável cultura jurídica, inteligência  e ilibada reputação moral, entendemos que o critério atual de escolha está ultrapassado e não mais atende aos anseios da sociedade. 

 

Ainda que seja uma Corte de natureza política, dada a sua responsabilidade de interpretar, em última instância, a Carta Política, influindo no destino de milhões de pessoas, a escolha de seus integrantes, necessariamente, deve ser feita por meio de um critério que torne impessoal o ato de nomeação do Ministro, tanto quanto possível. Os candidatos ao cargo de Ministro da Corte Suprema seriam recrutados dentre os profissionais de longa experiência na área do Direito,  quer como magistrados, quer como membros do Ministério Público, quer como advogados.  Preponderantemente deveria ser composto o STF por magistrados de carreira, escolhidos entre os integrantes de Tribunais Superiores e de Tribunais Estaduais.

 

O Conselho Nacional de Justiça, onde estão representados os três segmentos do Direito acima mencionados, além de dois cidadãos de notável saber jurídico, indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, elaborariam uma lista tríplice. O escolhido pelo Presidente da República seria sabatinado pelo Senado Federal como no sistema atual. Com isso, ficaria  reduzida em grau mínimo a dose de subjetivismo da autoridade que nomeia o Ministro.

 

Quanto ao aspecto da temporalidade da investidura no cargo de Ministro poder-se-ia fixar um mandato de dez anos, por exemplo, permitindo-se sua recondução, observado o mesmo critério que o conduziu ao cargo.

 

O argumento de que a rotatividade traz insegurança jurídica, porque provocaria constante alteração da jurisprudência da Corte Suprema, não nos parece procedente. Assemelha-se àquele vetusto argumento de que o quinto constitucional deve continuar existindo para ‘arejar os tribunais’.  Este, data vênia não nos parece ser o argumento mais indicado.  Certamente outras motivações existem.

 

Na verdade, o alegado perigo de insegurança jurídica não existe, ao menos pelo motivo apontado.  O STF tem adotado o sistema de Súmulas, que assegura a estabilidade de sua jurisprudência. Todos sabem da dificuldade da modificação ou da revogação de uma Súmula, apesar da alteração da composição plenária da Corte.  Agora, a alteração da jurisprudência que resulta do dinamismo do direito não é um mal. Ao contrário, ela é desejável até para a legitimação do Direito em face da sociedade em contínua transformação.  O que geraria a insegurança jurídica seria  a mudança radical da jurisprudência de um determinado tribunal, sem alteração legislativa e sem mudança na sua composição.  Isso sim, traria um caos jurídico desnorteando a ação dos estudiosos do Direito.

 

Enfim, precisamos nos libertar de velhos preconceitos e ter a coragem de inovar, para tentar aprimorar cada vez mais o desempenho da mais Alta Corte do País.

 

 

São Paulo, 31 de janeiro de 2006.

 

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. STF. Critério de escolha dos Ministros. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/stf-criterio-de-escolha-dos-ministros/ Acesso em: 28 mar. 2024