Direito Constitucional

Precatórios judiciais. Propostas de Emendas para alteração do seu regime de pagamento

Precatórios judiciais. Propostas de Emendas para alteração do seu regime de pagamento

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Não há uma vontade política para resolver de vez esse grave problema decorrente de dívidas oriundas de condenação judicial. Se levantadas as causas imediatas e remotas verificar-se-á que essas dívidas, que crescem como bolas de neve, decorrem de descumprimento de normas orçamentárias, de um lado, e de desapropriações precedidas de imissão de posse, mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, de outro lado.

 

     Para a primeira hipótese, a solução estaria na efetiva aplicação dos instrumentos existentes no nosso ordenamento jurídico para responsabilização do mau governante nas esferas política, administrativa, civil e penal.

 

     Para a segunda hipótese, a solução estaria na simples alteração do § 1º do art. 15 da lei básica de desapropriação, Decreto-lei nº 3.365/41, exigindo um depósito de valor condizente com a realidade imobiliária, como condição para deferimento da imissão prévia na posse. Poder-se-ia adotar como regra geral o depósito do ‘valor provisório’ de que trata o Decreto-lei nº 1.075/70, porém, sem as limitações nele previstas.

 

     Providência legislativa como a do inciso II, do § 4º, do art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101/00, que inclui a desapropriação de imóveis urbanos no elenco das restrições para criação ou aumento de despesas, será inócua enquanto persistir na lei de regência a faculdade de ofertar e depositar o valor cadastral do imóvel para fins de prévia imissão na posse. Assim, a inclusão, na lei orçamentária anual, de despesas com a desapropriação pelo valor venal dos imóveis atingidos permitirá a sua adequação às leis orçamentárias (Lei do Plano Plurinual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual), driblando as restrições legais impostas.

 

     O legislador, ao invés de combater as causas, sempre procurou tratar dos efeitos adotando providências legislativas que já resultaram em dois ‘calotes constitucionais’ , sem que os problemas de endividamento dos entes políticos em geral se resolvessem. Pelo contrário, a celeridade com que o legislador vem livrando as dificuldades financeiras do Poder Público, à custa de sacrifícios de seus credores, vem contribuindo para a formação da cultura do descumprimento de precatórios judiciais. Muito credores por precatórios de natureza alimentar, para sobreviverem, estão cedendo seus direitos a especuladores do mercado financeiro, com deságio de até 70%, fato que transforma a decisão judicial transitada em julgado em uma moeda podre, desprestigiando e comprometendo a seriedade do Poder Judiciário, encarregado de exercer a jurisdição em regime de monopólio estatal.

 

     Dentro desse espírito de remediar os efeitos e de não remover as causas, nada menos que quatro Propostas de Emendas Constitucionais estão em discussão para modificação do regime de precatórios. Todas elas têm em comum a flexibilização do cumprimento de decisão judicial transitada em julgado, o que compromete o princípio da separação dos Poderes que se constitui em cláusula pétrea, imune à modificação por via de Emendas.

 

     A primeira delas, a Emenda Modificativa nº 64/04, apresentada pelo Dep. Moraes Souza no bojo da Pec 228-A/04, que cuida da Reforma Tributária, altera o § 1º do art. 100 da CF determinando a inclusão orçamentária até o limite máximo de 2% da receita corrente líquida, para pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho. Há uma emenda supressiva apresentada pelo Dep. Luiz Antonio Fleury, porém, a tendência é pela aprovação da Emenda Modificativa com a vinculação de 2,5% da receita corrente líquida.

 

     A segunda delas, a Emenda nº 71/04, apresentada pelo Dep. Gerson Gabrielli, também no bojo da Pec 228-A/04, substitui o precatório judicial por título sentencial, que conterá valores divididos em sessenta parcelas mensais e com livre circulação no mercado, facultada sua cessão, independentemente da concordância do devedor.

 

     A terceira Proposta de Emenda, a Pec nº 226/04, apresentada pelo Dep. Aloysio Nunes Ferreira, acrescenta novos parágrafos ao art. 100 da CF disciplinando o pagamento das diferenças apuradas no juízo da execução: as resultantes de erros aritméticos são pagas mediante expedição de ofício, preservada a posição original na ordem cronológica; as demais diferenças, mediante expedição de novo precatório, tudo conforme entendimento já consagrado pelo STF. Outrossim, introduz disposições transitórias para solver os precatórios pendentes, mediante a inclusão de 2% da receita corrente líquida na lei orçamentária anual, enquanto remanescer precatórios de exercícios anteriores.

 

     Finalmente, uma quarta Proposta de Emenda, a Pec nº 116/03, apresentada pelo Dep. Wilson Santiago, acrescenta o § 2º-A ao art. 100 da CF, determinando o depósito de valores concernentes à dotação para pagamento de precatórios, em duodécimos, limitado em caso de Municípios a 5% do total da receita de impostos e transferências constitucionais.

 

     De todas as Propostas, a que melhor se harmoniza com os princípios constitucionais de independência e harmonia dos Poderes, de acesso ao Judiciário e de garantia dos direitos individuais é a Pec 116/03, que determina o depósito de duodécimos dos valores consignados no orçamento anual, tirante a limitação de 5% da receita de impostos em relação aos Municípios. De fato, de nada adianta conceder ao Presidente do Tribunal, que proferiu a decisão exeqüenda, o poder de ordenar o pagamento de precatórios se não detiver a disponibilidade física dos recursos financeiros correspondentes às dotações consignadas ao Poder Judiciário. Ao cometer determinado fim, deve-se conceder os meios para alcançar esse fim. Somente a efetiva entrega dos recursos financeiros em duodécimos ao Poder Judiciário, a exemplo de outras despesas próprias desse Poder, ou o seu depósito mensal em juízo nos limites da verba consignada tem o condão de atender ao princípio da efetividade da jurisdição. Se for para falhar na fase final do processo de execução, deixando o demandante vitorioso a mercê da boa vontade dos governantes, como está acontecendo de alguns anos para cá, melhor seria flexibilizar o direito de acesso ao Judiciário. Ao menos pouparia despesas inúteis para o jurisdicionado e para o Estado.

 

     Por derradeiro, é importante lembrar que na discussão dessas Propostas de Emendas deve-se ter em mente a ordem jurídica como um todo, evitando aprovação de proposta que venha inviabilizar o processo de fiscalização e controle da execução orçamentária que, entre nós, sempre foi precário, não por falta de instrumentos legais, mas por ausência de vontade política na implementação dos mecanismos de repressão. Por isso, o poder liberatório de precatório ou título sentencial, contido em uma dessas Propostas, deve ser cuidadosamente disciplinado de forma a não provocar atritos com princípios orçamentários contidos na Constituição Federal, na Lei nº 4.320/64 e na LC nº 101/00. O princípio da unidade de tesouraria é essencial à correta execução do orçamento: todas as receitas devem ser recolhidas ao Tesouro, daí saindo somente sob forma de despesa legalmente autorizada, vale dizer, despesa fixada na lei orçamentária anual. Os recursos vinculados a fundos especiais constituem exceção a esse princípio salutar, por isso, seus desvios são constantes, sem que os mecanismos de controle e fiscalização possam ser adequadamente implementados, por total ausência dos elementos de despesas.

 

SP, 07.09.04

 

 

* Professor de Direito Administrativo, Financeiro e Tributário. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

kiyoshi@haradaadvogados.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Precatórios judiciais. Propostas de Emendas para alteração do seu regime de pagamento. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/precatorios-judiciais-propostas-de-emendas-para-alteracao-do-seu-regime-de-pagamento/ Acesso em: 19 abr. 2024