Direito Constitucional

Ensino Jurídico e Exame de Ordem

Ensino Jurídico e Exame de Ordem

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

12.06.2007

 

 

         SUMÁRIO: 1) Apresentação; 2) Os princípios e decisões fundamentais; 3) Igualdade de oportunidades e ensino; 4) Restrições à liberdade de manifestação do pensamento; 5) A reserva de mercado; 6) A proliferação de cursos jurídicos; 7) O direito de acesso à educação superior; 8) As conseqüências do Exame de Ordem; 9) As razões do autor; 10) Síntese das inconstitucionalidades; 11) O Exame injusto, absurdo, arbitrário e sem transparência; 12) Proposições.

 

 

1. Apresentação

 

         Fui convidado a participar do ERED 2007, no Painel IV – “As Novas Alterações no Exame de Ordem: avanços ou retrocessos para a melhoria do Ensino Jurídico?”

 

         Desejo agradecer ao Centro Acadêmico de Direito Orlando Bitar (CADOB), pelo convite e pela oportunidade, que me deu, para debater este assunto.

 

         Todos sabem que eu assumi uma posição contrária ao Exame de Ordem, por uma questão de princípios, e porque não me curvo a qualquer tipo de interesse secundário. O que eu já aprendi sobre o Direito Constitucional, nas aulas do Dr. Orlando Bitar e nos meus quarenta anos de magistério, tudo me obriga a dizer que esse Exame é inconstitucional e que a liberdade de exercício profissional deve prevalecer, no interesse público e contra os interesses corporativos equivocados, dos dirigentes da OAB.

 

         Os defensores do Exame de Ordem têm como único argumento a proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade. A conseqüência lógica (para eles, evidentemente) dessa proliferação é a transferência, para a OAB, de uma competência constitucionalmente atribuída ao Estado Brasileiro, ou seja, a competência para avaliar e fiscalizar o ensino. Eles não explicam, é claro, nem fundamentam juridicamente, essa absurda transferência.

 

         Aliás, se fosse possível a atribuição das competências do MEC à OAB, seria possível, também, a atribuição das competências do Judiciário à OAB. Motivos não faltam. O Judiciário é um Poder falido, que está muito longe de garantir o acesso à Justiça, que é direito público subjetivo de todo brasileiro, mesmo dos mais de cem milhões de carentes, que precisariam de advogados, mas também de um Judiciário que pudesse oferecer um atendimento decente. Se a OAB se acha no direito de fazer um Exame de Ordem e de avaliar os cursos jurídicos, invadindo a competência do MEC, por que será que  os dirigentes da OAB não organizam, imediatamente, os tribunais e juízes necessários, para que possamos ter o acesso à Justiça, com toda a celeridade, constitucionalmente garantida, aliás expressamente, no inciso LXXVIII do art. 5º???

 

Veremos, a seguir, que o Brasil não tem, como afirmam os dirigentes da OAB, um número excessivo de cursos jurídicos, ou de advogados. Na verdade, o número de profissionais liberais não pode, ou não deve ser limitado, por quem quer que seja, nem mesmo pela OAB, porque a Constituição Federal garante a liberdade (fundamental) de exercício profissional.

 

         Tentarei sintetizar as razões jurídicas que tornam inconstitucional o Exame da OAB. Tentarei explicar, também, as relações desse Exame com o ensino jurídico, o direito à educação, a reserva de mercado, a proliferação de cursos jurídicos e as atribuições do MEC. Ao final, farei algumas proposições, referentes, especialmente, à liberdade de manifestação do pensamento e à necessidade de controle externo do Exame da OAB.

 

 

         2. Os princípios e decisões fundamentais

 

         O Brasil é um Estado democrático de direito e tem como fundamentos, dentre outros, a cidadania (CF, art. 1º, II), a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV). A Constituição Federal consagra, ainda, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil (CF, art. 3º, III), “….reduzir as desigualdades sociais…”. A educação é um dos maiores instrumentos de mobilidade social, e somente ela seria capaz de reduzir as desigualdades sociais.

 

Em seu art. 5º, caput, a Constituição Federal garante os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (grifamos). No mesmo art. 5º, inciso XIII, garante a liberdade de trabalho, ofício ou profissão. Em seu art. 6º, caput, declara: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, etc…” (grifamos). Todos têm liberdade, inclusive para trabalhar, e todos têm direito às mesmas oportunidades, que surgem, evidentemente, através da educação. Em seu art. 205, a Constituição Federal declara que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (grifamos). Portanto, a educação qualifica para o trabalho, e não o Exame da OAB. Em seu art. 209, a Constituição Federal declara que “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I- cumprimento das normas gerais da educação nacional; II- autorização e avaliação de qualidade pelo poder público.” (grifamos). Mais uma vez: cabe ao Estado, apenas, através do MEC, e não à OAB, a competência para autorizar a criação de novos cursos, a  competência para avaliar o desempenho desses cursos e a competência para aplicar um Exame, semelhante ao ENADE, por exemplo, para avaliar os estudantes.

 

         Não resta dúvida, portanto, de que uma das principais decisões adotadas pela Constituinte de 87/88 é a de garantir, a todos, o direito fundamental do acesso à educação, como conseqüência do sobre-princípio da igualdade, como elemento indispensável à dignidade humana e à cidadania e como instrumento de mobilidade social, ou seja, para que todos possam ter acesso às melhores oportunidades de trabalho e de emprego e, conseqüentemente, para que todos tenham igualdade de oportunidades. Dessa maneira, seria possível, talvez, romper a tradição arraigada dos séculos da absurda exclusão social, que ainda beneficia determinados segmentos privilegiados de nossa população, que os autores costumam rotular como elites dominantes.

 

         Ficou claro, também, pela citação dos dispositivos constitucionais, que o ensino qualifica para o trabalho, e não o Exame da OAB e que compete ao poder público, e não à OAB, autorizar a abertura das instituições de ensino e avaliar a qualidade do ensino e o rendimento dos estudantes.

 

 

         3. Igualdade de oportunidades e ensino

 

         A igualdade de oportunidades não se concretizará, enquanto o ensino não for prioridade em nosso País. Temos, no ensino fundamental, a ridícula remuneração do salário mínimo para professores que lecionam, em escolas sem o mínimo necessário, para alunos que, em sua maioria, precisam urgentemente da merenda escolar, como a sua única refeição do dia. Em contraste, temos o luxo dos palácios do Governo, que costumam abrigar as negociatas e a impunidade de políticos eleitos por esse povo miserável, e que são regiamente remunerados, com o dinheiro da nossa tributação, recordista mundial, de quase 40% do PIB, recebendo valores equivalentes, às vezes, a mais de uma centena de salários. Para a manutenção desse belo quadro, verifica-se que as decisões dos Poderes Constituídos primam, em geral, por uma política assistencialista e de exclusão social, negando assim às camadas mais pobres da população o direito do acesso à educação de qualidade, às melhores oportunidades de emprego e aos ofícios que recebem as melhores remunerações.

 

         Para completar esse quadro de exclusão e de privilégios, em uma reminiscência das guildas da Idade Média, as nossas corporações profissionais recebem autorização para limitar o número de vagas em seus quadros, resguardando assim o mercado de trabalho para os profissionais já inscritos, que ainda costumam aprovar tabelas de honorários, o que é francamente atentatório ao princípio constitucional, já referido, da liberdade do exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), e aos princípios constitucionais da valorização do trabalho humano, da livre iniciativa, da justiça social e da livre concorrência (CF, art. 170).

 

         Não resta dúvida de que o Estado pode intervir nas liberdades públicas, mas apenas quando o interesse público o exigir. Não é possível restringir a liberdade de exercício profissional, que é um direito fundamental, considerado cláusula pétrea, ou seja, imutável, até mesmo por uma emenda constitucional, se isso não for absolutamente necessário, para o interesse público. Essa restrição, de qualquer forma, deverá sempre respeitar os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Não é possível que se chegue ao extremo de inviabilizar, de forma desarrazoada, o exercício desse direito fundamental. O legislador não tem poderes absolutos para limitar o exercício profissional, nem muito menos a OAB. Os seus poderes somente se justificam de acordo com o interesse público e de acordo com os princípios constitucionais fundamentais. E mais: na dúvida, a interpretação das normas restritivas de direitos deve ser feita, sempre, em favor da liberdade individual de exercício profissional.

 

 

         4. Restrições à liberdade de manifestação do pensamento

 

         Todos sabem, também, que eu costumava publicar, na imprensa local, os meus artigos jurídicos, e que eles nunca foram escritos para agradar a quem quer que fosse. Há 37 anos, os meus artigos têm sido publicados, em diversos jornais de Belém. Até mesmo na época do Regime Militar, de 1.964, a imprensa publicava os meus artigos jurídicos, a exemplo dos que eu escrevi a respeito da candidatura, ao Senado, do Dr. Aloísio Chaves, então Governador de nosso Estado. Não houve restrição à liberdade de imprensa, nunca, mesmo naquela época, pelo menos em relação aos meus artigos.

 

         Hoje, eu não consigo publicar mais nada, em nossos dois jornais, nem mesmo nas “Cartas do Leitor”. Nunca me deram razões para isso. Simplesmente, não publicam mais nada. Não sei qual poderia ter sido a razão, porque eu sempre procurei exercer, em toda a sua plenitude, a liberdade de manifestação do pensamento, constitucionalmente assegurada, para criticar a tudo e a todos.

 

         Sempre critiquei, na imprensa local, o próprio Exame da OAB. Na minha opinião, esse Exame é inconstitucional e prejudica os bacharéis em Direito, o interesse público e a própria OAB. A publicação das críticas é essencial, em um regime republicano. A própria OAB precisa de críticas, precisa ter transparência. Não é possível que a OAB permita a restrição à liberdade de manifestação do pensamento. Não é possível impedir o debate de questões importantes para a nossa sociedade, como o Exame da OAB.

 

         Depois de 40 anos de magistério, fui obrigado, também, a ouvir, de uma professora universitária, que não tenho didática e que não deveria falar sobre o Exame de Ordem, porque “esse assunto não interessa aos estudantes de Direito”. Quanto à didática, é possível que ela tenha razão, de acordo com as exigências do mercado profissional, porque eu sempre procurei ajudar a formar verdadeiros juristas, sem as contaminações do puro mercantilismo. Não é possível que os cursos jurídicos sejam reduzidos à função de preparar candidatos para os Exames da OAB. Hoje em dia, infelizmente, muitos daqueles que se dizem juristas só se preocupam com os lucros de suas opiniões jurídicas. Muitos “juristas” só se preocupam com os juros e os dividendos de seus pareceres. Muitos se omitem, também, quando isso lhes parece conveniente.

 

         Quanto ao interesse dos estudantes de Direito a respeito do Exame da OAB, porém, a resposta está sendo dada hoje, pelo convite do CADOB, que volto a agradecer, porque é uma ótima oportunidade, e uma rara oportunidade, para que eu possa manifestar a minha opinião. Neste encontro, de estudantes de Direito, não existe, evidentemente, nem poderia existir, qualquer patrulhamento ideológico. Todos podem manifestar as suas opiniões. Mesmo que não concordemos com essas opiniões, elas são essenciais em um regime que pretenda ser republicano.

 

 

         5. A reserva de mercado

 

         Não é juridicamente possível limitar o acesso ao mercado de trabalho da advocacia, pelos novos bacharéis formados em nossos cursos jurídicos. Não é possível dizer, simplesmente, que já temos um número excessivo de advogados e que, por essa razão, o Exame de Ordem é necessário.

 

         Infelizmente, essa é a noção caolha que muitos dirigentes da OAB não se pejam de divulgar: já temos advogados em excesso, e é preciso proteger o mercado de trabalho dos advogados filiados à OAB. O próprio Presidente da OAB disse, na semana passada, em Belém (fonte: O Liberal, Repórter 70, 05.06.2007), que, “se não existisse o Exame de Ordem, teríamos hoje 2,4 milhões de advogados”!

 

         Se o Judiciário funcionasse, ainda seriam poucos, mas pelos dados que possuo, acho que isso é um exagero. De qualquer maneira, de acordo com outro defensor do Exame de Ordem, a OAB tem hoje cerca de 600 mil advogados e “estima-se que existe hoje no mercado (em que mercado, se eles estão proibidos de advogar?) cerca de 1,9 milhão de bacharéis em Direito que não possuem registro profissional na OAB porque não reúnem background suficiente para o exercício da advocacia ou de qualquer outra carreira jurídica”. (Fonte: “Exame de Ordem: proteção da sociedade”, Antonio Carlos, Jornal Pequeno, São Luís-MA, 11.06.2007).

 

         Muito bem: e quais seriam as conseqüências desses números? Quase dois milhões de bacharéis, impedidos de trabalhar, pelo Exame da OAB, porque já temos um número excessivo de bacharéis!!!

 

         Não é verdade, também, que o Exame de Ordem exista desde 1930, como o Presidente da OAB afirmou, em um artigo recente (Justiça e Exame de Ordem – http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=9921).

 

         O Exame está sendo aplicado desde 1996, depois de ter sido “regulamentado” pelo Provimento nº 81/1996, hoje revogado pelo Provimento nº 109/2005. Mas, de qualquer maneira, sejam ou não dois milhões, os novos advogados que a OAB conseguiu impedir de exercerem a sua liberdade de exercício profissional, isso é inconstitucional e imoral. É a confissão, pelo seu Presidente, de que a OAB faz a reserva de mercado, através de seu Exame: “se não fosse o Exame, já teríamos 2,4 milhões de advogados” !!!

 

         Aliás, essa é, também, a noção de alguns de nossos “representantes”, no Congresso Nacional. A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados aprovou, recentemente, o projeto de lei nº 4.342/2004, que pretende criar o exame de habilitação para o exercício da medicina. Do Relatório do deputado Armando Abílio consta que: “A Associação Médica Brasileira considera que nós já temos médicos em número suficiente no País (são 310 mil profissionais ativos, 90 mil só em São Paulo). Eles só não estão adequadamente distribuídos pelo território.”

 

         Isso é um absurdo. Todos sabem que o povo está morrendo na porta dos hospitais e nas filas do SUS, mesmo nas grandes cidades. Mesmo que existisse um número excessivo de profissionais, isso não seria contrário ao interesse público. Talvez o atendimento fosse melhor e os honorários mais acessíveis. De qualquer maneira, não é possível limitar o número de vagas de médicos, ou de advogados, que exercem profissões liberais. Não compete à OAB, também, avaliar os cursos jurídicos, nem aplicar um Exame para avaliar a formação jurídica dos bacharéis, que já tiveram a sua qualificação profissional atestada, através de um diploma de uma Instituição de ensino superior. A competência para essa fiscalização é do Estado brasileiro, através do MEC, de acordo com as normas constitucionais já citadas. Cabe à OAB, apenas, a fiscalização do exercício da advocacia pelos profissionais devidamente registrados. Não cabe à OAB dizer, depois de cinco anos de estudos, de dezenas de avaliações e da aprovação de sua monografia por uma Banca, que o Bacharel em Direito não tem a necessária qualificação para o exercício de sua profissão. Para que serviria o diploma, então? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação declara que “Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular.” (Lei nº 9394/1996, art. 48). Mais claro, impossível. De que serve essa validade nacional, porém, para o bacharel em Direito, sujeito ao Exame de Ordem da OAB?

 

 

         6. A proliferação de cursos jurídicos

 

         Quanto à alegada proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade, que é o único argumento dos dirigentes da OAB, ela existe sim. Aliás, não apenas de cursos jurídicos, mas de todos os cursos superiores, que são aproximadamente 13 mil. Existem mil cursos jurídicos, no Brasil, mas existem, por exemplo, mais de 3 mil cursos de administração. É preciso fechar as escolas superiores desqualificadas, sim, para que se evite a diplomação de profissionais despreparados. Essas escolas, de Direito, de Medicina, de Engenharia, de Administração, etc., não podem continuar despejando no mercado profissionais incapacitados. No entanto, quem deve decidir a respeito dessas escolas não são os Conselhos Profissionais, a OAB, o CRM, o CRECI, etc.,  e sim o MEC, por uma razão muito simples: porque a Constituição Federal afirma, nos dispositivos já citados, que compete ao Estado brasileiro a fiscalização e a avaliação do ensino. No interesse público, ressalte-se, e não de acordo com os interesses das corporações profissionais, que podem pretender utilizar o seu Exame de Ordem como um instrumento para impedir o acesso de novos profissionais, ou seja, para fazer a chamada “reserva de mercado”, sempre que os seus dirigentes entenderem que já existem muitos médicos, ou muitos advogados, por exemplo, conforme já exemplificado.

 

         Quando a Constituição Federal garante a liberdade de exercício profissional, isso significa que não é possível limitar o número de “vagas de advogados”. Isso é um absurdo, que muitos afirmam e pretendem, porque somente o mercado de trabalho poderá limitar, legitimamente, o número de profissionais.

 

         Em artigo recente, a respeito da reprovação nas provas da OAB, publicado na internet, na própria página do STJ (Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=82799), o Ministro João Otávio de Noronha disse, entre outras coisas, que: “o excesso de faculdades mostra que o ensino foi mercantilizado (…) não acredito ser válido esse aumento, pois não acho que o Brasil demande mais escolas de Direito (…) Ensino superior é para os vocacionados, pessoas que têm aptidão para exercer profissões técnicas, de nível mais elevado, como médicos, advogados, engenheiros, entre outros. O que devemos ter, no Brasil, é o curso médio com formação técnica (…) Eu não acredito que todo cidadão tem de ser engenheiro, médico… Há cidadãos destinados, vocacionados, para a operação. Eles precisam de cursos técnico-operacionais. Mas, no Brasil, o que acontece hoje é que todo mundo faz um curso superior, ainda que não venha a exercer a profissão. Isso é um erro. Acredito que essas pessoas que concluem cursos superiores sem vocação sejam, geralmente, as reprovadas nos exames da Ordem, no caso do Direito, por exemplo (…) Pode-se aprovar no exame da OAB sem aumentar o número de vagas de Direito (…) Estamos enviando ao mercado uma quantia superior à demanda. Isso faz com que a carreira sofra um desprestígio, pois os profissionais com pouca qualificação passam a exercer uma concorrência predatória. O mercado seleciona e, com o tempo, vai excluir os profissionais mais fracos, porém não sem antes de esse aumento desenfreado de cursos causar seqüelas à própria sociedade.”

 

         Ou seja, de acordo com o Ministro do STJ, que é também professor de Direito Processual Civil, no Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB, é preciso restringir o acesso à educação superior. Vagas de advogados, médicos e engenheiros, somente para os vocacionados, ou seja, para os seus filhos. Para os filhos da ralé, restam os cursos técnico-operacionais!!!!

 

         Não se deve esquecer, também, que a baixa qualidade do ensino superior é uma conseqüência direta das absurdas carências do ensino fundamental e médio. Não é possível que se pretenda que os cursos superiores transformem, em cinco anos, analfabetos funcionais em profissionais competentes.

 

         Na verdade, é absurdo dizer, também, como o Ministro do STJ, que nós temos um número excessivo de cursos superiores, ou de cursos de Direito. O Brasil tem apenas 3% de sua população com um diploma de nível superior. Nos países civilizados, esse índice é dez vezes maior. O Brasil tem apenas 11% de seus jovens na Universidade, o mesmo que o Haiti! Nos países civilizados, esse índice chega aos 70%.

 

         Os dirigentes da OAB costumam dizer que é um absurdo que tenhamos, no Brasil, mais de mil cursos de Direito, enquanto os Estados Unidos têm apenas 200. No entanto, os Estados Unidos têm 1,3 milhões de advogados e nós temos 500 mil. Proporcionalmente à sua população, portanto, os Estados Unidos têm mais advogados do que o Brasil, o que desqualifica, inteiramente, o argumento dos defensores do Exame da OAB.

 

         Os dirigentes da OAB esquecem, também, que as Universidades norte-americanas são muito diferentes dos nossos “cursos jurídicos”, dentre outras coisas, no que se refere ao número de alunos. Assim, embora eu ainda não tenha conseguido obter os dados estatísticos necessários, é muito possível que as 200 universidades dos Estados Unidos tenham mais alunos do que os nossos mil cursos jurídicos, a maioria deles com uma ou duas centenas de alunos…

 

         Além disso, não é possível dizer que nós já temos advogados em excesso. O Brasil tem mais de cem milhões de carentes, que precisariam da assistência de um advogado, para fazerem valer os seus direitos, que nunca foram respeitados. O que não seria possível, evidentemente, com o nosso Judiciário falido, sem uma reforma substancial em nosso arcaico sistema judiciário, uma reforma física, procedimental e, fundamentalmente, de mentalidade: as decisões devem privilegiar, sempre, o interesse público, e não o interesse corporativo, ou o interesse de uma elite, como no caso da opinião do Ministro do STJ.

 

 

         7. O direito de acesso à educação superior

 

         Também deve ser dito que seria muito interessante, ou essencial, mesmo, que o Brasil pudesse garantir, à maior parte de sua população, o acesso à educação superior. Isso não seria mau, absolutamente, como pretendem os que alardeiam a existência de uma enorme proliferação de cursos superiores, ou de cursos jurídicos. Quanto mais bacharéis, ou quanto mais advogados tivermos, melhor, se considerarmos o interesse público. O mercado se encarregará de selecionar os bons e os maus profissionais. O mercado se encarregará de fixar os honorários, e cada profissional os receberá de acordo com os seus méritos e com a qualidade dos serviços que oferece. Da mesma forma como acontece, aliás, pela própria natureza das relações sociais, em qualquer profissão liberal, mesmo naquelas que não exigem um curso superior, um diploma, ou a inscrição em um conselho profissional.

 

         Dessa maneira, uma vez democratizado o acesso à educação superior, se mesmo assim muitos desses profissionais não conseguissem exercer a profissão liberal para a qual foram diplomados, mesmo que eles fossem obrigados a aceitar trabalhos em outra área, não haveria qualquer prejuízo para o interesse público. Muito ao contrário, porque com a democratização do acesso à educação superior, de qualidade, evidentemente, como conseqüência, também, das melhorias no ensino fundamental e médio, teríamos, pelo menos, uma força de trabalho mais qualificada e, também, um eleitorado mais capacitado a escolher governantes decentes para o nosso País. Mais cidadania e mais democracia, portanto.

 

 

         8. As conseqüências do Exame de Ordem

 

         Não é verdade, também, que o Exame de Ordem possa servir para separar os bons e os maus profissionais, nem, muito menos, para avaliar a ética do futuro advogado. Inúmeros profissionais, aprovados no Exame de Ordem, advogados, juízes, promotores, delegados, etc.., têm sido envolvidos em escândalos de corrupção e em outros crimes. O Exame de Ordem tem servido, no entanto, entre outras coisas, para aumentar o poder dos dirigentes da OAB, em relação aos dirigentes dos cursos jurídicos e ao MEC. Hoje, a OAB pretende determinar, até mesmo, o que a Universidade deve ensinar, e como deve ensinar. Os dirigentes da OAB estão ensinando didática aos professores universitários! A Escola Superior de Advocacia da OAB/PA tem um curso de didática para professores de Direito! Trata-se de um “Curso de Aperfeiçoamento e Capacitação de Docência do Ensino Superior na Área Jurídica”, com uma carga horária de 180 h.a., duração de quatro meses e valor de R$150,00 mensais. Em breve, os dirigentes da OAB estarão indicando, talvez – se é que isso ainda não está ocorrendo -,  os nomes dos professores que estarão capacitados a ensinar em nossos cursos jurídicos!

 

Ao mesmo tempo, contraditoriamente, a OAB permite que suas bancas examinadoras do Exame de Ordem, que avaliam todos os bacharéis diplomados pelos nossos cursos jurídicos, sejam formadas por advogados que não possuem experiência didática !!!  (Provimento nº 109/2005, que “estabelece normas e diretrizes do Exame de Ordem”, art. 3º, §3º).

 

Quanto ao MEC, de acordo com o Decreto nº 5773/2006, ele já está sendo obrigado a respeitar os pareceres da OAB, a respeito da criação e do reconhecimento dos cursos de graduação em Direito.

 

         O Exame de Ordem tem servido, também, para que muitas Escolas Superiores da Advocacia ofereçam cursos preparatórios para o Exame de Ordem. A de Alagoas chegou a alardear, em sua propaganda, “altos índices de aprovação, no exame anterior”. Muitos dirigentes da OAB, em todo o Brasil, são também professores universitários, dirigem cursos jurídicos, possuem cursinhos preparatórios para o Exame de Ordem e publicam obras específicas, do tipo “Mil Perguntas e Respostas”, em uma promiscuidade de interesses que atenta contra a credibilidade do Exame de Ordem e contra as tradições da própria OAB.

 

         Mas o pior é que o nome da OAB está sendo citado, agora, nas sucessivas denúncias de fraudes, em diversas Seccionais, que culminaram com a operação “Passando a Limpo”, da Polícia Federal, na OAB de Goiás, quando foram presos onze servidores da OAB, além do Presidente e do Vice-Presidente da Comissão de Exame de Ordem!  A aprovação no Exame de Ordem, de acordo com a investigação da Polícia Federal, estaria sendo vendida a um preço que variava de dez a vinte mil reais. A quadrilha estaria faturando 3 milhões por ano, aprovando novos “advogados”.  Espera-se, apenas, que a OAB esclareça a opinião pública a respeito dessa investigação. Será que os culpados continuarão advogando e continuarão integrando o Conselho da OAB/GO, se for realmente constatada a veracidade das denúncias?

 

         A unificação do Exame da OAB e a contratação da UNB para a elaboração das provas deve ter algo a ver com essas fraudes, ou com uma tentativa de que elas sejam evitadas. No último Exame, 17 Seccionais já haviam aderido a essa unificação.

 

 

         9. As razões do autor

 

         Eu defendo a abolição do Exame de Ordem, portanto, porque ele é inconstitucional, e já escrevi diversos artigos a respeito desse tema, que podem ser lidos na internet, em: http://www.profpito.com/exame.html , mas não acho que eu esteja agindo “por inconsciência ou por má-fé”, nem que eu esteja “conspirando para atingir o Judiciário”, inviabilizando a sua atuação, em decorrência da má-formação profissional dos advogados. E nem, muito menos, estou atingindo a OAB. Ao contrário, estou defendendo os seus mais legítimos interesses. Na minha opinião, não se pode defender interesses corporativos, em detrimento do interesse público. É verdade que a advocacia deve ser qualificada, mas também é verdade que não cabe à OAB qualificar os bacharéis, nem avaliar a sua qualificação profissional, que já se encontra certificada através de um diploma de uma instituição de ensino superior, que deve ser fiscalizada pelo MEC, e não pela OAB. Se o MEC não desempenha corretamente as suas atribuições, não cabe à OAB usurpar essas atribuições, e isso é tão evidente que não pode ser discutido em um debate jurídico sério.

 

         O que a OAB deve exigir é que o MEC desempenhe corretamente as suas funções. Se a qualificação profissional tem que ser avaliada, e isso é evidente, essa função cabe exclusivamente ao MEC, através de exames nacionais, a exemplo do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), cujos resultados poderiam determinar o fechamento dos cursos deficientes, e até mesmo a não diplomação dos alunos que apresentassem rendimento insatisfatório.

 

 

         10. Síntese das inconstitucionalidades

 

         Em síntese, o Exame de OAB é inconstitucional porque:

 

          a) atenta contra diversos dispositivos constitucionais, já referidos, ou seja, ele é materialmente inconstitucional. De acordo com a Constituição Federal (art. 205), a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. Diz ainda a Constituição que o ensino é livre à iniciativa privada e que cabe ao Poder Público a autorização, portanto, para a abertura e o funcionamento dos cursos, e a avaliação de qualidade (CF, art. 209, já citado), ou seja, o que a OAB pretende fazer, através do “ranking” dos cursos jurídicos, que publica, e através do Exame de Ordem. Ainda de acordo com a Constituição Federal, em seu catálogo de direitos e garantias – cláusulas pétreas (art. 5º, XIII, também já citado), é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Evidentemente, as qualificações profissionais seriam aquelas obtidas na Universidade, que qualifica para o trabalho. Nenhuma lei poderia estabelecer um Exame de Ordem, como o da OAB, para a verificação dessas qualificações profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para qualificar) e a do Estado, do poder público, do MEC (para avaliar).

 

         b) o Exame da OAB é formalmente inconstitucional, porque foi criado, na verdade, pelo Provimento nº 81/1996, já substituído pelo Provimento nº 109/2005, ambos editados, evidentemente, pelo Conselho Federal da OAB. Vejam o absurdo: um direito fundamental (art. 5º, XIII, da CF) sendo limitado, não por uma lei, mas por um simples provimento de um Conselho Profissional. Isso ocorre porque a Lei nº 8906, o chamado Estatuto da OAB, impõe, como requisito para a inscrição do advogado, a aprovação em Exame de Ordem (art. 8º, IV). Nada mais. Diz, apenas, que o Exame de Ordem será regulamentado em Provimento do Conselho Federal da OAB (art. 8º, §1º). Portanto, o Exame de Ordem não foi criado por lei do Congresso, porque o Estatuto da OAB nada disse a seu respeito, nem foi regulamentado pelo Presidente da República, como deveria ter sido (Constituição Federal, art. 84, IV, in fine). A norma do §1º do art. 8º do Estatuto da OAB é claramente inconstitucional, porque a competência de regulamentar as leis é privativa do Presidente da República. Somente uma lei do Congresso, devidamente regulamentada pelo Presidente da República, poderia restringir o direito fundamental ao exercício da profissão (CF, art. 5º, XIII). Ressalte-se que essa restrição, que está sendo feita através de um simples provimento da OAB, não poderia ser feita nem mesmo por uma Emenda Constitucional. Nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia ser tendente a abolir uma cláusula pétrea. (CF, art. 60, §4º). Tendente, apenas; não é preciso que o diga expressamente.

 

         c) o Exame da OAB atenta contra o princípio constitucional da isonomia, porque somente os bacharéis em Direito estão sujeitos a esse Exame. Mesmo que esse Exame não fosse material e formalmente inconstitucional, mesmo assim o Congresso Nacional não poderia criar um Exame apenas para os bacharéis em Direito, sem qualquer razão plausível. Afinal, um médico sem a necessária qualificação profissional poderia matar o seu cliente, e um engenheiro incompetente poderia causar enormes desastres, com a perda de vidas e patrimônio, mas um advogado incompetente poderá colocar em risco, apenas, o patrimônio ou a liberdade de seu cliente. Para completar o absurdo, o exercício da medicina por um profissional não habilitado é crime, mas o exercício da advocacia é uma simples contravenção penal!!!

 

 

          11. O Exame injusto, absurdo, arbitrário e sem transparência

 

         Mas o Exame da OAB, além de inconstitucional, é injusto e absurdo, além de arbitrário e sem transparência:

 

         a) O Exame da OAB é injusto e absurdo, porque cria uma barreira tardia, ao exercício profissional, levando o bacharel em Direito a perder cinco anos e muitos milhares de reais, para depois ser impedido de trabalhar. São quase 100 mil bacharéis que ficam impedidos de exercer a profissão, a cada ano. Não é possível que se continue a permitir a realização de um Exame desse tipo, apenas ao término do Curso de Direito e depois de uma caricata diplomação, para que depois sejam reprovados 90% dos bacharéis, sob a alegação de que os cursos jurídicos são deficientes. Os professores desses cursos, muitos deles, são os próprios Conselheiros da OAB, às vezes integrantes das Comissões de Exame de Ordem!!! Dessa maneira, apenas os bacharéis em Direito são punidos, por culpa do MEC, que não fiscalizou, por culpa dos cursos jurídicos, que não se preocuparam com a verdadeira qualificação profissional de seus diplomados, ou melhor, que não foram capazes de prepará-los para a aprovação no Exame de Ordem, o que não é o mesmo,  evidentemente, e por culpa da OAB, que não respeita a Constituição.        

 

         b) O Exame da OAB é arbitrário e sem transparência, porque não tem critérios estabelecidos e não é fiscalizado por ninguém. Ao mesmo tempo em que a Ordem, no Acre, aprova quase todos os bacharéis, ela reprova 97% no Paraná! A Ordem está pretendendo unificar esse exame, nacionalmente, como já referido, certamente para evitar as enormes disparidades que têm ocorrido, com reprovações maciças em alguns Estados e altos índices de aprovação, em outros. Evidentemente, também, deveria haver um controle externo, como existe, da própria OAB, em qualquer concurso da área jurídica. Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do “Parquet”; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu Exame de Ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 100 mil bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo Estado brasileiro, através do MEC.

 

 

            12. Proposições

 

a)     Para que fosse mantido o respeito à Constituição, bem como à imparcialidade e à veracidade das informações jornalísticas, essenciais em um regime que se pretende seja republicano e democrático, os dirigentes da OAB deveriam sair de seu isolamento, para contestar os argumentos jurídicos contrários à constitucionalidade do Exame de Ordem. Não basta dizer que o Exame é necessário, devido à proliferação de cursos jurídicos. A  imprensa deveria divulgar também as opiniões contrárias ao Exame de Ordem, com o mesmo destaque que ela costuma dar às opiniões dos dirigentes da OAB. Deveria ser programada, aliás, a realização de uma completa reportagem a respeito desse Exame, para que fossem ouvidos os dois lados interessados na questão: os dirigentes da OAB e os bacharéis, impedidos de trabalhar.

 

b)    Seria muito interessante, da mesma forma, que os dirigentes da OAB se empenhassem, junto à imprensa local, para que os meus artigos voltassem a ser publicados. No interesse da própria OAB e de suas tradições, como defensora dos ideais democráticos e republicanos. A OAB precisa ter transparência. Ela precisa defender a liberdade de manifestação do pensamento, mesmo que seja para a divulgação de opiniões contrárias aos interesses eventuais de alguns de seus dirigentes.

 

c)     Não tenho a menor dúvida de que será muito difícil conseguir, tão cedo, a extinção do Exame de Ordem, apesar de sua gritante inconstitucionalidade, devido ao prestígio de que gozam a OAB e seus dirigentes, junto aos Poderes Constituídos, especialmente o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, mas enquanto for mantido esse Exame, seria da maior importância que ele fosse controlado externamente, para que se evitasse a possibilidade de abusos e fraudes, como as que já têm ocorrido. Assim, da mesma forma como acontece em relação aos concursos jurídicos, que são fiscalizados pela OAB, o Exame de Ordem deveria ser fiscalizado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, e pelas Universidades e instituições superiores de ensino jurídico. Essa fiscalização seria muito importante para a própria OAB, porque tornaria mais transparente a sua atuação e daria maior credibilidade ao próprio Exame de Ordem.

 

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Ensino Jurídico e Exame de Ordem. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/ensino-juridico-e-exame-de-ordem/ Acesso em: 19 abr. 2024