Direito Constitucional

Exame de Ordem, Autonomia Universitária e Liberdade de Exercício Profissional

Exame de Ordem, Autonomia Universitária e Liberdade de Exercício Profissional

 

 

Fernando Machado da Silva Lima*

 

 

20.05.2006

 

 

 

Sumário: 1. Os fatos; 2. As dúvidas; 3. O Exame de Ordem não é capaz de avaliar;  4. As Comissões de Exame de Ordem sem experiência didática; 5. A liberdade do exercício profissional; 6. Bacharel ou advogado? 7. Concurso público? 8. A incompetência da OAB; 9. A avaliação dos bacharéis; 10. O desafio; 11. O exame dos médicos; 12. O estelionato educacional; 13. A reserva de mercado; 14. O Exame de Ordem é inconstitucional, injusto e arbitrário; 15. Considerações Finais.

 

 

 

         1. O S  F A T O S

 

            Em um dos últimos Exames de Ordem da OAB/PA, o de maio do ano passado, tivemos o maior índice de reprovação de todos os tempos. Dos 663 bacharéis, formados pelos nossos cursos jurídicos, que se submeteram às provas da OAB, na esperança de conquistarem o direito de exercer a advocacia, apenas 116 foram aprovados. Em decorrência desse péssimo resultado, com um índice de reprovação de 81,9%, os dirigentes da nossa OAB repetiram o diagnóstico de sempre, que costuma ser divulgado, à exaustão, em todo o Brasil: a culpa é da massificação do ensino, da criação exagerada de novos cursos jurídicos e da falta de empenho dos estudantes.

 

            Em Cascavel, no Paraná, também em maio de 2005, o resultado foi ainda mais escabroso, porque menos de 3% dos bacharéis foram aprovados. Dos 470 inscritos em Cascavel, apenas 11, de acordo com o exame da OAB, têm condições de exercer a advocacia.

 

            No primeiro exame de 2006, da OAB/PA, cujos resultados foram agora divulgados, houve uma pequena melhora, porque foram reprovados “apenas” 80,37% dos candidatos.

 

            O Presidente da OAB nacional, Roberto Busato, declarou, em entrevista à imprensa (Diário do Pará, 20.05.2006), que a política adotada, no ensino de Direito no Brasil, é “uma trapaça aos alunos, à família desses estudantes e à sociedade em geral” e que “a maior prova da decadência da graduação no país são os índices de reprovação no exame da Ordem, que chega a mais de 70%.”

 

            O problema, disse ele, “não está na aplicação da prova, mas no ensino do Direito no Brasil. Existem cursos em que o estudante passa cinco anos na faculdade e não faz uma prova, uma avaliação. Em alguns lugares a situação é pior, a concorrência no vestibular é de um para uma vaga. Os estudantes passam com qualquer nota. O Ministério da Educação e Cultura (MEC) precisa ser mais eficaz e reverter esse quadro.”

 

            Realmente, em todo o Brasil, os índices de reprovação nos exames da OAB alcançaram índices inaceitáveis. Mas será que o diagnóstico da OAB está correto? Será que o Exame de Ordem avalia, realmente, a capacidade profissional dos bacharéis? E será que a OAB tem competência para isso? Ou esse Exame estará sendo utilizado como um instrumento para a efetivação de uma reserva de mercado, em favor dos advogados já estabelecidos?

 

            De acordo com as previsões da OAB, publicadas na imprensa, sabe-se que “nos próximos anos serão despejados no mercado de trabalho 120 mil novos bacharéis, o mesmo número de advogados em atividade na Inglaterra. Atualmente, já existe uma enorme saturação do mercado”.

 

            Em São Paulo, a Dra. Ivete Senise Ferreira, Presidente da Comissão de Exame de Ordem da Seccional paulista, pretende criar mais um obstáculo para os novos advogados: na sua opinião, cada bacharel deveria fazer cinco vezes, no máximo, o Exame de Ordem, porque o candidato que faz o exame várias vezes, sem sucesso, “deveria ser aconselhado a repensar sua opção profissional”. Portanto, depois de freqüentar durante cinco anos, no mínimo, um curso jurídico, gastando, se for aluno de uma faculdade particular, e se não comprar nenhum livro, trinta mil reais, aproximadamente – em algumas faculdades, esse valor pode chegar a R$60.000,00-, o bacharel deveria desistir, simplesmente, de ser advogado, e começar tudo de novo.

 

            Aliás, de acordo com o Provimento nº 34, do Conselho Federal da OAB, cada candidato poderia fazer o exame, no máximo, oito vezes, mas de acordo com o Provimento nº 81/96,  e com o Provimento nº 109, de 05.12.2005, que atualmente regula o Exame de Ordem, não existe mais esse limite, pelo menos por enquanto, a não ser que a “brilhante” idéia da Dra. Senise prevaleça.

 

            Dispõe o § 2º do art. 7º do Provimento nº 109/05:

 

“§ 2º – O candidato reprovado pode repetir o Exame de Ordem, vedada a dispensa de quaisquer provas.

 

            Dessa maneira, pelo menos por enquanto, cada bacharel poderá continuar fazendo o Exame de Ordem, três vezes por ano, quantas vezes forem necessárias, para ser aprovado. E pagando as taxas, claro, de R$100,00, ou de R$120,00, dependendo da deliberação de cada Conselho Seccional.

 

            No Paraná, o Secretário de Justiça e Cidadania, Aldo Parzianello, depois dos péssimos resultados do Exame de Ordem, em seu Estado, em 2005, propôs a revogação do inciso IV do art. 8º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), que exige a aprovação dos bacharéis no Exame de Ordem, para a sua inscrição na OAB. A proposta do Secretário foi encaminhada ao líder do PMDB na Câmara dos Deputados, deputado José Borba, para a apresentação de um projeto de lei. Em documento denominado Ato de Cidadania, também entregue ao deputado José Borba, o Secretário Parzianello rebateu o principal argumento que pretende justificar a obrigatoriedade do exame de ordem, ou seja, o da baixa qualidade dos cursos jurídicos, dizendo que compete ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), e não à OAB, a atribuição de inspecionar e avaliar a qualidade dos cursos e dos professores. Essa atribuição do MEC, destinada a aperfeiçoar o ensino jurídico, é exclusiva e indelegável.

 

            Também como conseqüência dos resultados dos últimos Exames de Ordem, em 2005, o programa Fantástico, da Rede Globo, que foi ao ar no dia 26 de junho, convocou o lingüista Bruno Dallari e o professor de Direito Renan Lotufo, para examinarem a correção gramatical e o conteúdo jurídico das provas dos candidatos reprovados. Bruno Dallari disse que existem erros, alguns bem graves, e que eles “fazem parte de um contexto de prova, de pressão, mas que, no conjunto, não desqualificam esses alunos, como possíveis advogados”. O professor Lotufo, no entanto, que é desembargador aposentado e professor da PUC de São Paulo, e também um renomado autor de obras de Direito Civil, disse que as provas denotam “um absoluto desconhecimento do Direito em si e da forma de conduzir um processo”. Disse, também, que não pode

 

“aprovar uma pessoa que vai prejudicar os outros no exercício da profissão. Ele está fazendo o melhor que pode, que é uma porcaria, e não sabe que é. Então, a Ordem está ensinando: olha, você precisa melhorar de nível. Quando deixar de ser uma porcaria, como aplicador do Direito, então você vai poder trabalhar como qualquer um”. (grifamos)

 

 

         2. A S  D Ú V I D A S

 

            Em face dessa realidade, e das próprias declarações da OAB, não se sabe, exatamente, se a principal preocupação é com a falta de conhecimento jurídico dos candidatos, que poderia ser prejudicial aos interesses dos clientes, ou se a OAB se preocupa, em primeiro lugar, com a saturação do mercado de trabalho.

 

            Juridicamente, não resta dúvida de que compete ao Governo Federal fiscalizar, através do MEC, a qualidade do ensino superior. Por essa razão, o Exame de Ordem está invadindo atribuições alheias. Afinal de contas, se o MEC não fiscaliza corretamente os cursos superiores, será que isso justifica a transferência de sua competência para a OAB? Será que algum outro órgão poderia fiscalizar o exercício profissional dos advogados, alegando que a OAB não está desempenhando corretamente as suas atribuições? Será que as atribuições do Judiciário poderiam ser desempenhadas por um outro poder, para que se pudesse evitar a procrastinação dos feitos? O absurdo é evidente. Depõe contra a imagem da OAB, aliás, a sua insistência, em manter essa e outras inconstitucionalidades, evidentemente por interesses políticos, em detrimento de sua função institucional, porque não se pode supor que os seus dirigentes não tenham condições de entender as razões pertinentes à inconstitucionalidade do Exame de Ordem.

 

            O Exame de Ordem foi criado, na verdade, por imposição da OAB – o anteprojeto do Estatuto foi elaborado pela própria OAB -, mas agora estamos chegando a um impasse, porque o feitiço está começando a contaminar o seu próprio criador.

 

            Aliás, o Exame de Ordem, além de criar uma restrição, destituída de razoabilidade, contra a liberdade de exercício profissional, e além de atentar contra a autonomia universitária, é também inconstitucional, porque não foi criado por lei, e nem regulamentado pelo Presidente da República, conforme exigido pela Constituição Federal. A Lei, ou seja, o Estatuto da OAB (Lei nº 8906/94), disse, apenas, que a aprovação no Exame de Ordem seria indispensável para a inscrição do bacharel e para o exercício da advocacia. Não disse, porém, o que seria esse exame, e decidiu, simplesmente, “transferir” ao Conselho Federal da OAB, como se isso fosse juridicamente possível, a competência para a sua regulamentação.

 

       O próprio Presidente da OAB nacional reconheceu, em recente entrevista, que algo está errado, se o Exame de Ordem reprova um número cada vez maior de bacharéis. Disse ele, então, que “das duas uma: ou o Exame de Ordem está errado, ou a formação jurídica que está sendo oferecida é extremamente precária”.

 

 Na minha opinião, estão certas as duas alternativas, sugeridas pelo Presidente da OAB, porque o Exame de Ordem está errado e, ao mesmo tempo, a formação jurídica dos bacharéis de Direito é também deficiente. Em muitos casos, extremamente deficiente. Isso não pode ser negado, mas também não pode ser utilizada, essa deficiência, como justificativa para o exame de ordem.

 

Aliás, todos sabem que a deficiência não é apenas do ensino universitário, e que não é possível transformar, em profissionais competentes, muitos dos alunos, que chegam aos cursos superiores sem o mínimo de condições necessárias. A grande maioria não lê, ou não entende o que lê, e também não sabe expressar as suas idéias, de forma autônoma e criativa; e essa deficiência é especialmente grave, quando se trata da área jurídica. A grande maioria dos alunos que chegam aos cursos superiores ainda não sabe estudar, porque se limita a memorizar, sem compreender e sem questionar, os textos exigidos pelas diversas disciplinas.

 

 

          3. O EXAME DE ORDEM NÃO É CAPAZ DE AVALIAR

 

       Recentemente, um dos defensores desse Exame reconheceu, com todas as letras, que ele não é capaz de avaliar os cursos jurídicos, nem a capacidade dos bacharéis em Direito para o exercício da advocacia.

 

          O Dr. Fernando Facury Scaff, advogado e professor da UFPa, em artigo publicado no jornal O Liberal (16.04.2006) – “Exame de Ordem: para quê e para quem?” -, formulou, inicialmente, duas questões: 1) Será que o Exame de Ordem realmente mede a qualidade do ensino jurídico no País?; e 2) Será que o Exame de Ordem mede a qualidade dos profissionais da advocacia em nosso País?

 

Essas questões foram respondidas negativamente, ambas. Quanto à primeira, disse o ilustre professor que: “não se pode inferir que as faculdades são boas ou ruins porque seus alunos foram reprovados no Exame de Ordem”.  Quanto à segunda questão, a sua conclusão foi no sentido de que “a existência de um Exame de Ordem que regule apenas o ingresso na corporação também não afasta a existência de profissionais desatualizados no seio da classe”.

 

Disse ele, no entanto, em suas conclusões, sem nenhuma justificativa, que:

 

 “É importante frisar que estas considerações não invalidam o Exame de Ordem. Ele é importante e deve ser mantido.”

 

Ou seja: não serve para nada, na opinião do professor Scaff, mas deve ser mantido. Afinal, o ilustre articulista não respondeu as suas indagações iniciais, do próprio título: Para quê? Para quem?

 

 

       4. AS COMISSÕES DE EXAME DE ORDEM SEM EXPERIÊNCIA DIDÁTICA

 

          Ressalte-se que, por mais absurdo que pareça, as Comissões do Exame de Ordem, das diversas seccionais da OAB, podem ser integradas por advogados que nunca tiveram qualquer experiência didática. Seus membros nunca foram professores, nem ouviram falar, seriamente, a respeito de pedagogia, didática ou avaliação. Impossível? Não, absolutamente.

 

       O Conselho Federal da OAB aprovou, em dezembro de 2.005, o Provimento nº 109, que “estabelece normas e diretrizes sobre o Exame de Ordem”, revogando assim o Provimento anterior, nº 81, de 1.996.

 

          Até parece mentira, mas o art. 3º do Provimento nº 109/2.005 dispõe que:

 

“As bancas examinadoras são compostas de, no mínimo, três membros titulares, advogados no efetivo exercício da profissão e que tenham, preferencialmente, experiência didática, com, pelo menos, cinco anos de inscrição na OAB, designados pelo Presidente do Conselho Seccional, ouvida a Comissão de Estágio e Exame de Ordem”.

 

          Pasmem, senhores: que tenham, preferencialmente, apenas, a experiência didática. Menos mal, aliás, porque no Provimento anterior, o de nº 81/1.996, eram exigidos, apenas, os cinco anos de exercício da advocacia. Não existia, nem ao menos, qualquer alusão a uma possível experiência didática.

 

          Mas fica evidente, portanto, pela simples leitura da citada norma, do Provimento nº 109/2.005, que a OAB entende ser desnecessária a experiência didática, para quem, nada mais nada menos, vai avaliar todos os bacharéis em Direito, formados por todos os cursos jurídicos brasileiros. Ou seja: as universidades perdem o seu tempo e o seu latim, com os seus estudos e especializações e mestrados e doutorados, de pedagogia, de didática, de metodologia do ensino e da avaliação, para formar os seus bacharéis, porque depois a OAB, arbitrariamente, para avaliar todos esses bacharéis, e também todas as universidades e cursos jurídicos, escala o notório saber e a reputação ilibada das sumidades que integram as suas comissões de Exame de Ordem, cujo currículo ostenta, apenas, os cinco anos de exercício da advocacia!!!

 

          E tudo isso, ressalte-se, sem qualquer possibilidade de controle externo. As decisões das Comissões são mais soberanas e excluídas de qualquer apreciação judicial do que os decretos-leis do General-Presidente, no Regime de 64!

 

 

       5. A LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

 

Dispõe a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XIII:

 

“XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

 

Assim, ao profissional qualificado, nenhuma restrição deve ser imposta, no que se refere ao exercício de seu ofício. Observe-se que o texto constitucional utiliza a expressão “qualificações que a lei estabelecer” e não “exames estabelecidos em lei”.

 

A qualificação profissional, evidentemente, se dá por meio dos cursos mantidos pelas instituições de ensino reconhecidas pelo Poder Público. A educação, e não um exame ou teste, mesmo o Exame de Ordem da OAB, é a única fonte geradora de qualificação profissional.

 

Observe-se, também, a norma do art. 205 da Constituição Federal:

 

“art. 205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifamos)

 

O art. 205 complementa, portanto, o inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, acima transcrito, esclarecendo o real significado da expressão “qualificações profissionais”. Conforme se pode depreender, pela análise do texto constitucional, a educação é indispensável ao exercício profissional e serve, exatamente, para qualificar o profissional liberal para o trabalho, para o exercício da sua profissão.

 

Do mesmo modo, dispõe a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) em seu art. 2º, esclarecendo, mais uma vez, o significado da expressão “qualificação profissional”:

 

“art. 2º – A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

 

Portanto, a qualificação profissional para o exercício da advocacia – e para diversas outras profissões liberais -, é adquirida através do aprendizado em cursos específicos e certificada, na forma da legislação vigente, pelo reitor de cada universidade. Nenhuma outra instituição, além das universidades, tem competência para qualificar os bacharéis, para o exercício de suas profissões.

 

 

6. BACHAREL OU ADVOGADO?

 

O Bacharel em Direito, segundo a opinião de alguns, é absolutamente nada. Não é estudante, não é estagiário, não é advogado, mas, apesar de tudo, possui um diploma de curso superior, que o habilita para o quê, mesmo?

 

É falso, portanto, afirmar que o curso jurídico “forma bacharéis e que o Exame de Ordem forma advogados”. De acordo com diversos dispositivos constitucionais e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qualificação para o trabalho, em qualquer área, decorre da formação profissional, adquirida através do ensino, em uma instituição de nível superior.

 

Somente o ensino qualifica para o trabalho, e não a OAB.

 

A ela, cabe apenas a fiscalização do exercício profissional, e não a seleção dos bacharéis formados em nossos cursos jurídicos.

 

Vejamos outros dispositivos da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional):

 

 

 

“Art. 43. A educação superior tem por finalidade:

 

        I – estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

 

  II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; (grifamos)

 

        III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

 

        IV – promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

 

        V – suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

 

        VI – estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

 

        VII – promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.”

 

 

      “Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconhecidos, quando registrados, terão validade nacional como prova da formação recebida por seu titular. (grifamos)

 

        § 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por instituições não-universitárias serão registrados em universidades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.

 

        § 2º Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.

 

       § 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expedidos por universidades estrangeiras só poderão ser reconhecidos por universidades que possuam cursos de pós-graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de conhecimento e em nível equivalente ou superior.”

 

          Mais claro e evidente, impossível. O diploma tem validade nacional e prova a qualificação profissional. Prova, também, a inconstitucionalidade do Exame de Ordem da OAB. Aliás, mesmo que não fosse inconstitucional, essa exigência já teria sido revogada, pelos citados dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que é de 1996. Posterior, portanto, ao Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/94).

 

 

       7. CONCURSO PÚBLICO?

 

Há quem diga, assim, que o curso jurídico não habilita o formado para nenhuma profissão, o que é um enorme absurdo.

 

Pelo simples fato de que o bacharel precisa fazer os concursos públicos para juiz, promotor, etc., até mesmo o Exame de Ordem já está sendo confundido com um concurso público, tendo em vista que o advogado exerce “função pública”, sendo indispensável à administração da Justiça, nos termos da Constituição.

 

O Jus Navigandi publicou, recentemente, um artigo que defende essa tese, de autoria do Dr. Vitorino Francisco Antunes Neto, Procurador do Estado de São Paulo (disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8364).

 

 Na minha opinião, nada mais falso, evidentemente. O curso jurídico habilita, sim, para o exercício da profissão liberal de advogado, assim como o curso médico habilita para o exercício da profissão liberal, na área da medicina, etc.

 

A exigência de concursos públicos somente ocorrerá, certamente, quando se tratar do provimento de cargos ou empregos públicos de advogados, médicos, engenheiros, etc.

 

O advogado exerce uma profissão liberal. Se o exame de ordem fosse um concurso público, o bacharel em Direito, uma vez aprovado pela OAB, nesse exame, passaria a exercer um cargo público, ou um emprego público, remunerado pelos cofres públicos. Afinal, é para isso que servem os concursos públicos.

 

 Além disso, o número de vagas, para esses cargos ou empregos de advogado, a serem providos através do exame de ordem, deveriam ser fixados por lei. Ou seja: através de um ato dos representantes do povo, no Congresso Nacional, sancionado pelo Presidente da República. Nunca, evidentemente, através de um Provimento, ou seja, de um ato administrativo, de um conselho da OAB. Nada mais absurdo, evidentemente.

 

Não se deve esquecer, porém, que alguns dirigentes da OAB, por questões práticas e eleitorais, considerando também a saturação do mercado da advocacia, podem pretender que os advogados sejam remunerados pelo Estado. Para essa finalidade, alegando sempre a necessidade de ampliar a assistência judiciária aos necessitados, existem até hoje, por pressão da OAB, em São Paulo e em Santa Catarina, por exemplo, os convênios, que dão emprego a milhares de advogados. Em São Paulo, existe um convênio com o Estado, que emprega mais de 40 mil advogados, e outros com diversos Municípios.

 

Portanto, os cursos jurídicos formam bacharéis em direito, ou seja, profissionais liberais, portadores de um título profissional, obtido através de um currículo escolar regularmente desenvolvido, aprovado e fiscalizado, em uma instituição de ensino superior, pública ou privada, título esse que os habilita a exercer a advocacia, após regularmente inscritos na OAB, a quem cabe, apenas, a fiscalização do exercício profissional e não a avaliação dos bacharéis ou dos cursos jurídicos, através do Exame de Ordem. Evidentemente, os cursos jurídicos, como todos os demais, devem ser rigorosamente fiscalizados pelo MEC. 

 

 

       8. A INCOMPETÊNCIA DA OAB

 

          Assim, o Exame de Ordem está errado, em primeiro lugar, porque não cabe à OAB aferir os conhecimentos jurídicos dos bacharéis. Isso é função exclusiva das universidades, que deveriam ser fiscalizadas, com todo o rigor, pelo MEC, para que não se pudesse dizer, depois de concluído o curso, que a formação dos bacharéis é deficiente. Esse é um sistema perverso. O correto seria que o MEC fiscalizasse o ensino em todos os níveis, para que os advogados – e também os médicos, os engenheiros e todos os outros profissionais -, tivessem plenas condições para o exercício de sua profissão.

 

          Quem deve reprovar os alunos é a escola, é a Universidade. O que está errado é o sistema que se criou, por outros interesses, que permite a mercantilização do ensino e a venda dos diplomas, que permite a proliferação dos cursinhos e a venda de obras especializadas, do tipo “Mil Perguntas e Respostas”, para que, depois, a OAB, com toda a sua autoridade, se encarregue de “selecionar” os absolutamente incapazes, que ficarão impedidos de exercer a profissão, através de um exame no mínimo questionável, e que não é fiscalizado por ninguém, embora a OAB tenha atribuições para fiscalizar todo e qualquer concurso jurídico.

 

          A proliferação de cursinhos é tão grande que até mesmo as ESA (Escolas Superiores de Advocacia) da OAB costumam anunciar a abertura das inscrições para os Cursos Preparatórios que costumam realizar. Em uma rápida pesquisa na Internet, foi possível encontrar diversos anúncios de cursos patrocinados pela própria OAB e, entre eles, esta “pérola”:

 

          “A Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/AL informa que estão abertas as inscrições para o Curso Preparatório para o Exame de Ordem que será iniciado no dia 20 de março. As inscrições podem ser realizadas na ESA, no horário comercial, na Praça Bráulio Cavalcante, n.º 60, Centro. Informações através do telefone 223-4845. Vale destacar que das 50 pessoas que participaram do curso preparatório anterior, 45 obtiveram êxito e lograram aprovação nas provas do Exame de Ordem, exigido para o ingresso nos quadros da OAB”.

 

            Fonte: http://www.ipm.al.org.br/colunaadv-2.htm

 

          Ressalte-se, ainda, que a Emenda Constitucional nº 45, ao exigir os três anos de prévia atividade jurídica, para os candidatos à magistratura, pode ter atribuído maiores poderes, ainda, à OAB, porque não se sabe, exatamente, o que deverá ser considerado como atividade jurídica. De qualquer maneira, quem não for aprovado no exame de ordem, ficará impedido de advogar, e, se não conseguir comprovar outro tipo de atividade jurídica, ficará impedido de fazer, também, um simples concurso para um cargo de juiz.

 

          O que não é possível, portanto, é que o aluno estude a sua vida toda, faça um vestibular para um curso jurídico, e que depois de ser aprovado em todas as disciplinas do curso, depois de fazer um estágio jurídico, e depois de elaborar e defender, perante uma Banca, um trabalho de conclusão do curso, ou TCC, o que não é possível, repito, é que esse bacharel seja impedido de advogar, por um exame, que nem é, ao menos, elaborado por uma instituição séria e independente, e nem é, também, fiscalizado, como poderia e deveria ser, pelas universidades, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. O que não é possível, também, é que, além de tudo isso, os bacharéis ainda sejam chamados de “porcaria”, indiscriminadamente, em cadeia nacional de televisão, por um professor “doutor” da PUC de São Paulo, escalado pela OAB para defender o seu ponto de vista institucional, no Fantástico, da Globo.

 

          Para completar o absurdo, talvez falte, apenas, que seja aprovada a sugestão da Dra Ivete Senise Pereira, conselheira da OAB/SP, ou seja, a de impedir, para sempre, de exercer a advocacia, o bacharel que for reprovado cinco vezes no exame de ordem. Ao que se saiba, ainda não existe restrição semelhante em nenhum concurso jurídico. Os candidatos reprovados, se assim o desejarem, poderão passar a vida toda fazendo o mesmo concurso, até alcançarem, evidentemente, a idade limite.

 

 

       9. A AVALIAÇÃO DOS BACHARÉIS

 

          Em segundo lugar, o Exame de Ordem está errado porque não é capaz de avaliar se os candidatos têm, realmente, condições de exercer a advocacia, conforme confessou o professor Scaff, acima citado, o que envolve uma série de fatores, e não, apenas, o conhecimento da legislação, que é cobrado, preferencialmente, em provas mal elaboradas, que costumam privilegiar a capacidade de memorização, em vez do entendimento, da crítica e da síntese. Observa-se, também, que, na segunda etapa, costumam ser cobradas questões práticas, tão específicas e raras, que inúmeros advogados militantes, com largo tirocínio, seriam incapazes de resolver, no período da prova e sem o acesso a qualquer material de consulta.

 

          Além disso, a correção das provas – que não admite qualquer fiscalização externa, como também não existe a fiscalização, em sua elaboração -, deixa margem a um alto grau de subjetividade, o que permite a prática de inúmeras injustiças, reprovando os mais competentes e aprovando os incapazes, ou aqueles que se presume que seriam incapazes, para o exercício da advocacia. Esse resultado, no entanto, essa injustiça, terá sido, talvez, apenas involuntária, porque a OAB afirma que as provas não são identificadas, o que afastaria, completamente, a possibilidade da prática de qualquer fraude, ou de qualquer favorecimento.

 

          De acordo com o Dr. Félix Balaniuc, advogado filiado à OAB/MS, militante na área trabalhista há mais de três décadas, o Exame de Ordem tem alto grau de especificidade e é incapaz de avaliar o conhecimento jurídico geral do bacharel:       

 

        “O exame obrigatório da Ordem, escudando-se em diploma legal de boa intenção, na realidade cria uma reserva de mercado e premia os poucos felizardos já aprovados em concursos anteriores, mas elimina os demais através de um exame de conhecimento de alto grau de dificuldade e especificidade, o qual com certeza reprovaria muitos dos nossos luminares do direito, incluindo advogados da velha guarda (anteriores à instituição do exame da ordem), ministros, desembargadores, juízes, promotores e defensores públicos, em exercício ou aposentados. Entendo que os elevados índices de reprovação não representam, na realidade, a falta de conhecimentos jurídicos gerais, que se deve esperar de um recém formado e nem refletem o zelo pela admissão de bons profissionais, mas sim o resultado de um terror semeado entre os acadêmicos, com o surgimento de um novo “vestibular”, que por si só fere princípios da dignidade, da igualdade e do respeito que merece o bacharel, que com muito sacrifício alcançou sua graduação, num Brasil já tão injusto e desigual.”

 

 

       10. O DESAFIO

 

            Realmente, se o Exame de Ordem fosse necessário e suficiente, para garantir a qualificação profissional, por que não se exige, também, que os advogados antigos façam esse exame? Eu mesmo já fiz essa proposta, em trabalho anterior, e obtive, somente, o mais sepulcral dos silêncios. No entanto, seria muito interessante que todos fizessem o Exame de Ordem, para que se pudesse saber se é justo submeter os novos bacharéis a essa prova, e se esse exame é capaz de avaliar os requisitos necessários ao desempenho profissional, como quer a OAB.  

 

            Seria muito interessante que se soubesse quantos advogados antigos seriam capazes de obter aprovação no Exame de Ordem. Seria muito interessante, especialmente, que se soubesse quantos conselheiros da OAB seriam aprovados, justamente eles que defendem, com tanta convicção, a necessidade do exame. O desafio está lançado, mais uma vez. Afinal de contas, se o exame é bom, e se ele é indispensável, para afastar os maus profissionais e para defender o interesse público, não seria possível que os advogados antigos continuassem exercendo a profissão, se não fossem aprovados no Exame de Ordem.

 

            Ou será que eles possuem alguma coisa semelhante a direitos adquiridos? Mesmo contra o interesse público? Mesmo contra a advocacia, que é essencial à administração da justiça, de acordo com a Constituição Federal?

 

            Na verdade, observa-se que o Exame de Ordem não é capaz de garantir, absolutamente, que o bacharel em direito poderá ser um bom advogado, porque existem outros requisitos essenciais, que não podem ser medidos através desse exame, e nem mesmo pelas avaliações dos cursos universitários. Sabe-se, pela experiência e pela observação, que muitos dos melhores alunos dos cursos jurídicos não têm o talento e a vocação necessários para a advocacia militante, embora possam ser promotores, juízes, professores, etc. Dessa forma, podem existir, também, inúmeros advogados que, embora tenham sido aprovados no Exame de Ordem, não conseguem exercer a advocacia, assim como existem inúmeros outros que, sem nunca terem feito esse exame, são extremamente competentes e honestos. O que é, talvez, a honestidade, ainda mais importante do que a simples competência profissional, a simples acumulação de conhecimentos jurídicos. E, evidentemente, o exame de ordem é incapaz, também, de medir a honestidade, ou o coeficiente de honestidade, se é que isso existe, dos candidatos à advocacia. 

 

            Mas fica lançado, aqui, o desafio: submetam-se, nobres conselheiros da OAB, em todo o Brasil, ao Exame de Ordem, na primeira oportunidade. Esse exame deverá ser realizado, contudo, por uma instituição séria e independente, dessas que são especializadas na realização de concursos públicos. Se vocês forem aprovados, prometo que mudo de opinião, a respeito desse exame, e que nunca mais escreverei nenhum artigo jurídico. No entanto, se forem reprovados, ficarão impedidos de exercer a advocacia e deverão, também, logicamente, renunciar aos seus cargos, nos Conselhos da OAB. E, de quebra, pedirão desculpas a todos os candidatos reprovados nos exames de ordem.

 

 

       11. O EXAME DOS MÉDICOS

 

            Muitos outros Conselhos Profissionais, também preocupados com a precariedade dos cursos universitários, ou com a saturação do mercado de trabalho, pretendem seguir o exemplo da OAB, e instituir, também, um exame de acesso, como condição para a inscrição dos bacharéis, em seus quadros, e para o exercício profissional. Recentemente, por decisão judicial, os Conselhos de Contadores foram impedidos de continuar a aplicar o seu Exame de Suficiência, que havia sido criado através de uma Resolução interna, do seu Conselho Federal (CFC). Existem outros projetos, criando esses exames, para os administradores e para os médicos, por exemplo. A justificativa é sempre a mesma, a de que é preciso defender a sociedade contra os maus profissionais, contra os incompetentes.

 

            Em recente artigo, o jornalista Gilberto Dimenstein, da Folha de São Paulo, abordou a questão da precariedade de muitos dos cursos de medicina, que têm sido abertos nos últimos anos, e relatou a opinião do professor José Aristodemo Pinotti, favorável à criação de um exame, semelhante ao da OAB, porque ele “considera uma leviandade deixar pessoas despreparadas cuidarem da saúde dos indivíduos”,  e relatou, também a opinião do Dr. Giovanni Guido Cerri, contrário a esse exame, porque isso seria o mesmo que “quebrar o termômetro para combater a febre”, ou seja, não eliminaria o problema, mas apenas as conseqüências. Exatamente como pretende a OAB.

 

            O certo, para o Dr. Cerri, seria coibir o funcionamento das faculdades, ou seja, fiscalizar, efetivamente, para que os profissionais tivessem, na verdade, uma boa formação acadêmica. O que é competência exclusiva do MEC, como já foi dito.

 

            Assim, permitir a abertura e o funcionamento de cursos médicos  – e em qualquer outra área, evidentemente -,  desprovidos das condições mínimas necessárias para a boa formação profissional, não se coaduna, evidentemente, com o interesse público. E, depois, os diplomas irão para o lixo, como afirma o jornalista, porque os alunos dessas instituições de ensino ficarão impedidos de exercer a sua profissão.

 

 

       12. O ESTELIONATO EDUCACIONAL

 

          O que acontece na OAB, portanto, para esse jornalista, não nos deveria espantar, porque é apenas a conseqüência de uma sucessão de omissões das famílias, da comunidade e do poder público, todos sócios numa verdadeira tragédia educacional.

 

          O Governo Federal e a OAB, através de uma série de ações e omissões, criaram o perverso sistema atual, que permite a proliferação dos cursos universitários, de baixa qualidade, que formam profissionais despreparados, prejudicando, em primeiro lugar, o interesse público, das pessoas que poderão ser obrigadas a contratar, eventualmente, os serviços desses profissionais, e depois, também, prejudicando os próprios bacharéis, que terão os seus diplomas “no lixo”.

 

          Assim, depois de estudar durante cinco anos, em uma universidade federal, ou em um curso jurídico particular, o bacharel descobre que é, apenas, “uma porcaria”, como afirmou, do alto de seu doutorado, o professor Renan Lotufo, em um franco desrespeito aos direitos alheios, que não se coaduna, absolutamente, com qualquer tipo de ética profissional, nem com os mais comezinhos princípios de decência, que são exigidos, normalmente,  pela convivência em sociedade.

 

          Ou seja: o bacharel foi enganado pela universidade federal, ou por uma instituição particular de ensino, porque, depois de ser reprovado no exame de ordem, descobriu, finalmente, que é “uma porcaria”, e que o seu curso foi apenas uma fraude, porque o MEC permitiu que ele funcionasse, sem ter o mínimo de condições necessárias. Como conseqüência, não poderá exercer uma profissão. Dessa maneira, fica evidente que ele foi enganado, porque perdeu o seu tempo, e porque pagou – quando pagou, nas particulares -, por um serviço educacional que não lhe foi prestado corretamente. Do contrário, ele não poderia ter sido aprovado pela faculdade, se depois não é capaz de passar no Exame de Ordem. Supondo-se, é claro, apenas para argumentar, que o Exame de Ordem serve para avaliar, realmente, alguma coisa. Ressalte-se, ainda, que se o bacharel não pagou o seu curso universitário, porque foi aluno de uma federal, e se ficou impedido de exercer a advocacia, porque foi reprovado no Exame de Ordem,  nesse caso, ele não terá sido a única vítima da fraude, mas também todos nós, que pagamos os nossos impostos, e que financiamos, portanto, todas as instituições federais de ensino superior.

 

          Nesse caso – e os civilistas, como o Dr. Lotufo, sabem muito bem disso -,  caberia uma indenização, que deveria ser pedida, pelos prejudicados, ao Estado brasileiro, à OAB e às universidades, não apenas para compensar o prejuízo causado, de tempo e de dinheiro,  mas para obrigá-los a cumprirem corretamente as suas obrigações e para desestimulá-los, pelo valor da indenização a ser paga,  de voltarem a praticar os mesmos erros.

 

 

       13. A RESERVA DE MERCADO

 

Na minha opinião, o Exame de Ordem tem sido usado, pela OAB, como instrumento para aumentar o seu poder e para impedir o ingresso de novos advogados no mercado de trabalho, que se alega já estar saturado.

 

Por incrível que pareça, é possível identificar algumas confissões, nesse sentido.

 

A mais explícita, certamente, é a declaração do Bastonário Rogério Alves, Presidente da Ordem dos Advogados de Portugal:

 

“Existem atualmente 23 mil advogados, em relação a uma população de 10 milhões de habitantes. Na Áustria, por exemplo, são 9 milhões de habitantes para um total de apenas 4 mil advogados. De cada 100 candidatos a ingressar na profissão em Portugal, atualmente, cerca de 90 são aprovados, fato que tem inflacionado o mercado de trabalho e gerado mais advogados do que vagas de trabalho. Por isso, a entidade está desenvolvendo o projeto de endurecer o exame para aferir com mais precisão a qualidade técnico-profissional dos candidatos advogados. (grifo nosso)

 

Dentro desse quadro, a profissão dos advogados de Portugal já está praticamente vivendo uma situação caótica. Muitos advogados passam por grandes dificuldades financeiras, basicamente por falta de trabalho. Tal fato tem levado muitos advogados a procurar “bicos”, ou seja, buscam um emprego paralelo à profissão, de forma a suprir necessidades básicas para não passar fome. A partir de janeiro, entrou em vigor o novo Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal. O estágio profissional obrigatório passou, com o novo estatuto, de 18 meses para no mínimo 24 meses. Hoje, 60% dos advogados inscritos na OAP têm menos de 40 anos de idade. Dentro de 10 anos, aproximadamente 60% da advocacia serão de mulheres. Há também na OAP 7 mil advogados que estão com suas inscrições suspensas”.

 

Em São Paulo, segundo o advogado José Cretella Neto, que se especializou em cursos preparatórios e na publicação de livros destinados ao Exame de Ordem, são 200 mil profissionais atuando na advocacia. No mesmo Estado, são 40 milhões de habitantes, ou seja, um advogado para cada grupo de 200 habitantes.

 

Assim, se os Portugueses estão preocupados com a concorrência, a situação, em São Paulo, é bem pior.

 

Diversos advogados e dirigentes da OAB têm dito o mesmo que o Bastonário:

 

“Há anos a OAB luta para poder exercer veto, que impeça o credenciamento de novos cursos sem bibliotecas, com quadro docente de baixo nível, com superlotação de classes, etc. No entanto, o parecer da OAB tem caráter meramente “consultivo” e o MEC não abre mão de sua prerrogativa. Você pode responder por que será que o MEC autoriza novos cursos? Será que a pressão econômica (para falar de uma forma sutil) não é mais forte? Temos 200.000 advogados militando em SP. Não há mercado para todos e, por isso, vem ocorrendo, há duas décadas, uma enorme guerra de honorários, já que advogados cobram preços vis por seus serviços. Como ganham mal, não têm dinheiro para comprar livros, estudar, e se atualizar. Quem ganha com isso?”  (grifo nosso)

 

“Também não gosto de limitar o acesso de pessoas ao mercado, pois sou totalmente a favor da livre concorrência – verifique em meus livros de doutrina (arbitragem, OMC, etc, publicados pela ed. Forense) e você encontrará minhas posições nesse sentido”

 

(Fonte: José Cretella Neto, em mensagem enviada via e-mail).

 

 “Hoje são 886 cursos de direito que proliferam em todos os rincões nacionais, muitos sem quaisquer condições de funcionamento. Barrar esse crescimento desprovido de qualidade tornou-se um dos pontos centrais da agenda política da OAB-SP, nesta administração e defende a necessidade do Exame”

 

(Luiz Flávio Borges D’Urso, Presidente da OAB, Secção São Paulo – Folha de São Paulo – 23.06.05).

 

 

          14. O EXAME DE ORDEM É INCONSTITUCIONAL, INJUSTO E ARBITRÁRIO

 

Em suma: o Exame de Ordem é inconstitucional, injusto e arbitrário, conforme explicarei, sucintamente, a seguir.

 

          O Exame de Ordem é inconstitucional, porque não foi criado por lei, mas por um provimento do Conselho Federal da OAB, que usurpou a competência legiferante do Congresso Nacional (CF, art. 22, XVI) e o poder regulamentar do Presidente da República (CF, art. 84, IV), restringindo indevidamente a liberdade de exercício profissional, constitucionalmente assegurada (CF, art. 5º, XIII).

 

Evidentemente, apenas uma lei do Congresso Nacional, sancionada pelo Presidente da República, poderia restringir a liberdade de exercício profissional, porque compete privativamente à União legislar sobre “condições para o exercício de profissões” (CF, art. 22, XVI, in fine). Assim, na ausência de lei, porque o Exame de Ordem foi regulamentado pelo Conselho Federal da OAB, não resta dúvida de que o exame é inconstitucional, por força dos diversos dispositivos constitucionais pertinentes e da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também consagra a liberdade de exercício profissional.

 

Já dizia Ruy Barbosa (Comentários, Homero Pires, v.6, p.40), que:

 

“demonstrada a aptidão profissional, mediante a expedição do título, que, segundo a lei, cientifica a existência dessa aptidão, começa constitucionalmente o domínio da liberdade profissional.”

 

O meu próprio diploma, aliás, assinado pelo Dr. Lourenço do Valle Paiva, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, em 16.08.1967, afirma que:

 

“tendo presente o termo de colação de grau de bacharel em direito, conferido no dia 23.12.1966….(etc.)…mandei passar-lhe, em virtude da autoridade que me confere o Regimento da Faculdade, este diploma, a fim de que possa exercer a profissão nos Estados Unidos do Brasil, com os direitos e prerrogativas legalmente concedidos”. (grifo nosso)

 

O Exame de Ordem é injusto, porque cria uma barreira ao exercício profissional, somente depois que o bacharel concluiu o seu curso, quando a mais elementar lógica recomendaria que essa barreira fosse erigida bem antes, para que se evitasse que o bacharel perdesse cinco anos e muitos milhares de reais, para depois ser impedido de trabalhar. São quase 80 mil bacharéis que ficam impedidos de exercer a profissão, a cada ano, pelo Exame de Ordem, que o próprio Dr. Scaff reconhece que não é capaz de avaliar a capacidade profissional do bacharel em direito.

 

Ressalte-se que não pretendo defender, aqui, a proliferação desordenada de cursos jurídicos de baixa qualidade, mas não resta dúvida de que a Constituição e a lei atribuíram ao Estado, através do MEC, a fiscalização e a avaliação da qualidade desses cursos, e não à OAB, ou a qualquer outra corporação profissional.

 

Finalmente, o Exame de Ordem é arbitrário e sem transparência, porque não tem critérios estabelecidos e não é fiscalizado por ninguém. Ao mesmo tempo em que a Ordem aprova, no Acre, quase todos os bacharéis, ela reprova 97% no Paraná! Evidentemente, deveria haver um controle externo, como existe, da própria OAB, em qualquer concurso da área jurídica.

 

 

       15. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          Não resta dúvida de que o ensino, no Brasil, é deficiente, e de que existe uma verdadeira proliferação de cursos jurídicos – e de tantos outros  – sem o mínimo de condições para a formação de bons profissionais.

 

          No entanto, isso não autoriza a OAB a fiscalizar os cursos universitários, nem a fazer um exame, para supostamente avaliar os bacharéis, e para impedir o exercício profissional dos candidatos reprovados.

 

Não basta dizer que o exame é necessário, porque ocorreu uma enorme proliferação de cursos jurídicos e que o ensino jurídico, em muitos casos, é extremamente deficiente, porque isso não transfere à OAB a competência que pertence ao MEC. A avaliação da qualidade do ensino superior compete ao poder público, nos termos do art. 209, II, da Constituição Federal.

 

          A competência para essa fiscalização é toda do MEC, e ela é indelegável, a quem quer que seja. Caberia à OAB exigir, isto sim, que essa fiscalização fosse efetiva. Da mesma forma, todos os outros conselhos profissionais deveriam exigir que o MEC cumprisse as suas atribuições, impedindo a proliferação das “fábricas de diplomas”.

 

          Se isso for feito, se o MEC fiscalizar, e se os cursos universitários formarem bons profissionais, nenhum conselho de fiscalização poderá pretender restringir o direito ao trabalho dos novos bacharéis, sob a alegação de que “o mercado já está saturado”. Esse é um outro problema, que não pode ser resolvido dessa maneira, por um motivo muito simples, de estatura constitucional, o de que todos são iguais perante a lei. Não se pode restringir o exercício profissional dos novos advogados, para resguardar o mercado de trabalho dos advogados antigos.

 

            Todos os bacharéis reprovados no exame de ordem e impedidos, conseqüentemente, de exercer a advocacia, têm o direito de exigir uma indenização, como forma de compensação para o tempo perdido e para o dinheiro gasto, inutilmente.  Caberia uma indenização, que deveria ser pedida, pelos prejudicados, ao Estado brasileiro, à OAB e às universidades, não apenas para compensar o prejuízo causado, de tempo e de dinheiro,  mas para obrigá-los a cumprirem corretamente as suas obrigações e para desestimulá-los, pelo valor da indenização a ser paga,  de voltarem a praticar os mesmos erros.

 

            Até esta data – eu, pelo menos, desconheço e acho que já li quase todas as opiniões a respeito -, não existe nenhum argumento jurídico sério que possa provar a constitucionalidade do exame de ordem. Ressalte-se que muitos dirigentes da OAB e inúmeros juristas competentes já se manifestaram, mas não conseguiram contestar qualquer dos argumentos aqui expostos. Aliás, depõe contra a imagem da OAB a sua insistência em manter essa e outras inconstitucionalidades, evidentemente por interesses políticos, em detrimento de sua função institucional, porque não se pode supor que os seus dirigentes não tenham condições de entender as razões pertinentes à inconstitucionalidade do Exame de Ordem.

 

 

Não basta dizer, também, que ainda não houve uma decisão judicial declarando a inconstitucionalidade do Exame de Ordem e que, por esse motivo, ele é válido e constitucional. Esse é outro argumento absurdo, porque a propositura da ação não tem nada a ver com o debate jurídico. Mesmo que o STF, por pressão da OAB, talvez, julgasse improcedente uma ADIN nesse sentido e dissesse que o Exame de Ordem é constitucional, poderíamos continuar discutindo o assunto e dizendo que ele é inconstitucional.

 

Felizmente, a opinião doutrinária, neste país, ainda é livre. Ainda não inventaram, para isso, uma súmula vinculante, que possa nos impedir de pensar e de manifestar a nossa opinião.

 

 

* Professor de Direito Constitucional da Unama

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Como citar e referenciar este artigo:
LIMA, Fernando Machado da Silva. Exame de Ordem, Autonomia Universitária e Liberdade de Exercício Profissional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/exame-de-ordem-autonomia-universitaria-e-liberdade-de-exercicio-profissional/ Acesso em: 28 mar. 2024