Direito Constitucional

Precatórios. Esvaziamento da decisão do STF

No acórdão proferido em sede de medida cautelar na ADI n° 2.356/DF, Rel. Min. Ayres Britto, foi deferida a suspensão da eficácia do art. 2° da EC n°
30/2000 que introduziu o art. 78 do ADCT que assim prescreve:

“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o Art. 33 deste Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os
precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados
pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a
cessão dos créditos”.

Esse v. acórdão foi proferido em 25-11-2010 e publicado no DJe de 19-04-2011.

O fundamento do v. acórdão, em relação à insubmissão dos  “precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda”, foi exatamente a violação do
direito adquirido do precatorista, a violação do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. Em relação aos precatórios que  “decorram de ações iniciais
ajuizadas até 31 de dezembro de 1999” o fundamento do v. acórdão foi a violação do princípio da isonomia, pois penaliza parte dos precatoristas com
parcelamento em dez anos, enquanto outros têm tratamento mais favorável com o pagamento no ano seguinte ao da requisição tempestiva.

Dessa forma, todos os precatórios, atingidos pelo art. 78 do ADCT deveriam ser pagos até o final de 2012, pois o v. acórdão foi publicado antes do
encerramento do período requisitorial. Isso daria o montante estimado de R$ 7 a R$ 8 bilhões.

Entretanto, diante do parecer da AGU no sentido de continuidade do regime de parcelamento, o governo federal incluiu na proposta orçamentária em
discussão apenas uma despesa adicional de R$ 1,5 bilhão a título de despesas com precatórios no exercício de 2012. O parecer da AGU firma a tese de que
a decisão plenária do STF, “só tem aplicação aos precatórios emitidos a partir de abril, quando a decisão foi publicada. Os precatórios já parcelados
continuam sendo pagos de acordo com a mesma sistemática”.

Aludido parecer fez modulação dos efeitos à sua maneira, pois, a Corte Suprema não deu efeito prospectivo e nem o poderia em sede de medida cautelar.

O fundamento do acórdão é que, tanto os precatórios pendentes de pagamento, como aqueles resultantes de ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999, não
poderiam ser atingidos pela moratória constitucional. E mais, considerando que o prazo de duração normal de uma ação judicial é inferior a dez anos,
muito provavelmente não restará nenhum precatório a ser expedido a partir de abril de 2011, relativamente às ações ajuizadas até 31 de dezembro de
1999.

O parecer de AGU, dessa forma, esvazia por completo o que foi decidido pelo Plenário da Corte Suprema após quase  dez anos de discussão.

Como foi deferido em 23 de agosto de 2011 a reabertura do prazo recursal para AGU hostilizar o v. acórdão, publicado em 19-4-2011, pode-se sustentar,
em tese, que aquele v. acórdão ainda não transitou em julgado, ou melhor, havia transitado em julgado, mas houve reabertura excepcional do prazo  de
recurso, provavelmente, o de embargos declaratórios. Curiosamente, o Planalto fez corte da despesa do Judiciário no projeto de Lei Orçamentária Anual
para o exercício de 2012, alegando que a proposta apresentada pelo STF implica despesa adicional de quase R$ 8 bilhões e que encaminharia aquela
proposta ao Congresso Nacional para que os parlamentares decidissem a respeito.

Ora, a Constituição não permite emendas incompatíveis com a Lei do Plano Puluri-Anual, nem com a Lei de Diretrizes  Orçamentárias, exigindo, ainda, a
indicação da fonte de custeio de despesas acrescidas, o que só pode ser traduzida pela anulação parcial de outras dotações, proibida a diminuição das
despesas concernentes  ao pessoal  e seus encargos, ao serviço da dívidas, e às transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e
DF (art. 166, § 3°, I e II da CF).

Logo, os parlamentares  não têm como acrescer despesas do Judiciário sem uma mãozinha do Palácio do Planalto por meio de emenda aditiva.

Daí a justa reação da cúpula do Poder Judiciário que viu na ação do Executivo a quebra do princípio da autonomia orçamentária (§ 1° do art. 99 da CF).

Para desfazer o mal-estar que se instalou no relacionamento desses dois Poderes da República o governo federal  encaminhou mensagem aditiva incluindo a
proposta orçamentária do Judiciário encaminhada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (art. 99, § 2° da CF).

O curioso nisso tudo é que há coincidência de valores entre os precatórios que deixarão de ser pagos em 2012, por conta do parecer da AGU (cerca de R$
8 bilhões), e o valor a ser despendido pelo Tesouro, com as despesas de pessoal do Poder Judiciário com a inclusão da proposta orçamentária originária
do Supremo Tribunal Federal.

* Kiyoshi Harada. Jurista, com 22 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras
Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico Titular da cadeira
nº 59 (Antonio Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da
Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Precatórios. Esvaziamento da decisão do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/precatorios-esvaziamento-da-decisao-do-stf/ Acesso em: 20 abr. 2024