O vestibular e a Constituição
Euclides Di Dário*
Instituições públicas e privadas realizam concursos vestibulares para preenchimento de vagas nos cursos de ensino superior e alem disso, normalmente, cobram taxas de inscrição. Será que este procedimento está de acordo com a nossa constituição?
O Art. 205 da constituição brasileira estabelece que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Ao utilizar a palavra “todos”, a norma constitucional universaliza o acesso à educação. Sendo assim não há como restringir o acesso através da realização de concursos e cobrança de taxas de inscrição.
Segundo o Art. 206 da Constituição o ensino será ministrado com base no princípio da igualdade de condições de acesso. A cobrança de taxas de inscrição, pelas entidades públicas, fere o principio da igualdade de acesso ao ensino superior. A isenção de pagamento para aqueles que demonstram não ter recursos não iguala o acesso, mas sim demonstra a diferenciação entre os mais e os menos favorecidos.
A Carta Magna, em seu Art. 208 determina que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.
A expressão “segundo a capacidade de cada um”, no nosso entendimento, tem que ser interpretada com o sentido que acessarão os níveis mais elevados aqueles que tiverem a capacidade para tanto, ou seja, aqueles que preencherem os requisitos necessários para participar de um curso universitário. Esses requisitos são a obrigatoriedade de ter cursado o nível fundamental e o nível médio e ter obtido uma avaliação pré-estabelecida e necessária para participar de um curso superior. Pensamos que a interpretação segundo a qual essa expressão trata de um critério baseado no mérito e que permite a realização de concursos ou processos de competição entre os estudantes não é possível já que fere o direito universal de acesso à educação, impedindo o acesso de um grande numero de estudantes às universidades públicas.
Argumenta-se que não há como viabilizar o acesso universal ao ensino superior público uma vez que não há vagas pra todos e não há recursos para que isso venha a ser implantado. Sabe-se que os recursos são escassos e diversos outros serviços necessitam de atendimento. Em relação a isso podemos dizer que evidentemente os grandes problemas sociais do país não serão resolvidos num estalar de dedos, contudo se desejamos viver num país democrático e quisermos ter um futuro melhor que o presente, é preciso ter como objetivo disponibilizar a todos o acesso à educação pública e priorizar os recursos para tanto. Desnecessário dizer que muitos recursos públicos têm destinação questionável e que as prioridades merecem uma melhor atenção da Administração Pública.
As entidades privadas são responsáveis por 70% das vagas nos cursos universitários e o nível do ensino prestado é questionável. O objetivo das universidades privadas, em muitos casos, é o lucro, configurando um processo mercantil, o que elitiza o acesso. Assim não estuda quem quer, mas quem pode pagar. A educação pública é um direito público e o ensino privado deve ser uma alternativa não a única saída para muitos estudantes brasileiros.
O sistema de ensino superior brasileiro frustra os excluídos e o Estado assiste à competição no mercado da educação. A educação que deveria ser provida pelo poder público é provida em grande parte pela iniciativa privada que precisa administrar a alta inadimplência, o não preenchimento das vagas ofertadas, os custos com qualificação de docentes e infra-estrutura. A Administração Pública deve assumir sua responsabilidade na expansão do ensino superior, zelando pela qualidade do ensino e garantindo a universalização do acesso, incluindo os menos favorecidos e os que se encontram no interior dos estados.
* Euclides Di Dário, advogado em São Paulo, email: gentildidario@uol.com.br
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