Direito Constitucional

Preenchendo lacunas

Preenchendo lacunas

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

O advento da nova ordem constitucional veio a excluir do sistema jurídico toda a legislação infraconstitucional que não se coadunava com o atual perfil do Estado. A não-recepção de um imenso número de normas existentes fez surgir vácuos na estrutura legal. Como a plenitude do sistema estatal não convive com vazios, a colmatação das lacunas é atribuída ao Poder Judiciário, por determinação do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Identificada a omissão da lei, mesmo assim não pode o juiz eximir-se do dever de julgar. Falta de lei não quer dizer falta de direito. Não cabe se escudar o julgador na ausência ou na não-vigência de norma legal como justificativa para afirmar a inexistência do direito à tutela. Não pode o juiz se negar a dizer o direito, negar a jurisdição.

 

Ante determinada situação submetida a julgamento, o magistrado, ao esbarrar com dispositivos legais sem vigência, por afrontarem princípios constitucionais, deve reconhecer que está frente a um vazio legal. Como a ausência de lei não pode servir de justificativa para eximir-se o juiz do dever de julgar, o jeito é manejar os instrumentos alcançados pela própria lei para colmatar lacunas. A analogia, os princípios gerais do direito e os costumes são as ferramentas a serem usadas na busca da solução que mais se amolda à justiça.

 

Fazer analogia é buscar uma situação que tenha semelhança com outra, mas esse confronto não admite visões preconceituosas e discriminadoras. Os princípios norteadores do direito positivo estão na Constituição Federal, que prioriza a liberdade, a igualdade e o respeito à dignidade da pessoa humana. Os costumes a serem invocados são os vigentes na sociedade atual, e não os que vigoravam antigamente e consagravam valores hoje superados.

 

Revelar o direito para solucionar o caso concreto é, com certeza, a função mais significativa do Judiciário. No entanto, para a concreção do direito, o juiz precisa ter os olhos voltados à realidade social. Mister que deixe de fazer sua toga de escudo para não enxergar a realidade, pois os que buscam a Justiça merecem ser julgados, e não punidos.

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

                                                                                     

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Preenchendo lacunas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/preenchendo-lacunas/ Acesso em: 28 mar. 2024