Direito Constitucional

Festejar o quê?

Festejar o quê?

 

 

 

Maria Berenice Dias*

 

 

Às portas de uma nova era, que traz como marca a universalização dos direitos humanos e o absoluto respeito à dignidade da pessoa humana, talvez se afigure chocante que ainda seja necessário destacar no calendário uma data dedicada à mulher.

 

Como se fosse uma sina conjugar no feminino dor e sofrimento, glorifica-se a mulher numa data cuja origem é marcada pelo extermínio de um grupo de trabalhadoras, imoladas sumariamente. Da mulher sempre se exigem renúncias e sacrifícios em prol da família. É a “rainha” do lar. Esse reinado, no entanto, implica a sua despersonalização, impede realizações pessoais e gratificação profissional, passando sua vida a gravitar em torno do sucesso do marido e dos filhos. Tendo por missão dar-lhes apoio e tranqüilidade, realiza-se com o brilho deles, sendo vedado a ela buscar qualquer ideal fora do âmbito doméstico.

 

Também a maternidade – para a qual a mulher é adestrada desde o nascimento, pois seus brinquedos se limitam a bonecas, panelinhas e casinhas – lhe impõe sacrifícios ilimitados. A sacralização da função materna não lhe permite qualquer outra atividade, sem que a realize encharcada de culpas. Como diz o poeta, ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração, ser mãe é padecer no paraíso.

 

O embaralhamento de papéis provocado pela emancipação feminina levou à falsa idéia de haver sido alcançada a tão almejada igualdade. Ao invés de visualizar as diferenças para atingir a equiparação, acabou-se por subtrair as poucas conquistas que serviam como elementos equalizadores.

 

A igualdade, enfaticamente decantada na Constituição brasileira, não tem sido respeitada, nem sequer no âmbito da Justiça, que ainda submete as mulheres a um tratamento preconceituoso. Os direitos à percepção de alimentos, ao uso do nome, à guarda dos filhos são pretensões ainda condicionadas ao reconhecimento de sua “honestidade”, pois só são deferidos à mulher “honrada”, adjetivo que nada mais significa que restrição ao exercício da sexualidade.

 

Ante tal realidade, não há como ficar inerte. É preciso gerar a consciência de que a absoluta igualdade de direitos não se conseguirá sem a ação da sociedade e de seus Poderes maiores, inclusive do Judiciário.

 

As mulheres que lograram abrir espaço na sociedade têm o compromisso social de exigir tratamento igualitário e unir-se às demais para buscar as mesmas oportunidades para todas. É preciso mostrar às mulheres os direitos que nem sabem que têm, a fim de que possam escapar à submissão passiva que muitas entendem ser – mas não é – o seu cruel destino.

 

Assim se impõe a necessidade de ainda haver um Dia para essas reflexões, de modo que não mais se rime amor com dor, submissão com dedicação, honestidade com castidade. Que por ocasião do Dia Internacional da Mulher todas nós desfraldemos nossa bandeira para nela inscrever o refrão do hino rio-grandense: Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra.

 

 

* Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

 

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Como citar e referenciar este artigo:
DIAS, Maria Berenice. Festejar o quê?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/festejar-o-que/ Acesso em: 18 abr. 2024