Direito Constitucional

Dignidade da Pessoa Humana: do conceito a sua elevação ao status de princípio constitucional

As primeiras referências acerca da dignidade na história da humanidade se encontram na Bíblia Sagrada, em seu Antigo e Novo Testamento, ao mencionar
que o homem foi feito a imagem e semelhança de Deus, ligando a figura do homem a uma divindade suprema dotada de reverência e valor. (SARLET, 2011).

O dicionário Houaiss e Villar (2004) foi muito feliz em sua menção do significado da palavra dignidade: “consciência do próprio valor; honra; modo de
proceder que inspira respeito; distinção; amor próprio.” (HOUAISS; VILLAR,  2004, p. 248). Em outras palavras, a dignidade nada mais é do que uma
“qualidade moral que infunde respeito.” (SANTOS, 2011).

De um modo geral, ao se fazer uma reflexão sobre a palavra dignidade no âmbito jurídico, vem a nossa lembrança acerca da responsabilidade
do Estado em assegurar que o indivíduo tenha as condições mínimas necessárias para sua sobrevivência, sendo inclusive esta finalidade assegurada na
Constituição Federal de 1988 como sendo um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito conforme previsto no art. 1º, III da CRFB/88.
(SANTOS, 2011).

Sabe – se que na verdade, o conceito de dignidade “significa a possibilidade de conferir-se a um ente, humano ou moral, a aptidão de
adquirir direitos e contrair obrigações.” (NOBRE JÚNIOR, 2000).

Assim, toda a forma de depreciação ou de redução do homem, considerando-o não como um sujeito, mas sim como um objeto de Direito é vedada,
não havendo sequer alguma possibilidade de se rebaixar qualquer ser humano. (NOBRE JÚNIOR, 2000).

Destarte, o conceito mencionado nos revela desse modo que todo cidadão tem direito a uma vida digna, sendo lhe assegurado o devido
respeito, resguardado os seus direitos e reconhecendo os seus deveres como cidadão. A dignidade é uma forma de valorização do ser humano.

A tamanha importância de se garantir a dignidade a cada ser – humano pode ser manifestamente notável a partir do momento em que a dignidade
se torna um dos princípios embasadores do ordenamento jurídico, sendo inclusive um direito – garantia fundamental expresso no art. 1º, III da CRFB/88.

O jurista Ingo Wolfgang Sarlet (2011) acredita que a dignidade é um caráter inerente ao ser humano, não podendo se distanciar dele,
sendo uma meta permanente do Estado Democrático de Direito mantê-la. (SARLET, 2011).

Já num pensamento filosófico, a figura da dignidade não esta associada à religião, mas sim a posição social do homem perante a sociedade.
Assim, quanto maior o reconhecimento que o indivíduo tivesse perante o meio que vivia maior seria quantificada a sua dignidade. (SARLET, 2011).

O fato é que indubitavelmente, o conceito de dignidade esta “intimamente ligada à noção da liberdade pessoal de cada indivíduo – o Homem
como ser livre e responsável por seus atos e seu destino.” (SARLET, 2011, p. 35).

Toda comunidade jurídica se norteia como certo parâmetro para a conceituação de dignidade da pessoa humana, pois, mais fácil é definir o que não se
enquadra como dignidade do que estabelecer um determinado conceito definidor, esclarecedor. (SARLET, 2011).

Cumpre aqui salientar que a dignidade é uma condição irrenunciável e inafastável ao ser humano, não se distanciando esta condição mesmo
quando um determinado sujeito comete os crimes mais repugnantes. (SARLET, 2011).

Finalizando este tópico, encerra – se a descrição acerca da dignidade com o ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet (2011), o qual preconiza
ser a dignidade da pessoa humana em sua completude:

(…) qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da
comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e co – responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito
aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2011, p. 73).

A constituição de 1988 foi à primeira na história do constitucionalismo a prever em seu bojo um título específico aos princípios fundamentais. (SARLET,
2011).

O constituinte deixou clara sua intenção em conferir aos princípios fundamentais o status de “normas embasadoras e informativas de
toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais.” (SARLET, 2011, p. 75).

Apesar de estar prevista como fundamento da República, a dignidade da pessoa humana não foi inserida no rol dos direitos e garantias
fundamentais previstas no art. 5º da nossa Constituição. (TAVARES, 2010).

O princípio da dignidade da pessoa humana se encontra expresso também em outros capítulos da constituição brasileira como, por exemplo, no caput do art. 170 que dispõe sobre a ordem econômica enquanto asseguradora de uma existência digna a todos. (SARLET, 2011).

Rios citada por Rodrigues (2011) em seu artigo A Súmula Vinculante nº 11 e sua implicação nas operações policiais conceitua o princípio da
dignidade da pessoa humana como sendo aquele que “protege o direito a todos os meios e condições para trazer a esta vida um mínimo de auto-suficiência
e decência.” (RIOS apud RODRIGUES, 2011).

Apesar de não merecer devida atenção anteriormente, mereceu a dignidade da pessoa humana ser reconhecida pelo nosso ordenamento pátrio,
antes mesmo da passagem para o novo milênio. (SARLET, 2011).

O princípio da dignidade da pessoa humana enquanto direito positivado é recente. Apenas após a Segunda Guerra Mundial e a Declaração
Universal da ONU de 1948 a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida e expressa nas constituições de diversos países. (SARLET, 2011).

Carlos Roberto Siqueira Castro citado por Sarlet (2011) leciona que: ”o Estado Constitucional Democrático da atualidade é um Estado de
abertura constitucional radicado no princípio da dignidade do ser humano.” (CASTRO apud SARLET, 2011, p. 79).

Nesse sentido, cabe dizer que hoje a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos principais, senão o fundamento basilar do Estado
Democrático de Direito.

A previsão constitucional da dignidade da pessoa humana como fundamento da república se torna ainda mais consagrada no sentido de garantir
a busca do Estado em proporcionar ao indivíduo condições para que se possa ter uma vida digna, sendo, portanto, um fim e não um meio pelo qual o Estado
atinge suas finalidades. (TAVARES, 2010).

Neste diapasão, Tavares (2010) cita um trecho da obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes do filósofo Immanuel Kant, no qual o
filósofo bem descreve a condição do ser humano frente o Estado: “O homem, e duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo,
não só como meio para o uso arbitrário desta ou aquela vontade.” (KANT apud TAVARES, 2010, p. 580-581).

Deste modo, visualiza – se diante o exposto acima que o homem deve ser considerado como um “fim em si mesmo e não como instrumento para
alguma coisa.” (TAVARES, 2010, p. 581).

A dignidade da pessoa humana, diferentemente de outros direitos, não é fruto de um mero aspecto referente às relações de existência ou não
do ser humano, e sim, é uma característica inerente do ser humano que o difere dos demais seres. (TAVARES, 2010).

Tavares (2010), amparado nos ensinamentos do ilustre professor Celso Ribeiro Bastos leciona que uma das finalidades do Estado deve ser
propiciar às pessoas todas as condições necessárias para que as mesmas se tornem dignas. (BASTOS apud TAVARES, 2010).

No entanto, o que se vê atualmente é uma constante violação deste fundamento da república, ao depararmos com situações aonde pessoas vivem
em condições subumanas, ou seja, abaixo da linha da pobreza, cujo saneamento básico e quaisquer possibilidades de perspectiva futura inexistem.

Importante aqui mencionar que a dignidade enquanto caráter inerente ao ser humano, não é um valor pelo qual deve ser mensurado,
tendo em vista que a dignidade esta acima de qualquer preço que possa ser oferecido por ela. (TAVARES, 2010).

Diga-se de passagem, que a dignidade além de ser garantia pela qual se garante a todo cidadão uma existência digna, garante também sua
liberdade em determinar os rumos de sua própria vida, sem a interferência de qualquer pessoa, agindo com total autonomia ao fazer suas escolhas.
(TAVARES, 2010).

Além disso, a dignidade da pessoa humana se destina também a proteger o indivíduo de qualquer humilhação ou situação vexatória, além de
proporcionar a possibilidade de desenvolvimento e crescimento pessoal. (TAVARES, 2010).

Uma grande discussão quando se refere ao Direito Constitucional se dá a respeito da busca por um princípio absoluto sobre todos os outros,
devendo os demais princípios se submeter a este que seria uma espécie de princípio máximo. (TAVARES, 2010).

O jurista Fernando Ferreira dos Santos, citado por André Ramos Tavares (2010) em sua obra Curso de Direito Constitucional, eleva o
princípio da dignidade da pessoa humana como sendo este um princípio supremo, pois para ele nunca poderá ser sacrificado o valor do ser humano enquanto
pessoa, sendo papel do Estado garantir essa condição. (SANTOS apud TAVARES, 2010).

O professor Paulo Bonavides segundo Ingo Wolfgang (2011) assim leciona sobre a questão:

(…) sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto máxima e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da
hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados.
(BONAVIDES apud SARLET, 2011, p. 90).

De fato, não podemos negar que este princípio influenciou, senão todos, grande maioria dos direitos fundamentais atuais.

A partir da Segunda Guerra Mundial a grande preocupação era de conferir ao ser humano todos os direitos e garantias fundamentais, visando
proteger o ser humano de qualquer situação que venha lhe causar constrangimento.

Como reflexo da pós-segunda guerra vários institutos como a ONU foram criados para que o indivíduo na sua condição de ser humano pudesse
ser protegido de qualquer atrocidade contra ele cometida. (CHEMIN, 2009).

Em meio a esse cenário, ocorre o reconhecimento do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em grande parte das Constituições de todo o
mundo, inclusive a Constituição Brasileira de 1988. (SARLET, 2011).

Inegável é que o homem não deve ser tratado como um meio para que o Estado atinja seus interesses, mas sim como uma finalidade do Estado.
Estado este que deve garantir ao indivíduo todas as condições necessárias para que este possa viver com as condições necessárias para sua existência.

Nessa linha, Kant citado por Chemin (2009) assim discorre acerca do homem como um fim e não como meio para obtenção de interesses
particulares:

(…) existe como um fim em si mesmo, não só como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrario, em todas as suas ações, tanto as
que se dirigem a ele mesmo, como nas que dirigem ao outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como um fim. (KANT apud CHEMIN,
2009).

Ao reconhecer a Dignidade da Pessoa Humana como um princípio, o Direito reconhece que o grande fim estatal é o de promover ao ser humano
possibilidades deste prover sua existência.

Argumento principal para se sustentar a Dignidade como sendo um princípio basilar do ordenamento jurídico se dá quando afirmamos que a
coisificação do homem, tão visto na Primeira e Segunda Guerra Mundial através dos campos de concentração; deve dar lugar ao reconhecimento do homem
enquanto sujeito de direito, possuindo estes direitos e obrigações perante o Estado e por ser a garantia da dignidade um fim do Estado, o mesmo deve
conferir ao indivíduo o máximo respeito.

Com a ascensão deste princípio, objetiva-se por um fim na utilização do ser – humano enquanto instrumento para se chegar a um determinado
objetivo.

Chemin (2009) ao citar as palavras de Carla Liliane Waldow Pelegrini discorre a respeito do assunto:

(…) o princípio da dignidade da pessoa humana surge como uma conquista em determinado momento histórico. Trata-se de tutelar a pessoa humana
possibilitando-lhe uma existência digna, aniquilando os ataques tão frequentes à sua dignidade. (PELEGRINI apud CHEMIN, 2009).

Faz necessário salientar aqui a impossibilidade de se mensurar a dignidade do ser humano, pois ao reconhecermos a possibilidade de se
mensurar a dignidade estamos a reconhecer que a dignidade pode ser sobrepujada por outras coisas; pensamento este que não merece prosperar. (CHEMIN,
2009).

O art. 1º, inciso III de nossa Constituição vigente consagra, como já dito anteriormente, a dignidade da pessoa humana como sendo um dos
princípios fundamentais de nossa república.

Apesar de alguns doutrinadores como Robert Alexy, André Ramos Tavares e Ingo Wolfgang Sarlet defenderem não haver hierarquia entre os
princípios, uma vez que, os mesmos podem ser relativizados; a presente pesquisa data máxima vênia não se coaduna com este entendimento.

A dignidade da pessoa humana não deve ser vista somente como um postulado, ou seja, um princípio que norteia a aplicação dos demais
princípios, sendo uma condição sine qua non; mas sim deve ser vista sob a ótica de um princípio supremo, pois afinal de contas não seria o
principal fim do Estado promover as condições necessárias para que o ser – humano seja tratado com respeito e com as básicas possibilidades de
sobrevivência?

Não seria a dignidade da pessoa humana um princípio tão amplo a ponto de nortear, de comandar a aplicação dos demais princípios e até mesmo
no conflito entre dois princípios ser o princípio mediador?

Sarlet segundo Chamin (2009) explica acerca da influência da dignidade da pessoa humana sobre os demais princípios dizendo que:

(…) por via de conseqüência e, ao menos um princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da
dignidade da pessoa humana. (SARLET apud CHAMIN, 2009).

Dessa forma, podemos concluir dizendo que a Dignidade da Pessoa Humana “é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e
garantista de Direito.” (GOMES, 2008).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário Houaiss de língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2011.

SANTOS, Jefferson Cruz dos. Princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição cidadã. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 13 ago. 2011.
Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.33027>. Acesso em: 25 ago. 2011.

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O Direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana. Jus Navigandi, Teresina, ano
5, n. 41, 1 maio 2000. Disponível em: <
http://jus.uol.com.br/revista/texto/161 >. Acesso em: 26 ago. 2011.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

RODRIGUES, Lincoln Almeida. A Súmula Vinculante n° 11 do Supremo Tribunal Federal e sua implicação nas operações policiais. Conteúdo Juridico,
Brasilia-DF: 13 jul. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.32859&seo=1>. Acesso em: 25 ago.
2011.

CHEMIN, Pauline de Morais. Importância do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 88. Memes Jurídico. 23 jan 2009. Disponível
em: <http://www.memes.com.br/jportal/portal.jsf?post=12163>. Acesso em: 06
out 2011.

GOMES, Luiz Flávio. Algemas: STF disciplina seu uso. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1885, 29 ago. 2008. Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/11662>. Acesso em: 11 out.
2011.

* Lincoln Almeida Rodrigues, estagiário do 1º Juizado Especial Cível/Criminal da Comarca de Arcos-MG, bacharelando de Direito na PUC/MINAS-Campus
Arcos-MG , Articulista em diversos sítios jurídicos especializados da WEB, Colaborador do blog voxadvocatus.blogspot.com

Como citar e referenciar este artigo:
RODRIGUES, Lincoln Almeida. Dignidade da Pessoa Humana: do conceito a sua elevação ao status de princípio constitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/dignidade-da-pessoa-humana-do-conceito-a-sua-elevacao-ao-status-de-principio-constitucional/ Acesso em: 29 mar. 2024