Direito Constitucional

Caso Troy Davis: a pena de morte em uma democracia hipócrita

Hoje é um dia triste para a humanidade. Hoje, dia 21 de setembro de 2011, às 19:00, no horário de Nova Iorque, 20:00 no horário de Brasília, um ser
humano – um homem NEGRO de nome Troy Davis – será executado nos EUA, através de injeção letal, por um crime em que sua autoria não restou
cabalmente provada durante todo o processo judicial em que foi proferida sua sentença de morte.

Troy Davis foi acusado, processado, julgado e considerado culpado, por ter, supostamente, matado o policial Mark McPhall, em 1989, no momento em que
este ajudava um sem-teto que estava sendo atacado.

Ao longo dos anos em que Troy Davis permaneceu preso, aguardando sua execução, sua defesa demonstrou que a arma utilizada no crime jamais foi
encontrada. Somado a isso, as notícias dão conta que, das nove testemunhas que ajudaram a condená-lo, sete se retrataram de seus depoimentos, afirmando
que na época em que os prestaram foram persuadidas pela polícia a testemunhar contra Troy, provavelmente em razão da pressão corporativista da polícia
e do desejo irracional de se encontrar um culpado, em nome da tão proclamada segurança jurídica que, ao que parece, deve ser absoluta e inabalável em
solo americano.

A defesa de Davis asseverou, ainda, que nenhuma evidência forense ou de DNA foi encontrada durante as investigações. Uma testemunha chegou a afirmar
que o verdadeiro assassino, de nome Sylvester Coles, confessou o crime durante uma festa em que teria exagerado no consumo de bebida alcoólica,
revelando a informação. Somado a isso, outras dez testemunhas, que jamais foram ouvidas no processo, disseram que outro homem admitiu ter atirado na
vítima.

A história da pena de morte é marcada por capítulos extremamente bizarros. Uma das mais famosas é a de Caryl Whittier Chessman, conhecido como “bandido
da luz vermelha”, condenado à câmara de gás, nos EUA, em razão de diversos assassinatos envolvendo casais, no final da década de 1940.

O caso Chessman foi marcado por um erro fatal:

No exato instante em que se encontrava na câmara de gás, os advogados de Chessman, George Davis e Rolasile Asher se reuniam com Louis Goodman –
presidente do Tribunal Federal de San Francisco. Os advogados de Chessman somente localizaram o juiz Goodman no último momento que souberam da negativa
do Supremo Tribunal da Califórnia em relação a um recurso por eles interposto. O juiz Goodman ouviu as razões e as queixas de Davis, que se expressava
febrilmente, mas com precisão, demonstrando ao magistrado que seu cliente não se beneficiara de todos os seus direitos perante os tribunais da
Califórnia.

Naquele momento, às 10 h 01 min. do dia 02 de maio de 1960, o juiz Goodman, após refletir sobre os argumentos dos advogados de Chessman, assentiu com
os mesmos, afirmando que o respectivo recurso poderia ter sido recebido, mas que necessitava de maiores explicações, pelo que ordenou fosse atrasada a
execução por meia hora.

O que se sucedeu foi uma cadeia de ocorrências funestas, que redundaram na morte de Chessman, que teve início com a ordem recebida por Celeste Hickey –
secretária do juiz Goodman, a qual fora incumbida de chamar, urgentemente, a penitenciária de San Quentim. O erro fatal ocorre no momento em que
referida secretária, não sabedora do número telefônico daquele estabelecimento prisional, corre a perguntá-lo ao escrivão. Ao anotar o número em seu
bloco, comete um erro, esquecendo-se de anotar um dos algarismos. Foi tempo suficiente para que o juiz Goodman, ao finalmente conseguir falar com a
penitenciária, ficasse sabendo que a execução já estava em curso. Às 10 h 05 min. Chessman foi declarado legalmente morto.

O caso Chessman, a exemplo do que ocorre no caso de Troy Davis, repercutiu mundialmente, tendo as principais manifestações a seu favor ocorrido nos EUA
e na Europa. Foi, também, um caso marcado por provas inconclusivas.

O que se quer dizer é que não há, em pleno século XXI, e mesmo após termos notícias de diversas condenações duvidosas à pena capital, como compreender
e admitir a manutenção da pena de morte, seja em que lugar e sob qual regime jurídico for.

Segundo o insigne Kildare Gonçalves Carvalho, o professor Lydio Machado Bandeira de Mello afirmou há algumas décadas, e com precisão cirúrgica, que:


O Direito Penal é um direito essencialmente mutável e relativo. Logo, deve ficar fora de seu alcance a imposição de penas de caráter imutável e
absoluto, de total irreversibilidade e irremediáveis quando se descobre que foram impostas pela perseguição, pelo capricho ou pelo erro. Deve ficar
de fora de seu alcance a pena que só um juiz onisciente, incorruptível, absolutamente igual seria competente para aplicar: a pena cuja imposição só
deveria estar na alçada do ser absoluto, se ele estatuísse e impusesse penas: a pena absoluta, a pena de morte. Aos seres relativos e falíveis só
compete aplicar penas relativas e modificáveis. E, ainda assim, enquanto não soubermos substituir as penas por medidas mais humanas e eficazes de
defesa social
(LYDIO MACHADO BANDEIRA DE MELLO. O criminoso, o crime e a pena, 1970, p. 335, “apud” KILDARE GONÇALVES CARVALHO. Direito Constitucional,15ª ed.
p. 748).

É o argumento que basta.

Nada obstante, hoje um homem que, pelo in dubio pro reo é presumidamente inocente, por ausência de provas que o condene, vai morrer, em que pese
inúmeras manifestações a seu favor ao redor do mundo; manifestações de peso, destaque-se, como a do Bispo Desmond Tutu, do ex-presidente
norte-americano Jimmy Carter, do Papa Bento XVI, da Anistia Internacional…, enfim, de uma massa composta por personalidades notórias e cidadãos de
todas as etnias, solidários a Troy Davis; a legítima democracia, pode-se dizer, mas que, ao que parece, e infelizmente, por mais agigantada que seja,
não será capaz de deter a democracia hipócrita e bairrista praticada nos Estados Unidos da América – país que se auto-intitula como maior democracia do
mundo, mas que, verdadeiramente, nada mais é do que a nova Roma Antiga.

Ficam o nosso desabafo e protesto.

*Vitor Vilela Guglinski – Advogado. Pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor. Foi professor de Direito Constitucional das Faculdades Sudamérica de Cataguases –
MG. Membro do INJUR – Instituto Cultural para a Difusão do Conhecimento Jurídico. Ocupou o cargo de assessor de juiz da 2a. Vara Cível de Juiz de Fora
– MG no quadriênio 2006 – 2010. Convidado como colaborador permanente da COAD/ADV. Convidado como jurista em diversos seminários promovidos pelo INPA –
Instituto de Pesquisas Aplicadas do Ceará. Autor de monografias, artigos e ensaios jurídicos publicados em periódicos especializados.

**Aleksander Guglinski – Advogado aposentado.

Como citar e referenciar este artigo:
GUGLINSKI, Vitor Vilela; GUGLINSKI, Aleksander. Caso Troy Davis: a pena de morte em uma democracia hipócrita. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/caso-troy-davis-a-pena-de-morte-em-uma-democracia-hipocrita/ Acesso em: 19 abr. 2024