Direito Constitucional

Constitucional é o que o STF diz que é

Excelente o artigo: A Constituição ‘conforme’ o STF publicado na Folha de São Paulo, em
20/5/2011, pelo grande jurista Ives Gandra da Silva Martins. No referido texto,
ele começa revelando seu desconforto em criticar asperamente uma instituição
pela qual tem grande apreço. Diríamos nós: “Amicus
Platus, magis amica veritas”.
(Sou amigo de Platão, porém mais amigo da
verdade). [Aristóteles].

Como antigo advogado –
Ives Gandra já está com 76 anos – ele lamenta profundamente que os ministros do
STF tenham adotado uma “crescente atuação como legisladores e constituintes, e
não como julgadores”. Dizendo o mesmo em termos mais duros: eles têm usurpado
as atribuições constitucionais do Poder Legislativo!

Mas Ives Gandra
acrescenta: “À luz da denominada ‘interpretação conforme’, estão conformando a
Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o povo
desenhou por meio de seus representantes.” Dizendo o mesmo em termos mais
duros: estão julgando conforme seu pensamento pessoal, ainda que este seja
contrário à Constituição.

No caso de uma vacatio legis, não é atribuição do
Supremo preencher a lacuna, mas sim uma prerrogativa do Congresso Nacional. Nas
palavras de Ives Gandra:

“Por outro lado, a fim
de não permitir que o Judiciário se transformasse legislador positivo, foi
determinado que, na ação de inconstitucionalidade por omissão (Art.103,
parágrafo 2.o), uma vez declarada a omissão do Congresso, o STF
comunicasse ao Parlamento, o descumprimento de sua função constitucional, sem,
no entanto, fixar prazo para produzir a norma e sem sanção se não a
produzisse.”

Ives Gandra resume o
espírito do referido artigo da Constituição: “Negou-se, assim, ao Poder
Judiciário a competência para legislar”. No entanto, dizemos nós, é o que mais
tem sido feito pelo CNJ e pelo STF.

E Yves Gandra prossegue
dizendo: “Nesse aspecto, para fortalecer mais o legislativo, [a Constituição de
1988] deu-lhe o constituinte poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou
do Executivo que ferisse sua competência.”.

Isto significa dizer que
o Congresso estará exercendo um direito constitucional, caso rejeite a última
decisão do Supremo que reconheceu a união estável entre homem e homem, bem como
entre mulher e mulher, uma vez que sua competência foi usurpada pelo STF. Mas terão nossos representantes vontade
política para fazer tal coisa? A respeito da união estável, Ives Gandra entra
em detalhes:

“No que diz respeito à
família, capaz de gerar prole, discutiu-se [na Assembléia Nacional
Constituinte] se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto
supremo – entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus
descendentes (Art. 26, parágrafos 1.o, 2.o, 3.o,
4.o, 5.o) – e os próprios constituintes, nos debates,
inclusive o relator, entenderam que era relevante fazê-lo, para evitar qualquer interpretação, como a de que o conceito pudesse abranger a união homossexual (o
grifo é nosso).

Neste ponto, valendo-se
de seu grande conhecimento de Direito Comparado, Ives Gandra comenta uma
situação semelhante ocorrida com a Corte Constitucional da França em 27/1/2011.

A referida Corte entendeu
que “cabe ao Legislativo, se desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao
Judiciário legislar sobre uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e
uma mulher, capaz de gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens e duas
mulheres, incapaz de gerar descendentes, que compõem uma unidade
familiar.”

Ora, que se trata de
duas relações bastante diferentes, isto é um óbvio ululante capaz de ser
reconhecido até por aqueles que estão nos limites da oligofrenia, mas a
preocupação dos membros da referida Corte, ao declarar tal obviedade, era a de
proteger a família básica, a célula da sociedade.

Não obstante, tal coisa
não parece ser a dos membros do STF que, numa raríssima decisão por
unanimidade, concederam status jurídico de família básica à união de homossexuais. Diante disto, Yves Gandra
conclui, e com toda propriedade, seu pensamento:

“Esse ativismo judicial,
que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo, eleito por
130 milhões de brasileiros – e não por um homem só – é que entendo estar
ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante dos
três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a vontade
da totalidade da nação, pois nele, situação e oposição estão representadas.”

De pleno acordo. Porém
reiteramos que o que é mais grave nesse lamentável episódio não é o
reconhecimento da união estável de homossexuais, mas sim o Poder Judiciário, na
sua mais alta instância, estar usurpando as atribuições constitucionais do
Poder Legislativo. Não obstante, poucas vozes no Congresso Nacional
manifestaram seu veemente protesto, como é o caso do senador Demóstenes Torres
(DEM-GO), a quem cabe nosso elogio.

Ives Gandra fecha com
chave de ouro seu excelente artigo dizendo: “Sinto-me como o personagem de Eça
[de Queirós] em A Ilustre Casa de Ramires, quando perdeu as graças do
monarca: “Prefiro estar bem com Deus e minha consciência, embora mal com o rei
e com o reino”. Bravo! Poucos ainda pensam assim…

Antes de ter lido o
supramencionado artigo de Ives Gandra, escrevemos um intitulado: “O STF adotou
o direito alternativo” e nos sentimos lisonjeados ao constatar que em nosso
texto sustentamos os mesmos argumentos que o ilustre jurista. E em um artigo publicado posteriormente: “Por
um plebiscito sobre o casamento gay”, destilamos toda nossa peçonha irônica em
relação à lamentável decisão do Supremo.

Nossa esperança é que
nossas intenções significativas tenham sido compreendidas, coisa que nem sempre
ocorre com quem ousa recorrer a esse artifício literário.

No entanto, temos ainda
uma pergunta que não quer se calar: Por que não fizeram um plebiscito sobre o
assunto, como no caso do referendo sobre o desarmamento da população brasileira?
Será que só se faz plebiscito neste país quando o governo está certo de que –
ainda que posteriormente descubra que estava redondamente enganado – contará
com uma decisão favorável da maioria dos consultados ?!

Mas não se faz um
plebiscito sobre a união estável de homossexuais, porque o governo está certo
de que somente uma minoria ruidosa é a favor – uma minoria que pensa como a
sexóloga e senadora Marta Suplicy (PT-SP), autora de um projeto de lei
estabelecendo a união estável de homossexuais, projeto este que não foi votado
pelo Congresso. Mas uma avassaladora maioria, por questões de ordem religiosa,
por conservadorismo ou puro preconceito, é visceralmente contra.

Ficamos devendo um
artigo sobre a causa desse grande mal que nos assola: o interpretativismo
delirante.

apêndice : gays paulistanos já estão casando!

Deu na Folha de São Paulo há alguns dias:
primeiro casal gay entrou com um pedido de casamento diante de um juiz de paz.
È o primeiro, mas não é o último. Caso o juiz se recuse a celebrar a cerimônia
por puro preconceito homofóbico, o casal poderá recorrer e, caso a questão
chegue ao STF, seu ganho de causa é quase certo, pois os ministros do STF, por
unanimidade, já mostraram não nutrir semelhante preconceito.

* Mário Antônio de
Lacerda Guerreiro, Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do
Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC
[Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade
Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de
Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF,
Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima
Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da
Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso
Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação
Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS,
Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói,
1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século
XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber,
Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil
(Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já
apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos.
Atualmente tem escrito regularmente artigos para
www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para
www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Como citar e referenciar este artigo:
GUERREIRO, Mário Antônio de Lacerda. Constitucional é o que o STF diz que é. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/constitucional-e-o-que-o-stf-diz-que-e/ Acesso em: 29 mar. 2024