Direito Constitucional

As desventuras jurídicas do Caso Battisti


Cesare Battisti, italiano refugiado no Brasil desde 2004,
recebeu pedido de Extradição do Governo Italiano (Nota Verbal de 21/02/2007)
que foi protocolizado sob nº 1085 de 16/12/2009 junto ao Supremo Tribunal
Federal. Com passagens na França até 1982, foi para o México e permaneceu até
1990, voltou para França e veio ao Brasil em 2007.

Em verdade, o corpo do
acórdão do Supremo Tribunal Federal não deixou claro que a decisão é do Presidente,
pois: quatro votos foram pela Extradição, um voto pela observância do Tratado e
quatro votos pelo caráter discricionário do Presidente da República (item 8,
página 3, do Acórdão da Extradição 1085
de 16/12/2009, publicado em 15/04/2010).

Contudo, após os debates
junto ao Supremo Tribunal Federal esta Corte Constitucional concluiu que a decisão
sobre o deferimento da extradição do Supremo Tribunal Federal não vincula o
Presidente da República (item VIII do ofício do Relator do STF ao Poder Executivo)
e que, portanto, cabe ao Presidente opinar sobre o assunto.

Em síntese, a decisão é
eminentemente política e de competência do Chefe do Poder Executivo Brasileiro.

Entendemos que é do Poder
Executivo esta prerrogativa, pois ele pode denunciar, isto é, revogar o Tratado
firmado com o país requerente da extradição a qualquer momento e se o fizer,
mesmo com uma decisão exarada junto ao Supremo Tribunal Federal, esta perde completamente
o objeto, pois se trataria de acórdão sobre tratado revogado pelo Poder
Executivo.

O costume Constitucional
brasileiro é pacífico neste sentido.

Não se pode
desconsiderar que na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assim que ocorria
a declaração de refúgio pelo Poder Executivo, este ordenava o arquivamento do
pedido de Extradição. Desta feita, o
Caso Battisti mudou esta prática, pois mesmo com a demonstração de deferimento
do Refúgio houve a recalcitrância pelo não arquivamento da Extradição e a
análise dos seus pressupostos legais. Ao final de muitas discussões os Ministros
concluíram pelo envio do pedido ao Presidente para que ele decidisse.

Com efeito, a
Constituição Federal no seu art. 4º, inciso X, assegura o princípio da
concessão de Asilo Político e este é de competência do Presidente.

A Advocacia Geral da União
exarou o Parecer nº 17/2010 e o Despacho do Advogado Geral da União Substituto
(Processo nº 08000.003071/2007-51) que encamparam a tese de que cabe ao
Presidente decidir sobre o tema.

Alguns setores dos meios
jurídicos, porém reverberam que não se poderia refugiar um “assassino” de supostos
quatro homicídios na Itália.

Contudo, devemos
analisar alguns fatos: 1º Os supostos crimes foram cometidos em 1977 e 1979,
sob um regime político de duvidosa representação democrática na Itália, cujos
processos sequer tiveram o exercício do Direito ao Contraditório e da Ampla Defesa,
foram julgamentos à revelia de Battisti; 2º Mesmo que se considere que os
crimes foram cometidos, esses o foram por motivação política, o que configura a
hipótese de Asilo Político; 3º Configura-se claramente o temor de perseguição
política atual o que inviabiliza a entrega do asilado para o país requerente;
4º assim deve-se distinguir punição de perseguição, neste último caso o asilo é
dever do Estado brasileiro; 5º As prescrições pela pena brasileira se
consumaram e isto é impeditivo da Extradição, mesmo que os crimes fossem comuns
e não políticos; 6º A leitura histórica sobre se o crime foi político ou comum
cabe ao Presidente da República na análise de seus pressupostos, e não ao
Supremo Tribunal Federal, pois os motivos vinculantes do Ato Administrativo não
permitem esta prospecção jurídica; 7º a narrativa histórica da Itália de 1977 e
1979 é controversa mesmo nas visões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal,
se Battisti seria um ativista político ou um homicida comum, se é que foi ele o
autor dos crimes.

Mas como diria o
cronista: “a política mudou (…) o delegado geral recebe ordens superiores e
manda apurar o caso e entregar os culpados à Justiça” (XAVIER, Valêncio. Crimes
à moda antiga. Publifolha, 2004, p. 99), daí a percepção que os ventos
políticos podem afetar o juízo de culpabilidade dos chamados crimes políticos.

Apesar de tudo isto, há a
clara construção pela mídia internacional de uma suposta luta entre o legal e o
justo que não é uma invenção dos romancistas e dramaturgos, mas produto da
realidade, orquestrada pela informação incompleta dos fatos (GALLARDO, Angel
Ossorio y. A Alma de Toga. Coimbra: Coimbra Editora, 1956, p. 16).

Neste caso não se pode
admitir “il giudice legislatore”(o
juiz legislador – in ALPA, Guido. L´Arte
di giudicare. Itália, Laterza, 1996, p. 3), pois o juízo de concessão de
refúgio é de competência exclusiva do Poder Executivo.

Em conclusão, o retorno
do processo de Extradição ao Supremo Tribunal Federal não pode, de forma
alguma, rever a decisão do Chefe do Poder Executivo e a nosso sentir a soltura
deveria ser imediata, não fosse talvez o atual Presidente do Supremo Tribunal
Federal, o autor do voto contrário à concessão do asilo ao refugiado. Se isto,
por hipótese ocorrer, para se demonstrar a prevalência do Poder Executivo, este
pode imediatamente denunciar o Tratado com a Itália e daí a decisão do Supremo
Tribunal Federal se esvazia por completo, fato que em ultima ratio comprova a soberania do Poder Executivo nestas
hipóteses.

Para Cesar Battisti cabe esperar com a fé descrita
por Dante Alighieri: “é a fé, em si, substância do desejo e argumento do bem
não aparente; e desta forma é que a concebo e vejo (Canto XXIV, 64)”.

Advogado

Como citar e referenciar este artigo:
CASTRO, Claudio Henrique de. As desventuras jurídicas do Caso Battisti. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/as-desventuras-juridicas-do-caso-battisti/ Acesso em: 19 abr. 2024