Direito Constitucional

A inaplicabilidade da Medida Provisória 2170-36 pelos Tribunais e a concretização constitucional

 

José Manoel do Amaral [1] 

Diego Prezzi Santos [2]

Salir Pinheiro Junior[3]  

 

Resumo: Os tribunais têm buscado concretizar o texto constitucional. Com a diversidade e a vultosa quantidade de ações de revisões contratuais, o estudo mais preciso e cuidadoso alterou o direcionamento dos julgadores quanto à aplicação da MP 2170-36. Eis o objeto do presente estudo, o afastamento da MP e as razões acertadas que levaram os tribunais a tal determinação.

               

Palavras-chave: Revisão contratual, Constituição, Medida Provisória, inconstitucionalidade formal, inconstitucionalidade material.

 

Sumário: Introdução; 1 Função social do contrato; 2 Medida Provisória 2170-36; 3 Vícios da Medida Provisória e novo posicionamento dos tribunais; Conclusão; Bibliografia.

 

INTRODUÇÃO

 

                A jurisprudência crítica tem buscado alternativas à mera repetição com especial direcionamento para a concretização constitucional.

 

                Em todas as frentes do Direito, a atuação – apesar de nefastas divergências que indicam a empoeirada busca por afastar a Carta Constitucional – consolida a posição democrática, com a evolução e aplicação da função social dos contratos, da propriedade e o respeito à Dignidade.

 

                A ocorrência de tal posição se alinha ao próprio teor constitucional que tem a Dignidade como um fundamento, situação que impõe a todos os órgãos e sujeitos a busca por sua concretização.

 

                Nos contratos bancários o entendimento está gradativamente se tornando mais justa, pois há uma busca por impor o respeito à função social e ao consumidor.

 

                Dentro de tal quadro está a tomada de consciência do argumento constitucional quanto à aplicação da Medida Provisória 2170-36, havendo seu afastamento por parte de diversos julgadores.

 

                A relevância de afastar tal MP é a de tornar ilegal a cobrança de juros com utilização da Tabela Price ainda que haja pacto.

 

 

1 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO

 

 

                Dentro do Estado Democrático, cada ente – estatal ou privado – deve corresponder a obrigação constitucional de colaborar com a construção dos valores tidos como fundamentais.

 

                Trata-se não de afastar a natureza privada das instituições e sua busca por lucratividade, mas de atuar segundo as regras mínimas exigidas para que tenham, de fato, alguma utilidade social.

 

                A previsão de tal regramento está prevista na própria constituição em diversos dispositivos.

 

                A lição de Tartuce sobre o assunto é precisa:

 

 

“A função social do contrato, preceito de ordem pública, encontra fundamento constitucional no princípio da função social do contrato latu sensu (arts. 5º., XXII e XXIII, e 170, III), bem como no princípio maior da proteção da dignidade da pessoa humana (art.1º., III), na busca de uma sociedade mais justa e solidária (art.3º.,I) e na isonomia (art.5º., caput). Isso, repita-se em uma nova concepção do direito privado, no plano civil-constitucional, que deve guiar o civilista do novo século, seguindo tendência de personalização. Essa nova visualização, preceito da disciplina de direito civil constitucional, nunca pode ser deixada em segundo plano”. [4]

 

 

                Verifica-se a amplitude de tratamento da função social a qual expôe sua relevância para o legislador originário.

 

                Em artigo[5] publicado pelo mesmo autor supra, há exposição do Enunciado 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil:

 

 

“Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”.

 

                O ensinamento prega, de forma acertada, que a função social, antes de limitador, é instrumento de concretização de uma marca valorativa, a qual não foi restringida pelo legislador constitucional e, com efeito, não pode ser pelo julgador.

 

                Concretiza Arnoldo Wald a relevância de tal preceito e sua dimensão:

 

“A função do direito consiste em conciliar a economia e a moral, garantindo, assim, a segurança jurídica sem a qual nenhum país pode progredir”.[6]

 

                Embora haja divergência conceitual, a função social seria, simultaneamente, forma de aplicação do direito e valor a ser aplicado.

 

                Tal função é aniquilada quando o contrato é construído para beneficiar uma parte sem sequer informar a outra ou informando de forma parcial ou obscura, como quando consta Tabela Price no contrato e o consumidor acredita ser uma mera formalidade que não lhe causará prejuízo.

 

 

 

2 MEDIDA PROVISÓRIA 2170-36

 

 

                A medida provisória supra foi ediatada com um preâmbulo bastante específico, ao qual se recorre para demonstrar sua finalidade:

 

“Dispõe sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, consolida e atualiza a legislação pertinente ao assunto e dá outras providências”.

 

                Ainda que haja disposição que parecer ser bastante clara, há uma imensidade de julgados que trabalham sobre a aplicação da Medida provisória em contratos bancários, ou seja, em situação que escapam à administração de recursos de caixa do Tesouro.

 

                O entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sob os olhos da própria MP, é mais acertado que os outros, pois considera a própria redação sem se deixar levar por argumentos e construções que atacam à própria lógica:

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. REVISÃO DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CONFISSÃO E RENEGOCIAÇÃO DE DÍVIDA. CERCEAMENTO DE DEFESA. TRATANDO-SE DE MATÉRIA DE MÉRITO UNICAMENTE DE DIREITO, O JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE NÃO IMPORTA EM CERCEAMENTO DE DEFESA. POSSIBILIDADE DA REVISÃO Possibilidade da revisão contratual com aplicação do Código de Defesa do Consumidor. JUROS REMUNERATÓRIOS. Superada a questão da limitação dos juros remuneratórios pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no presente caso, inexiste cobrança abusiva de juros, posto que as taxas de juros contratadas não ultrapassem os 12% ao ano. Mantidos os juros remuneratórios contratados. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. Permite a legislação vigente e a jurisprudência dominante à capitalização dos juros apenas na periodicidade anual. Entretanto, salvo legislação específica, que não é o caso concreto. A capitalização na forma disposta no art. 5º da Medida Provisória  nº 2.170-36 de 23 de agosto de 2001 não se aplica às operações financeiras comuns, nas quais se enquadram os contratos bancários e de administração de cartão de crédito, tendo em vista que o referido dispositivo legal destinou-se tão-somente a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional. Vedada, portanto, a capitalização diária ou mensal dos juros. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA Pacificou o STJ que é permitida a cobrança de comissão de permanência a partir da configuração da mora, às taxas médias de mercado, limitadas à taxa do contrato, desde que não cumulada com correção monetária ou com juros remuneratórios. Incidência da Súmula 294. COBRANÇA DE IOF Viável a cobrança de IOF sobre a operação contratada entre as partes, eis que é um tributo criado e instituído regularmente, norma cogente, de ordem pública, que não poderia o banco desobedecer. VENDA CASADA Nulidade passível de ser decretada em qualquer grau de jurisdição. Seguro de vida contratado simultaneamente à concessão do crédito, caracterizando claramente a venda casada, vetada pelo artigo 39, inciso I, d CDC. Cabível a exclusão de valores cobrados a este título. COMPENSAÇÃO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. Depois de apurados os débitos e créditos de cada parte, se constada a existência de saldo credor, possível efetuar-se a compensação entre os valores encontrados. A cobrança abusiva e excessiva de encargos justifica a repetição de indébito, seja por compensação ou por outra forma simples. Redimensionada a sucumbência. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO BANCO E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DOS AUTORES. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70035156645, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 22/04/2010)

 

                Consta do voto do Relator:          

 

“Afora isso, com a edição da Medida Provisória nº 2.170-36/01, e a aplicabilidade do artigo 5º a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que essa medida se destina apenas a fixar regras sobre a administração dos recursos do Tesouro Nacional, não sendo razoável, a interpretação de que se aplique em qualquer operação“.

 

                Neste recente acórdão, o Desembargador Nelson José Gonzaga expõe um dos argumentos que justificam que seja tal Medida Provisória afastada dos casos concretos, haja vista o óbice lógico.

 

                Aplicar tal medida é o mesmo que aplicar o procedimento da lei de drogas ao crime de procedimento inteiramente ordinário.

 

                O disposito que permitiria a capitalização diária ou mensal de juros em contratos bancários seria o art. 5º da Medida Provisória:

 

 

“Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do  Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”

 

                                         Tal preceito construiu forte entendimento que permite a capitalização de juros em contratos bancários, embora seja evidente a indicação expressa da própria Medida Provisória.

 

                                         Ampliou-se, com efeito, a aplicação embora o desejo do legislador tenha sido diverso, enquadrando neste ampliação o uso das práticas de anatocismo.

Segundo entendimento defendido pelos bancos, está no permissivo da MP a possibilidade do pacto e, por conseguinte, da busca de juros compostos.

 

3 VÍCIOS NA MEDIDA PROVISÓRIA E O NOVO POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

 

                Como já visto, a jurisprudência de maior precisão constatou que a Medida Provisória não deve ser, segundo o legislador, aplicada a contratos bancários.

 

                Há, todavia, questionamentos de toda ordem que paíram sobre tal lei.

 

                A primeira das constatações que já aniquilaria a possibilidade de capitalização de juros é a vigência e eficácia da Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.

 

                Tal súmula proibe a capitalização mensal de juros nos contratos em geral e, de forma diversa à Medida, não é restrita a uma ou outra espécie de pactuação.

 

                O Tribunal de Justiça do Paraná elucida que, mesmo com pacto, a capitalização mensal é vedada em contratos bancários, embora haja a disposição da Medida Provisória 2170-36:       

 

 

Apelação. Ação Revisional. Contratos Bancários. Limitação de juros a 12% ao ano. Impossibilidade. Capitalização mensal de juros afastada. Não aplicabilidade da Medida Provisória n. 2.170-36. Apelos conhecidos e desprovidos.
1. A taxa de juros não é limitada a 12% ao ano, prevalecendo aquela livremente pactuada no contrato, desde que não demonstrada cabalmente a abusividade se comparada às taxas utilizadas no mercado, porque não há aplicabilidade do Decreto n. 22.626/33 nos contratos celebrados por instituições financeiras.
2. É vedada a capitalização mensal dos juros, mesmo em favor das instituições financeiras, de acordo com a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal.
3. Recursos conhecidos e desprovidos .
(TJPR – 19ª C.Cível – AC 0294161-5 – Curitiba – Rel.: Des. Cláudio de Andrade – Por maioria – J. 16.06.2005)

 

                O TJ/RJ também é em mesma determinação:

 

AÇÃO DE CONHECIMENTO VISANDO À REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS, A NULIDADE DA COBRANÇA DE JUROS, ENCARGOS EXCESSIVOS E PRÁTICA DE ANATOCISMO. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. Sentença que reconheceu a prática do anatocismo, determinando a exclusão dos valores cobrados a maior em virtude da capitalização dos juros, e que por equívoco, conclui que a autora possui saldo credor. Laudo Pericial que comprova a capitalização dos juros e cobrança indevida de seguro. Dívida anterior à edição da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 e, mesmo que pudesse ser aplicada, foi considerado inconstitucional o artigo 5º da Medida Provisória nº 2170, referente à capitalização de juros, conforme Acórdão proferido pelo Egrégio Órgão Especial do Estado do Rio de Janeiro, na Argüição de Inconstitucionalidade incidenter tantum nº 2003.017.00010. No mesmo sentido, a Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal. Modificação da Sentença, com declaração do saldo devedor na data da distribuição, observando-se o laudo pericial. Provimento parcial da Apelação. (TJRJ; APL 2008.001.63417; Primeira Câmara Cível; Rel. Des. Camilo Ribeiro Rulière; Julg. 07/04/2009; DORJ 14/04/2009; Pág. 143)

 

 

                A ressalva feita pela Corte do Rio de Janeiro é precisa e já é utilizada, no presente estudo, para antecipar o argumento afoito do tempo da lei.

 

                Cabe elucidar que fosse o direcionamento fazer alguma exceção à regra da Súmula 121, está seria expressa como ocorre de forma sistemática.

 

                Outro argumento, sendo este o de maior vulto e do qual nenhum grau pode se furtar, é o da inconstitucionalidade formal da Medida Provisória.

 

A verificação de juros e valores em contratos é matéria que se enquadra no sistema financeiro nacional, sendo tal posição precisa pela própria natureza da capitalização de juros.

 

Tal sistema deve ser regulamento por Lei Complementar como obriga a Constituição Federal:

 

Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.

 

 

Com efeito, a Constituição Federal obriga, manda, sem exceção, que o sistema financeiro seja regulamento por Lei Complementar, vedando, plenamente, a possibilidade de Medida Provisória tratar do assunto.

 

Em mesmo alinhamento, novamente a Carta Democrática expõe:

 

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

III – reservada a lei complementar;”

 

O teor supra elucida que há um absurdo quando juízes e tribunais aplicam a Medida Provisória 2170-36.

 

Embora a Constituição Federal seja bastante clara, existe um clamor, por obviedade, construído pelos Bancos, de que a Medida Provisória seria de alguma forma constitucional. O argumento não é sequer preciso e não encontra qualquer fundamento e o sistema financeiro apenas pode ser regulador por Lei Complementar, o que caracteriza a inconstitucionalidade da MP dos bancos.

 

O Tribunal de Justiça de São Paulo em diversos julgamentos protege à Constituição:

 

 

“Ora, é claro que a capitalização composta é tema específico do Sistema Financeiro Nacional, logo, por força do artigo 62, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal, medida provisória não pode tratar de matéria que exige lei complementar, como dispõe o artigo 192, da Ordem Financeira (com a redação dada pela EC-40/2004).

O artigo 5º da Medida Provisória 2.170-36, de 23 de agosto de 2001, é inconstitucional, na medida que o Poder Executivo extrapolou a permissão constitucional e tratou de matéria antiga, sem qualquer tipo de urgência. Não se pode chamar de urgente dispositivo que aborda matéria há muito discutida e que foi enxertada na medida provisória que cuida de tema totalmente diverso.” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Agravo Regimental n. 7.207.982-6/01 – da 22ª Câmara – Relator Desembargador Andrade Marques)

 

Em outro julgamento do TJ/SP:

 

“A previsão legal foi inserida em legislação destinada a outro fim, conforme se verifica no respectivo preâmbulo, o que viola o disposto no art. 7o, inciso II, da lei complementar n. 95/98, editada em cumprimento ao art. 59, parágrafo único, da Constituição Federal e aplicável às medidas provisórias (art. Io, parágrafo único).

 

Nessa linha de raciocínio, a autorização para a cobrança de juros capitalizados é ineficaz, pois contraria lei hierarquicamente superior, à qual deveria subordinar-se, violando o princípio da legalidade (cfr. Vicente Ráo, O direito e a vida dos direitos, Editora Resenha Universitária, 19781, vol. I, tomo II, p. 263). Como a lei complementar sobrepõe-se à ordinária e, obviamente, medida provisória, estas não podem contrariar suas disposições (cfr. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, vol. I, Forense, 2a ed., p. 69).” (Tribunal de Justiça de São Paulo – Apelação Cível n.º 7.102.602-1 – Relator Desembargador Roberto Bedaque) 

 

O sistema financeiro é extremamente complexo e amplo, não havendo sequer possibilidade de atuação por MP, além de ser necessário constar que a matéria é de exame cauteloso, razão que encaminha à outra inconstitucionalidade existente.

 

Há uma evidente falta do requisito da urgência.

 

Novamente, expõe lição do TJ/SP:

 

Em relação ao art.5o da Medida Provisória suscitada, que admite a capitalização de juros em periodo inferior a um ano, melhor sorte não lhe assiste. De inicio, salienta-se que este relator filia-se à corrente doutrinária que defende a existência de hierarquia entre os atos normativos, de modo que o Código Civil – qualificado como lei complementar – prevalece sobre as Medidas Provisórias, com força de lei ordinária. Cabe observar, ainda, que já foi proferido voto no Colendo Superior Tribunal de Justiça, na ADIN n°2316, entendendo pela suspensão desse artigo por aparente falta do requisito de urgência. Demais disso, não obstante a inexistência do julgamento de mérito da referida ADIN, este relator entende pela inconstitucionalidade do referido dispositivo, por ausência dos requisitos de relevância e urgência.  Consoante ensinamento de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO, Malheiros, 17aedição, 2004), as Medidas Provisórias, diferentemente da Lei, São: “excepcionais, efêmeras, precárias, suscetiveis de perder eficácia desde o inicio e cabíveis apenas ante questões relevantes que demandem urgente suprimento.” (sic – fls.120)” (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo –APEL.N0: 991.09.074075 – 1 – Dj 30/03/2010)

           

Tal direcionamento é exposto também pelo TRF 4:

 

INCIDENTE DE ARGÜIÇÃO DE INCONS-TITUCIONALIDADE. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS EM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. SUSCITADA A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º DA MP Nº 2.170, DE 23/08/2001, PERANTE A CORTE ESPECIAL. 1. Até o advento da indigitada MP nº 1.963-17, publicada em 31/03/2000 (MP nº 2.170, de 23/08/2001 -última edição), a capitalização dos juros mês a mês, nos contratos de abertura de crédito rotativo em conta-corrente – cheque especial – e nos contratos de renegociação, à mingua de legislação especial que a autorizasse, estava expressamente vedada. 2. Estavam excluídos da proibição os contratos previsto no Decreto-lei nº 167, de 14/02/67, no Decreto-lei 413, de 09/01/69 e na Lei 6.840, de 03/11/80, que dispõe sobre títulos de crédito rural, título de crédito industrial e títulos de crédito comercial, respectivamente. 3. O Executivo, extrapolando o permissivo constitucional, tratou de matéria antiga, onde evidentemente não havia pressa alguma, eis que a capitalização de juros é matéria que remonta à época do Decreto nº 22.626/33 (Lei de Usura). A gravidade é ainda maior quando se tem em conta que a capitalização de juros em contratos bancários e financeiros tem implicações numa significativa gama de relações jurídicas. 4. Não verificado o requisito “urgência” no que se refere à regulamentação da capitalização dos juros em período inferior a um ano. Especialmente quando se trata de uma MP que, dispondo sobre a administração dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, dá providências sobre a capitalização de juros para as instituições financeiras. 5. Não se pode reputar urgente uma disposição que trate de matéria há muito discutida, e que, ardilosamente foi enxertada na Medida Provisória, já que trata de tema totalmente diverso do seu conteúdo. Além disto, estatui preceito discriminatório, porque restringe a capitalização de juros questionada unicamente às instituições financeiras. A urgência, portanto, só se verifica para os próprios beneficiados pela regra, já que, para todos os demais, representa verdadeiro descompasso entre a prestação e a contra-prestação, além de onerar um contrato que por natureza desiguala os contratantes (de adesão). Declarada a inconstitucionalidade por maioria. (Inc.Arg. Inconst. AC nº 2001.71.00.004856-0/RS. Corte Especial. julgado em 02/08/2004; DJU em 08/09/2004; publicado na Revista do TRF da 4ª Região, Porto Alegre, a. 16, nº 55, p. 475-485)

 

Diante do segundo vício formal existente visto na decisão do TRF, há também a concretização de um “novo” argumento, que é a própria limitação legal do dispositivo, o qual apenas pode ser buscado na hipótese de ser superada a inconstitucionalidade e a natureza da MP.

 

A Medida Provisória simplesmente não autoriza a capitalização em situações de contratos maiores de 01 (um) ano em qualquer espécie de contrato e o julgador não é autorizado a criar a Lei, não cabe ao julgador, com efeito, atuar como legislador, pois estaria superando sua própria competência constitucional.       

 

Assim, é de se perceber que, fosse a MP constitucional, a imensa maioria das decisões ainda estaria subvertendo a MP e legislando, pois não se pode capitalizar em contratos superiores a 01 (um) ano.

 

Eis a lição do TJ/PR:

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REVISIONAL DE CONTRATO PARCIALMENTE PROCEDENTE – QUESTÕES REFERENTES À COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS NÃO CONHECIDAS – AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – SENTENÇA ATACADA DECLAROU A INEXISTÊNCIA DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E AFASTOU PEDIDO DE LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS ­ ALEGAÇÃO DE SER POSSÍVEL A CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS DESCABIDA ­ AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO ­ PRECEDENTES – INCONSTITUCIONALIDADE DA MP DECLARADA PELO EXTINTO TRIBUNAL DE ALÇADA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. – “INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. APELAÇÃO CÍVEL. RELATORIA. ARGUIÇÃO EX OFFICIO. ORGÃO FRACIONÁRIO DA 10.ª VARA CÍVEL. MEDIDA PROVISÓRIA N.º 2087-30/01. EDITADA PARA PERMITIR CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NOS CONTRATOS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. ACÓRDÃO DE ACOLHIMENTO. CONTROLE INCIDENTAL OU DIFUSO. CORTE ESPECIAL. JULGAMENTO COMPLEXO POR DOIS ÓRGÃOS JURISDICIONAIS. MEDIDA PROVISÓRIA. REQUISITOS. URGÊNCIA E RELEVÂNCIA. INOCORRÊNCIAS. APRESSAMENTO E INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE NÃO CONFIGURADOS. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE (MAIORIA) PARA DECLARAR, EM TESE, A INCONSTITUCIONALIDADE DO ATO PRESIDENCIAL PARA O CASO CONCRETO, SEM EFICÁCIA ERGA OMNES”.(Extinto TAPR, Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 0264940-7/01, Rel. Des. Edson Vidal Pinto, p. 04/08/2005).
(TJPR – 18ª C.Cível – AC 0642429-7 – Lapa – Rel.: Des. Roberto De Vicente – Unânime – J. 17.03.2010)

 

Ainda que se desconsiderasse a inconstitucionalidade quanto à forma, quanto à ausência de urgência, a ilegalidade de aplicação da MP em contratos superiores a 01 (um) ano, o óbice sobre o qual não sequer é possível cogitar aplicação é a suspensão dos efeitos que permitiam a aplicação da capitalização.

 

O TJ/RJ elucida a suspensão:

 

AGRAVO INTERNO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO CUMULADA COM REVISIONAL DE OBRIGAÇÃO CREDITÍCIA E PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CARTÃO DE CRÉDITO. VALOR APURADO EM PERÍCIA. JUROS DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS QUE SE IMPÕEM CASO NÃO RESTE COMPROVADO QUE SE DEU CIÊNCIA AO CONSUMIDOR ACERCA DO CONTRATO. PRECEDENTES DO STJ. PRIMEIRO RECURSO AO QUAL SE NEGOU SEGUIMENTO COM AMPARO NO ART. 557, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PROVIMENTO AO SEGUNDO RECURSO COM ESPEQUE NO ARTIGO 557, § 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, DE FORMA PARCIAL PARA QUE A DEVOLUÇÃO SE FAÇA DE FORMA SIMPLES. AGRAVO INTERNO. IMPROVIMENTO. I. Se não se informou de forma adequada ao consumidor a taxa real de juros a ser paga, há que se fixá-la em 1% (um por cento) ao mês; II. Embora haja decisões do colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de se admitir a capitalização de juros quando contratada, baseando-se na Medida Provisória nº 1.963, reeditada sob o nº 2170. 36, em 24 de agosto de 2001, a mencionada medida provisória foi reconhecida como inconstitucional pelo colendo órgão especial de nossa corte, decisão à qual estamos vinculados. Ademais, em plena vigência a Súmula nº 121 do Supremo Tribunal Federal que inadmite o anatocismo que na hipótese dos autos ficou comprovado na perícia; III. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça consagram o princípio de que se “a instituição financeira não juntou aos autos o contrato de abertura de crédito em conta corrente firmado entre as partes, sendo que cabia ao ente bancário apresentá-lo, vez que a inversão do ônus da prova foi aplicada ao caso (. .) deve-se limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, porquanto impossível se constatar a existência de cláusula contratual prevendo percentual diverso; III. Primeiro recurso ao qual se negou seguimento com amparo no art. 557, do código de processo civil e segundo recurso ao qual se deu provimento com base no artigo 557, § 1º-a do código de processo civil, de forma parcial; IV. Agravo interno improvido. (TJRJ; APL 2008.001.55872; Décima Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Ademir Pimentel; Julg. 12/08/2009; DORJ 31/08/2009; Pág. 282) 

 

Determina-se que a MP 2170 sequer está com sua eficácia plena, visto que foi esta suspensa pelo STF no julgamento da ADI 2316.

 

Portanto, carece de mínima possibilidade lógica aplicar uma Medida que, além de inconstitucional, está com eficácia suspensa.

 

Assim, a eficácia da MP está suspensa e, ainda que se subverta a decisão do STF para beneficiar os Bancos, não se pode superar a inexistência da norma.

 

CONCLUSÃO

 

            Os tribunais estão se alinhando de forma a inviabilizar a aplicações de dispositivos nefastos ao Estado Democrático de Direito, entre eles a MP dos Bancos, pois apenas a eles beneficia, já que esta é construída sobre diversos vícios insanáveis os quais tem o condão de, sem plena compreensão das razões, permitir aos Bancos que utilizem instrumentos de contratação que escondem a boa-fé, como o uso da Tabela Price.

                                           

 

                                                           BIBLIOGRAFIA

 

TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos.  São Paulo: Método, 2005. p. 315.

TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

 

WALD, Arnoldo. A função social do contrato

 

 

 



[1] Advogado. Graduado pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-Graduando em Direito e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina. Sócio da Advocacia Amaral e Advogados Associados em Londrina, Paraná.

 

[2] Advogado. Graduado pela Universidade Estadual de Londrina. Pós-Graduando em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina. Advogado da Advocacia Amaral e Advogados Associados em Londrina, Paraná.

 

[3] Graduando em Direito pelo Instituto Catuaí de Ensino, 7ª período. Membro da Advocacia Amaral e Advogados Associados.

[4] TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos.  São Paulo: Método, 2005. p. 315.

[5] TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

 

[6] WALD, Arnoldo. A função social do contrato. Publicado em Valor, São Paulo, 06.fev.2003, p. B2

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AMARAL, José Manoel do; SANTOS, Diego Prezzi; , Salir Pinheiro Junior. A inaplicabilidade da Medida Provisória 2170-36 pelos Tribunais e a concretização constitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-inaplicabilidade-da-medida-provisoria-2170-36-pelos-tribunais-e-a-concretizacao-constitucional/ Acesso em: 25 abr. 2024