Direito Constitucional

Recurso Extraordinário e Direitos Humanos

Recurso Extraordinário e Direitos Humanos

 

 

Cândido Furtado Maia Neto*

 

 

Resumo

 

Ensaio monográfico sobre Recurso Extraordinário à luz dos princípios fundamentais da cidadania, em respeito à dignidade da pessoa processada, ante as cláusulas vigentes nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, de aceitação tácita universal e os aderidos pelo governo da República Federativa do Brasil, constantes do ordenamento jurídico interno e alienígena. Questões de ordem constitucional com relação à hermenêutica jurídica, interpretação e aplicação da lei, dentre os requisitos processuais de legitimidade e validade do Recurso Extraordinário; sem olvidar a importância impar da função do Ministério Público quanto a interposição do Recurso Extraordinário, na qualidade de titular da “persecutio criminis” frente ao princípio da hierarquia das normas, do duplo grau de jurisdição e dos interesses da vítima e do assistente do Parquet, no atual sistema de administração de justiça criminal e regime democrático de governo.

 

Sumário

 

1. Introdução: conceitos e definições

2. Pressupostos legais e requisitos de validade

3. Doutrina e direito concreto (sumulado)

4. Constituição federal e norma ordinária nacional

5. Legislação internacional de Direitos Humanos

6. Propostas: interpretações (hermenêutica) e conclusão

7. Modelo(s): prática jurídico-penal

8. Bibliografia (leitura recomendada)

 

 

O Recurso Extraordinário tem por objetivo rever decisões firmes, aquelas que não caiba outra espécie de revisão judicial, mesmo julgadas em uma única ou mais instâncias, em prol da tutela de preceitos constitucionais, cláusulas pétreas, garantias fundamentais da cidadania e dos princípios gerais do direito, dentre eles destacamos o duplo grau de jurisdição. Este trabalho monográfico se refere a matéria de direito processual-penal (art. 632 usque 638 CPP) à luz do direito constitucional.

 

Em grau de Recurso Extraordinário cabe alegar o seguinte:

 

1- aplicação incorreta da pena em face ao errôneo de cálculo “ex vi” do disposto no art. 59 usque 76, ante a inadequação das circunstâncias atenuantes e agravantes, análise referente ao “concursus delictorum”, ou ainda aumento indevido da pena pela consideração do direito penal de autor – situação pessoal do réu, tendo a Constituição federal proibido qualquer espécie de discriminação ou preconceito, inc. iv. art. 3º c.c. art. 5º “caput”, e inc. i CF, posto que a culpabilidade deve ser aferida pelo ato e não pelo caráter ou situação pessoal ou social do agente.

 

Trata-se de desrespeito ao princípio da proporcionalidade, entre o delito e a pena “in abstrato”, entre os danos resultantes do crime e a reprimenda estatal “in concreto”. Cesare Becarria já propugnava, nos idos de 1764, sobre a moderação das penas a sua origem e o direito de punir, a forma do juiz interpretar a lei, que deve ser através de um silogismo perfeito em atenção a lei geral ou maior – a Constituição -, e se fizer ao contrário, “tudo se torna incerto e obscuro” (in “Dos Delitos e das Penas”), por sua vez, magistralmente René Ariel Dotti, leciona de maneira precisa e explicativa a respeito dos princípios fundamentais, entre eles o da personalidade, individualização, necessidade, suficiência e utilidade da pena, quanto a missão estatal de tutela do direito penal (in “Curso de Direito Penal Parte Geral”, ed. Forense, 2001, Rio de Janeiro-RJ, pg. 439 e segst.)

 

2- o contido no art. 386 do Código de Processo Penal, inc. III, por não constituir o fato infração penal.

 

A teoria finalista da pena adotada pela sistemática penal pátria (lei nº 7.209/84), exige para a caracterização do tipo o elemento subjetivo e objetivo como integrante(s) do crime. Na Carta Magna brasileira expõem em seu art. 5º:

 

– inciso III, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”;

– inciso LIII, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”;

– – inciso LIV, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

 

Ademais não se pode olvidar, o ônus da prova ou o “onus probandi” que compete exclusivamente ao Ministério Público, e a tarefa do magistrado de receber ou não a denúncia, instaurar ou não a Ação Penal, regulada pelos arts. 41 e 43 do Código de Processo Penal.

 

Situações que podem ser aferidas via Recurso Extraordinário, vez que os chamados tipos normativos de leis penais constitucionalmente admitidas em base ao princípio da anterioridade da lei penal, da legalidade ou da reserva legal, onde inexiste pena sem lei, não há delito sem pena “nulla poena sine lege, nullum criminem sine poena”– art. 5º inc. XXXIX CF c.c art. 1º Código Penal – : “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”; ainda mais no nível de direito constitucional-penal democrático encontra-se expresso a “novatio legis” e/ou a “abolitio criminis”, a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu – art. 5º inc. XL CF c.c. arts. 2º e 3º do CP, e também nos instrumentos internacionais de Direitos Humanos.

 

Leciona Nilo Batista: “O princípio da legalidade, base estrutural do próprio Estado de Direito, é também a pedra angular de todo direito penal, compreendido não apenas na acepção da previsibilidade da intervenção do poder punitivo do Estado que lhe dá Roxin, se não também na perspectiva subjetiva do sentimento de segurança jurídica que postula Zaffaroni. Ademais de assegurar a possibilidade de prévio conhecimento dos crimes e das penas, o princípio garante que o cidadão não será submetido à coerção penal distinta daquela pré-disposta na lei” (“Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”, ed…; e Maia Neto, Cândido Furtado, in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba-PR, 2000, pg. 57)

 

3 – toda violação às cláusulas pétreas ou de dispositivos constitucionais, conforme prevê o artigo 5º e seus incisos, de um modo geral, sem excluir outros dispositivos maiores e superlativos. De maneira extraordinária e especialmente quando existir ofensa às garantias fundamentais individuais dos processados criminalmente, estando em jogo o “ius libertatis” e o “status social”. Há exceções a esta regra, porém serão mencionadas no transcorrer deste ensaio.

 

O Recurso Extraordinário tem precedente na Lei nº 3.396/58, hoje a Lei nº 8.038/90 que regulamenta o procedimento, com acréscimos dados pela vigência da Lei nº 9.756/98. A Constituição Federal em vigor (08 de outubro de 1988), estabelece que compete ao Supremo Tribunal Federal julgar através de Recurso Extraordinário (art. 102, inc. III e alíneas “a”, “b”, e “c” ), os seguintes casos:

 

– causas decididas em única ou última instância,

– assunto constitucional – decisão que contraria dispositivo constitucional,

– que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal, e

– decisão que julga válida lei ou ato de governo local contestado face a Carta Magna.

 

A Súmula 281 – STF expressa: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na Justiça de origem, recurso ordinário de decisão impugnada”. Somente é possível ingressar com Recurso Extraordinário quando esgotado todo o sistema de revisão nas instâncias previstas no ordenamento jurídico pátrio; v.g. a interposição de embargos declaratórios sobre questão constitucional argüida; neste diapasão: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”, Súmula nº 282 – STF. Em outras palavras, quando declarado trânsito em julgado material ou formal (art. 5º inciso LVII – CF “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”); incluam-se as decisões de mérito e as interlocutórias.

 

De outro lado, a Súmula 279 – STF, prevê: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”, porque se refere às questões jurídicas da causa.

 

O Recurso Extraordinário difere do denominado recurso especial, este previsto no art. 105, inc. III e alíneas “a”, “b” e “c” CF, o primeiro interposto junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), para decisão e reexame de causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais, Tribunais dos Estados – Tribunais de Justiça e de Alçada -, e do Distrito Federal, que:

 

– contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

– decisão que julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; e

– der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

 

A Constituição federal é clara e específica quanto às garantias fundamentais referentes aos princípios do duplo grau de jurisdição e de acesso à justiça ante a prestação jurisdicional e o direito à assistência judiciária gratuita; a saber, art. 5º:

 

-inciso LV, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”;

– inciso XXXV “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” – em 1ª ou 2ª instância = duplo grau de jurisdição -; e

– inciso LXXIV “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

 

No Estado Democrático de Direito garante-se amplamente o duplo grau de jurisdição, na sua acepção jurídica ou no conceito “lato sensu”, no sentido de permissão legal ao inconformismo de decisão judicial e a possibilidade de reforma no âmbito do Poder Judiciário, ou seja, a previsão de instância inferior juízo “a quo” e superior juízo “ad quem”, singular e colegiado, respectivamente.

 

De maneira figurativa, o Recurso Extraordinário seria uma espécie tríplice grau de jurisdição, pela possibilidade de interposição mesmo estando esgotada a análise na última instância, quando contrariado dispositivo constitucional; similarmente quando transitada em julgado sentença penal condenatória, cabe recurso de revisão criminal (Maia Neto, Cândido Furtado; in “Revisão Criminal e Direitos Humanos”; Rev. Prática Jurídica, nº 17, agosto-2003, ed. Consulex, Brasília-DF), bem como cabe o direito de acesso à reforma de decisão judicial doméstica firme pelos órgãos de justiça internacional a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, artigo 52 e sgts. da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, aderida pelo governo brasileiro através do Decreto nº 678/1992.

 

Existe uma exceção a regra geral ao princípio do duplo grau de jurisdição nos assuntos que envolvem julgamento de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal, nas hipóteses de processar e julgar originariamente, nos termos do art. 102, I CF, “data vênia”, ferindo flagrantemente cláusulas internacionais, como:

 

– art. 8 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direito a um recurso efetivo, ante os tribunais nacionais competentes, que lhe ampare contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição ou pela lei”,

– art. 14. 5 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: “Toda pessoa declarada culpada de um delito terá direito que a sentença condenatória e a pena que se lhe tenha imposta seja submetidas a um tribunal superior, conforme o prescrito pela lei”, e

– art. 8.2 “h” da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “Toda pessoa tem direitos à garantias mínimas: de recorrer da sentença ante um juiz o tribunal superior).

 

Se o sistema jurídico-legal não possibilita revisão de julgamentos atenta contra uma das mais importantes garantias fundamentais da cidadania, o direito de recorrer de decisão do Poder Judiciário ao próprio Judiciário, em outras palavras viola o princípio do duplo grau de jurisdição consagrado universalmente em todos os regimes democráticos de governo, para uma administração da justiça criminal imparcial e garantista (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Código de Direitos Humanos para a justiça criminal brasileira”, ed. Forense, 2003, Rio de Janeiro).

 

Necessário se faz para a admissibilidade de aceitação do Recurso Extraordinário, além do pagamento de despesas do porte de remessa e retorno dos autos (apesar que no processo penal não há deserção por falta de pagamento de custas), um pré-questionamento expresso – “stricto sensu” – e não implícito, quanto a alegação da matéria jurídica, pela parte que interpõem o Recurso Extraordinário, indispensável tal requisito para a revisão do tema versado e à “priori” julgado.

 

De outro lado, existe exceção ao pré-questionamento implícito, quando:

 

– ocorrer defeito de ordem formal no julgamento;

– da ausência de publicação do nome do advogado na pauta de julgamento; e

– se a decisão de 2ª instância for extra, ultra ou citra petitum.

 

O pré-questionamento enquanto a alusão ao tema a ser discutido em grau de Recurso Extraordinário não se encontra previsto em lei, mas na jurisprudência pátria. Devemos advertir s.m.j. que a jurisprudência é fonte secundária do direito, e para outros nem mesmo fonte, ou até mesmo instrumento de auxilio a interpretação e correta aplicação da norma, no Estado Democrático de Direito. A lei é fonte primária e imediata. A lei constitucional, por exemplo, reflete e significa a máxima regra, de onde tudo surge ou deve ser seguido para a boa aplicação das ciências jurídicas. Não há valor superlativo da jurisprudência sobre a norma positiva ou sobre a norma legislada e vigente, mais ainda se se tratar de norma constitucional. Existe sim, e inegavelmente superioridade entre princípios gerais do direito sobre dispositivo legal, assim já decidiu o STF, prevalecem os Tratados frente a lei ordinária, neles constam e contém os princípios gerais do direito, ademais não se permite utilizar o legislação interna para o descumprimento ou justificação de inadimplemento de um instrumento internacional de Direitos Humanos (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Direitos Humanos do Preso”, ed. Forense, 1998, Rio de Janeiro). A própria e primeira razão da existência do Recurso Extraordinário é a proteção efetiva para não ser contrariado dispositivo constitucional especialmente garantia fundamental (art. 102, III, letra “a”).

 

A discussão do princípio constitucional afetado ou não observado depende do respeito aos princípios de acesso à justiça, do devido processo legal e do duplo grau de jurisdição.

 

Existe atualmente um errôneo conceito, uma práxis jurídica desvirtuada, deturpada, conturbada ou confusa no sistema de interpretar o direito e realizar justiça no Brasil. Ao longo do tempo se tem dado muito mais valor aos julgados – a jurisprudência, inclua-se a dos Tribunais Superiores, como as súmulas do Supremo Tribunal Federal – em prejuízo aos próprios dispositivos legais. Observe-se, a sentença judicial somente possui força de lei para o caso “in concreto” e não para os demais ou similares.

 

Devemos interpretar a lei penal no sentido restritivo, lógico ou teológico, sempre a favor do indiciado, do acusado, do réu ou do condenado (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Jurisprudência Criminal Democrática. Correta Aplicação da Hermenêutica, dos Princípios de Direitos Humanos e da Teoria Geral do Ordenamento Jurídico à luz do Garantismo Penal”; Revista Prática Jurídica, Ano III, no.23, 29 de fevereiro/2004), valendo-se dos elementos sistemático, histórico e do escopo prático da norma – ratio legis – sua razão finalística, o interesse jurídico da proteção, neste caso a proteção é do direito de recorrer, acesso à justiça e a observância ao princípio do duplo grau de jurisdição.

 

O acesso à justiça no sistema democrático deve ser o mais amplo possível, e no instante em que se criam restrições ou se impedem por algum motivo a interpretação favorável ou se faz aplicação errônea da lei proibindo revisão de decisão no Poder Judiciário, não se está mais falando em administração de justiça democrática, pelo contrário, trata-se de um sistema autoritário, onde impera a jurisprudência de tipo “vinculante”, entendimento “majoritário”, “dominante”, etc.

 

Assim julgados diferentes do mesmo Tribunal não servem para fundamentar Recurso Extraordinário (Súmula nº 286 – STF), e não se conhece o Recurso Extraordinário por divergência jurisprudencial, flagrante atentado ao princípio do livre convencimento do magistrado, que possui a prerrogativa funcional de autonomia e independência.

 

Quanto a legitimidade – das partes – para interpor Recurso Extraordinário, cabe:

 

– a sucumbente;

– ao Ministério Público, como autor da ação penal ou como custus legis;

– ao querelante – vítima (direta ou indireta); e

– ao réu

 

A Lei nº 8.039/ 90 estipula prazo de 15 dias para a interposição do Recurso Extraordinário, contando-se a partir da publicação do acórdão, com a exceção dada ao Ministério Público pelo Supremo Tribunal Federal, com entendimento que é somente a partir da ciência pessoal (ver Maia Neto, Cândido Furtado, in “Breve comentário jurídico ao HC 83.255 STF – prazo processual penal à luz do princípio da isonomia”; revista Consulex, nº 165, nov-2003, Brasília-DF).

 

É imprescindível para o juízo de prelibação a fundamentação no “petitorium” do Recurso Extraordinário, arrazoando-se segundo os termos do art. 26 da mencionada Lei nº 8.039/ 90:

 

– exposição do fato e do direito;

– demonstração do cabimento do recurso; e

– as razões do pedido de reforma.

 

Também se destaca a hipótese de interposição de Recurso Extraordinário por um ou mais motivos, todos devem separadamente conter as respectivas fundamentações (Súmula nº 292 – STF), assim também se no Recurso Extraordinário houver partes autônomas, poderá ocorrer admissão parcial (Súmula 528 – STF).

 

De outro lado, é possível ainda ao ser denegado o Recurso Extraordinário a interposição de agravo de instrumento no prazo de 5 dias, conforme prevê o art. 28, caput da Lei nº 8.039/90 c.c. Instrução Normativa nº 2, de 14-3-94 do STJ. Nega-se por sua vez, o recebimento do agravo quando este carece de fundamentação; bem como através do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (arts. 122 a 140 e 147 a 149 do RISTF), admite-se, de outro lado, embargos de divergência à decisão da Turma (Súmula 289 – STF), que:

 

– divergir de julgado de outra Turma; ou

– divergir do Plenário na interposição do direito federal (art. 330).

 

Fundamentação fática e de direito é exigência mínima e necessária para o regular andamento da Justiça, ante a preemente necessidade de transparência; por exemplo o disposto no art. 93, inc. IX da Constituição Federal exige expressamente que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas. O instituto do Recurso Extraordinário é um instrumento jurídico tanto da defesa como de “acusação”, um verdadeiro meio de acesso à justiça para pleitear direitos na instância superior, espécie de recurso para todos os protagonistas, para todas as partes envolvidas no litígio.

 

O Recurso Extraordinário se traduz pelo próprio nome, é “sui generis”, amplo e irrestrito a qualquer interessado no processo, razão pela qual, restringir sua admissibilidade exigindo requisitos que não constam na lei, é afrontar o espírito do legislador constituinte que pretendia ao estabelecer o Estado Democrático de Direito, dar e assegurar todos os meios para requerer Justiça, na máxima plenitude.

 

É preciso mencionar que o assistente do Ministério Público segundo a Súmula 210 – STF “… pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598 do Código de Processo Penal”; e ao assistente do Parquet não lhe é dado direito de interpor Recurso Extraordinário de decisão que concede Hábeas Corpus (Súmula 208 – STF).

 

Data vênia, nos dias atuais se deve interpretar o artigo 129, inciso I da Carta Magna, em base ao princípio da hierarquia vertical, validade e soberania das normas. A Súmula nº 210 do Pretório Excelso se encontra desconectada com o princípio da vigência e aplicação da lei no tempo, vez que o legislador ordinário – do Código de Processo Penal, Dec-lei nº 3.689/41 – quando descreveu a mencionada regra de direito processual se encontrava fazendo direito na égide do chamado “Estado Novo”, ou vivendo no regime ditatorial, e o Ministério Público era eminentemente órgão acusador e o assistente seu auxiliar vingativo; hoje, especialmente após a vigência da Constituição Federal de 1988, estabelecendo a exclusividade da Ação Penal Pública ao Ministério Público, na qualidade de “dominus litis” e de titular do “ius persequendi” e “ius puniendi” estatal. Também, o direito de punir é do Ministério Público, além da “persecutio criminis”, posto que o Poder Judiciário se vincula aos princípios basilares de gestão da justiça democrática – do sistema acusatório -, isto é, da inércia – “no judex ex officio” e da imparcialidade.

 

No âmbito do direito público internacional, mais especificamente à luz dos Direitos Humanos, os instrumentos de aceitação tácita universal e daqueles aderidos e/ou ratificados expressamente pelo sistema pátrio vigente que passaram a integrar o ordenamento nacional positivo. Destaco os documentos de Direitos Humanos básicos em relação às garantias judiciais que fazem parte do sistema jurídico pátrio por terem sido preparados, discutidos e aprovados ante as Assembléias Gerais das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos onde o Brasil é Membro, além da aprovação legislativa nacional própria, “ex vi” do art. 59 da “lex fundamentalis”.

 

Tudo conforme estabelecido nas cláusulas pétreas referentes aos princípios de obrigatoriedade de duplo grau de jurisdição, nos sistema de justiça criminal democrática e instrumentos de Direitos Humanos.

 

Encontra-se previsto no Recurso Extraordinário a atenção ao princípio “in dubio pro reo”, posto que ao existir empate na decisão do Tribunal Superior, quando tomada obrigatoriamente pela maioria absoluta de seus membros, prevalece o entendimento mais favorável, está regra geral mantêm os critérios de transparência, imparcialidade e de verdadeira Justiça para a efetivação do sistema criminal democrático; porém a regra infra-constitucional (art. 637 CPP e art. 27 § 2º Lei nº 8.038/90) dispõem que o Recurso Extraordinário não tem efeito suspensivo, contrariando o princípio da presunção de inocência que deve ser entendido com muito mais elasticidade ao expresso o inciso LVII do artigo 5º da CF, considerando que há uma previsão legal no ordenamento pátrio que permite mudança inclua-se de decisão transitada em julgado, como mencionado acima (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Presunção de Inocência e os Direitos Humanos”, Revista Consulex, nº 171, fev-2004; ed. Consulex, Brasília-DF ).

 

Pode-se afirmar com certeza que o objetivo maior da possibilidade ou da previsão de interposição do Recurso Extraordinário, se apresenta em nome da preservação das garantias fundamentais-constituicionais, visando a efetivação do Estado Democrático de Direito, como instituído “ex vi” do art. 1º CF, e a segurança jurídica dos interesses individuais da cidadania.

 

A República Federativa do Brasil rege-se pelo princípio de prevalência dos Direitos Humanos, onde a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, com aplicação imediata, não se excluindo os princípios adotados (art. 4º, II; art. 5º XLI, e §§ 1º e 2º CF, respectivamente).

 

O Direito dos Tratados, a também conhecida Convenção de Viena (ONU-1969), expressa que ‘Todo Tratado obriga as Partes e debe ser ejecutado por elas de boa-fé…” – pacta sunt servanda -; por sua vez o Código de Processo Penal no artigo 1º e 3º reza sobre o respeito a soberania da lei adjetiva em todo o território nacional, ressalvados os tratados, convenções e regras de direito internacional. Se admite na lei processual penal a aplicação dos princípios gerais de direito. Princípio da hierarquia vertical, soberania e validade das normas de direito público internacional e interna, como um “continum”, em respeito ao direito legislado e ao direito constitucional, ou vice-versa, A legalidade e a aderência de dispositivos da ordem jurídica alienígena ao sistema nacional, via princípio de recepção e da primazia de observância do conteúdo jurídico aprovado por organismos internacionais reconhecidamente validos no contexto universal (SergioAugusto Pereira de Borja, in “Teoria Geral dos Tratados”; ed. Ricardo Lenz Editor, Porto Alegre 2001).

 

Estado Democrático de Direito significa que a lei penal provêm do Poder Legislativo em nome do princípio da representação popular, e que a Justiça se realiza através da aplicação das garantias fundamentais da cidadania, por sua vez Estado de Direito nada mais é do que o respeito à norma, independentemente de sua origem, já no Estado de Direitos Humanos – na expressão de Baratta – à um respeito efetivo ao cidadão e seus interesses indisponíveis (Maia Neto, Cândido Furtado in ”Código de Direitos Humanos para a administração da justiça criminal brasileira”, ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003).

 

Ao Ministério Público como instituição indispensável à função jurisdicional do Estado incumbe a tutela dos direitos indisponíveis da sociedade, em outras palavras defensor por excelência ou Ombudsman dos Direitos Humanos (art. 127 CF), tendo por missão interpor Recurso Extraordinário, sempre e obrigatoriamente quando que violada alguma garantia fundamental. O Ministério Público compete interpor Recurso Extraordinário para beneficiar ou restaurar garantia fundamental não considerada, esta é a sua legitmidade.

 

O MP não é órgão acusador, é acima de tudo e preferencialmente fiscal da correta aplicação da lei, Justiça se promove com condenação ou absolvição, através do respeito ao devido processo legal, a legalidade, a proporcionalidade da pena, e da humanidade. “Ao Estado-acusação não lhe interessa condenar por condenar, denunciar por denunciar” (Maia Neto, Cândido Furtado, in “O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos”, ed. Juruá, Curitiba-PR, 2000, pg. 35).

 

Não se admite que em um Estado democrático (art. 1º “caput” CF) ou em uma sociedade livre, justa e solidária (art.3º, I CF), restrições de formas e métodos para recorrer ou pleitear revisão de decisão judicial, porque caracteriza restrição ao acesso à justiça – no conceito amplo – nos sistemas autoritários tudo pode e tudo acontece, o arbítrio, o autoritarismo, o abuso e o excesso de poder, até erro judiciário implícito (Maia Neto, Cândido Furtado, in “Erro Judiciário, Prisão Ilegal e Direitos Humanos”. Rev. Prática Jurídica, nº 13 –abril/2003, ed. Consulex, Brasília-DF). O Estado indenizará o condenado por erro judiciário…(art. 5º inc. LXXV CF), preferencialmente quando se trata de questão fundamental da cidadania ou seja de Direitos Humanos.

 

O controle jurisdicional provêm da Lei Maior, surge em prol da sociedade e do indivíduo, todo poder emana do povo e em seu nome será exercido (paráf. único do art. 1º CF), assim somos contra a validez da jurisprudência e das normas ordinárias quando estas causam graves e sérios prejuízos à efetividade das garantias fundamentais da cidadania. A finalidade do direito é assegurar valores sociais, liberdades civis e políticas, realizar justiça e extraordinariamente reparar injustiças; portanto, somos por um Recurso Extraordinário irrestrito. A JUSTIÇA deve sempre prevalecer sobre o direito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Modelo Básico e Geral: Prática Jurídico-Penal (Recurso Extraordinário)

 

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal – STF

 

 

Autos Ação Penal nº….

Tribunal ou Juízo “a quo” ou “ad quem”

Recurso Extraordinário (Razões)

Recorrente:…..

Recorrido:….

 

 

Egrégia Corte

 

 

Primeiro: indicar a parte legítima que interpõem o Recurso – exemplo:

– a sucumbente,

– o Ministério Público,

– o querelante, ou

– o réu –

 

Ver o disposto no artigo 632 usque 638 do CPP c.c. art. 102, inc. III e alíneas, e Leis nº 8.038/90 e 9.756/98.

 

Fundamentos – art. 26 da Lei nº 8.039/90 – exposição do fato e do direito, demonstração do cabimento do recurso e as razões do pedido de reforma.

 

Razões do Recurso:

 

1)…

2)…

3)…

 

 

Súmula nº 292 STF: se existirem dois ou mais motivos, todos devem ser arrazoados em separados.

 

“Ex postis”, pede-se e espera reforma da decisão com aceitação do presente Recurso Extraordinário, pelos próprios motivos fáticos e jurídicos claramente demonstrados a esta egrégia Corte Máxima de Justiça.

 

É medida de Justiça.

 

 

Local e Data ____________/___/___/

 

 

_______________________________

assinatura – parte postulante

 

 

 

Observação:

Prazo para interposição 15 (quinze) dias

Comprovar a efetuação do preparo

Bibliografia (leitura recomendada)

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“Sistemas Penales y Derechos Humanos en América Latina”, ed. Depalma, Buenos Aires, 1986

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“Curso de Direito Penal, Parte Geral”, ed. Forense, Rio de Janeiro, 2001.

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“Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro”, ed. Revan, Rio de Janeiro, 1990.

Ferrajoli, Luigi:

“Derecho y Razón”, ed. Trotta, Madrid, 1995.

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Baratta, Alessandro:

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“Jurisprudência Criminal Democrática. Correta Aplicação da Hermenêutica, dos Princípios de Direitos Humanos e da Teoria Geral do Ordenamento Jurídico à luz do Garantismo Penal”; Revista Prática Jurídica, Ano III, no.23, 29 de fev-2004, Bsb-DF

“Breve comentário jurídico ao HC 83.255 STF – prazo processual penal à luz do princípio da isonomia”; revista Consulex, nº 165, nov-2003, Bsb-DF.

“Presunção de Inocência e os Direitos Humanos”, Revista Consulex, nº 171, fev-2004; ed. Consulex, Bsb-DF

“Direitos Humanos do Preso”. ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998

 

Legislação

– Constituição Federal (8.10.1988)

– Lei nº 8.039/90 (Regulamenta procedimento do Recurso Extraordinário)

– Código de Processo Penal ( Dec-lei nº 3.689/41)

– Código Penal – Parte Geral (Lei nº 7.210/84)

– Lei nº 8.625/93 – Orgânica Nacional do Ministério Público

– Lei Compl. nº 35-93 – Orgânica da Magistratura Nacional

– Lei nº 8.909/94 – Estatuto da Advocacia e da OAB

– Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948)

– Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU – 1966 – Res. 2.220 – A [XXI] Dec nº 226/92)

– Convenção Americana sobre Direitos Humanos (OEA – 1969 – Dec nº 678/92)

– Instrução Normativa nº 2, de 14-3-94 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

– Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF)

 

Súmula do Supremo Tribunal Federal – STF

nº 208, 210, 279, 281, 282, 286, 289, 292 e 528.

 

 

* Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Ministério Público Democrático.Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas – Missão MINUGUA 1995-96). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia@uol.com.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
NETO, Cândido Furtado Maia. Recurso Extraordinário e Direitos Humanos. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/recurso-extraordinario-e-direitos-humanos/ Acesso em: 28 mar. 2024