Direito Constitucional

Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Decisões do Supremo Tribunal Federal – Parte I

 

Edição nº 4 – Ano I

 

 

Resumo: Nesse estudo foi realizada uma breve introdução ao direito internacional e seus principais conceitos, assim como se conceituou os tratados internacionais com destaque para os tratados sobre direitos humanos, tudo com o objetivo de analisar as decisões da Suprema Corte ao longo dos últimos sessenta anos – de 1950 até 2009.

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Tratados Internacionais; 3. Tratados Internacionais de Direitos Humanos; 4. Incorporação de Tratados Internacionais no Direito Interno; 5. Decisões do Supremo Tribunal Federal; 6. Conclusão; NOTAS; BIBLIOGRAFIA.

Palavras-chave: Tratados Internacionais; Direitos Humanos; Incorporação de Tratados; Decisões do STF.

 

 

1. Introdução

            A história aponta que o teólogo espanhol Francisco de Vitoria (1483-1512) foi o precursor do direito internacional moderno a partir de suas obras De indis, De iure belli e De potestate civili, onde se explanou as relações jurídicas dos direitos do império espanhol frente aos direitos da população indígena. (ROBREDO, 1989, p. 16)

            Sem embargo este nobre teólogo escreveu em sua obra um compêndio de relações jurídicas entre os dois povos sob a forma de questionamentos e os relacionou com a religião, a filosofia, a ética, a moral, o direito romano, o direito natural e os costumes, utilizando-se em suas indagações e conclusões de ensinamentos de São Tomás de Aquino, Aristóteles, de passagens da bíblia, as Institutas e o Digesto, entre outras obras, defendendo os direitos dos povos oprimidos e pregando uma guerra justa sem a necessidade de se cometer massacres, e se opondo contra as atitudes passivas do Papa em relação às políticas monarquistas. [1]

            Outros precursores do direito internacional foram:

            Alberico Gentitli (1552-1608), professor e advogado, com as obras: De legationibus, considerado o primeiro tratado sobre direito diplomático, dividido em tratados, tratado da diplomacia, os direitos e deveres dos agentes diplomáticos e o embaixador ideal (de perfecto legato); De iure belli, dividido em três livros, o primeiro sobre as causas e motivos das guerras, o segundo trata das declarações de guerras, dos meios lícitos e ilícitos de combate, das convenções militares e da situação dos prisioneiros e dos combatentes e não combatentes, e, o terceiro livro trata dos efeitos do final da guerra, dos direitos do vencedor sobre os bens e pessoas do perdedor e dos tratados de paz; Advocatio hispânica, livro que reúne diversos escritos sobre território marítimo, soberania e questões sobre a guerra marítima. (ROBREDO, 1989, p. 41-54)

            Francisco Suárez (1548-1617), jurista, teólogo, professor, com a obra De legibus, entre os vários escritos de filosofia e direito que escreveu, destacou-se esta por tratar de filosofia, moral e ética das relações internacionais entre os reinos (estados) e as pessoas (cidadãos). (ROBREDO, 1989, p. 57)

            Hugo Grócio (Hugo Grotius, Hugo de Groot) (1583-1645), filósofo, teólogo, jurista, político, historiador, poeta, entre as múltiplas obras que escreveu destacam-se para o direito internacional: Mare liberum, considerado até hoje como um dos manifestos mais atuais em favor da liberdade de navegação marítima, no âmbito comercial e da pesca; De iure belli ac pacis, é considerado o primeiro tratado completo e sistemático de direito internacional, nesta obra Grócio declara o seu horror a guerra e com grande propriedade filosófica, utilizando uma refinada tese jurídica tratadista, tece uma monumental obra de direitos humanos e paz entre os povos. [2] (ROBREDO, 1989, p. 101-160)

            O termo “Direito Internacional” provêm da tradução literal da expressão inglesa International Law utilizado por Jeremy Bentham em 1789 na obra An Introduction to the Principles of Morals and Legislation. (MONCAYO, et al., 1990, p. 17).

            Os primeiros doutrinadores como Vitoria, Gentili, Suárez, Grócio, Pufendorf e Wolf, utilizavam a expressão jus gentium –Vitoria utilizava a expressão jus inter gentes– que provinha do direito romano. Foi Étienne Dumont, colaborador de Bentham, que ao traduzir, em 1802, para o francês a obra deste, utilizou a expressão droit international, que passou a ser traduzida para outras línguas, sempre expressando, em português, “direito internacional”. (MELLO, 2000, p. 69)

            Conforme MONCAYO (1990, p. 18), os doutrinadores americanos no afã de abarcar todas as relações internacionais numa só disciplina jurídica, “chamam de direito transnacional (Transnational Law) ao conjunto de normas jurídicas que regulam todas as relações –públicas ou privadas- que ultrapassam as fronteiras dos Estados”.

            De fato é na Idade Moderna, Paz de Vestfália (1648), e com o surgimento dos estados modernos, que realmente se desenvolve a idéia moderna de direito internacional, com as obras dos doutrinadores supracitados, relacionadas, principalmente, com as questões das guerras, da cidadania e dos direitos humanitários e do comércio entre os povos.

            Após a Revolução Francesa, 1789, se reforça o conceito e afirmação de nacionalidade, e as guerras Napoleônicas, com suas conseqüências no solo europeu, forçam uma idéia geral centralizada em paz, divisão de territórios e soberania, tendo como marco o Congresso de Viena (1814-1815), que entre outros assuntos, declarou a neutralidade da Suíça, demarcou territórios e fronteiras entre países europeus como Itália, Áustria, Alemanha e França, estabeleceu à livre-navegação nos rios Reno e Meuse (Mose) e instituiu um regulamento sobre a prática das atividades diplomáticas entre os países.

            No decorrer dos séculos XIX e XX o direito internacional teve grande participação em todos os assuntos relacionados à história e a política mundial, de modo a se transformar em uma ciência disciplinar autônoma com sistemática e metodologia próprias, multidisciplinar e interligada cada vez mais com o maior número de ciências não só jurídicas, como econômicas, políticas, sociais, humanitárias, ambientais, tecnológicas e espaciais.

            Nos idos do sec. XIX os diversos conflitos ocorridos na Europa envolvendo Alemanha e França, entre outros países aliados de um lado ou de outro, que tinha como principal objetivo a expansão territorial interna, e a exploração colonialista de países da costa africana e asiáticos, fomentaram algumas desorganizações entre as relações internacionais, acarretando a violação de tratados e pactos anteriormente convencionados, contudo, as vitórias obtidas pelo Japão na guerra dos Boxers, onde a China foi derrotada por uma coligação de países europeus e norte-americanos aliados ao Império japonês, de certa forma pacificou os ânimos na Europa até o início do século seguinte.

            Duas conferências internacionais foram realizadas em Haia, a primeira em 1889 e a segunda em 1907, aproveitando-se este momento de serenidade que apaziguava os ânimos estatais:

       O ambiente de paz formal que, sem embargo, imperou no continente, foi propício para a realização de duas conferencias internacionais em Haia, as de 1889 e 1907. A primeira destas conferências codificou parcialmente o direito de guerra terrestre e os métodos de solução pacífica sobre as controvérsias; Instituiu uma Corte Permanente de Arbitragem. A segunda adotou treze convenções e uma declaração afirmando o princípio da arbitragem obrigatória. Regulou-se a neutralidade em caso de guerra terrestre e marítima e se estatuiu um Tribunal Internacional de Presos. A segunda destas conferências agrupou quarenta e quatro Estados, muito deles não europeus. Mostrando a tendência de estender o âmbito da sociedade internacional, ao menos para a regulação de questões jurídicas. (MONCAYO, et al., 1990, p. 37-38), [3].

 

            Em 1914 o arquiduque Francisco Ferdinando e a sua mulher foram assassinados em Sarajevo, acontecimento que serviu de pretexto para o começo das hostilidades e renasceu a idéia da reunificação do Sacro Império Romano-Germânico (Heiliges Römisches Reich), culminando na Primeira Grande Guerra Mundial.

            O Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Império Turco-Otomano, se juntaram formando a Tríplice Aliança, em contrapartida, foi formada para combatê-los a Triplice Entente, reunindo o Império Britânico, a França, O Império Russo – que se retirou após a Revolução de 1917- e os Estados Unidos que ingressou a partir de 1917.

            Derrotada a Tríplice Aliança, as conseqüências foram de pulverizações dos impérios e de partes de seus respectivos territórios, ocasionando uma novel geopolítica no continente europeu, submetendo a Alemanha a uma série de restrições e prejuízos, aceitando assumir a responsabilidade pelos danos causados pela guerra, pagando uma indenização pelos prejuízos causados, perdendo uma fração de seu território para algumas nações fronteiriças, perdendo todas as colônias sobre os oceanos e sobre o continente africano, além da República de Weimar que foi obrigada a reconhecer a independência da Áustria, imposições que foram aceitas e ratificadas pelo Ministro Hermann Müller ao assinar o Tratado de Versalhes (1919).

            Na Parte I do Tratado foi estabelecida a criação de uma organização internacional para desempenhar o papel de assegurar a paz, a Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, cuja Carta foi, em 28 de junho de 1919, assinada por quarenta e quatro Estados.

            A Alemanha pulverizada e sufocada por uma dívida estratosférica que impulsionou a hiperinflação (1922-23), trazendo o desemprego em massa, mormente por uma produção agrícola baixa e com a tecnologia estagnada por falta de capital para investimento em produção, apesar de sobrar know how e vasta mão-de-obra especializada, foi difundindo uma forte tendência ao nacionalismo exacerbado, e quando a República de Weimar é destituída em 1933, pelo movimento nazista, nacional-socialismo (Nationalsozialismus), liderado pelo Partido Nazista da Alemanha e seu idealista, Adolph Hitler, chega ao ápice a idéia de através do Reich reunificar territórios e reivindicar soberanias perdidas nas últimas décadas.

            Entre os períodos antecedentes a primeira guerra e posterior a assinatura do Tratado de Versalhes, diversas conferências foram realizadas por Estados e organizações interessadas em solucionar os conflitos internacionais, assim relacionadas por Hidelbrando Accioly: “As Conferências Internacionais Americanas no México, em 1901-1902; no Rio de Janeiro, em 1906; em Buenos Aires, em 1910; em Santiago do Chile, em 1923; em Havana, em 1928; em Montevidéu, em 1933; em Lima, em 1938; as Conferências Internacionais da Cruz Vermelha, em 1906, 1929 e 1949; a 2.a Conferência da Paz de Haia, em 1907; a Conferência Naval de Londres, de dezembro de 1908 a fevereiro de 1909; a Conferência da Paz de Paris, em 1919; a criação da Liga das Nações e da Corte Permanente de Justiça Internacional; a instituição da Academia de Direito Internacional, em Haia, cujos cursos têm contribuído enormemente para o progresso do direito internacional; o pacto Briand-Kellogg, de proscrição da guerra; a l.a Conferência para a Codificação Progressiva do Direito Internacional, em Haia, em 1930; a Conferência Interamericana de Consolidação da Paz, realizada em Buenos Aires em dezembro de 1936.” (ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA, 2000, p. 13)

            Assim como tivemos o Código de Direito Internacional Privado, Código Bustamante, assinado em 1928, em Havana, Cuba, durante uma Convenção de Direito Internacional Privado Uniformizado (DOLINGER, 1999, p. 48)

            Adolph Hitler, líder do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, ou NSDAP), ascendeu ao poder como chanceler no período de 30.01.1933 a 30.04.1945, e como presidente, de 02.08.1934 a 30.04.1945, tendo se intitulado o “Führer e Reichskanzler do III Reich” [4], iniciando uma campanha de anti-semitismo e contra as minorias étnicas e religiosas, com forte apego a nacionalização e ao militarismo e beligerância, se utilizou das “tropas de choque”, SA (Sturmabteilungen), “Tropas de Assalto” e SS (Schutzstaffel) “Tropa de Proteção”, cujo lema era “Minha honra é a lealdade” (Mein Ehre heißt Treue), para manipular, influenciar e oprimir a sociedade alemã e arquitetar planos sórdidos, como o do incêndio do prédio do parlamento alemão (Reichstag), incriminando e responsabilizando o Partido Comunista Alemão, disseminando e conseguindo inserir uma ideologia, Nazi, que não obstante ser isenta de qualquer princípio filosófico, pregava práticas (des)humanitárias contrárias a sua própria expectativa de sobrevivência como “raça pura”, através de critérios de seleção sem base científica, baseados na discriminação e nas crenças de inferioridade das etnias diversas, sob o domínio do ódio e da violência sem razão.

            Violando o Tratado de Versalhes, a Alemanha intensificou sua industrialização, produção e transformação em máquinas de guerra e instrumentos e materiais bélicos, de modo a militarizar-se e dar início ao maior conflito armado da história mundial, que começa no dia 1o de setembro de 1939, com a invasão da Polônia, pelo exército alemão; e termina com um dos maiores “espetáculos” de horror já vistos pela humanidade, no dia 06 de agosto de 1945, a primeira bomba atômica é detonada sob Hiroshima, formando o primeiro cogumelo da morte, exterminando cerca de 140 mil pessoas e um incalculável número de gerações futuras sobreviventes e afetadas pela meia-vida de desintegração do elemento radiativo [5]; três dias depois, no dia 09 de agosto de 1945, a segunda bomba atômica é detonada sob Nagasaki, o segundo cogumelo da morte, exterminando cerca de 40 mil pessoas e afetando um incalculável número de outras, cumprindo lembrar, e não esquecer, que a grande maioria dessas pessoas exterminadas em massa, em fração de segundos -aqueles que tiveram sorte-, em minutos, horas, dias, meses, anos, de agonia -os que não tiveram outra opção-, eram pessoas do povo, civis, trabalhadores, estudantes, donas de casa, velhos, crianças, doentes, inválidos, não eram atrozes, ou sequer potenciais, inimigos ferozes prontos a atacar de maneira cruel e covarde, conforme foram acometidos da infelicidade de terem sido atacados.

            O Direito Internacional Contemporâneo, dos sujeitos e objetos, dos direitos dos tratados e de sua internalização nos Estados, começa a ser positivado e estruturado através da criação das principais organizações internacionais de competência mundial. A partir do término da Segunda Grande Guerra Mundial, mais precisamente, anteriormente, em 1944 com a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, realizada em Bretton Woods, no estado de New Hampshire, quarenta e quatro nações se reuniram para planejar uma reestruturação econômica dos países afetados pela guerra, assinando o acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement), o primeiro acordo financeiro e monetário de ordem mundial envolvendo Estados soberanos e independentes. Criando-se o BIRD, Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development) e o FMI, Fundo Monetário Internacional.

            Com a experiência mal sucedida da Sociedade das Nações, Liga das Nações, em face da Segunda Guerra, ao final desta, em 24 de outubro de 1945, na cidade de São Francisco, no estado da Califórnia, foi fundada oficialmente a Organização das Nações Unidas, ONU, pela assinatura de 51 países, sendo a primeira Assembléia Geral celebrada a 10 de Janeiro de 1946, em Londres. Juntamente criou-se uma Corte Internacional de Justiça, como órgão jurídico da ONU, com sede em Haia, na Holanda, que tem competência para julgar litígios e controvérsia entre os Estados-membros e aplicar sanções para violações e atos ilícitos cometidos frente aos tratados.

            A partir do século XX, mormente após duas guerras mundiais, o direito internacional entra no cenário mundial como uma ciência multidisciplinar, multicultural e codificada, de acordo com as sábias palavras de um estudioso:

O que sucede ao cabo de três milênios de prática convencional, no século XIX, não é uma alteração na contextura do direito dos tratados — sempre costumeira —, mas uma sensível ampliação no seu acervo normativo, por força de quanto o tratado multilateral desafiava — desde a conferência preparatória até o mecanismo de extinção — aquelas regras concebidas para reger acordos meramente bilaterais.

(…)

O século XX abriria espaço a dois fatos novos: a entrada em cena das organizações internacionais no primeiro pós-guerra — fazendo com que o rol das pessoas jurídicas de direito das gentes, habilitadas a pactuar no plano exterior, já não se exaurisse nos Estados soberanos —; e a codificação do direito dos tratados, tanto significando a transformação de suas regras costumeiras em regras convencionais, escritas, expressas, elas mesmas, no texto de um tratado. (REZEK, 2007, p. 12)

 

            De forma que, com a entrada das organizações internacionais o cenário internacional se diversifica e a nova ordem internacional necessita de normatividade, entretanto, como adverte o prof. REZEK (2007, p. 2-3), há enormes dessemelhanças entre a ordem jurídica interna do Estado e seus destinatários, e a ordem jurídica internacional entre os Estados pactuantes, pelo fato de não haver hierarquia ou subordinação entre Estados, sua escala normativa é no plano horizontal e o princípio é o da coordenação, pautado pelas relações de não-intervenção e do pacta sunt servanda.

            Das teorias que tentam explicar a norma jurídica internacional, duas são as mais difundidas, a voluntarista e a objetivista. (HUSEK, 2000, p. 26)

            Os voluntaristas sustentam que o Direito Internacional tem seu fundamento na vontade dos Estados, dividindo-se em quatro doutrinas (HUSEK, 2000, p. 26 ):

a) da vontade coletiva dos Estados – O direito é a produção da vontade coletiva dos Estados, como numa espécie de acordo coletivo. Uma crítica que se faz é de que o Estado novo que surge não estará criando um direito que já foi criado por outros, estando a estes, obrigado, e a de que sendo o direito criado pelos Estados quando um deles se retira, o Direito não mais se sustenta.

b) da autolimitação – Se baseia na idéia de que o Estado, senhor absoluto de seu destino, se autolimita para poder conviver pacificamente com outros Estados. Essa é uma teoria frágil pois o Direito é suportado pela vontade do Estado que poderá se manifestar posteriormente contrária, inviabilizando a regra.

c) do consentimento das nações – O direito nasce de um consentimento mútuo baseado em ações volitivas, expressas ou tácitas, através dos interesses comuns entre os Estados. As mesmas críticas são feitas aqui, como na teoria da vontade coletiva, o Direito não pode sobreviver da vontade discricionária dos Estados.

d) da delegação do direito interno – Seus seguidores procuram justificar a obrigatoriedade do Direito Internacional no Direito Interno de cada país, através deste na Constituição de cada Estado.

            Os objetivistas afirmam que o Direito Internacional não retira sua obrigatoriedade da vontade dos Estados, e sim da realidade internacional e das normas que regem esta realidade e que não dependem das decisões dos Estados, repartem-se, basicamente, em três vertentes doutrinárias (HUSEK, 2000, p. 27):

a) da norma fundamental ou objetivismo lógico – Prega que a ordem jurídica deriva de uma superposição de normas, em que a validade de uma norma posterior deriva da que lhe é anterior ou superior. A validade da norma jurídica, assim, não depende da manifestação da vontade, mas de outra norma jurídica, e assim sucessivamente, numa forma lógica, até chegar ao “vértice da pirâmide”, aonde se localiza a norma fundamental, uma norma hipotética que traduz a seguinte formulação: os acordos livremente concluídos devem ser observados (pacta sunt servanda). Critica-se esta teoria observando-se que se a norma fundamental é costumeira (por obedecer aos acordos), ela deixa de ser hipotética, porque o costume é fruto da vontade, se manifestando tacitamente, necessitando de demonstração.

b) sociológica – Declara que o Direito é um produto do meio social, deriva diretamente dos fatos sociais e tem como fundamento a solidariedade ou interdependência entre os homens. Baseia-se em conceitos subjetivos e, por vezes, arbitrários.

c) do Direito natural – O Direito natural fundamenta-se no Direito Internacional, através de um conjunto de normas objetivas, relativa à sociabilidade entre os povos, como princípios da razão sã, que nos indicam quando uma ação é moralmente honesta ou não. Identicamente a teoria sociológica, a teoria do Direito natural se utiliza de conceitos subjetivos de amplo espectro e difícil definição apriorística.

            O fato é que o direito internacional, assim como em todos os ramos do Direto, tem suporte de validade e eficácia de suas normas quando estas entram no mundo real a partir do critério material, que compreende sua elaboração dentro dos objetivos jurídicos propostos e delimitação de suas finalidades ao alcance de sua competência, obviamente cumprindo os requisitos de legalidade, possibilidade jurídica e determinação dentro de um espaço e tempo; e se completam pelo critério formal, que são as etapas de negociação, com emendas, rasuras, vetos, impedimentos e ressalvas, até a elaboração do texto final, sua aprovação e assinatura dos signatários, a ratificação (com a entrega da carta de depósito), a promulgação, com a incorporação da norma de direito internacional em seu direito interno, a publicação e o termo de inicio de vigência, e por fim, o registro.

 

2. Tratados Internacionais

§ 163.—Tractado internacional é um acto juridico, em que dois ou mais Estados concordam sobre a creação, modificação ou extincção de um direito.

 

            A definição de BEVILÁQUA (1911, v. II, p. 15) vale ser reproduzida em suas palavras:

I. A definição acima exposta abrange todos os actos jurídicos bilateraes ou muitilateraes do direito publico internacional, que, realmente, podem ser designados pela denominação geral de tractados, mas que recebem, na pratica e nos livros de doutrina, qualificações diversas.

       Tractados, chamam-se, na terminologia diplomatica, os accordos de maior importancia por seu objecto, que firmam, definitivamente, uma situação jurídica ou se destinam a durar longamente, como os tractados de paz, de limites, de commercio e navegação.

       Convenções, denominam-se os accordos sobre objecto mais especial, de caracter não politico. Taes são as convenções consulares, as postaes, as sanitarias e outras similhantes.

       Quando o accordo exprime a affirmação de um principio, toma o nome de declaração, nome que, outras vezes, significa a manifestação da vontade unilateral de um Estado, ou a indicação de seu modo de proceder, em dada emergencia.

           

            Guardadas as devidas mudanças aqui e acolá, em seu contexto, o trecho supracitado é semelhante a qualquer definição encontrada na melhor doutrina, até porque os tratados de paz, de comércio, marítimos, de apoio militar e bélico, entre outros, celebrados pelas nações e povos ao longo dos séculos, precedem o próprio direito internacional como sistema de direito.

            Nos períodos que se sucederam a segunda guerra mundial houve uma grande evolução de tratados internacionais sobre os mais variados assuntos e interesses: paz, direitos humanos, direitos marítimos, comércio exterior, extradição, asilo político, cooperação em diversos setores, etc.

            Contudo, para o direito internacional, em termos de importância em matéria de tratados internacionais, é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o marco divisório, por ter contribuído para ordenar as normas jurídicas internacionais sobre as relações jurídicas consentidas entre sujeitos de direito internacional, até então costumeiras e baseadas nas teorias estadistas de um só sujeito capaz, o Estado, ou seja, para codificar as normas relativas aos tratados internacionais e reconhecer a personalidade jurídica das Organizações Internacionais, como ensina ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA (2000, p. 54):

A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, assinada em 1989, é uma das mais importantes fontes do DIP, pois nela as regras costumeiras sobre a matéria foram devidamente codificadas num documento quase perfeito. A Convenção de 1969 foi complementada pela Convenção de 1986 sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, cujo objetivo foi precisamente o de reconhecer o direito das organizações internacionais de firmar tratados e convenções.

           

            A terminologia em direito internacional utilizada para se expressar o que se quer que se compreenda como tratado é sem nenhum rigor científico, de modo que, o valioso esforço, e a recomendável leitura, de MELLO (2000, p. 200-2), ao conceituar e distinguir cada um, Tratado, Convenção, Declaração, Ato, Pacto, Estatuto, Protocolo, Acordo, Concordata, Compromisso, Carta, Convênio e Arranjo, é notável e brilhante, com melhor serventia para o caráter científico e acadêmico, pois na prática lingüística diária do direito internacional, todas as expressões mencionadas e distinguidas pelo ilustre doutrinador, referem-se a Tratados, com a ressalva de Concordata, em que todos os autores definem como os tradados assinados pela Santa Sé sobre assuntos religiosos, de resto, é assente as diversificação das terminologias utilizadas para se denominar tratado, como pontifica REZEK (2007, p. 16):

A análise da experiência convencional brasileira ilustra, quase que à exaustão, as variantes terminológicas de tratado concebíveis em português: acordo, ajuste, arranjo, ata, ato, carta, código, compromisso, constituição, contrato, convenção, convênio, declaração, estatuto, memorando, pacto, protocolo e regulamento. Esses termos são de uso livre e aleatório, não obstante certas preferências denunciadas pela análise estatística: as mais das vezes, por exemplo, carta e constituição vêm a ser os nomes preferidos para tratados constitutivos de organizações internacionais, enquanto ajuste, arranjo e memorando têm largo trânsito na denominação de tratados bilaterais de importância reduzida. Apenas o termo concordata possui, em direito das gentes, significação singular: esse nome é estritamente reservado ao tratado bilateral em que uma das partes é a Santa Sé, e que tem por objeto a organização do culto, a disciplina eclesiástica, missões apostólicas, relações entre a Igreja católica local e o Estado co-pactuante. (grifos no original)

           

            Os Tratados podem ser bilaterais, quando celebrados entre dois signatários, ou podem ser multilaterais ou plurilaterais, quando celebrados por três ou mais signatários.

            Conforme REZEK (2007, p. 12-13) “o tratado é um acordo formal”, e continua, “Essa formalidade implica, por outro lado, a escritura. O tratado internacional não prescinde da forma escrita, do feitio documental”.

            Sobre a forma, ensina MELLO (2000, p. 211) que a sua estrutura é assim dividida:

       Os tratados se compõem de duas partes: o preâmbulo e a dispositiva.

       O preâmbulo contém geralmente um enunciado das finalidades do tratado e a enumeração das partes contratantes. Na Antigüidade e no período medieval havia invocações aos deuses.

       A parte dispositiva é redigida sob a forma de artigos, sendo nela que estão fixados os direitos e deveres das partes contratantes.

           

            O tratado internacional, no seu processo de conclusão, atravessa diversas fases: negociação, assinatura, ratificação, promulgação, publicação e registro. Cada uma dessas fases possui normas próprias e características específicas. (MELLO, 2000, p. 212, sem grifos no original)

            Os atores ou agentes, partes nos tratados internacionais, são as pessoas jurídicas de direito internacional público, os Estados soberanos e as Organizações Internacionais.

            Ensina MELLO (2000, p. 202-8) que para que o contrato seja considerado válido é necessário: a) capacidade das partes contratantes; b) habilitação dos agentes signatários; c) consentimento mútuo; d) objeto lícito e possível.

            Os representantes das partes podem ser: a) Chefes de Estado e de Governo; b) Plenipotenciários, que pode ser o ministro de Estado das Relações Exteriores, o chefe de missão diplomática (em acordos bilaterais), ou qualquer agente que detenha uma carta de plenos poderes; c) Delegações Nacionais, sob uma chefia que detém os plenos poderes; d) Secretário-Geral ou Funcionário designado, no caso das Organizações Internacionais.

            O consentimento mútuo não pode ter a livre e espontânea cognição volitiva maculada ou eivada pelo erro, fraude, simulação ou coação, seja objetivamente contra a parte signatária ou subjetivamente sob a forma de dispositivo que implique em quaisquer desses efeitos em relação a uma parte ou em combinação de umas com outras partes.

            Para se obter o consentimento mútuo numa negociação que leve à assinatura de um tratado, a parte pode formular uma reserva (arts. 19 a 23, da Convenção de Viena), que vêem a ser a não-aplicação ou modificação de certas normas do tratado, pela declaração unilateral do estado que consente em “excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em relação a esse Estado.” (Convenção de Viena, art. 2o, § 1o, d).

            É necessário que se deixe assinalado que aprovado o tratado sem aposição de nenhuma reserva importa dizer que o Estado concorda em respeitar e cumprir todas as determinações do tratado.

            No início do século XX não bastava o tratado ser assinado pelo Estado para se tornar plenamente consentido, era necessário que ele fosse ratificado pelo Estado, nas palavras de BEVILÁQUA (1911, v. II, p. 21):

É a ratificação que torna o tractado obrigatório. No Brazil, compete a ratificação ao Presidente da Republica, depois que o Congresso approva o tractado.

Por isso, os tractados não se tornará obrigatórios sinão depois da ratificação, que é o acto administrativo, pelo qual o chefe do Estado declara acceito o tractado.

           

            Contudo esse conceito é modificado, até o término do século passado, pela prática do direito internacional, como a competência para a ratificação, que, ensina MELLO (2000, p. 217), dependerá de cada Estado e seu modelo constitucional, e se trata de um ato do Poder Executivo:

       O poder competente para efetuar a ratificação é fixado livremente pelo Direito Constitucional de cada Estado. O Estado possui este direito em virtude de uma delegação do DI (Kelsen, Dehousse). Esta posição é uma decorrência da concepção sustentada do monismo com primazia do DI e, em conseqüência, a ordem jurídica interna de um Estado nada mais é do que “parte” do DI. Existem três sistemas sobre o poder competente para proceder à ratificação: a) competência exclusiva do Executivo (adotado nas monarquias absolutas, Itália fascista etc.); b) divisão de competência entre o Executivo e o Legislativo, que pode ser dividido em dois tipos: 1 – o que obriga a intervenção do Congresso apenas em alguns tratados (França); 2 – o que obriga a intervenção do Congresso em todos os tratados (Brasil); c) sistema consagrando a primazia do Legislativo (Suíça, URSS). Na Suíça os tratados concluídos para vigorarem por mais de quinze anos ou com prazo indeterminado são submetidos a referendo. Este não é necessário se o tratado tiver cláusula de denúncia.

       A ratificação é assim um ato do Poder Executivo, exigindo ou não a prévia autorização do Legislativo.

            E, continua, MELLO (2000, p. 221), concluindo:

       A conclusão a que podemos chegar é que a ratificação, no seu sentido tradicional de ato do Executivo após aprovação do tratado pelo Legislativo, se encontra em decadência.

           

            Principalmente por dois motivos, o primeiro é a variação lingüística aplicada pela Convenção de Viena:

Artigo 2.°

Termos empregados

1. Para efeitos da presente Convenção:

(…)

b) Por “ratificação” entende-se o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado faz constar no âmbito internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado;

b) bis) Por “ato de confirmação formal” entende-se um ato internacional que corresponde ao da ratificação por um Estado e pelo qual uma organização internacional faz constar no âmbito internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado;

b) ter) Por “aceitação”, “aprovação” e “adesão” entende-se, segundo o caso, o ato internacional assim denominado pelo qual um Estado ou uma organização internacional faz constar no âmbito internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado;

           

            O segundo motivo reside na razão de ser do pacta sunt servanda, assim, a Convenção de Viena deixa expressa a discricionariedade do ato de ratificação:

Artigo 14

Expressão, pela ratificação, ato de confirmação formal, aceitação ou aprovação, do consentimento a estar vinculado por um tratado

1. O consentimento de um Estado a vincular-se por um tratado exprime-se pela ratificação:

a) Quando o tratado prevê que um tal consentimento se exprime pela ratificação;

b) Quando, por outra forma, se estabeleça que os Estados que participaram na negociação convencionaram a necessidade da ratificação;

c) Quando o representante do Estado em questão tenha assinado o tratado sob reserva de ratificação; ou

d) Quando a intenção do Estado de assinar o tratado sob reserva de ratificação se deduza dos plenos poderes do seu representante ou tenha sido expressa no decorrer da negociação.

           

 

            Conforme ensina MELLO (2000, p. 219), sobre a ratificação, “é uma das fases, no processo de conclusão dos tratados. Ela confirma a assinatura do tratado e dá validade a ele, sem que isto signifique não produzir a assinatura qualquer efeito.”

            Não se deve confundir a ratificação, ato de confirmação de vínculo ao tratado no âmbito internacional, com a promulgação do tratado por ato do legislativo do Estado dando-lhe obrigatoriedade no âmbito do direito interno.

            REZEK (2007, p. 49-51) refere-se a esta impropriedade semântica e citando Arnold McNair, aponta que “o termo ratificação tem sido usado, em teoria e prática do direito internacional público, para significar pelo menos quatro coisas distintas”. E, entre elas, expressa a sua crítica, particularmente a última:

(d) avulsa e popularmente, a aprovação do tratado pela legislatura, ou outro órgão estatal cujo consentimento possa ser necessário; este é um emprego infeliz da palavra, e deveria ser evitado.

 

       O erro conceitual deste último entendimento da ratificação é ainda mais grave do que aparenta ser. Faz-se, no caso, uso de termo consagrado em direito internacional para cobrir fato jurídico que, onde previsto pelo direito interno, neste encontra sua exclusiva regência. Parece, ademais, que a idéia da “ratificação” do tratado como ato constitucional doméstico, a cargo do parlamento ou de órgão outro, repousa sobre o nebuloso e rude esquecimento de que o pacto internacional envolve diversos Estados soberanos, não cabendo supor que uma ou mais soberanias co-pactuantes, já acertadas com o governo do Estado de referência, tenham ficado na expectativa do abono final do parlamento deste.

 

            Para o tratado vigorar no direito interno é necessário que, depois de ratificado, ocorra à promulgação e sua publicação. MELLO (2000, p. 228) explica as etapas em síntese eterna e saudosamente, brilhante:

       A promulgação ocorre normalmente após a troca ou o depósito dos instrumentos de ratificação. É, segundo Accioly, “o ato jurídico, de natureza interna, pelo qual o governo de um Estado afirma ou atesta a existência de um tratado por ele celebrado e o preenchimento das formalidades exigidas para sua conclusão, e; além disto, ordena sua execução dentro dos limites aos quais se estende a competência estatal”.

       A razão da existência da promulgação é que o tratado não é fonte de direito interno (Rousseau). Assim sendo, a promulgação não atinge o tratado no plano internacional, mas apenas a sua executoriedade no direito interno.

       Os efeitos da promulgação consistem em: a) tornar o tratado executório no plano interno, e b) “constatar a regularidade do processo legislativo”, isto é, o Executivo constata a existência de uma norma obrigatória (tratado) para o Estado.

       No Brasil a promulgação é feita por decreto do Presidente da República, onde é ordenada a execução do tratado, cujo texto aí figura e é publicado no “Diário Oficial”.

       A publicação é condição essencial para o tratado ser aplicado no âmbito interno.

 

            No Brasil desde a primeira Constituição da República, em 1891, adota-se o sistema de intervenção do Congresso Nacional [6], conforme a evolução:

Constituição de 1891: Art. 34 – Compete privativamente ao Congresso Nacional: 12º) resolver definitivamente sobre os tratados e convenções com as nações estrangeiras; Constituição de 1934: Art. 40 – É da competência exclusiva do Poder Legislativo: a) resolver definitivamente sobre tratados e convenções com as nações estrangeiras, celebrados pelo Presidente da República, inclusive os relativos à paz; Constituição de 1937: Art. 50 – O Conselho Federal compõe-se de representantes dos Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República. A duração do mandato é de seis anos. Art. 54 – Terá inicio no Conselho Federal a discussão e votação dos projetos de lei sobre: a) tratados e convenções internacionais; Art. 74 – Compete privativamente ao Presidente da República: d) celebrar convenções e tratados internacionais ad referendum do Poder Legislativo; Constituição de 1946: Art. 66 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre os tratados e convenções celebradas com os Estados estrangeiros pelo Presidente da República; Constituição de 1967: Art. 47 – É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre os tratados celebrados pelo Presidente da República; Constituição de 1967 com a emenda no 1 de 1969: Art. 44. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sôbre os tratados, convenções e atos internacionais celebrados pelo Presidente da República; Constituição de 1988: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

                       

            Na Constituição de 1937 o Conselho Federal, composto por representantes dos Estados e “dez membros nomeados pelo Presidente da República” (art. 50, CF de 1937), fazia “às vezes” de Congresso Nacional, competindo-lhe as discussões e votações sobre os tratados e convenções internacionais, na contra mão histórica e simbólica da dogmática Constitucional brasileira, fato não suplantado sequer pela arrazoada 1a Emenda Constitucional de 1969, que reescreveu a Constituição de 1967 através de atos da junta ditatorial militar, representada pela figura emblemática de seu Presidente.

            De qualquer modo, no sistema brasileiro o tratado não pode ser emendado, rasurado ou modificado pela Casa que o ratificar, desde sempre:

O Congresso approva ou rejeita o tractado; não lhe cabe o direito de emendal-o ou de approval-o sómente em parte.

(BEVILÁQUA, v. II, 1911, p. 22)

           

            O tratado internacional deverá ser registrado. Ensina MELLO (2000, p. 230): “A origem do registro dos tratados internacionais está em um dos 14 princípios de Woodrow Wilson (1918), que propunha a abolição da diplomacia secreta”.

            Assim, a Carta da ONU dispõe em seu artigo 102:

Artº. 102

1. Todos os tratados e todos os acordos internacionais concluídos por qualquer membro das Nações Unidas depois da entrada em vigor da presente Carta deverão, dentro do mais breve prazo possível, ser registrados e publicados pelo Secretariado.

2. Nenhuma parte em qualquer tratado ou acordo internacional que não tenha sido registrado em conformidade com as disposições do nº 1 deste Artº poderá invocar tal tratado ou acordo perante qualquer órgão das Nações Unidas.

            E, a Convenção de Viena, em seu artigo 81:

Artigo 81.°

Registro e publicação dos tratados

1. Depois da respectiva entrada em vigor, os tratados serão transmitidos ao Secretariado da Organização das Nações Unidas, para registro ou classificação e inscrição no repertório, conforme o caso, bem como de publicação.

2. A designação de um depositário constitui autorização para este praticar os atos previstos no número precedente.

 

            Por fim, um tratado internacional não pode ser violado ou descumprido, para se desobrigar do cumprimento do tratado o Estado deve proceder à denúncia. Conforme ACCIOLY apud MELLO (2000, p. 246), denúncia unilateral: “É o ato pelo qual uma das partes contratantes comunica à outra ou outras partes a sua intenção de dar por findo esse tratado ou de se retirar do mesmo”.

            Outrossim, para se extinguir um tratado pela nulidade deve-se ater à Convenção de Viena aos artigos 46o à 53o, e como ensina ACCIOLY in ACCIOLY e NASCIMENTO E SILVA (2000, p. 38):

       As causas de extinção previstas pela Convenção correspondem de um modo geral aos modos de extinção enumerados pela doutrina, ou seja: 1) a execução integral do tratado; 2) a expiração do prazo convencionado; 3) a verificação de uma condição resolutória, prevista expressamente; 4) acordo mútuo entre as partes; 5) a renúncia unilateral, por parte do Estado ao qual o tratado beneficia de modo exclusivo; 6) a impossibilidade de execução; 7) a denúncia, admitida expressa ou tacitamente pelo próprio tratado; 8) a inexecução do tratado, por uma das partes contratantes; 9) a guerra sobrevinda entre as partes contratantes; e 10) a prescrição liberatória.

 

            Os conflitos internacionais, que são os “desacordos sobre certo ponto de direito ou de fato”, REZEK (2007, p. 335), podem ser solucionados pelos meios diplomáticos: a) entendimento; b) bons ofícios; c) consultas; d) mediação; e) conciliação; meios políticos: a) pelos órgãos políticos das Nações Unidas; b) por órgãos regionais e especializados; meios jurisdicionais: a) arbitragem; b) cortes judiciárias: Corte da Haia ou Corte Internacional de Justiça e Cortes regionais e especializadas.

            O Brasil ao emendar sua Constituição em 30 de dezembro de 2004, Emenda n.o 45, incluiu o § 4.o no artigo 5.o de seu texto: “§ 4º – O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”.

            De modo que ao cometimento de abusos ou violações de direitos humanos que acarretem prejuízo não só individual e concreto, mas sobretudo, difusos e coletivos, causados por agente ou autoridades, por ação ou omissão, responderá o governo brasileiro perante o Tribunal Penal Internacional do qual tenha aderido à sua criação.

            Nosso próximo assunto é relacionado aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e civis e sua evolução até a presente década.

 

3. Tratados Internacionais de Direitos Humanos

            Direitos humanos é uma expressão normalmente ligada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, votada pela Assembléia Nacional na França em 1789, contudo, antecede esta declaração um movimento filosófico histórico com várias contribuições literárias e outras declarações históricas de direitos e liberdades humanitárias, não obstante os direitos do homem, que estão inseridos nos direitos fundamentais, antecedem quaisquer obras literárias ou constitutivas.

            Alvo, desde que o mundo é mundo, de disputas de poder e dominação, a liberdade -e junto com ela os direitos humanos- é o objeto principal do exercício da dignidade humana, o direito fundamental que consubstancia os demais direitos com uma forma pura de livre-arbítrio, o poder de por si próprio escolher, independentemente de valorizar as opções, aquilo que lhe traga a paz.

            A história dos direitos do homem caminha junto com a história da humanidade, que é incindível da história das guerras, e como a história, felizmente, é feita de paz e guerra, predominando a primeira, muitas vozes se voltaram para combater as beligerâncias e suas conseqüências e efeitos desastrosos, de modo que a tortura, o tratamento cruel e discriminatório, a escravidão do corpo, da mente e da “alma”, ainda que sempre existiram, juntamente sempre existiu uma voz que se opôs, não só em defesa do direito, mas principalmente em defesa da razão -qualquer que fosse sua dogmática, religiosa, natural, racional, positiva -, propriedade do H. sapiens, que não raras vezes é trocada por uma de suas meras faculdades, o poder.

            Os direitos do homem já nascem com seu surgimento no mundo, o que os diferencia ao longo da história é a sociedade em que o indivíduo está inserido, o rol de liberdades e sua amplitude, as permissões e as proibições, a que tenha que se sujeitar sem que por isso sofra uma sanção.

            Historicamente os primeiros defensores de direitos humanitários são filósofos e teólogos, divididos entre a razão e a crença e pendendo para um lado ou para outro conforme a sua dogmática e escolástica, assim em breve síntese podemos relacionar:

 

a) os escolásticosSanto Agostinho e Santo Tomás de Aquino.          

            Conforme BITTAR & ALMEIDA (2007, p. 245), “a filosofia escolástica exaltava a existência de uma lei divina”, que não teria espaço para o erro ou falha, uma vez que sua natureza é transcendente, logo é perfeita e imutável.

            A lei divina se confronta com a lei do homem e a tarefa de incorporar a lei divina na lei do homem “deve ser realizada pelo Direito” (BITTAR & ALMEIDA, 2007, p. 245). Este mesmo homem, a partir do livre-arbítrio, escolhe o que é melhor seguir entre o certo e o errado.

            Dentro de suas concepções divinas e resgatando a filosofia de Aristóteles – principalmente Tomás de Aquino -, os escolásticos estudaram a justiça e os direitos humanos, nas concepções divina, natural e humana, relacionado-as ao espírito, a sociedade e ao Estado.

 

b) os jusnaturalistas racionalistasJohannes Althusius ; Hugo Grotius (Hugo Grócio) ; Samuel Pufendorf ; Christian Wolff .

            Partidários de um movimento laico e com predomínio na razão, filósofos que, como Hugo Grotius, não negava a existência de Deus e sua concepção do que é certo ou do que é errado, mas relacionavam o direito natural com a moral e a ética, elementos da razão, dentro de um agir racional:

X. O direito natural é o ditame da reta razão, mostrando a depravação moral, ou a necessidade moral de qualquer ato de seu acordo ou desacordo com uma natureza racional, e, conseqüentemente, que tal ato é proibido ou ordenado por Deus, o autor da natureza. (…) Esta marca distingue o direito natural, não só do direito humano, mas da lei, que o próprio Deus tem prazer em revelar, chamado, por alguns, o direito divino de voluntariado, o que não comanda ou proíbe as coisas em si vinculativa ou ilegal, mas torna ilegal por sua proibição, e vinculativa pelo seu comando. (…)

       Agora, a lei da natureza é tão inalterável, que não podem ser alterados, mesmo pelo próprio Deus. Pois, embora o poder de Deus é infinito, ainda há algumas coisas, ao qual não se estende. Porque as coisas de modo expresso não teria sentido verdadeiro, mas implica uma contradição.  (GROTIUS, Pacis De Jure Belli ac, Sobre o Direito de Guerra e Paz, 2004)

           

            Outra característica marcante desses filósofos é o fato de iniciarem discussão em torno da idéia do rompimento entre Igreja, Estado e Sociedade, como na obra de Althusius – “Politics Methodically Set Forth and Illustrated with Sacred and Profane Examples” -, Política: Metodicamente concebida e ilustrada com exemplos sacros e profanos, em que o autor trata da relação do homem em simbiose com a sociedade, ou seja, “la necesidad de todo hombre de pertenecer a una sociedad” (FERNANDÉZ, 2009, p. 85), além de rediscutir os poderes seculares e eclesiásticos e definir o tipo de magistratura suprema, considerado em todos os aspectos, como o primeiro tratado a se discorrer sobre soberania, e nas palavras de FERNANDÉZ (2009, p. 96), “um terreno fértil para el nacimiento de las declaraciones de derechos humanos”:

       O contrato entre as cidades como base do Estado, a cooperação e a autonomia entre os Estados que compõem a comunidade simbiótica universal -diretriz que prediz a aproximação do federalismo moderno-, a comunicação ou comunhão entre as províncias para contribuírem com base na justiça e na solidariedade, e a limitação do poder do governante pelo fato de ser um simples gestor a favor do povo, que realmente é o portador da soberania, são antecedentes que preparam um terreno fértil para o surgimento das declarações de direitos humanos. [7]

 

c) os contratualistasThomas Hobbes ; John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Para falar imparcialmente, ambas as declarações são verdadeiras: que o Homem é um deus para o homem, e que o homem é lobo do próprio homem”. (HOBBES, De Cive, Epístola Dedicatória, 2.o §, 1640)

           

            Ao falar em liberdade, Thomas Hobbes afirma que “as faculdades da natureza humana podem ser reduzidas a até quatro tipos: força física, experiência, razão e paixão”. E termina este “capítulo” concluindo que o homem não pode viver no estado natural, que é a guerra, por isso tem que estar preparado para buscar duas alternativas, a paz ou a guerra –para Hobbes, o estado natural do homem.

            Logo, para Hobbes, “a primeira e fundamental lei da natureza, é que devemos buscar a paz quando esta pode ser encontrada”, caso contrário, temos que nos preparar para a guerra. Afirmando que a guerra é conseqüência da ambição de poderes, onde nenhum dos lados quer ceder direitos, e que para se chegar ao consenso, a paz, o homem deve ceder ou renunciar de alguns direitos, “pois aquele que não renuncia a seu direito sobre todas as coisas, atua contra a razão da paz, ou seja, contra a lei de natureza”.

            Para tanto deve o homem realizar um contrato de transferência de direitos, com estabelecimento da não-resistência, em troca da paz (= liberdade), àquele que lhe garanta a proteção contra os ataques de outros.

            Ou seja, para Hobbes, o contrato significa garantir os direitos humanos fundamentais em troca de uma parte, ou de limitações, desses mesmos direitos fundamentais, numa alternativa única para não violar a paz –primeira lei fundamental da natureza- e o retorno ao estado natural.

            Na doutrina de John Locke, liberdade ganha o status de estado natural em que o homem não deve renunciar a seus direitos, pelo contrário, é dever lutar e resistir para garanti-los, porém não se deve confundir “liberdade” com “permissividade”, assim Locke faz paráfrase com o princípio romano: Iuris praecepta sunt haec: honeste vivere, alterum non laedere suum cuique tribuere [8]:

6. Entretanto, ainda que se tratasse de um “estado de liberdade”, este não é um “estado de permissividade”: o homem desfruta de uma liberdade total de dispor de si mesmo ou de seus bens, mas não de destruir sua própria pessoa, nem qualquer criatura que se encontre sob sua posse, salvo se assim o exigisse um objetivo mais nobre que a sua própria conservação. O “estado de Natureza” é regido por um direito natural que se impõe a todos, e com respeito à razão, que é este direito, toda a humanidade aprende que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve lesar o outro em sua vida, sua saúde, sua liberdade ou seus bens; todos os homens são obra de um único Criador todo-poderoso e infinitamente sábio, todos servindo a um único senhor soberano, enviados ao mundo por sua ordem e a seu serviço; são portanto sua propriedade, daquele que os fez e que os destinou a durar segundo sua vontade e de mais ninguém. Dotados de faculdades similares, dividindo tudo em uma única comunidade da natureza, não se pode conceber que exista entre nós uma “hierarquia” que nos autorizaria a nos destruir uns aos outros, como se tivéssemos sido feitos para servir de instrumento às necessidades uns dos outros, da mesma maneira que as ordens inferiores da criação são destinadas a servir de instrumento às nossas. Cada um é “obrigado não apenas a conservar sua própria vida” e não abandonar voluntariamente o ambiente onde vive, mas também, na medida do possível e todas as vezes que sua própria conservação não está em jogo, “velar pela conservação do restante da humanidade”, ou seja, salvo para fazer justiça a um delinqüente, não destruir ou debilitar a vida de outra pessoa, nem o que tende a preservá-la, nem sua liberdade, sua saúde, seu corpo ou seus bens. (LOCKE, Segundo Tratado sobre o Governo Civil, Capítulo II – Do Estado de Natureza, 6.o § , p. 84)

 

            Na obra de Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato social; ou, Princípios do Direito Político, não só a liberdade, como todos os direitos são plenos, isso porque dentro de uma concepção de igualdade universal, a soberania é expressão da vontade geral:

“Cada um de nós põe em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebemos em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.” (ROUSSEAU, Du Contract Social, Livre I, VI – Du Pacte Social, 1762)

 

            Rousseau defendia que todos os homens nasceram livres e essa liberdade fazia parte de sua natureza e essência, contrariando Hobbes, afirmava que o homem em seu estado natural é de índole boa, sendo corrompido pela sociedade, que através de seus mecanismos de desigualdades e discriminações transformava o homem em uma pessoa má, saindo de seu estado de natureza.

            Suas idéias, escritas em diversas obras [9], influenciaram os movimentos revolucionários ocorridos na Europa e no mundo, como o marxismo, o anarquismo e as revoluções liberais, América do Norte (1776), França (1789), entre outras.

            As declarações de direitos humanos, ou melhor, relacionadas com direitos humanitários, principalmente, com as liberdades, foram elaboradas numa seqüência histórica, precedidos de movimentos pelos direitos:

 

Magna Carta, 15 de junho de 1215.

            João, vulgo João sem terra, rei da Inglaterra, após desentendimentos com a nobreza inglesa e o Papa Inocencio III, sobre soberania, deixou documentado essa declaração, onde renunciava a certos poderes e limitava não só seus próprios poderes, mas como o de alguns membros da nobreza inglesa e da Igreja, rechaçando o poder absoluto, além de tratar de outros assuntos relativos a direitos de herança e de liberdade dos cidadãos ingleses:

 

13. Os cidadãos de Londres têm todas as suas antigas liberdades e costumes livres, tanto por terra e por água. Além disso, organizemos e fazemos que todas as outras cidades e vilas e aldeias, e os portos tenham as suas liberdades e costumes livres. [10]

 

Petition of Rights, 7 de junho de 1628

            Produzido e aprovado pelo Parlamento inglês e aprovada pelo rei Charles I, esse documento representa um papel importante nas declarações humanitárias e de reconhecimento de direitos do homem: 1. Estatuiu que nenhum tributo seria pago pelos cidadãos ingleses que não fosse aprovado pelo Parlamento; 2. Estatuiu que nenhum homem seria preso ou confinado sem que antes tivesse um julgamento legal de acordo com os direitos internos; 3. Declarou que nenhum homem seria desterrado, condenado a morte, deserdado, preso ou confinado, sem que antes tivesse a oportunidade de se defender conforme o devido processo legal; 4. Que os confinados deviam ser amparados pelos recursos de Habeas corpus; e 5. Estatuiu que o recrutamento militar não poderia ser realizado de forma a contrariar as leis e costumes de cada região.

 

Habeas Corpus Amendment Act, 26 de maio de 1679

            Lei do Parlamento inglês aprovada pelo rei Charles II, veio como ratificação de intervenções anteriores em favor dos que tinham a sua liberdade cerceada sem o devido processo legal, chance de defesa e, muitas vezes, desprovida de qualquer denúncia. De modo que o documento expressa a declaração de se estender os procedimentos de Habeas corpus, perante os juízos competentes, para todos os cidadãos privados da liberdade por qualquer motivo.

 

The Bill of Rights, 13 de fevereiro de 1689

            Também conhecida como Declaração dos direitos, é um documento inglês aprovado pelo seu Parlamento em 1689, historicamente importante por declarar direitos individuais e coletivos, essenciais e fundamentais, às liberdades humanas: 1. Ratificou o poder decisório do Parlamento na criação e discussão de projetos referentes aos direitos do cidadão; 2. Declarou a liberdade religiosa com respeito às diferentes crenças; 3. Manifestou a liberdade de expressão, guardado o devido respeito alheio; e 4. Estabeleceu o voto desvinculado, podendo qualquer um votar em quem bem entendesse.

 

Declaração do povo da Virginia, 12 de junho de 1776

            Antecedente, em pouco menos de um mês, da Declaração de Independência dos Estados Unidos, esse documento é um prelúdio para unificar e fortalecer a idéia de independência americana, seus trechos são incisivos e absorvidos por forte influência dos movimentos Iluministas:

Artigo 1° – Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, pôr nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança. Artigo 2° – Toda a autoridade pertence ao povo e por consequência dela se emana; os magistrados são os seus mandatários, seus servidores, responsáveis perante ele em qualquer tempo. Artigo 3° – O governo é ou deve ser instituído para o bem comum, para a proteção e segurança do povo, da nação ou da comunidade. Dos métodos ou formas, o melhor será que se possa garantir, no mais alto grau, a felicidade e a segurança e o que mais realmente resguarde contra o perigo de má administração. Todas as vezes que um governo seja incapaz de preencher essa finalidade, ou lhe seja contrário, a maioria da comunidade tem o direito indubitável, inalienável e imprescritível de reformar, mudar ou abolir da maneira que julgar mais própria a proporcionar o benefício público. Artigo 4° – Nenhum homem e nenhum colégio ou associação de homens pode ter outros títulos para obter vantagens ou prestígios, particulares, exclusivos e distintos dos da comunidade, a não ser em consideração de serviços prestados ao público, e a este título, não serão nem transmissíveis aos descendentes nem hereditários, a idéia de que um homem nasça magistrado, legislador, ou juiz, é absurda e contrária à natureza. Artigo 5° – O poder legislativo e o poder executivo do estado devem ser distintos e separados da autoridade judiciária; e a fim de que também eles de suportar os encargos do povo e deles participar possa ser reprimido todo o desejo de opressão dos membros dos dois primeiros devem estes em tempo determinado, voltar a vida privada, reentrar no corpo da comunidade de onde foram originariamente tirados; os lugares vagos deverão ser preenchidos pôr eleições, freqüentes, certas e regulares. Artigo 6° – As eleições dos membros que devem representar o povo nas assembléias serão livres; e todo indivíduo que demonstre interesse permanente e o consequente zelo pelo bem geral da comunidade tem direito geral ao sufrágio. Artigo 7° – Nenhuma parte da propriedade de um vassalo pode ser tomada, nem empregada para uso público, sem seu próprio consentimento, ou de seus representantes legítimos; e o povo só está obrigado pelas leis, da forma por ele consentida para o bem comum.

 

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, 4 de julho de 1776

            As Treze Colônias na América do Norte –Província de New Hampshire, Província da Baía de Massachusetts, Colônia de Rhode Island, Colônia de Connecticut, Província de Nova Iorque, Província de Nova Jérsei,  Província de Pensilvânia,  Colônia de Delaware,  Província de Maryland,  Colônia e Domínio da Virgínia,  Província da Carolina do Norte, Província da Carolina do Sul Província da Geórgia -, depois de enfrentarem restrições comerciais impostas pelo governo inglês, Tea, Sugar and Stamp, decorrentes das amarguras da Guerra dos sete anos – disputa entre França e Inglaterra pelos territórios americanos -, vencida pela Inglaterra, que descontou os prejuízos sofridos adotando práticas de restrição comercial, como: a) todos os documentos oficiais deveriam ter selos comprados da Metrópole, Stamp Law ; b) todo o açúcar negociado pelas colônias deveria adquirido das Antilhas, sob pena de taxação e muitas vezes embargos e apreensão da mercadoria; e c) o governo inglês concedeu a Companhia das Índias Orientais o monopólio da venda de chá para as colônias, revoltando os colonos, que saquearam e jogaram ao mar toda a mercadoria do primeiro carregamento conduzido a cidade de Boston, episódio conhecido como Boston Tea Party (Festa do chá de Boston).

            Assim, as Treze Colônias se reuniram em dois Congressos Continentais, em 1774, com duração de um mês, e de 1775 até 1781, ratificando a Declaração de Independência em 4 de julho de 1776, e terminando com a ratificação dos Artigos da Confederação, que foi substituído pela Constituição dos Estados Unidos da América, ratificada em 21 de junho de 1778.

            Muito se fala da Declaração de Independência dos Estados Americanos e sua influência na Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão. JELLINEK (2003, p. 85) se opunha a idéia de que a Declaração de Direitos procederia da obra Contrato social, de Rousseau, afirmando que sua origem e seus modelos se encontram no Bill of Rights, que precediam as constituições americanas promulgadas em 1776 e 1789, criticando os contrapontos apresentados com a seguinte síntese: “o cidadão ao entrar para o Estado não possui um átomo sequer de direitos, pois tudo que lhe corresponde em matéria de direito é recebido pela vontade geral, a única que determina seus limites e que não deve nem pode ser restringida juridicamente por nenhuma força”.

            ARENDT (1983, p.18) chama a atenção de que o fato histórico mais importante, ao minimizar a discussão das influências, foi à prosperidade atingida pelas antigas colônias após terem tornado-se independentes:

       Os eruditos têm discutido muito a cerca da influência da Revolução Americana sobre a francesa (assim como da influência decisiva dos pensadores europeus sobre o curso da própria revolução americana). No entanto, por mais justificados e ilustrativas que sejam estas investigações, nenhuma das influências sobre o curso da Revolução Francesa – como o fato de que ela comece com a Assembléia Constituinte ou na Declaração des Droits de l’Homme são elaborados como o modelo da Declaração de Direitos de Virgínia-  pode ser comparado com o impacto do que o abade Raynal já havia chamado de “prosperidade notável” dos países que até então foram colônias britânicas na América do Norte

 

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 26 de agosto de 1789

            Apesar dos antecedentes ingleses e americanos, além da forte influência da doutrina alemã em defesa dos direitos fundamentais, a Revolução Francesa foi um marco na história, e na esteira de sua glorificação o seu documento pilar, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, não pela obra literária ou mesmo política –com diversas crises entre os Estados -, mas, e principalmente, porque foi um rompimento com, e principalmente, a destituição do, poder monárquico, organizado pelo povo, ou pelo menos com a sua participação em massa, além de expurgar de vez a ingerência da igreja nas questões políticas do Estado, inclusive confiscando seus bens e patrimônios, dando início a uma nova era de realidades, não só no continente europeu, mas em todo o mundo, como a era das independências (= liberdades), como explica ARENDT (1983, p. 24):

 

O conceito moderno de revolução, indissoluvelmente ligada à idéia de que o curso da história, subitamente recomeça, que uma história totalmente nova, desconhecida e não contada até agora, está prestes a acontecer, era desconhecido antes das duas principais revoluções que ocorreram no final do século XVIII. Antes de se enganassem no que resultou ser uma revolução, nenhum dos seus atores não tinham a menor idéia do que seria o enredo do novo drama de ser mostrado. No entanto, desde o momento em que as revoluções tinham iniciado a sua marcha, muito antes do que aqueles que estavam engajados nela, sem saber se seu intento poderia terminar em vitória ou desastre, a novidade dessa empresa, e o sentido íntimo da sua trama, manifestou-se tanto em seus atores e espectadores. Quanto a sua conjuração, foi sem dúvida a entrada do estágio de liberdade: em 1793, quatro anos após o início da Revolução Francesa, numa altura em que Robespierre foi ainda capaz de definir seu governo como o “despotismo da liberdade”, sem medo de ser acusado de espírito paradoxal, Condorcet apresentava em forma resumida o que todos sabiam: A palavra ‘revolucionário’ só se pode aplicar às revoluções cujo objetivo é a liberdade. O fato de que as revoluções supunham o início de um era completamente nova já tinha sido confirmada oficialmente pelo estabelecimento do calendário revolucionário no qual o ano de execução do rei e a proclamação da república foi considerado como ano um.

           

            No mais, as semelhanças entre a Declaração de Direitos Francesa, em 1789, e a Declaração do povo da Virginia, em 1776, são perceptíveis:

 

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO – 1789

DECLARAÇÃO DO POVO DA VIRGINIA – 1776

Art.1.º Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum.

 

I. Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inerentes, dos quais, quando em estado de sociedade, não pode, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade, especialmente o gozo da vida e de liberdade, com os meios de adquirir e possuir propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança.

 

Art. 2.º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.

 

III. Que o governo é ou deve ser instituído para o bem comum, a proteção e a segurança do povo, nação ou comunidade, que de todos os modos e formas de governo, a melhor é aquela capaz de produzir o maior grau de felicidade e segurança, e é mais eficaz garantia contra o perigo de má administração e que, quando o governo é inadequado ou contrário a estes fins, a maioria da comunidade tem o direito indiscutível, inalienável e imprescritível de reformar, alterar ou abolir do modo que considere mais adequado para o bem público.

 

Art. 3.º O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.

 

II. Que todo poder é exercido pelo povo e, portanto, segue-se, que os magistrados são os seus agentes e funcionários, e em todas às vezes a ele responde.

 

            Epiloga-se ratificando a brilhante e singela crítica de ARENDT (1983, p.17-24), pontificando que o sentido histórico, e primordial, das revoluções e seus efeitos, foram muito mais significativos e importantes para a compreensão do momento histórico de renovação pelo qual passaria o mundo, para ser relegado à segundo plano por conta de discussões sobre as origens, semelhança e precedências das declarações de direitos.

            As revoluções decorreram do que DURKHEIM (1982, p. 233-73) denomina de anomia – que relacionou seus estudos com as causas do suicídio-, a desestruturação da sociedade por falta de regras e limites que assegurem seus membros, desenvolvida na teoria de MERTON (1970, p. 213 e ss.), como valores sócio-culturais ou metas desenvolvidos em sociedade onde paralelamente são desenvolvidos os meios institucionalizados que não são suficientes para satisfazer todas as metas, desse modo a parcela excluída por não alcançarem suas metas procuram os meios alternativos para atingir seus intentos, partindo do conformismo, inovação, ritualismo, evasão e rebelião.

            Direitos Humanos, Declarações de Direitos e Direito Internacional, se relacionam não somente pela concomitante evolução histórica, como pela produção cultural, visto que os mesmos sujeitos como autores, defensores e autoridades, foram os autores, defensores e autoridades que produziram e entraram para história cultural do direito internacional. Afora isto, os direitos humanos sob a perspectiva da ética e da moral, são direitos internacionalizados por natureza, ao se condenar a tortura na França, p. ex., não se justifica ou apóia que ela seja cometida em qualquer outro país do mundo, pelo que, embora a sua dimensão seja difusa, há uma forte concisão e particularidade advinda de ser condição inerente de toda a espécie humana.

            Há uma ruptura histórica com os direitos humanos e os direitos dos tratados compreendida entre 1914 e 1945, respectivamente, Primeira e Segunda Grande Guerra Mundial. ARENDT (1998, p. 302) relata que na Europa no período após-guerra (primeira) “a desnacionalização se tornou uma poderosa arma da política totalitária” e o desmantelamento das constituições dos Estados-nações incapacitaram a sua proteção aos direitos humanos:

A própria expressão “direitos humanos” tornou-se para todos os interessados – vítimas, opressores e espectadores – uma prova de idealismo fútil ou de tonta e leviana hipocrisia.

 

            Os horrores das guerras, principalmente da segunda guerra, a segregação, o holocausto, as torturas em campos de concentração, terminando pelo terror de Hiroshima e Nagasaki, fez surgir (ou reafirmar) o direito internacional dos direitos humanos, nas palavras de CANÇADO TRINDADE (2002, p. 628): “um movimento universal irreversível de resgate do ser humano como sujeito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica internacional”.

            E, o marco desse resgate do ser humano é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, adotada e ratifica em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral da ONU, aprovada por 48 países, começando uma nova era de defesa e prevenção dos direitos humanos.

            CANÇADO TRINDADE (2002, p. 631-2) informa que o objetivo inicial seria de uma “declaração internacional, contudo evoluiu em busca da universalidade, e que o plano geral seria da declaração ser uma primeira parte para ser complementada de Convenções, posteriormente chamados de Pactos, e ressalta a sua importância história que: “Transcendendo as divisões ideológicas do mundo de seu próprio tempo, situou assim no mesmo plano todas as “categorias” de direitos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais”.

            As iniciativas a partir da declaração foram realizadas pelas Assembléias realizadas pela ONU, assim se estabeleceram as bases para serem realizados dois Pactos de Direitos Humanos, entre os anos de 1954 e 1966. Em dezembro de 1966 a Assembléia Geral adotou e abriu à assinatura, ratificação e adesão, o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Protocolo Facultativo, completando-se a Carta Internacional dos Direitos Humanos (CANÇADO TRINDADE, 2002, p. 636).

            Ao longo dos anos surgiram diversos instrumentos internacionais de defesa e proteção aos direitos humanos e os Estados que pactuaram, que assinaram e aderiram a tratados sobre direitos humanos, assumiram obrigações mútuas de proteger os direitos assegurados e incorporá-los ao seu ordenamento interno para fazer valer a sua efetividade.

            O Estado que se compromete como sujeito internacional tem sua soberania limitada no plano das nações, haja vista todos os outros Estados também possuírem soberania, ou seja, no plano horizontal estático em que se encontra a soberania dos Estados pactuantes, qualquer violação ao direito assumido no tratado, fará com que a soberania do Estado violador se submeta aos efeitos decorrentes desse descompromisso. MAZZUOLI (2002, p. 170-173), assim explica o fenômeno:

A doutrina da soberania estatal absoluta, assim, com o fim da Segunda Guerra, passa a sofrer um abalo dramático com a crescente preocupação em se efetivar os direitos humanos no plano internacional, passando a sujeitar-se às limitações decorrentes da proteção desses mesmos direitos.

(…)

Em se tratando de proteção dos direitos humanos, a noção clássica de soberania sofre, ainda, uma outra transformação. No cenário internacional de proteção, os Estados perdem a discricionariedade de, internamente, a seu alvedrio e a seu talante, fazer ou deixar de fazer o que bem lhes convier. Nesse contexto é que devem os Estados-partes, num tratado internacional, cumprir todo o acordado, sem objetar disposições de seu direito interno como justificativa para o não cumprimento do que foi pactuado.

 

                        Com efeito, os direitos humanos transcendem os ordenamentos e sistemas jurídicos, são indisponíveis, inalienáveis, insuscetíveis de supressão e as medidas e os instrumentos para sua proteção, adotados pela comunidade internacional, tem efeito e aplicação imediata, não dependente de quaisquer outras normas que lhe embaracem a aplicabilidade.

            Mormente quando um país, um Estado-membro, participa de uma relação jurídica internacional como integrante de um tratado sobre direitos humanos, e o ratifica, assume a responsabilidade, perante a comunidade jurídica internacional ou outros Estados-membros, de adotar, não só em face do direito internacional, mas trazendo para sua legislação doméstica, todas as medidas protetoras e todas as prerrogativas e direitos assinalados no corpo descritivo do tratado, sob a pena de, pelo descumprimento, sofrer sanções que vão desde a simples advertência, passando pelos embargos, podendo chegar até a uma intervenção bélica, com fito de garantir a proteção de seu povo contra os abusos e violações dos direitos inerentes ao homem.

            Não se esquecendo que ao assinar um tratado internacional, o Estado, através de seu representante constituído, expressa o sentimento e vontade de seu povo, não somente de um ente político isolado e muito menos da figura de seu representante, mas de uma nação soberana, que através da escolha da melhor política traçada para garantir direitos, se compromete a respeitar e acolher em seu seio, em seu conjunto jurídico jurisdicional, as normas internacionais que darão proteção e acolhida aos direitos humanos. Compromisso que além das fronteiras de seu território se expande para a esfera de seus próprios deveres, que são dar proteção efetiva aos direitos humanos, denunciando os abusos e violações em outras partes alhures que não façam parte de seu domínio territorial, mas de sua competência internacional, firmada nos termos dos tratados internacionais.

            Cabe-nos então traçar um panorama da inserção do tratado internacional no direito interno de cada país, direito “doméstico”, e qual é o sistema adotado para se promulgar internamente o tratado e, principalmente, definir a hierarquia, o status legal, que ele goza frente à legislação e a Constituição depois de publicado.

 

4. Incorporação de Tratados Internacionais no Direito Interno

            A questão da incorporação ou recepção do tratado internacional no ordenamento jurídico de cada país é da ordem discricionária de cada Estado, vai depender de seu sistema constituinte, contudo, adverte ACCIOLY (2000, p.63):

A doutrina da CIJ tem sido invariável ao reconhecer o caráter pré-eminente do direito internacional. Em parecer de 1930, a CPJI declarou: “É princípio geralmente reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado”. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados adotou em seu artigo 27 a mesma regra: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”.

            Trata-se de um velho brocado internacional: “a palavra de honra não se discute, se sustenta”.

            No direito internacional há duas correntes ideológicas de interpretação doutrinária, o monismo [11] e o dualismo [12].

            MELLO (2000, p. 109-10) explica que no dualismo o Direito Internacional e o direito interno são duas ordens jurídicas distintas, tangentes mas não secantes, que se diferenciam, principalmente, por três motivos: a) na ordem externa o homem não é sujeito de direito, somente o Estado; b) as fontes do ordenamento são distintas, no direito interno é a vontade de um Estado e no direito internacional é vontade coletiva expressada no tratado; e c) na ordem estrutural do ordenamento jurídico o direito interno está em relação de subordinação e o direito internacional em relação de coordenação.

            Em relação ao monismo, explica MELLO (2000, p. 111 e ss.):

Encontramos, em oposição ao dualismo, a concepção denominada monismo, ou seja, a teoria que não aceita a existência de duas ordens jurídicas autônomas, independentes e não derivadas. O monismo sustenta, de um modo geral, a existência de uma única ordem jurídica. Esta concepção tem duas posições: uma, que defende a primazia do direito interno, e outra, a primazia do direito internacional.

 

            O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais, principalmente sobre direitos humanos. Abaixo é reproduzida uma tabela com os atos em vigor atualmente [13]:

Atos Multilaterais em Vigor para o Brasil no Âmbito dos Direitos Humanos

Título

Data

Promulgação

Decreto no

Data

Convenção sobre a Escravatura

25/09/1926

66

14/07/1965

Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano

24/02/1940

36098

19/08/1954

Acordo Relativo a Concessão de um Título de Viagem para Refugiados que Estejam sob Jurisdição do Comitê Intergovernamental de Refugiados

15/10/1946

38018

07/10/1955

Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher

02/05/1948

31643

23/10/1952

Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Políticos à Mulher

02/05/1948

28011

19/04/1950

Convenção para a Prevenção do Crime de Genocídio

09/12/1948

30822

06/05/1952

Declaração Universal dos Direitos Humanos

10/12/1948

 

 

Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos e Enfermos dos Exércitos em Campanha (I)

12/08/1949

42121

21/08/1957

Convenção para a Melhoria da Sorte dos Feridos, Enfermos e Náufragos das Forças Armadas no Mar (II)

12/08/1949

42121

21/08/1957

Convenção Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra (III)

12/08/1949

42121

21/08/1957

Convenção Relativa à Proteção dos Civis em Tempo de Guerra (IV)

12/08/1949

42121

21/08/1957

Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados

02/07/1951

50215

28/01/1961

Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher

31/03/1953

52476

12/09/1963

Convenção relativa à Escravatura, assinada em Genebra a 25 de setembro de 1926 e emendada pelo Protocolo aberto à assinatura ou à aceitação na Sede das Nações Unidas

07/12/1953

58563

01/06/1966

Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura

07/09/1956

58563

01/06/1966

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

07/03/1966

65810

08/12/1969

Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Civis e Políticos

16/12/1966

 

 

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

19/12/1966

592

06/07/1992

Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

19/12/1966

591

06/07/1992

Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados

31/01/1967

70946

07/08/1972

Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José)

22/11/1969

678

06/11/1992

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres

18/12/1979

4377(*)

13/09/2002

Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes

10/12/1984

40

15/02/1991

Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura

09/12/1985

98386

09/11/1989

Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)

17/11/1988

3321

30/12/1999

Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais

27/06/1989

5051

19/04/2004

Convenção sobre os Direitos da Criança

20/11/1989

99710

21/11/1990

Protocolo à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Relativo à Abolição da Pena de Morte

08/06/1990

2754

27/08/1998

Acordo Constitutivo do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe

24/07/1992

3108

30/06/1999

Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Declaração e Programa de Ação)

25/6/1993

 

 

Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores

18/03/1994

2740

20/08/1998

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher

09/06/1994

1973

01/08/1996

Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência

07/06/1999

3956

08/10/2001

Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres

06/10/1999

4316

30/07/2002

Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos

 

4463

08/11/2002

Declaração Facultativa à Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial

 

4738

12/06/2003

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados

25/05/2000

5006

08/03/2004

Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança referente à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil

25/05/2000

5007

08/03/2004

Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes

18/12/2002

6.085

19/4/2007

(*) O Decreto nº 4.377, de 13/09/2002 revogou o Decreto nº 86.460, de 20/03/1984.

 

Reproduzido de, e, disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/dhumanos.htm

 

            Diversas teorias doutrinárias são encontradas sobre a posição hierárquica dos tratados internacionais, sobretudo em relação à hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos que, via de regra, são dotados de prerrogativas e status diferenciado nas Constituições de vários países.

            No Brasil, e no restante do mundo em geral, em relação aos tratados internacionais de direitos humanos as posições se dividem em quatro possibilidades, PIOVESAN (2009, p.17-8): a) a hierarquia supra-constitucional desses tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal; e, d) a paridade entre tratado e lei federal.

            Achamos conveniente assim denominar: a) acima da Constituição (supraconstitucional); b) hierarquia constitucional; c) abaixo da Constituição e acima da legislação infraconstitucional (supralegal); d) hierarquia de legislação infraconstitucional (infraconstitucional).

            Na América do Sul a divisão não ocorre somente na doutrina, pelo que ela é gravada nas constituições, assim num quadro comparativo entre dez países sul-americanos, teremos:

 

 

CELEBRAÇÃO

APROVAÇÃO

CONTROLE JUDICIAL

HIERÁRQUIA LEGAL

REFERENDO

POPULAR

ARGENTINA

Presidente, art. 99, 11.o

Congresso,  art. 75, 22.o

Concentrado e difuso, art. 116

c) supralegal  para tratados em geral, art. 22 e b) constitucional para tratados de direitos huma-nos, art. 22, §1.o

Vedado, art. 39

BOLÍVIA

Presidente, art. 96, 2.o

Poder Legisla-tivo, art. 59, 12.o

Concentrado, art. 120, 9.o

 

 

BRASIL

Presidente,  art. 84, VIII

Congresso Na-

cional, art. 49, I

Concentrado, art. 102, III, b

 Difuso, art.  105, III, a; art. 109, III

b) constitucional para tratados de direitos huma-nos  após vota-ção, art. 5.o, § 3.o em combinação c/ art. 60

b) constitucional para tratados de  direitos huma-nos ratificados antes da Emen-da n.o 45, art. 5.o, § 2.o

 

CHILE

Presidente, art. 32, 17.o

Congresso, art. 50, 1.o

Concentrado,  anterior à rati-ficação, art. 82, 1.o, 3.o e § 1.o

 

 

COLÔMBIA

Presidente, art. 189, 2.o

Congresso, art. 150, 16.o

Concentrado, art. 241, 10.o

c) supralegal para tratados de direitos huma-nos, art. 93

Vedado, art. 170, 3.o parágrafo

EQUADOR

Presidente , art. 420

Assembléia Na-

cional, art. 122, 8.o

Concentrado, anterior à ratificação, art. 440

b) constitucional para tratados de  direitos huma-nos, art. 426  e   c) supralegal, para os demais trata-dos,  art. 427

Permitido, art. 422

PARAGUAI

Presidente, art. 238, 1.o

Congresso, art. 202, 9.o

 

c) supralegal , art. 137

 

PERU

Presidente,  art. 57.o

Congresso, art. 102.o, 3

Concentrado, art. 200.o, 4

d) infraconstitu-cional, art. 55.o

Vedado, art. 32.o, 1.o parágrafo

URUGUAI

Presidente, art. 168, 20.o

Assembléia Geral, art. 85, 7.o

Concentrado,  art. 239, 1.o

 

 

VENEZUELA

Presidente,  art. 236.o, 4

Assembléia Na-cional, art. 187.o, 18

Concentrado, anterior à ratifi-cação, art. 336, 5.o

b) constitucional para tratados sobre direitos humanos, art. 23.o

Permitido, art. 73.o, 2.o parágrafo

 

            Podemos tirar algumas conclusões de dados referentes às Constituições mostradas:

1. Todos os países estudados se utilizam do mesmo sistema de celebração/ratificação, qual seja, celebra-se pelo chefe do Poder Executivo, o Presidente, e é ratificado pelo Poder Legislativo, na ordem bicameral, Congresso.

2. Só utilizam o controle concentrado permitindo juntamente o difuso, dois países: Brasil e Argentina. Os demais se utilizam do controle concentrado, com as ressalvas que o Chile, o Equador e a Venezuela podem se utilizar do controle de constitucionalidade concentrado anteriormente à ratificação pelo Poder Legislativo, e por fim o Paraguai não deixa explicito seu controle de constitucionalidade.

3. As Constituições da Bolívia, do Chile e do Uruguai não se pronunciaram sobre a hierarquia dos tratados internacionais. Argentina, Brasil, Equador e Venezuela, conferem hierarquia constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos, e a Constituição da Colômbia lhes confere hierarquia supralegal, a Constituição do Paraguai confere hierarquia supralegal a qualquer tratado internacional, e por fim, a Constituição do Peru confere hierarquia infraconstitucional (ou paridade entre tratado e lei nacional) a qualquer tratado internacional.

4. As Constituições do Equador e da Venezuela permitem o referendo, consulta à população, sobre os tratados internacionais, já as Constituições da Argentina, da Colômbia e do Peru, vedam expressamente a prática do referendo aos tratados, as demais não se pronunciaram.

            Como visto, a questão da hierarquia dos tratados internacionais está definida em algumas Constituições, com primazia pela hierarquia constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos (quatro países) ou supralegal (dois países) e infraconstitucional (um país), sendo sete países de um universo de dez a indicarem as suas posições em relação aos tratados internacionais, mormente em relação aos que versam sobre direitos humanos, e três países que não deixaram explicito em suas Constituições qual a posição na hierarquia legal do ordenamento jurídico ocupam os tratados internacionais depois de serem incorporados ao direito doméstico.

            Contudo há contradições, explica-se, sacando fora os três países do grupo que se manifesta, Argentina, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru e Venezuela, deixam explicita a posição hierárquica ocupada pelos tratados internacionais de direitos humanos, já o Brasil, a sua Constituição, deixa uma dicotomia platônica, por serem contrários e complementares, entre a interpretação e a temporalidade dos §§ 2.o e 3.o do seu artigo quinto, uma vez que pairam dúvidas sobre a interpretação e o alcance efetivo do § 2.o do artigo quinto, que foi promulgado em 5 de outubro de 1988, no sentido de definir se houve uma “entrada” efetiva de direitos contidos em tratados internacionais que foram ratificados pelo Brasil no período compreendido entre a promulgação do § 2.o e a promulgação e vigência do § 3.o, ambos do artigo quinto, em 8 de dezembro de 2004.

            De antemão sabemos que textualmente não houve a entrada de nenhum outro direito ou garantia fundamental no corpo da Constituição de 1988 durante esses pouco mais de 14 anos que compreende o interstício que objetivamos.

            Entretanto, sabemos que a linguagem não se esgota em texto e tampouco a força normativa de um direito fundamental deixa de ser demonstrada por falta de positivação textual, por isso devemos realizar um estudo sobre o direito formal e o direito material em relação ao direito constitucional e a Constituição mesmo.

            A doutrina constitucionalista aponta uma distinção entre o direito constitucional formal e o direito constitucional material, assim explicando BIDART (1994, p. 275):

El derecho constitucional formal se maneja con uma constitución también formal. Si la pensamos en su tipo clásico de constitución escrita o codificada, podemos describirla conforme a lãs siguientes características: a) La constitución es una ley. b) Por ser la ley suprema, se la considera como super ley. c) Esa ley es escrita. d) La formulación escrita está codificada, cerrada, o reunida en um texto único y sistematizado. e) Por su origen, se diferencia de las leyes ordinarias o comunes em cuanto es producto de un poder constituyente que, también formalmente, aparece elaborándola.

 

El derecho constitucional material remite a la dimensión sociológica, y utiliza el concepto de constitución material, o real, que equivale también al de régimen político o sistema político. Si buscamos sinónimos, decimos que la constitución material es la constitución vigente y eficaz (derecho constitucional positivo) de um estado, “aquí” y “ahora” en tiempo presente. Una constitución es material cuando tiene vigencia sociológica, actualidad y positividad.

La constitución material se atiene, fundamentalmente, al fenómeno de la vigencia sociológica, a diferencia de la formal que, primariamente, destaca la normatividad.

           

            Explica também BIDART (1994, p. 276) a noção de bloco de constitucionalidade:

Por bloque de constitucionalidad puede entenderse, según cada sistema en cada estado, un conjunto normativo que parte de la constitución, y que añade y contiene disposiciones, principios y valores que son materialmente constitucionales fuera del texto de la constitución escrita. Suele situarse en ese bloque a los tratados internacionales, al derecho consuetudinario, a la jurisprudencia, etcétera.

El bloque de constitucionalidad así integrado sirve para acoplar elementos útiles en la interpretación de la constitución, y en la integración de los vacíos normativos de la misma.

 

            JORGE MIRANDA (1993, v. IV, p. 7 e ss.) chama a atenção para os direitos fundamentais formais e materiais: “todos os direitos fundamentais em sentido formal são também direitos fundamentais em sentido material. Mas há direitos fundamentais em sentido material para além deles”.

            E, continua na lição, a distinção entre eles “remonta ao IX Aditamento (de 1971) à Constituição dos Estados Unidos…”.

            Distinção que salta-nos a vista se reproduzirmos o texto integral da IX Emenda (Amendment) à Constituição dos Estados Unidos:

Amendment IX (Emenda IX)

The enumeration in the Constitution, of certain rights, shall not be construed to deny or disparage others retained by the people.

A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada para negar ou coibir outros direitos inerentes ao povo.

                       

            Ou seja, não só os direitos que estão positivados -formalmente- na Constituição, mas outros direitos fundamentais, embora não-positivados -são materiais -, traduzidos nos costumes, na razão de ser, nos hábitos, na moral, na educação, ou em qualquer fato social, fazem parte do mesmo rol não-exaustivo compreendido na Constituição, cumprindo diferenciar o que de fato é ou não um direito fundamental, como ensina CANOTILHO (1993, p.528):

Por outro lado, trata-se de uma «norma defattispecie aberta», de forma a abranger, para além das positivações concretas, todas as possibilidades de «direitos» que se propõem no horizonte da acção humana. Daí que os autores se refiram também aqui ao princípio da não identificação ou da cláusula aberta. Problema é o de saber como distinguir, dentre os direitos sem assento constitucional, aqueles com dignidade suficiente para serem considerados fundamentais.

           

            É claro que direitos fundamentais positivados em textos ordinários, legislação infraconstitucional, ou tratados internacionais, acordos bilaterais, entre outros, também se agregam ao rol dos direitos fundamentais, como ensina MIRANDA (ibidem, p. 10):

Quer isto dizer que há (ou pode haver) normas de Direito ordinário, interno e internacional, atributivas de direitos equiparados aos constantes de normas constitucionais.

           

            No mesmo sentido que CANOTILHO (idem, ibidem):

A Constituição admite (cfr. art. 16.°), porém, outros direitos fundamentais constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.

           

            A Constituição de Portugal é explicita neste sentido: “Artigo 16.o, 1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.

            A Constituição do Brasil de 1988 prevê tal medida da seguinte forma: “Art. 5.o, § 2.o Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

            No Brasil diversos autores apóiam a tese da materialidade constitucional, “bloco de constitucionalidade”, dos tratados internacionais de direitos humanos incorporados pelo § 2.o do art. 5.o da CF/88, entre eles:

            CANÇADO TRINDADE (2002, p. 650-1):

Com efeito, o artigo 5(2) da Constituição Federal de 1988 determina que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja Parte”.

       Por meio deste dispositivo constitucional, os direitos humanos consagrados em tratados de direitos humanos em que o Brasil seja Parte incorporam-se ipso facto ao direito interno brasileiro, no âmbito do qual passam a ter “aplicação imediata” (artigo 5(1)), da mesma forma e no mesmo nível que os direitos constitucionalmente consagrados.

           

            PIOVESAN (2009, p. 14):

É nesse contexto que há de se interpretar o disposto no art. 5o, § 2o do texto, que, de forma inédita, tece a interação entre o Direito brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos. Ao fim da extensa Declaração de Direitos enunciada pelo art. 5o, a Carta de 1988 estabelece que os direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

           

            MAZZUOLI (1999, n.37):

O que ocorre, é que o § 2.º do art. 5.º da Constituição Federal, como se pode perceber sem muito esforço, tem um caráter eminentemente aberto, pois dá margem à entrada ao rol dos direitos e garantias consagrados na Constituição, de outros direitos e garantias provenientes de tratados. Está, a cláusula do § 2.º do art. 5.º da Carta da República, a admitir (e isto é bem visível!) que tratados internacionais de direitos humanos entrem no ordenamento jurídico interno brasileiro a nível constitucional, e não no âmbito da legislação ordinária, como quer o Supremo Tribunal Federal.

 

            LAFER (2005, p. 15):

No plano interno, esta política jurídica exterior tem o respaldo e o estímulo do § 2º do art. 5º, que afirma que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República federativa seja parte.

           

            REZEK (2007, p. 103):

Uma última dúvida diz respeito ao passado, a algum eventual direito que um dia se tenha descrito em tratado de que o Brasil seja parte – e que já não se encontre no rol do art. 5o. Qual o seu nível? Isso há de gerar controvérsia entre os constitucionalistas, mas é sensato crer que ao promulgar esse parágrafo na Emenda constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, sem nenhuma ressalva abjuratória dos tratados sobre direitos humanos outrora concluídos mediante processo simples, o Congresso constituinte os elevou à categoria dos tratados de nível constitucional.

 

            Nestes termos, na presente exposição deve-se deixar claro que alguma coisa, coisa jurídica, evidentemente, interfere ou mesmo chega a atrapalhar o entendimento real e o alcance efetivo do § 2.o do artigo quinto da CF/88. Esta alguma coisa se pronunciou flutuante no entendimento de alguns direitos que poderiam ser tratados de tal forma ou outra durante a vigência isolada do § 2.o do artigo 5.o da CF/88, mas voltou a se pronunciar mais surpreendentemente a partir da vigência do § 3.o do artigo 5.o da CF/88.

            Com o devido respeito à transposição lingüística de coisa jurídica, esta se exterioriza no conjunto de decisões (jurisprudência) do Supremo Tribunal Federal. É na ordem do dia-a-dia dos julgamentos em que se confronta a lei doméstica, de todos os níveis, com a lei internacional, que o STF dita a palavra final, para a pacificação, a estruturação, a segurança jurídica, necessária para solucionar os conflitos.

            Deveria ser, mas nem sempre é, assim, pois a “jurisprudência” do Supremo Tribunal Federal, não obstante alguns acertos, ainda pende entre dois posicionamentos, essa a “má notícia”, a notícia boa é que entre os dois posicionamentos sobre a hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, há uma corrente constitucionalista e outra supralegal, significando um progresso neste ramo, como iremos verificar.

 

 

* Wladimyr Mattos Albano, Pós-graduado em Direito Público e Tributário pela Universidade Cândido Mendes.

 

 

Como citar e referenciar este artigo:
ALBANO, Wladimyr Mattos. Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Decisões do Supremo Tribunal Federal – Parte I. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/tratados-internacionais-de-direitos-humanos-e-decisoes-do-supremo-tribunal-federal-parte-i/ Acesso em: 28 mar. 2024