Direito Constitucional

ADPF e ADI por Omissão

ADPF e ADI por Omissão

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Quando do processo constituinte de 1987/88, por influência dos juristas portugueses que, a convite, compareceram a Brasília, o país adotou o modelo da ação direta de inconstitucionalidade por omissão semelhante ao que existe em Portugal, objetivando não permitir que princípios e normas constitucionais deixassem de ter eficácia, por falta da legislação pertinente.

 

Sabiamente, entretanto, o constituinte, ao hospedar essa forma de controle concentrado, não permitiu que a Suprema Corte assumisse o papel de legislador positivo, sempre que detectada fosse a omissão parlamentar, determinando que, nestas ações, pelo § 2º do artigo 103, a decisão proferida fosse apenas no sentido de dar ciência ao Poder Legislativo de que sua omissão modelava a lei suprema.

 

É que se o Tribunal determinasse ao Parlamento que produzisse a lei, essa determinação levaria o Pretório Excelso a decretar a prisão, por desobediência à ordem judicial, de 513 deputados e 81 senadores!

 

A prudência do constituinte revelou-se sábia, servindo a declaração de inconstitucionalidade por omissão, mais como uma sinalização moral para que o Parlamento cumprisse sua obrigação de gerar a legislação pertinente.

 

A Emenda Constitucional n. 3/93, introduziu o § 1º ao artigo 102 da Constituição Federal, instituindo a ação de descumprimento de preceito fundamental e criando um veículo de menor especto e abrangência que aquele da ADI por omissão.

 

Tanto é verdade que, de 1993 até 1999, sequer se pensou em regular a ADPF, idéia que Celso Bastos levou a Gilmar Mendes, depois de a termos discutido, e que fez com que Gilmar pedisse ao Presidente Fernando Henrique a nomeação de uma Comissão de Juristas (Celso, Gilmar, Arnoldo Wald, Oscar Corrêa e eu) para produzir o ante-projeto. Em honra ao saudoso jurista e companheiro de comentários à Constituição, a Comissão foi denominada de “Comissão Celso Bastos” e por ele presidida.

 

Do projeto, resultou a Lei n. 9882/99, que não objetivou –e nem poderia- tornar o Supremo Tribunal Federal um legislador positivo e muito menos teve a intenção de se transformar num vínculo processual de maior abrangência que o do controle abstrato, introduzido pelo Constituinte Originário de 1988.

 

É uma ação, indiscutivelmente, de espectro menor que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

 

Sendo este o seu espectro, foi com profunda preocupação que vi o STF, na ADPF 54 –caso dos anencéfalos- outorgar-se poderes de legislador positivo e de preenchimento de vácuos legislativos, substituindo-se ao Congresso Nacional para a geração de nova hipótese de aborto não previsto na lei penal, nada obstante o Congresso Nacional estar discutindo –como bem relatou a Ministra Ellen Gracie- sete projetos de lei para regular a matéria. No mesmo sentido votaram os Ministros Carlos Mário Velloso, Cesar Peluso e Eros Grau, sendo, todavia, vencidos.

 

Para a Gazeta Mercantil, jornal de índole econômica, trago a questão, pois o que me preocupa, a partir do precedente aberto, é que venha o Governo Federal –em questões econômicas ou tributárias- a se utilizar do veículo da ADPF para tentar obter da Suprema Corte aquilo que sua desorganização, no Congresso, não tem conseguido obter do Parlamento.

 

Tenho um profundo respeito pelos Ministros da Suprema Corte e na última sustentação oral que fiz perante o Excelso Tribunal, recentemente, lembrei-me de que a mesma emoção que tivera, há mais de 40 anos, quando mais jovem do que todos, lá sustentara pela primeira vez, continuava a sentir agora, mais velho do que os 11 magistrados que lá estão. Nada obstante esse respeito, estou convencido de que por falta de representação popular não podem eles agir como legisladores positivos e correm o risco –por mais dignos e competentes que sejam- de atuarem mal, como legisladores positivos. Sua função maior é a defesa da Constituição, inclusive como legisladores negativos, mas não a de se revestirem do papel de representantes do povo, principalmente porque sua indicação é feita por um homem só –o presidente-, devendo o Presidente Lula, até o fim de seu mandato, nomear 5 dos 11 Ministros daquela Corte.

 

Peço a S.Exas., a quem dedico profundo respeito e admiração, que reflitam sobre a situação, principalmente comparando a ADPF com a ADI por omissão, de espectro maior -e em que, declarada a inconstitucionalidade, não pode o STF produzir a legislação pertinente- com a de ADPF, veículo menor, mas pela qual o STF está propenso a assumir a função de legislador positivo.

A matéria está a merecer reflexão mais profunda.

 

SP., 31/05/2005.

 

 

* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. ADPF e ADI por Omissão. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/adpf-e-adi-por-omissao/ Acesso em: 29 mar. 2024