Direito Constitucional

Limites constitucionais às contribuições de intervenção no domínio econômico

Limites constitucionais às contribuições de intervenção no domínio econômico

 

 

Kiyoshi Harada*

 

 

Nada obstante a carga tributária de 33% do PIB, as 5.500 entidades federativas, incapazes de cortar despesas de estruturas governamentais esclerosadas, orquestram movimento nacional, nas 3 esferas de Casas de Legislativas, para aumentar sobre a sociedade brasileira o peso da imposição tributária.

    

A União principia a dar sinais que, esgotados os caminhos clássicos da imposição, pretende utilizar-se, largamente, de tributo apenas mencionado no art. 149 da Constituição Federal e que constitui uma das 3 espécies de contribuições especiais, ou seja, aquela de intervenção no domínio econômico.

    

Afora a menção no artigo 149 da lei suprema, que reproduzo:

 

“Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”,não há nesse dispositivo qualquer outra indicação sobre seu perfil, razão pela qual já se vislumbra, na discussão das leis financeiras que compõem as leis orçamentárias, nítida tendência de burocratas, políticos e juristas, que acreditam no Estado utópico, para exploração deste novo veio, antes inexplorado.

 

    

Detecto, em tais tentativas, manifesta miopia constitucional -prefiro não detectar “má-fé impositiva”–, visto que o campo de incidência de tais contribuições está, nitidamente, delineado na Constituição, ou seja, no artigo 170 “caput”, incisos II e IV e no “caput” do artigo 174.

    

A contribuição de intervenção no domínio econômico deve respeitar a livre iniciativa (“caput” do art. 170 e inciso II), a livre concorrência (inc. IV do artigo 170) e o planejamento meramente indicativo para o setor privado (art. 174).

    

Estes artigos têm a seguinte redação:

 

“Art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II. propriedade privada;

IV. livre concorrência”; “Art. 174 Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”.

 

    

Como se percebe, sendo a contribuição de intervenção no domínio econômico instrumento de planejamento econômico, à nitidez, não pode ser utilizado de forma determinante para o setor privado, e, principalmente, para segmentos que não estejam desregulados, descompassados ou vivenciando evidente crise de competitividade ou de subsistência. Sendo um instrumento interventivo, apenas pode ser adotado excepcionalmente e quando detectado desequilíbrio de mercado, que deva ser superado. Caso contrário, a contribuição conformaria uma forma de planejamento determinante para o segmento privado, o que vale dizer, se tornaria um tributo maculador da lei suprema.

    

A ordem econômica, na Constituição, adotou clara opção pela economia de mercado, não permitindo sequer, à luz do art. 173, que o Estado atue no setor privado, a não ser em casos de relevante interesse coletivo ou imperativos de segurança nacional. Fora destas hipóteses, pode prestar serviços públicos com densidade econômica (art. 175), mas não pode participar da exploração de atividades pertinentes de iniciativa particular.

    

Ora, a instituição, como mecanismo regulatório, de uma contribuição de intervenção -as regras do art. 174 não são interventivas-apenas é de ser admitida se o mercado estiver desregulado.

    

Não é de se aceitar, portanto, os diversos projetos que circulam no Congresso Nacional, objetivando onerar o contribuinte, à luz de uma política arrecadatória, para atingir os mais variados aspectos da atuação econômica do segmento privado. Se aprovados, a intervenção não será regulatória, mas desregulatória, pois onerará ainda mais a classe empresarial já suficientemente sufocada por tributos de uma arcaica estrutura impositiva que, nada obstante as falas governamentais, jamais foi alterada para melhor.

    

Na linha do meu pensamento, já se filiam juristas do porte de Alcides Jorge Costa, Gastão Alves de Toledo, Helenilson Cunha Pontes e Ricardo Mariz de Oliveira, que a consideram um tributo de utilização excepcional e jamais um instrumento rotineiro de arrecadação que objetiva mascarar a notória incapacidade do esclerosado Estado brasileiro de reduzir despesas.

    

Merece, pois, reflexão a matéria. Que parlamentares não aprovem referidos projetos (a não ser, em casos excepcionais, de contribuições que sejam verdadeiramente regulatórias e não apenas arrecadatórias) e que os magistrados estejam atentos a qualquer tentativa de se desfigurar o perfil das contribuições de intervenção no domínio econômico do Sistema Brasileiro.

 

SP, 28.06.01.

 

 

* Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Presidente Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HARADA, Kiyoshi. Limites constitucionais às contribuições de intervenção no domínio econômico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/limites-constitucionais-as-contribuicoes-de-intervencao-no-dominio-economico/ Acesso em: 28 mar. 2024