Direito Constitucional

A Reforma Judiciária

A Reforma Judiciária

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

A aprovação, pelo Congresso Nacional, da Reforma Judiciária representa um passo importante para o desenvolvimento das nossas instituições e a segurança jurídica da qual o país tanto precisa. Após longas e amadurecidas discussões das quais participou amplamente a sociedade civil e que mereceram importante contribuição da classe dos advogados, podemos garantir um melhor funcionamento da Justiça. Há mais de três anos, já defendíamos, em artigo publicado na Folha de São Paulo, “a inadiável reforma judiciária”, evidenciando que o crescimento da economia exigia uma renovação no campo da aplicação do direito para que tivéssemos uma justiça eficiente.

 

Se o novo Código Civil permitiu superar o verdadeiro labirinto legislativo, em que vivíamos, continuávamos sofrendo com a demora na distribuição da Justiça. Se, como já se disse, o melhor presente que um Governo pode dar ao povo é garantir-lhe boas leis, ainda é preciso que sejam aplicadas rapidamente e com eficiência. É o que está sendo feito em virtude da reforma constitucional, agora complementada por uma jurisprudência construtiva do STF, dispensando, em casos especiais, o pré-questionamento e procurando concentrar os seus julgamentos nas questões temáticas mais relevantes. Por outro lado, o Ministro Nelson Jobim está debatendo com a sociedade civil vários projetos de leis que vão completar o quadro institucional de um direito à altura do nosso desenvolvimento econômico e que possa ser um dos seus catalisadores.

 

A necessidade da reforma se explica pois o Supremo Tribunal Federal está processando e julgando mais de 100 mil processos por ano, enquanto na década de 1960, a Corte Suprema apreciava anualmente cerca de 5.000 feitos, com o mesmo número de ministros. Situação análoga existe no Superior Tribunal de Justiça, com um fluxo cada vez maior de recursos especiais, sendo que um dos aspectos que justificam uma modificação substancial do sistema vigente é a repetição de julgamentos sobre a mesma matéria. Uma primeira solução que se adotou foi a súmula vinculante. Ora, é evidente que de nada servem os julgamentos repetitivos quando a matéria já está pacificada nos tribunais, especialmente, se nenhum argumento novo e relevante é apresentado. Justificar-se-ia, pois, que, também no Superior Tribunal de Justiça, possa ser dado caráter vinculante às suas súmulas.

 

Não se trata de dar rigidez ao direito, pois os tribunais brasileiros sempre tiveram – e continuarão tendo – a criatividade necessária e o poder-dever de interpretar os textos legais construtivamente, de acordo com a evolução econômica e social do país, fazendo da jurisprudência uma verdadeira fonte do direito. Poderão até, em casos excepcionais, diante de novas circunstâncias, rever as suas próprias súmulas. Apenas não se deve transformar um tribunal superior numa máquina meramente repetitiva de decisões.

 

E no caso se argumentos novos não examinados quando da edição das súmulas surgirem, como já defendemos no passado –e a própria Ministra Ellen Gracie então Desembargadora do TRF da 1ª Região encampou a tese à época— nada impedirá que a nova argumentação volte a ser examinada pelo Poder Judiciário.

 

Não haverá, no caso, portanto, redução do campo de trabalho para os advogados, pois a segurança jurídica permitirá um maior desenvolvimento econômico, repercutindo positivamente na atuação da classe. Por outro lado, será facilitado o trabalho do causídico, que poderá prever os resultados do processo, informando mais adequadamente o cliente.

 

Um outro aspecto positivo consiste em permitir aos tribunais superiores conhecer, ou não, dos recursos de acordo com a sua relevância social, política ou econômica, em vez de serem obrigados a decidir todas as questões, mesmo quando, na realidade, não têm qualquer importância. No regime federativo, os tribunais superiores não se destinam a corrigir todas as eventuais falhas dos tribunais estaduais ou regionais, cabendo-lhes a função de salvaguardar a aplicação do texto constitucional, uniformizar a jurisprudência e intervir nos casos de decisões aberrantes ou iníquas.

 

Não se justifica, pois, que pequenas diferenças de despesas de condomínio ou conflitos de vizinhança residencial venham a ocupar o tempo dos nossos magistrados do mais alto nível. Não se trata de criar um poder discricionário e muito menos arbitrário, mas de garantir a rapidez e coerência no conhecimento e na análise dos recursos. É um verdadeiro imperativo para que os tribunais superiores tenham o tempo suficiente para examinar em profundidade e com a velocidade necessária as grandes questões jurídicas.

 

Finalmente, é também importante que a Constituição permita que as partes possam resolver os seus litígios recorrendo à arbitragem, estendendo essa faculdade às pessoas jurídicas de direito público como consta na recente reforma.

 

Estamos, pois, assistindo à uma verdadeira revolução construtiva da Justiça, que deixa de ser cega e burocratizada, para atingir os seus objetivos de eficiência, tornar-se mais social e humana e garantir o desenvolvimento institucional do país.

 

* Advogado tributarista, professor emérito das Universidades Mackenzie e UniFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, do Centro de Extensão Universitária e da Academia Paulista de Letras.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Reforma Judiciária. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/a-reforma-judiciaria/ Acesso em: 28 mar. 2024