A Pec nº 351/2009, em discussão no Congresso Nacional, apelidada de “trator do calote público” em alusão aos tratoristas, na verdade terroristas do MST, continua com os mesmos vícios de inconstitucionalidade que levaram a Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados a sepultar a Pec nº 12/2006, conhecida como a Pec do Satanás.
Não iremos, neste breve artigo, apontar cada uma das inconstitucionalidades já sobejamente conhecidas pelo público especializado, principalmente, após a divulgação do extenso e judicioso voto em separado proferido pelo Deputado Regis de Oliveira, professor titular de Direito Financeiro da USP.
Mas vale a pena apontar a violação do princípio maior da administração que é o da moralidade pública. O Estado-devedor coage seu credor a vender-lhe o seu crédito representado por precatório por meio de um “leilão” e pelo critério do maior deságio. Daí não ser correta a afirmativa contida no Relatório da CE de que é preservada a ordem cronológica dos precatórios. Como isso seria possível?
Neste breve artigo, cuidemos de outros aspectos inovadores que, certamente, irão contribuir para aumentar a burocracia, discussão e protelação na quitação de precatórios.
O primeiro deles diz respeito à preferência no pagamento de precatoristas de natureza alimentar com mais de 60 anos de idade, porém, limitado à quantia de até três vezes do valor da Requisição de Pequeno Valor.
Quem conhece a prática sabe que nas ações judiciais de servidores há litisconsórcio ativo reunindo
Outro aspecto a retardar o processo de pagamento de precatório é a inclusão de matéria estranha, consistente na faculdade de a Fazenda apresentar os débitos tributários do precatorista para abatimento antes da expedição do precatório. Não bastasse a violação do princípio do contraditório e ampla defesa, pois, na prática, existem “débitos” que surgem na calada da noite, sem conhecimento prévio do contribuinte, esse corpo estranho irá servir como poderoso instrumento para protelar o pagamento dos precatórios. Representa, pois, um calote inserido dentro da Pec do calote.
Na verdade, existe alternativa simples, transparente e viável do ponto-de-vista operacional para solucionar o passado “impagável”.
Basta dividir o montante do débito em X parcelas anuais a serem pagas por X títulos públicos por entes políticos devedores e avalizados pelo Tesouro Nacional, os quais, passariam a ter poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora após o seu vencimento. Com isso seria aproveitada toda a infra-estrutura legislativa já existente, Lei nº 4.320/64 e LC nº 101/2003, sem maiores procedimentos burocráticos. A cessão do crédito far-se-á por simples endosso como já é de praxe. E a quitação do título público dá-se com a sua apresentação no Tesouro, isto é , por tradição manual. Isso eliminaria a incansável e interminável discussão judicial quanto à necessidade ou não da subrrogação do cessionário no pólo ativo da ação com concordância da Fazenda, ou, da possibilidade ou não de o cessionário de precatório oferecer à penhora o seu crédito nas execuções fiscais.
É preciso aprovar instrumentos normativos ágeis, simples que não contribuam para emperrar, ainda mais, a atividade judiciária. Do contrário, as mini-reformas processuais que vêm sendo feitas com esse intuito ruirão por terra.
Dizer que o atual § 2º, do art. 78, do ADCT é auto-aplicável não é suficiente para eliminar as dificuldades na ausência de uma lei específica regulando a matéria. Afinal, qual a autoridade administrativa competente para realizar a compensação do precatório com os tributos devidos? o chefe do Posto Fiscal? o chefe da Inspetoria? O Coordenador do CAT? o Secretário da Fazenda? Como proceder a contabilização segundo as normas de direito público? Essas normas em relação ao resgate de títulos públicos já estão estabelecidas em lei, bem como a fixação de despesas a esse título já está contemplada na lei orçamentária anual. Por que não aproveitar a estrutura legal de já dispõem os Estados e Municípios por força de preceitos constitucionais de natureza financeira de observância obrigatória pelos três entes políticos?
Parece haver sempre uma clara preferência do legislador por normas nebulosas de exeqüibilidade limitada por suscitar dúvidas e discussões intermináveis.
* Kiyoshi Harada. Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. Site:www.haradaadvogados.com.br